Black Narcissus, 1947, de Michael Powell e Emeric Pressburger

O cinema britânico não é um cinema a que se tenha dedicado, nesta página, muita atenção. Não é por mal. Escreveram-se umas poucas de linhas sobre Don’t Look Now, 1973, de Nicholas Roeg, a pretexto de um fascínio pelo tema do desaparecimento que se estende a mais dois filmes, um italiano e um holandês, um texto inspirado por 12 Years A Slave, de Steve McQueen, 2013, que pouco mais é que a expressão de uma grande desilusão, um artigo a propósito de Caravaggio, de Derek Jarman, de 1986, nascido do gosto pelo tenebrismo, pela notação de uma teatralidade pouco própria ao cinema destas ilhas, e pela pintura de Caravaggio, de quem vira há pouco tempo um quadro em Hong Kong, e, finalmente, uma homenagem adolescente a The Long Good Friday, 1979, de John Mackenzie, um filme querido que está cada vez mais na moda porque hoje em dia é quase impossível fazer um filme de gangsters convincente e inovador.
(À medida que escrevo estas linhas – à pressa – apercebo-me de que afinal se acumula um número não suspeitado de filmes).
Juntam-se aos quatro filmes acima citados mais dois: The Fallen Idol, 1948, de Carol Reed, um típico thriller de fim de semana um pouco infantil (um dos muitos filmes britânicos sobre meninos ou rapazes*), e o modelar filme de rebeldia juvenil If, 1968, de Lindsay Anderson (a cujo This Sporting Life, de 1963, dedico um carinho difícil de ultrapassar).
Não resisto a lembrar, mais uma vez, que olho sempre para o cinema das Ilhas Britânicas com uma grande dose de condescendência e uma dose ainda maior de afecto, diferente da profunda admiração e respeito (às vezes quase medo) que me causa o romântico cinema alemão, o densíssimo cinema russo, o poético cinema português ou o insuportavelmente mimado cinema francês – para citar apenas exemplos europeus.

[quote_box_left]Sim, esta é uma saborosa história de freiras, erotismo e insanidade passado num cume dos Himalaias filmado por Jack Cardiff em cores cheias e sensuais[/quote_box_left]

