André Namora Ai Portugal VozesLocura política em Portugal Dá a ideia ao zé povinho que os políticos portugueses estão completamente loucos. De uma ponta à outra não se entendem. Nem no interior dos próprios partidos. No neofascista Chega há quem queira correr com o André Ventura. No CDS o eurodeputado Nuno Melo quer tirar o lugar ao líder Francisco Rodrigues dos Santos. No PSD o caso é grave. Carlos Moedas ganhou a Câmara Municipal de Lisboa e Rui Rio pensou que ficaria à frente do partido ad eternum. Enganou-se. Paulo Rangel, depois de sair do armário ganha cada vez mais apoiantes, além de todo o grupo gay do PSD, e na reunião do Conselho Nacional arrasou Rui Rio em todas as matérias. A reunião começou tensa, com uma ameaça de Rui Rio de que se “iria embora”, se não lhe fosse dada a palavra para uma intervenção inicial. O presidente da Mesa do Conselho Nacional, Paulo Mota Pinto, concedeu a palavra a Rio e foi a contestação geral. Ouviu-se um “bruá” na sala e quando as propostas várias foram a votação Paulo Rangel ganhou sempre. Rui Rio terá de pensar se valerá a pena concorrer nas eleições directas no partido, porque a maioria dos militantes prefere Paulo Rangel na liderança do PSD para combater António Costa. No PS a situação é grave. Até já existem militantes apoiantes do ‘Maserati’ Pedro Nuno Santos que querem que António Costa abdique do cargo se o Orçamento do Estado for reprovado. As facções socialistas digladiam-se ao estilo da idade média. A ala forte maçónica está com o actual primeiro-ministro e pretende uma remodelação ministerial que afaste Pedro Nuno Santos, considerado o “amiguinho do Bloco de Esquerda”. António Costa reuniu-se com o grupo parlamentar do seu partido e pôs muitos pontos nos is e deu recados fortíssimos aos “chicos-espertos”. A reunião decorreu após o PCP e o Bloco terem anunciado que irão votar contra a proposta do Governo para o Orçamento do Estado. Se não houver entendimento entre o PS e os parceiros de esquerda a crise política está instalada. O Presidente da República, depois de se banhar nas águas de São Tomé, andou a semana passada toda a tentar convencer os partidos que se entendam e que compreendessem que eleições antecipadas seria um erro de palmatória e que de nada adiantaria. Alguns observadores viram nas palavras de Marcelo Rebelo de Sousa que no caso de se realizarem eleições legislativas antecipadas que o PS voltaria a ganhar e que o país apenas teria gasto milhões de euros que tanta falta fazem, por exemplo, na Saúde. Marcelo apelou ao bom senso e a todos os esforços dos partidos com assento parlamentar para evitar um chumbo do Orçamento. O Presidente deixou à vista um calendário político que grassa o ridículo e sublinhou que a haver eleições antecipadas seriam em Janeiro de 2022, sendo formado o Governo em Fevereiro e discutido um novo Orçamento do Estado lá para Abril. A única esperança com que se ficou dos encontros do Presidente da República com os dirigentes dos partidos foi a posição do PCP, a qual poderá ainda mudar e deixar passar o Orçamento. Segundo fontes credíveis o encontro entre o Presidente Marcelo e Jerónimo de Sousa foi “demasiado” cordial e frutuoso. Veremos. O Partido Comunista e o Bloco de Esquerda têm uma importância vital nesta matéria e sabem bem que a reprovação do Orçamento do Estado é um enorme prejuízo para o país. As suas responsabilidades estão bem patentes e o povinho poderia vingar-se nas urnas em força pelo voto no PS. Obviamente que no Comité Central do PCP existam duas alas, uma mais radical e outra mais moderada. Esta última tem a noção do que acabámos de referir e possivelmente ainda consiga um acordo com o Governo. Por seu lado, o Bloco de Esquerda tem mudado paulatinamente de posição política relativamente ao Governo. Tornou-se mais crítico e a sua coordenadora Catarina Martins parece não querer nada com António Costa. Todavia, o antigo líder do Bloco, Francisco Louçã, agora comentador de televisão, foi da opinião que seria muito negativo para os portugueses que o Orçamento do Estado não fosse aprovado. E é esta política de “loucos” com que temos de viver e substancialmente assistimos a discórdia atrás de discórdia em todos os quadrantes. Não só de política geral, mas no interior dos partidos como vos referimos no início, mas o que é preocupante é ver um PCP que nunca deixou sair para o exterior os seus segredos, vê-lo agora com as suas células a discutir a liderança do partido. Por um lado, há quem deseje a substituição de Jerónimo de Sousa pelo líder parlamentar João Oliveira, enquanto outros preferem que seja o actual eurodeputado e vereador da Câmara Municipal de Lisboa, João Ferreira. Estes políticos parece que ainda não viram o quadro dos salários da Europa Ocidental, onde entre 19 países, Portugal está em último lugar com os salários mais baixos. Uma vergonha por se gastar tanto dinheiro como por exemplo no saco roto da TAP e não se usar esse dinheiro para a dignidade de quem trabalha. Só para ficarem com uma ideia, em primeiro lugar está a Suíça com um rendimento anual de 35 mil euros, enquanto Portugal na última posição tem um rendimento anual de 14 mil euros e com uma agravante, temos a sétima carga fiscal mais elevada sobre o trabalho, de 41 por cento. É obra. *Texto escrito com a antiga grafia
