A Terapia de Casal ou O Amor na Tempestade

Agora trabalho como terapeuta de casal, um sonho que há muito queria concretizar. A minha compreensão já não se baseia apenas em leituras incontáveis, mas também na experiência direta com o conflito dos casais. Deixo que essas vivências ressoem no meu conhecimento e na minha prática terapêutica, na esperança de que resultem em reflexões mais ricas neste espaço de escrita. Hoje, quero falar-vos sobre o amor na tempestade.

Uma relação amorosa pressupõe um vínculo afetivo. Podemos discutir as muitas formas possíveis de “casal”, mas convido-vos a focarem-se na ideia de duas pessoas que se encontram e procuram conectar-se através do que têm de mais íntimo e profundo. Normalmente, nesse tipo de relação, há sexo—o mecanismo de ligação por excelência, que nos remete aos nossos desejos mais primários. A teoria sugere que escolhemos os nossos parceiros porque encaixam na longa história das nossas ligações afetivas, começando pelas relações mais primárias, como a dos nossos pais. Assim, estabelecemos vínculos românticos que, ao mesmo tempo que oferecem a possibilidade de reparação emocional, também alimentam as nossas disfunções. O amor não existe sem essa polaridade. O vínculo vive na tensão entre encontrar o amor das nossas vidas e o risco de esse mesmo amor se tornar no nosso maior inimigo. Esta é, claro, uma caricatura, mas quero que fiquem com a consciência desta dualidade.

É comum que os casais, ao tomarem consciência dessa tensão, procurem a terapia. Surge, então, uma questão angustiante: como pode a pessoa que amo despertar em mim tanta tristeza, raiva ou frustração? É a própria evolução da relação que leva a esses caminhos sinuosos. As nossas crenças, a forma como moldam o nosso comportamento e até a nossa compreensão do amor romântico influenciam a maneira como lidamos com essa ambivalência. A verdade é que pouco nos preparamos para essa realidade. Recentemente, um marido em profunda angústia partilhou comigo: “Eu não traí, nem ando atrás de ninguém. Não percebo porque estamos assim.”

Na terapia de casal, o objetivo não é eliminar o conflito, mas compreendê-lo. O desencontro é inevitável, e é por isso que se procuram ferramentas para melhor lidar com ele. Um dos pilares desse processo é criar um espaço onde se possa falar francamente sobre os desafios da relação. No entanto, esse desencontro é emocionalmente carregado e nem sempre de fácil resolução. Não basta oferecer um novo mapa para que o casal trilhe um caminho diferente. Nem é papel do terapeuta dar soluções simples. Para reconstruir uma relação, é necessário encarar uma tempestade—daquelas de chuva descontrolada, vento a 100 km/h e trovões ensurdecedores. O terapeuta ajuda a navegar essa tempestade, para que o casal compreenda que o amor contém, em si, essa possibilidade disruptiva. No fundo, o terapeuta confirma que, mesmo que o sofrimento pareça atroz e o desencontro confuso, está tudo bem. O desencontro faz parte da vida.

A tempestade é um sintoma de um estado primitivo, um reflexo do corpo perante a frustração das suas necessidades emocionais—sejam elas de proximidade ou de afastamento. É um estado em que o pensamento racional é ofuscado pela reação instintiva. Pode manifestar-se como luta ou fuga, como se o parceiro fosse um predador, ou como evitamento, uma tentativa de se proteger de um parceiro que parece consumir a pouca energia emocional que resta. Em última instância, a forma como reagimos ao desencontro está ligada à maneira como lidamos com o vínculo afetivo.

Independentemente da abordagem terapêutica utilizada, todas as escolas psicoterapêuticas convergem nesta estratégia essencial: tornar esses mecanismos internos evidentes. A partir dessa consciência, a terapia ajuda o casal a criar novas “danças” emocionais, promovendo compreensão e empatia para que o desencontro se torne menos destrutivo.

Naturalmente, há casais que chegam à terapia num ponto em que o espaço terapêutico serve para preparar o divórcio ou a separação. Nesses casos, a mediação oferecida pelo terapeuta permite que se mantenham formas de comunicação baseadas no respeito. Muitos terapeutas “divorciam” casais, e isso também é um resultado de sucesso.