A relação que mantenho com o cinema britânico é tão pessoal que sobre muitos deles não escreveria. Prefiro guardá-los a expô-los, talvez porque as qualidades que neles noto não sejam tão universais como as que noto em outros filmes de outras origens. Penso em filmes como Kes, Naked, The Village of the Damned (1960), Peeping Tom, Goodbye Mr. Chips, Alfie, Distant Voices Still Lives, Withnail and I, Blue, The Loneliness of the Long Distance Runner, Don’t Look Now, The Browning Version, The Go Between, This Sporting Life, Billy Liar ou My Beautiful Laundrette.
Quem os conhece imediatamente perceberá que são filmes provincianos ou domésticos e é por essa razão que me escuso a partilhá-los. DkVPGOywoNiabJ9VO5p3CFmYnGfaDgE6UE6gb52z__Wmo8qebU-gnBlQxHS2W1U7dnpPeE6Q-nddglwkATg6f-xmG_V0HEdG8fXEI4zDKT6YT9dTizcMfrsh7a8yqjw7EefaOq3SbDSVRzENiAkKqz_QdGj3=s0-d-e1-ft
Diverte-me também que alguns filmes, como Gandhi, Ryan´s Daughter ou Lawrence of Arabia sejam considerados grandes monumentos da história do cinema. (Deixo Greenaway e Kubrick de parte para não criar muita confusão).
Tenho dificuldade em colocar algum filme britânico numa prateleira onde se juntem filmes como Ordet, Jalsaghar, L’Année dernière à Marienbad, Persona, Journal d’un curé de campagne, ou Chronik der Anna Magdalena Bach. Não seria justo.
O filme que aqui me traz não é muito bom. Nem gosto muito dele. Mas de repente lembrei-me das suas cores vivas e da altitude a que tudo se passa e das suas improbabilidades: é Black Narcissus, 1947, de Michael Powell e Emeric Pressburger.
Um filme de 1947 com uma música assim só pode causar nostalgias mas não é a nostalgia que me faz voltar a ele, é o deleite pela aceitação mole de um fantasismo popular. Tudo neste filme é improvável mas filmicamente aceitável.
Um grupo de freiras ocupa um convento nos Himalaias, num lugar chamado Mopu. O jovem general chama-se Sabu e este é um filme de uma altura em que as pessoas sabiam menos sobre o mundo e, mais importante, tinham acesso a muito menos imagens do mundo e mais facilmente se deixavam enganar/encantar.
A Superiora do convento, Irmã Clodagh, é muito bonita, e o plano em que pela primeira vez se vê o seu rosto não nos deixa duvidar dos seus poderes nem da sua beleza. É um plano maroto, porque não se filma assim uma freira.
O responsável britânico junto do Senhor local, o agente, é um tal Mr. Dean, um homem jovem e sedutor cujo comportamento desbragado (e o modo estranho como se veste, por vezes apenas com uns calções curtos e reveladores) marca um contraste bem definido (isto é um filme para as massas, a história é clara, não contém ambiguidades) com o comportamento piedoso das Servas de Maria.
Desde o início se desenha a inevitabilidade de um interesse amoroso nas alturas dos Himalaias, apimentado pelo pormenor do velho palácio que recebe as freiras ter sido anteriormente um serralho onde viviam, no luxo e no prazer de banhos (como mostram as pinturas que decoram as suas paredes), as mulheres do antigo Senhor local.
O contraste entre a suposta piedade das irmãs e a história do lugar e o comportamento gingão do Sr. Dean tem paralelo na história do jovem General, Sabu. Black Narcissus é o nome do perfume usado pelo garboso e principesco jovem que, no ambiente piedoso do convento, e enquanto dedicado aluno, se deixa seduzir por uma voluptuosa plebeia chamada Kanchi (Jean Simmons como nunca, negra e sensualíssima).
Sim, esta é uma saborosa história de freiras, erotismo e insanidade passado num cume dos Himalaias filmado por Jack Cardiff em cores cheias e sensuais. Se por vezes me lembro de Black Narcissus é por razões que se prendem com o berro das suas cores.
Pouco mais se pode pedir mas deve lembrar-se quão excêntrico é este desígnio erótico na história do cinema britânico.
Há, no cinema ocidental, muitos filmes com freiras – mais do que se poderia imaginar – e ao olhar para o olhar da Irmã Ruth, louco de amor e de ciúme, é impossível não pensar nas diabólicas freiras de Matka Joanna od Aniolow, de Jerzy Kawalerowicz.
A loucura que os olhos da Irmã Ruth traem ao aproximar-se da Superiora do convento para a matar, traz um fim trágico à permanência das Irmãs em Mopu. No fim, fica-se com a sensação de que a aventura das freiras foi despropositada e que a interferência inglesa num complexo cultural completamente exótico não poderia senão dar este fruto amargo.
Rejeitadas por um povo que elas não compreendem, insistentemente aflitas por um clima inclemente, o grupo de freiras da Ordem das Servas de Maria vê-se obrigado a deixar o antigo serralho.
Sabu desiste de se elevar através da educação (o convento manteve, durante o período em que esteve aberto, uma escola e um hospício) para se dedicar a ocupações mais próximas e mais próprias à sua condição principesca: os deleites do amor e a prática da guerra.

 insistência que eu gosto de pensar que tem uma razão muito própria mas cuja definição não encontro. São Kes, Oliver!, Walkabout, Ratcatcher, Billy Elliot, The Loneliness of the Long Distance Runner, The Bill Douglas Trilogy, Oliver Twist, The Boy Who Turned Yellow, The Innocents, etc. No médio-oriente existe também um número muito substancial de filmes sobre rapazes.

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