VozesRefugiado me confesso Rui Flores - 24 Nov 2015 [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]sentimento antimuçulmano está a crescer na Europa. Essa é uma das consequências imediatas dos atentados de 13 de Novembro, em Paris. Outra é a de que os refugiados não são mais bem-vindos na Europa. Esta tornou-se bem visível algumas horas depois dos acontecimentos que ceifaram a vida a 130 pessoas na capital francesa, quando o novo governo polaco anunciou que iria suspender de imediato a sua quota-parte de acolhimento de refugiados. A narrativa que está a ser construída é a de que pelo menos um dos autores dos atentados de Paris terá passado pela Grécia integrado no fluxo de refugiados que estão em marcha desde a Síria até à Europa. É difícil fugir à tentação de escrever que a narrativa procura criar as condições para que o silogismo ponha termo à entrada de mais refugiados no continente europeu: todos os refugiados são terroristas, logo não mais refugiados na Europa. A vida é injusta. Todos o sabemos. Mas esta generalização, como tantas outras generalizações, tem em si um mal enorme. As percepções têm um poder imenso. Formamo-las ao longo dos anos em relação a todos os outros que fogem à norma. Uma norma à qual nos fomos habituando e transmitindo aos nossos filhos, que nos marca de uma forma indelével, e que está por detrás de todos os comentários que fazemos e que determina o que somos e como vimos os outros. Mesmo que nos esforcemos por ignorar as percepções, elas estão sempre presentes no nosso dia-a-dia. O candidato a refugiado não é uma pessoa que está em condições de escolher o quer que seja. O refugiado é alguém que perdeu todas as possibilidades de ser. Esgotaram-se-lhe as hipóteses. Deixou de ter opções. É alguém que está confrontado com apenas uma saída: morrer ou fugir. Quando o caminho se afunila desta maneira ninguém pode ser acusado de estar a tomar más decisões. Para muitos, para uma imensa maioria, esta é a sua verdade. A sua história. É evidente que os custos que acarreta a longa viagem da Síria ou do Afeganistão até à Europa não podem ser suportados por todas as famílias. São famílias remediadas as que se metem à aventura até ao continente europeu e que conseguem pagar todos os subornos e as tarifas de transporte, de barco, de comboio, de carros, aos contrabandistas de gente. Os que se aproveitam da miséria humana hão-de subsistir sempre, tanto mais que o negócio é rentável e sem qualquer tipo de onerosidade associada a prémios de seguro nem a reclamações em caso de má prestação do serviço. Até porque nos casos das viagens pelo Mediterrâneo, não poucas vezes o que tem acontecido é a “mercadoria” acabar no fundo do mar, sem possibilidade de ser intentada qualquer tipo de acção judicial. O silogismo é perigoso porque nos faz esquecer o que efectivamente sofrem estas pessoas. É claro que haverá radicais islâmicos entre os refugiados que chegam à Europa. A probabilidade é grande que, entre as mais de 800 mil pessoas que já se meteram a caminho do continente europeu desde o início deste ano, haja vários potenciais terroristas à espera de um sinal para atacarem. Mas a argumentação de que se deve ter muito medo pois os candidatos a refugiados que chegam à Europa são acima de tudo homens jovens já não colhe. Na verdade, segundo os números mais recentes daqueles que já foram registados – os outros não poderão, naturalmente, ser contabilizados –, 73 por cento dos refugiados e migrantes são do sexo masculino e 81 por cento têm menos do que 35 anos. Os seus países de origem têm uma pirâmide etária bastante jovem. E culturalmente não há abertura para que as mulheres de vinte e poucos anos saiam de casa dos pais nem tão pouco para que as mais novas viajem sozinhas. Essa é uma dimensão da igualdade de género que está por alcançar. Em muitos casos, as mulheres ficam para trás. O homem vai à frente, desbravando caminho, na esperança de um dia poder construir as condições para que o resto da família se lhe junte, em segurança. É por isso que são sobretudo homens aqueles que chegam à Europa originários, na sua grande maioria, de países de fé muçulmana. A realidade é demasiadas vezes muito difícil de retratar. E de ser credível. Quando as estórias que ouvimos nos são tão distantes, custa-nos muito acreditar nelas. Como se escutássemos um conto fantástico. A União Europeia tomou a decisão no final da semana passada de reforçar os controlos das fronteiras externas da Europa, obrigando os europeus ao mesmo tipo de escrutínio a que têm estado sujeitos os cidadãos de países terceiros. Até ao final do ano vai ser estabelecida uma lista de passageiros de viagens aéreas no interior da Europa à qual terão acesso todos os Estados-membros, de forma a que se possa controlar com mais eficácia os movimentos de eventuais suspeitos de redes terroristas. Ainda bem. É preciso que continuemos a estar ao lado da política de abertura aos refugiados por todos os que, justificadamente, merecem ser acolhidos na Europa, no final da mais longa viagem da sua vida, fugindo de uma morte certa.