Nuno Miguel Guedes Divina Comédia h | Artes, Letras e IdeiasA hora das pequenas coisas [dropcap]E[/dropcap]nfim, nem tudo pode ser mau, embora pareça. Este tempo deu-me oportunidade para fazer algo que já pratico regularmente com algum prazer: reler. Mas as escolhas agora são feitas em função destes dias e portanto não é por acaso que regressei a um dos meus livros mais acarinhados e que carrega o maior número de notas nas margens (sim, sou desses. E a caneta). Trata-se de Cartas A Lucílio, de Lúcio Aneu Séneca (4 a.C- 65 d.C.). É uma demonstração prática da filosofia estóica sob forma epistolar e que ao longo dos anos em que o tenho lido me ajudou a criar a minha visão do mundo e da vida. E mais uma vez não me falhou. Eis a abertura da primeira carta: “Procede deste modo, caro Lucílio: reclama o direito de dispores de ti, concentra e aproveita todo o tempo que até agora te era roubado, te era subtraído, que te fugia das mãos”. E mais à frente: “Nada nos pertence, Lucílio, só o tempo é nosso”. Aqui está então um dos maiores desafios destes estranhos dias: o que fazer com o que sempre foi nosso? Descobrimos com surpresa que não estamos preparados para o ócio no seu sentido mais nobre. Há uma proporção e uma hierarquia diferente de coisas e sentimentos, perspectivas que se modificam, pontos de fuga que se esvaem. Redescobrimos a profunda importância das pequenas coisas e acarinhamo-las. Recuperámos por exemplo a noção de ausência. Para nós, portugueses, recuperámos da pior maneira um atavismo nacional: a saudade. E felizmente que o estamos a usar. Recuperámos a vontade de um sorriso, de um passeio, de uma paisagem, de um abraço. Há o sentimento real de que a nossa vida nos foi tirada em vida. As emoções surgem com um altíssimo grau de pureza que assustaria até o mais veterano dos toxicodependentes. Não ficarei insultado se alguém me disser que o aqui escrevo não passam de truísmos. São-no, de facto; e se os uso é porque também eu preciso deles para me reassegurar e encontrar alguma ordem num labirinto construído à revelia da minha vontade. Provavelmente será sempre assim quando somos confrontados com o tanto que temos por garantido, os ínfimos pormenores essenciais que sustêm a nossa fragilidade que se passeia pelos dias. Vivemos no mundo da Alice de Lewis Caroll, onde tudo é certo e nada é certo. Ferem-me agora uns versos que fiz para um fado baseado nessa personagem extraordinária e que reflecte alguém perdido dentro da sua vida: “Todas as coisas são estranhas / Todas as dores são tamanhas/ E eu o seu inventário”. Não gosto de profecias e muito menos quando sou eu que as faço. Mas nestas horas turvas reparai na beleza possível, amigos. Acarinhai-a. Que grandes ficam as pequenas coisas. Recebo agora de um amigo-irmão uma versão apressada, hesitante, ansiosa do Suzanne de Leonard Cohen. Este meu querido amigo, músico e autor extraordinaire, alimenta o meu isolamento com o dele. E isto é tão simples e tão pequeno e portanto, na nova matemática dos dias, é igual a infinito.
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteRota das Letras | Jung Chang e JP Simões marcam abertura do festival literário [vc_row][vc_column][vc_column_text] Começa já no próximo dia 10 de Março o festival literário local “Rota das Letras”. Os nomes já começaram a ser divulgados há algumas semanas e ontem foi dada a conhecer a lista completa de convidados. O destaque vai para a presença na abertura do evento da autora de “Cisnes Selvagens”, Jung Chang e do concerto do português JP Simões [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão cerca de 60 os convidados da sétima edição do festival literário de Macau, “Rota das Letras”. Jung Chang, autora de “Cisnes Selvagens – Três Filhas da China”, considerado pelo Asian Wall Street Journal o livro mais lido sobre a China e que retrata uma centena de anos no país através dos olhos de três gerações de mulheres, tem presença confirmada na abertura da edição deste ano do evento. A informação foi dada ontem em conferência de imprensa pelo director, Ricardo Pinto. De acordo com o responsável a presença de Jung Chang merece especial destaque. “Na minha geração, eram os romances da Pearl S. Buck, hoje em dia talvez “Os Cisnes Selvagens” seja, de facto, essa porta de entrada na literatura chinesa e, sobretudo na história recente da China. É uma autora com uma dimensão enorme, popularíssima”, referiu. A autora é ainda conhjecida pelas obras “Mao: A História Desconhecida” e “A Imperatriz Viúva – Cixi, a Concubina que mudou a China”. As obras de Jung Chang estão traduzidas em mais de 