O estigma associado à terapia em geral é uma barreira. Para além do jantar romântico esporádico, ou tempo de qualidade juntos, que muitos terapeutas irão certamente prescrever, a terapia ambiciona ir para outros sítios. Investir na relação é essencial para o amor, seja através da terapia ou de conversas honestas sobre a dinâmica do casal. Porque o amor não acontece simplesmente, ele sobrevive entre o conforto, o prazer e o conflito.

28 Fev 2025

MDMA na terapia de casal

Leram bem. MDMA, como quem diz, a droga do amor, molly, ou ecstasy, a droga recreativa, pode ser uma poderosa aliada na terapia de casal. Não se trata de uma proposta sem fundamento de tendências new age, como os mais críticos e conservadores poderão julgar à primeira vista.

É dentro das ciências psicológicas que se tem assistido ao renascimento dos psicadélicos. Um renovado interesse sobre o que alguns grupos de investigação já diziam há décadas, e que as comunidades indígenas já praticam há milhares de anos: as substâncias psicadélicas têm um grande potencial de transformação, e para os mais puristas da linguagem médica, um grande potencial para a cura. Neste renascimento, recupera-se a investigação realizada com psicadélicos, de onde fazem parte outras substâncias como o LSD, psilocibina ou ketamina. O que estes psicadélicos fazem é a dissolução do ser e a expansão da mente para que toque tudo o resto à nossa volta. Estas “trips” levam as pessoas para outros lugares mentais, lugares incomuns do cérebro. Como que um exercício de ginástica e flexibilidade cerebral, processam-se e recriam-se os padrões neuronais, resultando em novas formas de se estar.

A ciência tem percebido o potencial transformador destas substâncias em stress pós-traumático e depressões resistentes. Na sociedade contemporânea que padece de doenças mentais e que força modelos (irrealistas) de se ser e estar, os psicadélicos – especialmente, se tomados em contextos terapêuticos – podem revolucionar a forma tradicional de experienciar.

A investigação sugere, também, o potencial dessa revolução na terapia de casal. A droga do amor, que nos torna mais amorosos, ajudando na produção de hormonas de prazer e bem-estar, teoriza-se útil para os casais desencontrados. Digo teoriza-se por que não se tem testado o uso de MDMA nestes contextos por razões óbvias.

Os poucos estudos que existem aplicaram MDMA em casos de stress pós-traumático que então mostrou resultados promissores na satisfação conjugal. Há quem foque a sua investigação no uso “naturalista” desta substância, ou seja, perceber as transformações nas pessoas que tomam MDMA de forma regular – muitas vezes em microdosing, ie., doses que não levam a viagens, mas ajudam a estarem mais ágeis mentalmente – e de como é que sentem que impacta a vida em casal ou a sua sexualidade.

As vantagens reportadas são muitas. De acordo com os participantes ajuda a reduzir o stress e reduz também a ansiedade associada à performance sexual. Isto então ajuda no aumento do desejo, bem como a intensidade da exploração sensorial. Claro que o crepitar destas sensações ajuda na ligação emocional entre os envolvidos.

O papel das substâncias psicadélicas nas relações amorosas e sexuais ainda é um terreno por desbravar, mas extremamente promissor. Se a investigação associada a doenças mentais mais graves ainda é insipiente, em relação a estas coisas do amor e do sexo ainda mais insipiente é. Não considerem, por isso, este um convite para tomar psicadélicos sem noção dos riscos, muito menos sem noção das condições necessárias para uma experiência terapêutica. Depois de muitos anos em que os psicadélicos foram demonizados, entramos agora numa fase promissora de desconstrução do seu significado. Um processo que será lento.

Ainda assim, este palavreado tenta contribuir para esse processo. Urge olhar com nuance e complexidade a forma como os psicadélicos podem ser absorvidos pela sociedade – e refletir sobre os resultados maravilhosos, coloridos e psicadélicos que podem trazer.

9 Mai 2023