António Conceição Júnior VozesA redondeza da bola Dia 3 de Fevereiro foi noticiado que o colombiano Jackson Martinez foi transferido do Atlético de Madrid para o Guangzhou Evergrande, pela módica quantia de 42 milhões de Euros, batendo o recente recorde de 21 milhões de libras que o Jiangsu Juning pagou ao Chelsea pela transferência do brasileiro Ramires. Se atentarmos que a Liga profissional chinesa, conhecida como Super Liga, foi fundada em 2004, produto da reformulação da Chinese Football Association Jia-A League, a notícia terá espantado o mundo ocidental pelo poderio financeiro revelado pelos clubes chineses, mas não a mim, se fizer uma viagem no tempo. Nos inícios da década de 1970, a República Popular da China utilizou sabiamente a “diplomacia do ping pong”. Foi, assim, que em 1972 Richard Nixon se encontrou com Mao Zedong. O recurso ao desporto foi, nesses anos de caminhada para a abertura, uma forma de afirmação. Após uma única participação nos Jogos Olímpicos de Helsínquia em 1952, a R.P.C. só voltou a competir em 1984, em Los Angeles. Recordo-me de na altura ter pensado que a China não iria aos Estados Unidos para passear. E, assim, o regresso saldou-se por 15 medalhas de ouro, 8 de prata e 9 de bronze, tendo ficado classificada em quarto lugar. Nessas olimpíadas emergiu Li Ning, o famoso ginasta chinês que destronou os japoneses e colheu três medalhas de ouro, duas de prata e uma de bronze. A participação da R.P. da China nas competições desportivas mundiais e olímpicas foi ganhando cada vez maior projecção, sendo desde 1984 uma potência desportiva mundial em incontáveis modalidades, decorrente de um trabalho sério, planificado e estratégico. A notícia que abre este escrito suscitou-me, de imediato, a vontade de reflectir sobre o modo como se operou a transformação em grande potência mundial do mais populoso país do mundo, e apetece utilizar a redondeza da bola para o fazer, à guisa de metáfora. Toda a história da China está ligada à correcta utilização do poder, quer directamente do imperador quer, ainda, de estrategas como Sun Tzu e Zugue Liang, para apenas citar os mais famosos. E sabendo-se que Xi Jing Ping gosta de futebol, constatar-se-á que, mais uma vez, e na senda da política de abertura de Deng Xiao Ping, a China recorre a jogadores e técnicos estrangeiros para desenvolver sectores do seu interesse, sem que isso afecte minimamente o prestígio dos clubes, antes lhes confere maior prestígio. Foquemo-nos aqui perto, em Guangzhou, no Guangzhou Evergrande, só possível pela existência de uma economia socialista de mercado onde os bilionários são considerados heróis, por razões óbvias. O Guangzhou Evergrande, agora Guanzhou Taobao Evergrande, é suportado por dois potentados. O Evergrande é um grupo imobiliário que opera em, pelo menos, cem cidades da China e possui 45.8 milhões de metros quadrados de terrenos, sendo presidente do grupo Xu Jiayin, o quinto homem mais rico da China, com uma fortuna avaliada em 7.2 mil milhões. Por seu lado, Jack Ma, dono do potentado Alibaba, vem conferir a esta parceria um poderio económico astronómico que fará empalidecer Abramovitch. É assim que as coisas acontecem, à semelhança da grande dinastia Tang (618-904), quando não apenas convergiram para Ch’ang An mercadores árabes e judeus pela Rota da Seda, como também a sua grandeza e magnificência se exprimiu pela abertura a estudantes Confucionistas da Coreia e do Japão que vieram estudar e também exercer cargos no estrutura imperial. Neste ressurgimento de poder económico e político que a China atravessa, pode-se constatar a grande visão não apenas dos seus dirigentes como, igualmente, dos investidores em todos os campos, nomeadamente o desportivo, chamando para junto de si jogadores e treinadores estrangeiros, assinando contratos com – por exemplo – o Real Madrid para a abertura de 75 campos de futebol para uma academia. Todas as reconstruções devem fazer-se descomplexadamente, sem quaisquer laivos xenófobos, porquanto ir buscar o conhecimento onde ele está é um acto de sabedoria dado àqueles a quem a grandeza de espírito contemplou. Em jeito de remate, veja-se quão empreendedoras e estratégicas são as empresas chinesas: a Ledman Optoelectronic Company, sediada em Shenzhen, sendo já patrocinadora da Super Liga e da Liga I Chinesa, assinou um acordo para patrocinar a II Liga Portuguesa, situação que gerou um mal-estar incompreensível quando em Portugal não se privilegia o jogador português. Não sendo talhado para os negócios, não deixo de analisar com atenção os movimentos tipicamente chineses onde a subtileza ou o poderio se manifestam. Estamos, claro, a falar de um país, segunda economia mundial, que atingiu a posição que ocupa em apenas 40 anos. O mundo pula e avança sempre que se vai buscar o conhecimento onde ele existe. Descomplexadamente.