António Cabrita Artes, Letras e Ideias Diários de PrósperoO Ventura e nós Há uma histeria colectiva em relação ao André Ventura que só lhe aumenta as metástases e o legitima como um novo David em luta contra os Golias do “sistema”. Não é apenas na comunicação social, esta ecoa o que ocorre nas redes sociais. É preciso desmantelar a pretensão do Ventura em ser “anti-sistema”, não reforçá-la. Não entender isto pode ser mortal. O calafrio nasce do medo de que o calor não volte. Ora é impossível que o calor não volte pelo motivo mais simples: o sol não se deslocou. Evidencia-se um desejo não formulado nesta obsessão em dar forma ao medo, quando (lembrou muito bem Daniel Oliveira) ele é apenas o senhor doze por cento numa extensão de cem; e metade da fatia que lhe coube não lhe pertence, foi-lhe emprestada por quem votou não exactamente nele mas contra qualquer coisa, e cujo protesto volante, na próxima, recairá noutro oportunista. O Alentejo terá virado o seu sentido de voto? O horror disso prende-se com a ideia arreigada de que “antigamente é que era bom”. Será agora mais útil analisar as causas: que erros se cometeram para que o cansaço face aos vícios com que a “idealidade” se foi inquinando se transformasse em ressentimento e canalizasse as suas parcas energias votando no inimigo? Quem deu os votos ao Ventura? As más políticas da esquerda. O Ventura existe enquanto conseguir manter-se na esfera daquilo que à partida é «desqualificado». A sua força vem-lhe daí. Só se fala do Ventura para o desqualificar à priori: é fascista, o coiso, a besta, o grunho, etc. Talvez, mas é tão caricatural e redutor que o transforma numa vítima. E essa desproporção atrai os que ao intelecto preferem a “acção” e não entendem não se lhe dar uma chance “para mostrar o que é capaz!”. As massas são lerdas, quer se deixem manipular pela esquerda, quer se deixem manipular pela extrema- direita. Só muito raramente brilha a inteligência colectiva. Existe, sim, o irracional das emoções, como uma massa de bolo em que os demagogos metem a mão para a conformar. É mais difícil de contrariar aquilo que, na verdade, é “fabricado” pelos seus detractores, porque se está a combater uma projecção – que tende a tornar-se monstruosa – e não a substância, afinal frágil. O Ventura vive dos medos alheios, o seu centro é oco. Foi o que Marcelo denunciou no debate com ele, ao apontar-lhe a sonsice de oportunista. Ele não existe para além dessa manha. O Ventura desmancha-se com paciência, pedagogia e humor, contrapondo serenamente argumentos, como quem, caridosamente, explica algo a um mau aluno, ou com o riso. Tomando tudo o que diz como bravatas. Se ele for tomado a sério mas como palhaço, ele próprio se exasperará e aí cai-lhe a máscara. Desqualificando-o à cabeça, sem lhe dar sequer o crédito de poder ser um bom palhaço, é o único método que lhe dá forças. E deixemo-nos de ilusões: não haverá sempre, potencialmente, cinco, dez por cento de aprendizes de fascistas em qualquer sociedade democrática? Para que eles não cresçam só há dois caminhos: a educação (e também a política) e a uma regulação quanto à qualidade do fluxo televisivo. Porque é falso que o gosto não se discuta, o gosto tem regras e tradições, aprende-se. Entretanto, leia-se o que Marcio Sotelo Felippe (um antigo procurador geral do estado de S. Paulo), escreveu a favor do impeachment do Bolsonaro: «O fascista busca se legitimar por meio do apelo a certa massa suscetível ao ressentimento social e por meio do apelo à pequena-burguesia, ou classe média, perdida entre o pavor da proletarização (que se torna pavor dos proletários, de seus partidos e de seus movimentos) e a sua própria representação no imaginário da grande burguesia. O ressentimento transforma-se em ódio. Essa massa cresce com desqualificados, escroques, oportunistas, lúmpens, também amealhados entre os trabalhadores. O discurso de um líder fascista expressa a ideologia que cimenta o irracional dessa massa. Por isso ele precisa dizê-la. Ele nada fará sem essa torpe legitimidade. Após dizê-la, tem que cumpri-la para que essa legitimidade se transforme em poderosa força social. A liderança e a massa se nutrem reciprocamente da anomia moral que daí surge. É por isso que o fascismo, em regra, prescinde de golpes dados na calada da noite por tanques que irrompem pelas ruas e tropas que tomam os centros estratégicos do poder. Eles simplesmente chegam ao poder pelo voto, como Hitler e Mussolini, Trump e Bolsonaro. No poder, a sua base de massa paralisa, imobiliza a parcela sadia da sociedade. Uma combinação fatal entre coerção e consenso. O fascismo é sempre possível porque em toda sociedade há uma massa que pode ser galvanizada pelo apelo à irracionalidade, que pode se mover fascinada pela anomia moral que lhe permite dar vazão a impulsos primários,(…) em uma