Perspectivas VozesQue Europa se pretende? Jorge Rodrigues Simão - 28 Out 2015 “The European Union (EU) is going through hard times. Some would even go so far as to claim that it is in the midst of a serious survival crisis. There has also been growing apprehension regarding whether the euro itself, and the EMU of which it is the jewel in the crown, can survive. Moreover, many people and governments, especially in Germany, the Netherlands and the UK, are unhappy with the increasing number of immigrant workers coming to them from the new Member States.” The European Union Illuminated: Its Nature, Importance and Future Ali El-Agraa [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] Itália, ao contrário de outros países europeus estava dividida em inúmeros Estados independentes. A marcha da História foi no sentido da unificação. Qual teria sido o poder de negociação da República de Veneza contra as potências que representavam nessa altura a França e a Grã-Bretanha? O mundo, presentemente, reduziu-se ainda mais, e põe directamente em relação económica, e concorrência social, grandes países, livres na sua política, e Estados médios, condicionados na sua. O combate é desigual, a não ser que se criem regras de jogo tão claras que o intercâmbio comercial se torne leal. Mas essas regras implicavam uma única moeda ou um sistema de câmbios fixos, em que muitas vezes, com efeito, os desvios permanentes que se observavam nas paridades das moedas vinham confundir os valores relativos do trabalho dos homens. A experiência das décadas de 1980 e 1990 foi a de sobrevalorizações e subvalorizações sistemáticas das moedas nacionais. A mesma exigência que levava à unificação dos países divididos em territórios independentes levou a pretender unir num conjunto homogéneo pequenos e médios Estados, para constituírem um espaço suficientemente poderoso para dispor de todos os atributos de soberania. A dinâmica era clara e foi no sentido da História. Mas o processo tem sido complexo, pois põe em jogo, simultaneamente, o político, o económico e o social. A sua relativa rapidez fez com que a redistribuição dos poderes que implica surgisse à luz do dia. Como é possível imaginar que aqueles que detêm poderes, ou pensam detê-los, fiquem sem reacção? E pouco importa se trate de trocar um poder formal por um poder real. O simbólico é importante, e os atributos do poder contam mais, por vezes, do que o seu exercício real. Certas resistências à Europa explicam-se deste modo. Um segundo elemento, essencial, deve ser tomado em conta. Refere-se à filosofia que preside à unificação europeia. Que esta seja inevitável não significa que as suas modalidades sejam as únicas. A unificação dos Estados foi um processo político, voluntarista, dirigista. A união económica e monetária, pelo contrário, provém de uma outra concepção. A revolução conservadora que se apoderou da Europa, na viragem da década de 1970 e 1980, levou à afirmação do primado do mercado sobre a vontade política, do liberalismo sobre a democracia. A Europa seria um grande mercado como é; a teoria económica afirmava que dele adviriam grandes vantagens, em termos de eficiência, de factores de progresso e, consequentemente, de produtividade e competitividade. Era preciso organizar esse mercado segundo os cânones da concorrência e deixar à flexibilidade espontânea dos preços e dos salários o cuidado de regular os desequilíbrios. A opção era, pois, a de políticas virtuosas, não intervencionistas, financeiramente equilibradas. No frontispício de Maastricht encontravam-se abstracções como o mercado, a concorrência, a moeda, e proibições como a inflação e os défices públicos. Tratava-se sem dúvida, de uma magistral falha de comunicação. Os povos esperavam ser aliviados das dificuldades da sua vida quotidiana, da ausência de futuro provocado pelo desemprego maciço. Em vez de lhes falar de melhoria do seu nível de vida, erradicação do desemprego, realização pelo trabalho, anunciava-se-lhes, como solução para os seus males, a moeda única, dizendo-lhes que a porta seria estreita e que haveria muitos candidatos mas poucos eleitos. A moeda, por essencial que seja, é, como dizia Hegel a “abstracção de uma abstracção”, visto que é um equivalente geral, a abstracção concretizada de todas as necessidades humanas. Evidentemente que estas duas posições não são mutuamente exclusivas mas são complementares. Mas a moeda foi anunciada como algo prévio ao crescimento, a virtude como condição necessária, mas não suficiente, da solução para o problema do emprego. Os mercados financeiros e cambiais, ao mesmo tempo, em busca de lucros fáceis, entregavam-se à especulação, retendo uma parte cada vez maior do esforço dos países. Faziam-se dançar as moedas, desfazendo, num instante, o resultado dos esforços de anos de rigor. Ao mesmo tempo também, cada um confessava a injustiça que constituía o nível historicamente elevado das taxas de juros: a miséria, o medo do desemprego, a estagnação do nível de vida, o marasmo dos negócios, tudo isso servia para distribuir rendimentos consideráveis aos detentores do capital financeiro. É claro, a Europa era uma moda, uma meta que podia voltar a dar esperança às pessoas; a unificação é portadora de novas solidariedades. Mas poderia e deveria ter-lhe sido dado um rosto mais atraente. A palavra Europa está hoje, mais do que ontem, carregada de múltiplas conotações. Algumas são negativas, pois o período mais recente apresentou a Europa mais como uma imposição do que como um futuro. Outras são positivas, como a pacificação de uma região turbulenta do mundo, mas pertencem ao passado. Outras continuam a ser interrogativas; a Europa, potência económica, irá deixar que continue a desenvolver-se no seu seio o mais grave dos males e também o mais pernicioso que uma democracia pode conhecer em tempo de paz que é o desemprego maciço? A Europa dos vinte e oito, encerrada nos seus egoísmos mas aspirando ao poder político, irá assistir passivamente à pauperização da Europa do Sul e Oriental, postergar a adesão dos países dos Balcãs, da Turquia e deixar morrer a Ucrânia dividida, à escalada dos nacionalismos, dos conflitos extremistas e étnicos e das divisões entres os seus Estados-membros, que tanto a fizeram sofrer no passado? Hoje, todas estas e outras conotações retiram ao conceito de Europa a sua modernidade. A construção europeia foi fértil nas três décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial; permitiu aos Estados-membros enfrentar melhor o seu destino, porque era, simultaneamente, um projecto político, económico e social. Em pouco tempo, transformou-se numa das regiões mais ricas do mundo, mas também numa das regiões onde a protecção social estava melhor garantida. Daí em diante, tem vindo a perder fôlego, a cooperação necessária entre os países da Europa diminuiu nos momentos em que a sua necessidade mais se fazia sentir. Perante a adversidade, isto é, face aos choques múltiplos que caracterizaram as últimas décadas, a frente comum esboroou-se. O facto de os países europeus serem concorrentes na competição internacional fez muitas vezes esquecer que eram solidários, pela comunhão dos seus interesses a longo prazo e, .com ou sem razão, a Europa foi vista mais como um projecto financeiro virtuoso do que como um destino mobilizador dos povos. Isso é grave. Mais do que nunca, a Europa é um imperativo essencial. Se nos desviarmos dele, mesmo que, no imediato daí retiremos alguns benefícios, o futuro tornar-se-á mais sombrio, politicamente, mas também economicamente. Porque o mundo em que entrámos é um mundo em que as políticas nacionais têm cada vez menos efeito nos desequilíbrios nacionais. Quando o têm, é, quase sempre, em detrimento de outros países. O remédio é então ilusório, pois cedo ou tarde, os outros países retirarão as suas lições, e as suas reacções restabelecerão a situação, anterior na melhor hipótese e, na pior hipótese, agravá-la-ão. Uma casa só pode permanecer aberta se o ambiente exterior não lhe for hostil. O mesmo sucede com um país. O projecto comunitário convida os Estados-membros a dominarem conjuntamente o seu mundo exterior, dentro e fora da Europa, a controlá-lo melhor para, em conjunto, tirar dele melhor partido. As tendências do presente que se fazem sentir vão num sentido oposto. Como chegámos aqui? Seria ridículo afirmar que os governos europeus são os únicos do planeta que não são sensíveis ao agravamento do desemprego. Pelo contrário, tudo indica que se trata para eles de uma preocupação constante. Também não se tornaram repentina e dogmaticamente monetaristas. A hipótese a formular é que o cimento da construção europeia, na década de 1980, foi exclusivamente monetário; que a coordenação entre países europeus foi feita apenas em torno da manutenção das paridades fixas; que isso, evidentemente, era desejável mas que, por falta de coordenação dos outros elementos de política económica, só podia ser feita em detrimento do desemprego. É de ter consciência do carácter parcial, e por isso injusto, quiçá desta hipótese, na medida em que nada diz sobre as dificuldades reais das políticas nesse período, nomeadamente em função das estratégias de não cooperação conduzidas nas outras regiões do mundo, sobretudo nos Estados Unidos. Mas ela contém uma parte de verdade, pois no essencial, os países europeus só se puseram de acordo explicitamente e institucionalmente num único objectivo, a desinflação, e a partir daí, a construção europeia foi julgada apenas em função da satisfação desse objectivo. A Europa foi construída a partir do início da década de 1980 sob o signo do dinheiro caro. Há qualquer coisa de estranho, de surrealista mesmo, em pensar que os destinos dos seus povos ficava frequentemente suspenso do anúncio de decisões respeitantes à taxa de juro de uma instituição nacional cuja missão exclusiva era a de zelar pelos interesses nacionais pelos quais era responsável. A lição é dura e só se pode compreender o presente e preparar o futuro relembrando os erros do passado, que infelizmente muitos repetem-se, apesar de circunstancialismos distintos, mas a lição faz lembrar a fábula das abelhas de Mandeville em que a procura sistemática da virtude financeira tem-se revelado contraproducente. O que provocou a explosão do SME foi a obstinação em mantê-lo intacto por razões de credibilidade, muitas vezes contra o bom senso. Querer verdadeiramente a Europa implica que não nos enganemos de objectivo. Caso contrário, os acontecimentos se encarregarão de desfazer os dogmas, de fazer vergar as instituições que abanam, por muito inteligentes que sejam. A única, a verdadeira justificação económica da construção europeia, é que ela tem por desiderato aumentar o bem-estar dos povos, isto é, o seu nível de vida e as suas oportunidades de emprego. Não é procurar a virtude financeira em detrimento da coesão social.