40 idiomas, tendo vendido acima dos 15 milhões de exemplares. Vencedora de diversos prémios, incluindo o UK Writers ‘Guild Best Non-Fiction e o Book of the Year UK, foi distinguida com doutoramentos honoris causa por universidades no Reino Unido e nos EUA. Nascida na província de Sichuan em 1952, durante a Revolução Cultural (1966-1976), Jung Chang trabalhou como camponesa, “médica de pés descalços”, operária siderúrgica e electricista, antes de se tornar estudante de Inglês na Universidade de Sichuan. Mudou-se para o Reino Unido em 1978 e doutorou-se em Linguística pela Universidade de York, tornando-se a primeira pessoa da China comunista a obter tal grau numa universidade britânica. Vidas multiculturais Ricardo Pinto destacou ainda a presença de Li-Young Lee, poeta americano premiado e autor de várias colectâneas de poesia e da autobiografia “The Winged Seed: A Remembrance”. Nascido em Jacarta, filho de pais chineses, “Lee cedo aprendeu sobre a perda e o exílio”, refere a organizção. O seu avô, Yuan Shikai, foi o primeiro Presidente republicano da China logo após o período provisório de Sun Yat-sen, e o pai, cristão fervoroso, foi o médico de Mao Tse-Tung. Quando o Partido Comunista da China se estabeleceu, os pais de Lee mudaram-se para a Indonésia. Em 1959, o seu pai, depois de passar um ano como prisioneiro político do Presidente Sukarno, fugiu com a família para escapar à xenofobia contra os chineses. Depois de um périplo de 5 anos, passando por Hong Kong, Macau e Japão, fixaram-se nos Estados Unidos em 1964. Ricardo Pinto espera ainda que a presença em Macau do escritor durante duas semanas possa vir a inspirar os seus escritos futuros. “Espero que Li-Young Lee use estas duas semanas para escrever algumas histórias sobre o território”, disse. Por fim, o director do “Rota das Letras” sublinhou a presença de Marco Lobo. Com ligações a Macau, o escritor residente em Tóquio é conhecido pelo seu interesse na diáspora portuguesa. O facto de ter tido acesso a uma educação multicultural que teve início em Macau e Hong Kong, e se estendeu pela Ásia, Europa e pelas Américas permitiu-lhe observar de perto as diversas sociedades em que a cultura portuguesa se difundiu. Os seus romances históricos, “The Witch Hunter’s Amulet” e “Mesquita’s Reflections”, exploram a temática dos conflitos culturais envolvendo raça e religião, aponta o organizador. No que toca aos países lusófonos, a Rota das Letras traz ao território Rui Cardoso Martins, escritor e argumentista, autor das crónicas “Levante-se o Réu” e “Levante-se o Réu Outra Vez” — Grande Prémio APE/Crónica 2016 e dois prémios Gazeta. Tem ainda quatro romances publicados, com destaque para “Deixem Passar o Homem Invisível”, Grande Prémio APE, 2009. Também Isabel Lucas, jornalista, crítica literária e autora de “Viagem ao Sonho Americano” vai marcar presença no território. Com um pé na literatura e outro na música, vai estar em Macau Kalaf Epalanga, membro da ex-banda Buraka Som Sistema e autor de três romances. Juntam-se a estes, a historiadora e escritora Isabel Valadão, a professora catedrática, poeta, ensaísta e dirigente do projecto Literatura-Mundo Comparada em Português, Helena Carvalhão Buescu, a cabo-verdiana Dina Salústio, e Albertino Bragança de São Tomé e Príncipe. Outro dos convidados do festival deste ano é o romancista, jornalista e professor universitário filipino Miguel Syjuco. O seu romance de estreia, Ilustrado, foi NY Times Notable Book em 2010 e vencedor do Man Asian Literary Prize. Estes nomes vão juntar-se à dissidente e ativista dos direitos humanos norte-coreana Hyeonseo Lee, a Suki Kim, que passou seis meses infiltrada naquele país, aos lusófonos Maria Inês Almeida, Rui Tavares e Ana Margarida de Carvalho, Ungulani Ba Ka Khosa, de Moçambique, e Julián Fuks, do Brasil. Os autores locais terão também um papel importante no programa da Rota das Letras. A poetisa, catedrática e cronista Jenny Lao-Phillips, o catedrático e escritor de infanto-juvenil Paul Pang, o poeta Rui Rocha, o poeta e historiador Fernando Sales Lopes e a romancista Isolda Brasil participarão em várias sessões ao longo das duas semanas do evento. Outras artes No que toca às artes plásticas e visuais, o “Rota das Letras” volta a apresentar uma série de exposições. Uma mostra colectiva de artistas e arquitectos locais, com curadoria da arquitecta Maria José de Freitas traz nomes como Ung Vai Meng, Carmo Correia, Adalberto Tenreiro, António Mil-Homens, Chan In Io, João Miguel Barros, Francisco Ricarte, Gonçalo Lobo Pinheiro e Manuel Vicente numa exposição sob o tema “River