Segurança | Novo Macau envia carta a diplomatas da União Europeia sobre software da PJ e CCAC

Depois de uma queixa ao MP, surge uma carta enviada directamente à fonte: os activistas da Novo Macau pedem à UE que tenha precauções extra quando permite a venda de material de ciber-espionagem a Macau, porque o Governo “abusa destes produtos” além do âmbito legal

[dropcap style= ‘circle’]A[/dropcap]Associação Novo Macau (ANM) enviou uma carta à União Europeia (UE) a pedir que haja mais cuidado na venda de material de segurança cibernética a Macau. O documento, enviado aos cônsules-gerais dos estados membros da UE, surge após a denúncia da Wikileaks sobre a compra deste material a uma empresa italiana e após uma denúncia da Associação ao Ministério Público.
Num comunicado enviado aos jornalistas, e assinado pela direcção da Associação, a Novo Macau evoca o que diz ser uma aplicação arbitrária da lei e o abuso de poder do Executivo, acusando até o Executivo de utilizar estes produtos constantemente de forma ilegal.
“O Governo de Macau é notoriamente conhecido por banir arbitrariamente jornalistas baseados em Hong Kong, académicos e activistas de visitar [o território]. Jornalistas e activistas de Macau também já se queixaram de terem sido alvo de vigias por parte das autoridades e de serem colocados sob custódia por consequência de exercerem a sua liberdade de expressão”, começa por apontar a carta.
Devido a isto, a Novo Macau pede que a UE informe as autoridades europeias da possibilidade de existir um abuso ainda maior quando Macau adquire produtos de software que podem ajudar nestas vigias.
“Se a exportação destes produtos de vigilância com capacidades intrusivas são regulados e controlados nos vossos países, pedimos que informem as autoridades do país [que vende o material] da possibilidade de abuso desses produtos pelas autoridades policiais e pelo Governo de Macau. O software com capacidades que excedem o âmbito legal de investigação criminal não tem sido, de forma alguma, utilizado legalmente pelo Governo de Macau.”

[quote_box_left]“O software com capacidades que excedem o âmbito legal de investigação criminal não tem sido, de forma alguma, utilizado legalmente pelo Governo de Macau” – Novo Macau[/quote_box_left]

Além da lei?

Recorde-se que, na semana passada, a Wikileaks dava conta que a Polícia Judiciária (PJ) e o Comissariado contra a Corrupção (CCAC) mantiveram negociações, desde Fevereiro de 2012 e pelo menos até ao final de 2014, sobre a aquisição de software de ciber-espionagem. O interesse por parte do CCAC em 2013 foi avançado pelo jornal Ponto Final, mas, de acordo com os documentos da WikiLeaks, também a PJ quis adquirir este software à Hacking Team, empresa italiana listada pelos Repórteres Sem Fronteiras como uma das “inimigas da Internet” pela sua actividade de controlo da dissidência na rede.
Nos e-mails trocados, além de mostrarem interesse em adquirir os novos sistemas, podia ler-se que as autoridades de Macau já eram clientes da empresa. Apesar de nem o CCAC nem a PJ terem confirmado se a compra foi efectivada, ambos já reagiram, dizendo que podem adquirir meios técnicos para realizar as suas investigações e que todos os trabalhos são conduzidos de acordo com a lei.
Para a Novo Macau, contudo, a aquisição destes aparelhos poderá ter outros fins que não os de mera segurança.
“Encorajamos o governo [do país exportador], sempre que permitido ou exigido por lei, tenha precauções extra ao decidir pela aprovação da venda de produtos de segurança/defesa por empresas do seu país ao Governo de Macau”, pode ler-se na carta, que acrescenta que “apesar dos juízes poderem autorizar a colocação dos telefones sob escuta, a falta de transparência e a ausência de um organismo de supervisão independente, torna estes produtos em ferramentas de fácil na violação da privacidade de jornalistas, activistas e outros dissidentes pelas autoridades da RAEM”.

24 Jul 2015