sociedade que não lhe reserva lugar algum e que não consegue construir a racionalidade que lhe aponte caminhos.» Uma «combinação fatal entre coerção e consenso» é o que encontramos hoje nas redes sociais, supostamente contra o Ventura. Fica socialmente tão mal não manifestarmos a nossa indignação imediata contra o Ventura que escolhemos os epítetos mais toscos para o desqualificarmos, competimos com ele na irracionalidade, sem perder tempo a desmanchar-lhe os argumentos. Juramos: o próprio senso comum se encarregará disso. Ora, o senso comum é uma batata, eis-nos na cilada: ele adora que renunciemos a raciocinar. Gostamos tanto de agir em manada que fomos “coactivamente cativados” – passe o óximoro. Dependemos dele para existir, ou, como se diz na economia: estamos a capitalizá-lo. Ele não tem a importância que parece. Em vez do medo, melhoremos a educação, no lugar da ira, o riso. E só às quintas-feiras, entre as 9h45 da manhã e as 10h15. No resto do tempo há coisas extraordinárias a acontecer e que reclamam a nossa atenção.
Valério Romão h | Artes, Letras e IdeiasFalha sistémica [dropcap]C[/dropcap]hile, Bolívia, Catalunha, Paris, Hong Kong. Em todos estes lugares, algures neste ano ou mesmo agora, as pessoas encheram ou enchem as ruas para revindicarem, de forma mais ou menos violenta, o cumprimento de determinadas aspirações de uma parte da população para as quais a política e os múltiplos instrumentos pelos quais actua não tem encontrado solução. Não quero dizer com isto que as múltiplas soluções requeridas existam e que os diversos governos as soneguem ou não as queiram implementar. Seria talvez necessário viver muitas vidas para compreender tudo o que se está a passar em cada um destes lugares. O que quero dizer é que o exercício regular da democracia, para estes cidadãos que vão para a rua confrontar a polícia ou o quem quer esteja do outro lado da barricada, não é suficiente. Falhou. E tem vindo a falhar estrondosamente, mesmo que o conjunto de sintomas noutros lugares pareça ser de certo modo mais brando, mais superficial. E isto é um desastre. É um desastre porque a erosão de confiança resultante de décadas de má governação se traduz numa clivagem cada vez mais acentuada entre governados e governantes, abrindo espaço para que a demagogia e o populismo possam meter pé à porta e pouco a pouco franquear a entrada. Não nutro qualquer simpatia pelos populistas dos extremos ideológicos porque estou convencido de que a política é, fundamentalmente, uma arte de consensos. Estou convencido de que para obter x talvez tenha de conceder y, porque é impossível governar num espartilho ideológico fundamentalista. Cada um de nós é apenas um pequena parte de um conjunto muito heterogéneo de pessoas com necessidades e aspirações muito diferentes umas das outras. Quer isto dizer que devemos transigir relativamente a direitos e deveres fundamentais? Não. Quer apenas dizer que não devemos transigir unicamente em relação a esses. Tudo o resto deve poder ser negociável. Como votante errático sinto-me responsável pelo estado de semi-desesperança a que chegámos. A nossa jovem democracia parece ser unicamente jovem nas virtudes; nos vícios, parece ter séculos de experiência. Quando viajamos e perguntamos, perante uma situação de manifesta injustiça “mas como é que as pessoas se deixam tratar assim?”, devíamos parar e fazer essa mesma pergunta ao espelho. A canga de casos que diariamente enche as páginas dos jornais – todos ou quase todos eles a soro –, para além de ser capaz de nos fazer corar de vergonha, alimenta, mesmo que a conta-gotas, o taxista que há em cada um de nós. Temos um ex-primeiro-ministro a ser julgado. Aparentemente, ninguém se deu conta das dezenas de falcatruas que fez vida fora até lhe entregarem um partido e, subsequentemente, uma maioria absoluta e um país. Muitos dos ministros do actual governo privaram e trabalharam com o homem. Não estou a dizer que tenham ganhado o que quer que seja com isso. Vamos até partir do pressuposto que não. Que foi um sacrifício. Mas anuíram. Compactuaram. E de cada vez que em qualquer partido se transige com a corrupção, o nepotismo ou o tráfico de influências, está-se a inocular veneno no sistema circulatório da democracia. Veneno que alimentará os milhares de ovos de serpente que existem e que sempre existiram e que esperam apenas por um clima mais propício para eclodirem. A política portuguesa é aflitiva de ver. É de uma menoridade intelectual que faz brotoeja. Quando não dá asco, dá sono. As pessoas procuram nas frinchas dos discursos uma nesga de substância e de sentido em que se vejam representadas. Salvo umas excepções dispersas, os políticos portugueses dão a sensação de terem sido cooptados para entrar a meio de uma peça com instruções para fazerem o que o tipo do lado faz. É menos penoso assistir a um jogo de um campeonato regional qualquer de curling. E essa mediocridade, que todos merecemos por igual e que poucos fazem por contrariar, é o suplemento vitamínico das muitas bestas que espreitam uma oportunidade.
Valério Romão h | Artes, Letras e IdeiasE agora, as autárquicas [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]ste ano teremos eleições autárquicas e, com elas, a multiplicidade infinda de cartazes, porta-chaves, autocolantes e demais brindes de campanha, estradas remendadas com uma pasta muito semelhante a alcatrão mas com um tempo de vida útil substancialmente inferior ao do alcatrão, soluções para tudo menos para a morte, tempos de antena na RTP com pessoas estranhamente parecidas com pessoas, discussões acerca do centralismo e dos seus malefícios, partidos-bebé com siglas de doenças, caixas de correio entupidas de circulares desenhadas pelo primo de um cunhado que tem muito jeito, arraiais e arruadas para todos os gostos menos para o nosso e os habituais comícios enfeitados por figurantes tão entusiasmados como crianças numa leitura de poesia. Lisboa, por exemplo, e a julgar pelas obras que decorrem a um ritmo frenético para estarem concluídas antes das eleições, está em campanha há quase dois anos. A zona do Campo das Cebolas e arredores, se seguirmos o mesmo critério, está em campanha desde o início do século XXI, e não há previsão para que finalmente deixe de estar e cumpra a função de fazer pender o voto. As eleições têm o condão de precipitar todas as decisões, arranjos e melhorias que podiam ter sido feitos ao longo dos quatro anos que corresponde ao mandato daqueles que foram eleitos para os últimos doze meses do mesmo, porque os políticos, justa ou injustamente, acham que a memória dos eleitores é semelhante à do peixinho de aquário que confunde os dejectos da ida com a comida da volta. Os primeiros três anos do mandato são de “estabilização e renovação”, o que equivale a resolver de forma unilateral todas as avenças do partido deposto do poder e à contratação ou adjudicação das pessoas “da nossa confiança”, no caso de uma mudança de cor política, ou, no caso da continuidade, a um inexplicável mas aparentemente confortável nada mascarado de planeamento. Como a taxa de natalidade em Portugal é ainda mais baixa do que a taxa de crescimento, as campanhas apontam baterias, invariavelmente, aos velhos que, em linguagem política, são ora a população idosa, ora a população sénior, ou qualquer outro jargão pós-moderno e politicamente correcto que cumpra a função de desossar das palavras a realidade que lhes subjaz. E os velhos, como se sabe, têm de ser tratados como crianças acumulando décadas de mau-gosto. Afinfa-se-lhes portanto o cantor pimba da moda, uma excursão a Badajoz para evocar a lembrança da fome e das maravilhas que Abril cumpriu e uns arraiais com bifanas à pala que cada um cuida de comer como se não o fizesse há largos dias. Quando o triste espectáculo do disparate continuado finalmente termina, ficam os cartazes, outdoors e mupis desbotando, verão após verão, até da criatura constando neles se assemelhar uma nódoa informe numa toalha velha, ficam as promessas ainda mais desbotadas dos que as criaturas dos cartazes, ainda mais desossadas do que as palavras da moda, as promessas de que não nada resta senão, como escrevia o Eça na Relíquia, a “ousadia de afirmar”. A única coisa boa é que o circo se repete somente de quatro em quatro anos. É o intervalo possível entre estas apneias de sentido em que já ninguém acredita mas que cumprem o propósito higiénico de simular uma alternância trajada de alternativa.