Cities Crossing Borders: History & Strategies”, no Edifício do Antigo Tribunal. O artista local João Ó exibirá “Modelo para Impossível Tulipa Negra”, parte de um projecto maior intitulado Palácio da Memória. Apresentado inicialmente no Museu Nacional da História Natural e da Ciência, de Portugal, o projecto reflecte sobre a figura e feitos do sacerdote e cientista Matteo Ricci, jesuíta italiano do século XVI que se estabeleceu, via Macau, na China continental. O nome invoca a “Carta Geográfica Completa de Todos os Reinos do Mundo”, desenhado por Ricci em 1584 e impresso em xilogravura em 1602. Na Livraria Portuguesa de Macau, o “Rota das Letras” apresenta “Paisagens Literárias de um Viajante”, uma exposição do artista português Rui Paiva, que viveu em Macau durante vários anos. Juntamente com a sua obra e objectos de colecção, Rui Paiva irá lançar o seu livro recentemente publicado, “Nuvem Branca”, livro de artista e de vida. Duas outras exposições organizadas por parceiros de longa data do Festival, a Fundação Oriente e a Creative Macau, farão também parte do programa. “Rostos de Poesia”, do artista chinês Chen Yu, será inaugurada a 13 de Março na Casa Garden, seguida por uma sessão de poesia. “Pinacatroca”, pelo cartonista local Rodrigo de Matos, estará patente na Creative Macau de 22 de Março a 21 de Abril. Letras na tela São cinco os filmes apresentados pela sétima edição do festival literário de Macau. A realizadora portuguesa Rita Azevedo Gomes terá duas películas: “Correspondências”, baseado na troca de correspondência entre Sophia de Mello Breyner Andresen e Jorge de Sena, e “A Vingança de uma Mulher”. Ju Anqui traz a Macau o seu último título, “Poet on a Business Trip”. O escritor e realizador Han Dong irá mostrar “At the Dock”. Já o poeta Yu Jian apresentará o documentário “Jade Green Station”.[/vc_column_text][vc_column_text css=”.vc_custom_1518569357434{margin-top: 10px !important;border-top-width: 1px !important;border-right-width: 1px !important;border-bottom-width: 1px !important;border-left-width: 1px !important;padding-top: 8px !important;padding-right: 8px !important;padding-bottom: 8px !important;padding-left: 8px !important;background-color: #f9f9f9 !important;border-left-color: #777777 !important;border-left-style: solid !important;border-right-color: #777777 !important;border-right-style: solid !important;border-top-color: #777777 !important;border-top-style: solid !important;border-bottom-color: #777777 !important;border-bottom-style: solid !important;}”] Ritmos, canções e letras JP Simões apresenta-se actualmente sob o nome Bloom A edição deste ano conta ainda com a apresentação de dois concertos. No sábado, 10 de Março, pelas 21h, no Pacha Macau, JP Simões-Bloom subirá ao palco, seguido da DJ Selecta Alice. Bloom é o novo pseudónimo de JP Simões, músico e compositor português que esteve envolvido em vários projectos como Pop dell’Arte, Belle Chase Hotel e Quinteto Tati. De acordo com a organização, “a busca de uma nova sonoridade levou-o para caminhos musicais bastante distintos do seu trabalho habitual”. “Tremble like a Flower” é o nome do seu primeiro álbum a solo, que se move por ambientes próximos do folk e do blues atravessados por paisagens psicadélicas, e será apresentado em dueto com o músico, compositor e produtor Miguel Nicolau. Logo a seguir, a DJ Selecta Alice toma o controlo da pista de dança. Ela é uma das impulsionadoras e pioneira da World Music em Dj set em Portugal. Curadora do palco do Sacred Fire no Boom Festival, Selecta Alice homenageia nos seus sets a cultura da festa e da celebração da vida através da música e do ritual da dança. Os ritmos de África, América Latina, Balcãs e Índia são paragens obrigatórias nas suas viagens sonoras à volta do mundo. Domingo, 18 de Março, pelas 20h, é a vez de Zhou Yunpeng subir ao palco no Teatro D. Pedro V. Zhou é um cantor folk e poeta natural de Shenyang, que ficou cego aos nove anos. Aos 10 anos, começou a frequentar a Escola para Crianças Cegas de Shenyang e, posteriormente, o Instituto de Educação Especial da Universidade de Changchun (1991), onde estudou Língua Chinesa. Concluído o curso, mudou-se para Pequim e começou a sua carreira musical. Em 2011, recebeu os prémios de “Melhor Cantor Folk” e “Melhor Letrista” da Chinese Media Music, e o seu poema “The Wordless Love” foi considerado “Melhor Poema” pela revista People Literature. Também participou no filme Detective Hunter Zhang e assinou a banda sonora do mesmo – a película veio a ganhar o galardão de Melhor Filme no Festival de Cinema Golden Horse (Taiwan). