PolíticaPorque não me falas Isabel Castro - 4 Dez 2015 [dropcap style=’circle’]F[/dropcap]icámos a saber esta semana que a Universidade de Macau pretende, a partir do próximo semestre e até ao ano lectivo de 2017/2018, acabar gradualmente com a língua portuguesa como disciplina opcional para os alunos que, frequentando outros cursos, querem ter um contacto com o idioma. A universidade justifica a decisão com um argumento de ordem economicista, difícil de aceitar: diz então a instituição instalada em grandiosas instalações da Ilha da Montanha que, para evitar “desperdício de recursos”, as aulas hoje dadas neste regime opcional passarão a fazer parte de um “minor” a ser criado no ano em que o Português sai da lista de 13 disciplinas de escolha livre. Alega o estabelecimento de ensino que, “infelizmente, a maior parte dos alunos que escolhiam esta cadeira normalmente paravam quando atingiam o nível 1”, ou seja, a universidade considera que entre um semestre de aulas de Português e nada, nada é bem melhor, porque o que interessa é que a malta seja poupadinha. Apesar de a instituição de ensino superior – financiada com dinheiros públicos – garantir que a língua portuguesa é de grande importância e que tudo está a ser feito para que sejam cumpridos os desígnios do Governo de Macau em relação à matéria, a verdade é que a aprendizagem da língua vai deixar de ser acessível a quem quer tirar “minors” e “majors” noutras áreas de conhecimento. Ou seja, basicamente, a Universidade de Macau vai passar a ensinar português a muito menos estudantes. Aqueles que, estando em cursos de diferente natureza, queiram ficar com umas noções do idioma, vão ter de recorrer a outras instituições de ensino. A notícia não surpreende. Ao contrário do que escreveu no comunicado de reacção à notícia desta semana, a Universidade de Macau não é (e nunca foi) conhecida por dar grande significado à língua e às outras dimensões da cultura portuguesa. Este facto – é um facto objectivo, não é uma impressão – não chocaria se a universidade fosse privada. Acontece que não é. Basta abrir o site da instituição para se perceber como a língua portuguesa é (mal) tratada. Clica-se na opção “português” e o que nos aparece à frente deveria ser motivo de profunda vergonha para quem gere uma instituição que passa a vida a gabar-se dos seus feitos: encontramos então uma mistura de português e inglês, sendo o inglês muito mais presente. Também na comunicação com os jornalistas de língua portuguesa não há, salvo raríssimas excepções, o menor cuidado com o idioma usado para se tentar passar a mensagem. Para quem não está dentro dos detalhes da profissão, aqui fica o contexto: o Gabinete de Comunicação Social do Governo tem um site de acesso exclusivo aos jornalistas que serve para a divulgação das notas de imprensa dos vários serviços e entidades públicas, site este que tem versão em chinês e versão em português. Ora, a Universidade de Macau envia para o site em língua portuguesa comunicados destinados aos jornalistas de língua portuguesa redigidos em inglês. E aqui vão alguns exemplos, para fundamentar o que escrevo: na passada quarta-feira, fomos todos informados de que a UM Portuguese Debating Team wins 2nd prize at Portuguese debating competition for students in Asia. Na terça-feira, disseram-nos que os UM students win 1st prize at ‘Challenge Cup’ Contest. Na segunda-feira, a UM wins championship at 3rd Macau Model European Union e a UM holds joint conference with United Nations Commission on International Trade Law. Got it? Dir-me-ão que há coisas mais importantes do que a língua em que chegam as notas de imprensa da Universidade de Macau e eu concordo, mas pouco. A forma diz muito sobre as práticas de uma instituição de ensino que deveria ter orgulho em pertencer a uma terra com uma herança portuguesa que a China quer preservar. E é óbvio que aquilo que é português é uma pedra no sapato universitário da Ilha da Montanha, um fardo que tem de se ir aguentando, um legado muito pouco desejado. Das coisas que são mais importantes do que a forma: o curso de Direito em língua portuguesa. O desinvestimento que por ali anda e que começou, há já alguns anos, com a nomeação para cargos de chefia e de direcção de académicos sem currículo, nem provas dadas no direito de matriz portuguesa, no Direito de Macau. Independentemente do mérito e dos conhecimentos que possam ter, com a fantástica capacidade de gestão pela qual são reconhecidos, nada têm que ver com o que ali se ensinava, com o espírito do curso. Direito é, acima de tudo, cultura, capacidade de compreensão de uma certa forma de estar. Direito é também língua, por mais que alguns não queiram. Em Hong Kong nunca houve qualquer problema em se perceber que assim é. Volto ao site da Universidade de Macau e aqui estou eu de novo empancada na forma: clico na portuguesa Faculdade de Direito e aparece-me uma Faculty of Law com um Bachelor of Law in Portuguese Language que, dizem-me, é um program with a purpose of preparing students to be jurists and being familiar with Macau legal system. Salva-se a additional information da introduction – um texto miraculosamente escrito em português. Volto atrás e clico no study plan, que me apresenta uma lista de disciplinas, todas elas com nomes ingleses, sobre cadeiras que são dadas em português. Nem todas têm correspondência com o curso que frequentei há uma década, nesta mesma universidade. Mudou-se o programa, a carga horária das disciplinas e deixou de ser um curso automaticamente reconhecido em Portugal, para ter apenas validade neste 30 quilómetros quadrados. Very useful, portanto. Regresso ao ensino do português. À incapacidade que tenho em perceber que a língua portuguesa não seja entendida com um grande investimento. À incapacidade que tenho em perceber por que razão não é a Universidade de Macau o maior pólo de formação de Português para estrangeiros na Ásia, porque é que não é reconhecida fora do território como um grande centro de aprendizagem da língua portuguesa. No meio de tudo isto, há o Governo. The Government. E um chanceler da universidade que se chama Chui Sai On e que é também Chefe do Executivo, o homem que tem a responsabilidade máxima de zelar pelos nossos recursos e pelos nossos interesses. Talvez não fosse má ideia, um dia destes, começar a olhar com atenção para o que se passa lá longe, na Henqin Island.