Nos Entretantos

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]ui passar o último fim-de-semana aqui ao lado, em Hong Kong, para espairecer. Na manhã de Domingo, perto da pensão onde fiquei em Yau Ma Tei, deparei com este sinal à porta de um parque público, indicando que ali se podia fumar.

Não era parque situado no fundo de um beco perdido, ou de um descampado afastado dos comuns mortais. Era junto ao sumptuoso templo de Tin Hau, um dos muitos eregidos em devoção à deusa Kun Yam. Um espaço amplo, arejado, cheio de verde e mesas de pedra onde se pode jogar mahjong, e mesmo em frente a um interessante motivo turístico. Sendo eu de Macau, fiquei tão aparvalhado com aquilo que precisei de tirar uma foto, não fosse contar isto a alguém e pensarem que alucinei.

Com a introdução do novo regime anti-tabágico, que entrou em vigor no início deste ano, a proibição estendeu-se a passeios onde existem paragens de autocarro, e mais não sei aonde, e a multa pela infração triplicou. Deste lado do Rio das Pérolas pratica-se à caça ao cigarrinho, e o divertido e didático “Adivinha onde podes fumar?”

Outro episódio, na mesma manhã e ainda antes disso. Acordei cedo, e mesmo que não se coma nada, preciso pelo menos de “uma mudança de óleo” antes do “motor arrancar”, que é como quem diz, uma bica. Ou “expresso coffee”, como por aqui se chama. Dei com um 7/11 logo à saída do meu alojamentei, entrei, deparei com uma máquina de café e, meio a medo, perguntei à senhora que se podia beber um expresso. Meio minuto e 9 dólares de Hong Kong depois, estava ali com uma bica dupla digna desse nome, ideal para começar o dia em beleza, e tirada com uma prontidão e simpatia irrepreensíveis. A única vez que entrei num 7/11 em Macau com a esperança de beber uma bica, foi-me negado, com um ar de caso e a gesticular que não, que horror, que coisa diabólica é essa que está aí a pedir! Diferenças que dizem muito.

Não estou a querer comparar Macau com Hong Kong no sentido de qual deles é o melhor. Nada disso e, com o bairrismo que existe entre os dois lados, ainda me mandavam ir viver para Hong Kong. Não quero ir viver para lá, mas se há algo que ainda não entendi é como se pode ser tão passivo e provinciano, e não se querer pedir um pouco das coisas boas que eles lá têm. É que o respeito pela liberdade de todos, incluindo fumadores ou cafeínomanos como eu, e muitas outras pequenas coisas como estas são parte do conjunto daquilo que se chama “ter qualidade de vida”. Pois é, vão-me dizer que Hong Kong “é muito maior, não se pode comparar”, mas isto não se trata aqui de uma questão de tamanho, gosto ou cultura – são duas cidades da China separadas por um braço de mar.

São muitas as teorias que podem explicar as diferenças entre os dois lados, mas a mais evidente e que salta à vista de quem tem uma visão imparcial é que a população de Hong Kong parece mais abnegada aos valores da cidadania e exige que as coisas funcionem e que haja lugar para todos.

Deste lado parece que ficámos presos de movimentos com as duas obras tornadas faraónicas, e de quem toda a gente espera: o metro ligeiro e o hospital das Ilhas. Parece que não há lugar a mais progresso sem estes projectos engracianos estejam concluídos ou enquanto ficamos a fazer figas à espera da hora em que o Canídromo feche as portas (ouvi dizer que é em Junho, mas… deste ano?) Nos entretantos, ficamos parados à espera. E é nesse ponto que estamos, nos entretantos, a olhar ali para o lado.

11 Jan 2018