António Conceição Júnior VozesAturdimento e vazio [dropcap style=’circle’]P[/dropcap]assado o tempo de choque causado pelos ataques a Paris, eis que a cidade das luzes é palco da Cimeira do Clima, neste mês de Dezembro. Por aqui também faria jeito uma cimeira sobre cidades e cidadania, sobretudo quando Charles Landry está prestes a chegar a Macau. Não se deveria deixar passar a oportunidade da visita deste especialista em cidades criativas. Este último mês do ano surge agora também ameaçador para quem tinha passes mensais de parques de estacionamento, agora descobertos como ilegais pelas entidades competentes. O efeito foi de total aturdimento. Os ouvidos a zunir e, em redor, o caos junto à incredulidade. Cidadãos foram despejados de um parque de estacionamento que emitiu passes mensais posteriormente a 2009, o que para mim constitui uma estupefacção, porquanto não entendo nem consegui encontrar a razão da discriminação de datas e parques de estacionamento, a razão de o terem feito, porque só agora foram descobertos. Há um ditado que diz “ou há moralidade…”. Há nisto tudo uma impreparação clamorosa, um improviso total, porquanto em 2009 já devia ter soado o alarme quanto ao número de veículos em Macau. Foram precisos mais oito anos para que se tomasse a iniciativa de desalojar os portadores dos ditos passes sem que se conheçam quaisquer medidas para estancar o dilúvio de automóveis que continua a inundar a R.A.E.M., além da extrema poluição, consequência mais do que natural. Parece que a tudo isto preside uma lógica que, ou é a da batata ou a do inhame, conforme gostos e paladares, porquanto, para além de retirar benefícios aos cidadãos em nome de uma eventual “moralidade” que apenas existe na cabeça de algumas sumidades científicas propensas a sorteios e afins, redundou no aumento do custo do estacionamento para MOP6.00 por hora, o que significa que o trabalhador normal pagará dez horas por dia, aproximadamente, qualquer coisa como MOP60.00 diárias. Como resultado, pude constatar que em plenas 15:00 horas, um dos parques apresentava 115 vagas para automóveis e 130 para motociclos. O panorama é radicalmente diferente, com enormes espaços desocupados por quem não pode, ou não aceita, pagar somas tão avultadas. Perguntar-se-á a quem, verdadeiramente, beneficia esta medida. Seguramente não é aos cidadãos, únicas vítimas de tais luminosas ideias. Ora, não beneficiando o cidadão, alguém tirará lucro, se os automobilistas estiverem pelos ajustes ou forem obrigados a pagar por hora MOP6.00. Afinal, estamos num mercado libérrimo, onde até a asneira é livre. Entretanto, e porque depois de Kyoto, a cimeira de Paris ainda não decidiu sobre o futuro dos combustíveis fósseis, o nosso mercado livre vai deixando engrossar a fileira de automóveis e motociclos, e o nível do caos que é o trânsito, e o veneno que é a poluição do dióxido de carbono, que mata que se farta, mas andam todos distraídos com outros malefícios. Tudo isto me traz à mente o conceito budista do Vazio. “Uma taça só tem utilidade quando está vazia”. Transpondo para a realidade que este escrito aborda, creio que o princípio, ainda que não budista, é o mesmo: esvaziar para encher. Seguramente estamos no plano do aturdimento e do vazio.
António Conceição Júnior VozesA cultura, a criatividade e a economia [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]m boa hora vem o Professor Augusto Mateus a Macau, a convite do Albergue SCM, para um Seminário sobre as Indústrias Criativas, no quadro de uma plataforma estratégica nas relações económicas entre a China, a União Europeia e os Países de Língua Portuguesa. Seria bom que o Seminário fosse integralmente traduzido para o chinês, e que exista suficiente público com maturidade para ouvir, fruir e reflectir. As Indústrias Criativas são, por natureza e definição, actividades de natureza eminentemente Económica! O facto de se poderem intersectar com actividades de cariz criativo não faz delas, apenas, indústrias para “recuerdos” e o mais que por aí anda. Quando me falam de indústrias criativas, as minhas referências vão para grandes conglomerados como a Zara e a Zara Casa ou a Giorgio Armani, Emporio Armani, AX e Armani Casa, ou para as indústrias da inovação como a Samsung, a Apple, a Sony e tantas outras. Numa recente leitura de um artigo, que noticiava o novo carro eléctrico da Tesla (sem dúvida assim nomeada em homenagem a Nikola Tesla), tomei conhecimento do quanto a Apple está interessada no veículo, a ponto de oferecer aumentos de 60% para cativar engenheiros da Tesla a transferirem-se para a base da Apple em Cupertino, na Califórnia. A Apple não precisa de apresentação, apenas relembro que depois de ter criado o Macintosh, o iMac, o iPhone, o iPad, o Apple Watch, o potencial iCycle, o passo seguinte será um carro eléctrico, amigo do ambiente, a próxima cereja no topo do bolo Apple. Noutros firmamentos, as consolas de jogos, como a PS4 ou a XBOXONE, disputam mercados, enquanto, anualmente, a engenharia electrónica dos telemóveis, câmaras digitais e um sem número de gadgets e apps invadem o mercado, após sujeitas ao necessário design, este apenas parte do todo. A grande questão em Macau é que o meio criativo, além de ser pequeno, parece desconhecer a articulação da criatividade com outras especialidades e dos reais objectivos e escalas das Indústrias Criativas. A escassas 40 milhas, Hong Kong é um dos grandes produtores mundiais de filmes. Articula as suas produções com Hollywood. A vizinha Região Administrativa Especial tem marcas, como a Shanghai Tang, Baleno, Bossini, Giordano, Crocodile Garments, G2000, Esprit, Joyce Boutique, entre outras . E nós? Nós vivemos no planeta do wishful thinking, do pequeno projecto de cada um, sonhando legitimamente com a lua e o universo. Há em Macau um hábito muito antigo: o desaproveitamento de talentos, por não se saber dirigir, gerir, potenciar. Macau não tem disseminado uma elite pensante em várias línguas. Macau debate-se com falta de “talentos”, que nunca existirão enquanto se mantiver a postura de dificultar a entrada de mais valias. Sem quadros capazes, não há boas intenções que valham. Perdoe-se-me a nota pessoal, mas em 1995 propus, ao Governo de então, que fosse lançada uma estrutura, a que chamei de Centro de Criatividade, onde pudessem convergir, vindos de todo o lado, cérebros que construíssem um centro de inteligência que pudesse pensar sobre estes assuntos, num momento que as indústrias criativas não eram ainda assim chamadas. As malhas de então fizeram o assunto cair no olvido. Poder-se-á argumentar que Macau tem uma identidade muito própria e que, por tal, haveria que utilizar essa marca nos produtos aqui gerados. Não vou discutir esta premissa, apenas dizer que há uns anos a Universidade de São José estava a trabalhar com a China em veículos eléctricos. Desconheço o actual estado deste projecto. A pergunta é: em que é que isso e outras coisas têm a ver com hibridez cultural? Tomando o Reino Unido como referência, e as exportações como objectivo, as Indústrias Criativas geram anualmente naquele país 76.9 mil milhões de libras, qualquer coisa como MOP1,194,180,000,000!!! Não admira, pois, que a R.P. da China fale de diversificação económica para Macau. Não está a falar em objectos “Love Macau” , está a falar em economia criativa. O Centro de Referência de tecnologia da UM e o de Medicina Chinesa em Henqin poderão vir a constituir caminhos. Pode parecer que estou a ser crítico em demasia. Darei a mão à palmatória quando vir Indústrias Criativas em Macau a constituírem uma alternativa económica à indústria do jogo que, em 2014, caiu para 44.1 mil milhões de patacas. Os assuntos respeitantes à cidade, no seu conjunto, são interactivos, fazem parte de um todo. Falo a um plano ético e moral. Aí, a cidade constituir-se-ia num aglomerado funcional e verdadeiramente cosmopolita, despojada de pensamentos xenófobos que liquidam, à nascença, qualquer possibilidade séria de desenvolvimento. Não é, assim, despiciendo lembrar que os Estados Unidos se fizeram com imigrantes, e que as grandes cabeças que lá vivem foram atraídas pelos grandes conglomerados, pelas grandes universidades. Steve Jobs era descendente de sírios e alemães. O Nobel da Química de 2015, Aziz Sancar, nasceu na Turquia. O Nobel da Medicina 2015, William C. Campbell, nasceu na Irlanda. O Nobel da Física 2014, Shuji Nakamura, nasceu no Japão, e os exemplos e listas continuam, intermináveis. Assim, enquanto houver quem aposte na discriminação, enquanto não houver grandeza de espírito para abertura ao mundo, a cidade está condenada a ser aquilo a que os chineses chamam, muito justamente, de “sapo no fundo do poço, olha o redondo do céu e pensa que é o universo”. Não me parece que seja nada disto que a poder central da China deseja quando lança a orientação da diversificação da economia. No que respeita à arquitectura, numa cidade onde uma das principais actividades é o imobiliário, o que se assiste, em muitos casos, é à construção baratinha, com pastilha na parede. Uma cidade não pode viver da especulação. Estas são preocupações de cidadão, iguais às de muitos outros. É o desenvolvimento do colectivo, da qualificação da cidade enquanto um todo habitado e habitável, que me impele à defesa da cidadania plena, da qualidade e critérios, que só podem existir quando se compreender, por via da cultura, que a economia tem de ser encarada como força criativa e não especulativa.