Duarte Drumond Braga VozesMacau Boys: a micro-história da poesia em língua inglesa entre nós Há uns anos, o investigador Rogério Puga chamou a atenção para algo que poucos de nós conhecíamos: uma pequena linhagem de poetas escrevendo em inglês sobre Macau. A história começa logo no início de Hong Kong, quando se fundou essa colónia e os ingleses que cá andavam para lá foram. Já nos anos 1840, Sir John Francis Davis, um dos primeiros governadores de Hong Kong, andava por Macau a namoriscar Camões, e compôs um soneto latino, que foi publicado no Canton Repository, jornal de bretões de Cantão, e depois inscrito na própria Gruta. Décadas depois, W.H. Auden passou por cá e ficou fascinado com esta erva daninha católica. De um lado, a Hong Kong frenética dos negócios; do outro, esta Macau sonolenta onde santos barrocos seguravam o queixo de jogadores e opiómanos. Seu contemporâneo, um gordo militar britânico residente ao hotel Boa Vista, G.H. Jollie (1921-1950), pachorrentamente publicou “The Edge of the World: Translations from the Chinese and Some Additional Poems” (1949), sobre o território. Em 2006, nascia a Association of Stories in Macao (ASM), uma pequena organização que se propunha promover a escrita sobre Macau. O nome por trás da transformação era o de Kit Kelen, um australiano que decidiu fazer de Macau a sua casa literária. Durante treze anos, este poeta e professor da Universidade de Macau conduziu estoutra nau do trato. As três antologias que a ASM publicou entre 2008 e 2009 são prova disso. A primeira, I Roll the Dice, Contemporary Macau Poetry, reunido por K. Kelen e Agnes Vong, reuniu mais de cem poetas contemporâneos de língua inglesa de Macau, originais e traduzidos, que mostra como a literatura de língua inglesa é vértice oculto de uma triangulação que apenas tem o Chinês e o Português como início(s). E quem diz Inglês, não diz só ingleses e australianos. Veja-se o belíssimo “Pan Chai: a Filipino boy in Macau”, de Papa Osmubal, da mais interessante poesia que se tem publicado em inglês em Macau, justamente pela ASM Poetry, em 2011. Macau é terra de poetas, disse Kelen em outra parte. De alguma forma os temas repetem-se: o acaso, a sorte, o jogo. A ASM não parou por aqui. Criou parcerias, editou revistas online, publicou poetas chineses traduzidos para inglês. Kelen tornou-se editor da revista Poetry Macao e colaborou com publicações locais. Macau é de facto a porta, a passagem, como está inscrito no seu caligrama tão bem conhecido de nós, e que todos os dias vemos, na rua. Felizmente não apenas para as redes expatianas, passe o neologismo. Também para os filipino boys deste Macau.
Sofia Margarida Mota Perfil PessoasMarta Pereira, locutora: “A rádio fala para as pessoas” [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]esde pequena que a rádio ocupa grande parte da vida de Marta Pereira. Da infância, recorda que os pais trancavam a porta da sala para não aceder à aparelhagem. Para evitar os discos riscados, eram-lhe oferecidos rádios que “atirava para o chão para tentar ver as pessoas que estavam lá dentro”. Desde essa altura que a paixão pela rádio não a larga “porque é uma magia e continua a ser uma companhia, a rádio fala para as pessoas”. A locutora da Rádio Macau viu a vida mudar quando sentiu, na pele, o desemprego em Portugal e o avião rumo a Macau foi a solução, ao aceitar uma proposta de emprego no território. “Trabalhava como jornalista em Portugal e, em virtude da situação de crise económica que o país começou a atravessar, os órgãos de comunicação social começaram a definhar e acabei por ficar desempregada”, recorda ao HM. Incapaz de “ficar parada”, decidiu investir num projecto pessoal e integrar um curso no Cenjor na área de jornalismo digital quando surgiu a proposta para vir trabalhar para Macau. Em registo de surpresa, Marta Pereira decidiu arriscar. “A proposta para vir para cá apanhou-me desprevenida, é certo. As primeiras questões que coloquei foram o que vou fazer e quanto vou ganhar para saber se, realmente, compensaria vir”, explica. Com as respostas na mão, a decisão não durou mais do que uma semana a ser tomada e passado um mês estava a chegar ao território. “Não foi uma decisão difícil, até porque gosto de aventuras e de desafios, e esta oportunidade pareceu-me mais um desafio que poderia colocar na minha carteira”. Em vésperas de mudar de vida e de lado do mundo, Marta Pereira, que não conhecia Macau, tentou, pelos meios que podia, perceber o lugar que a esperava. “Quando aceitei a proposta comecei à procura de tudo o que dissesse respeito ao território mas não criei muitas expectativas, até porque já aprendi que o não devo fazer. Vinha com os pés relativamente assentes na terra.” A chegada, há cerca de um ano, foi um misto de sensações em que as questões eram, essencialmente, “que luzes são estas, que cheiro é este?”. Ninguém se entende A grande dificuldade que encontrou foi a linguagem. “Sou uma pessoa, se calhar fruto da minha profissão, que gosta de comunicar. Chego a Macau e, de repente, tenho a barreira intransponível da língua.” Ingenuamente, Marta Pereira estava à espera que a língua portuguesa se falasse mais no território. “Queria comunicar e não conseguia, e isso foi muito difícil para mim”. No entanto, o problema “já está devidamente ultrapassado”. A exigência do entendimento atalhou e desenvolveu outros caminhos. “Aprendemos a desenvolver outras formas de comunicação e muitas vezes recorremos à mímica para nos fazermos entender”. Mas Marta Pereira não cruzou os braços perante o muro linguístico e inscreveu-se na licenciatura de ensino da língua chinesa como língua estrangeira no Instituto Politécnico de Macau por achar que “poderia, de alguma forma, facilitar a comunicação e o conhecimento das vivências da comunidade chinesa, até porque é muito difícil entrar no meio deles, e o facto de falar a língua poderia abrir portas nesse sentido”. Por outro lado, e a pensar no futuro, o facto de conhecer a língua poderia ser uma mais-valia em termos profissionais futuros. A falta de tempo e a complexidade no estudo de um sistema linguístico muito diferente daquele a que estava habituada fazem com que “esteja a ser muito difícil a conjugação entre trabalho e aulas”. Questões de linguagem à parte, Marta Pereira não sentiu dificuldades de maior. Para a locutora, “o ser humano é camaleónico e adapta-se muito facilmente às circunstâncias”. Hoje, sente-se “perfeitamente aculturada” apesar de existirem ainda algumas diferenças culturais que a perturbam. Mas é também na diferença cultural que encontra o fascínio. “Acho incrível poder conviver com comunidades tão diferentes”, afirma, salientando as particularidades de Macau, “uma cidade que não dorme e de contrastes”. “Temos a cidade moderna, das luzes e dos casinos e, em contraponto, temos a Macau antiga, com prédios cinzentos, com os rituais de se comer na rua e dos mercados exteriores. Este contraste é absolutamente delicioso.” Entre um e outro, Marta Pereira não tem preferências: gosta de viver em ambos.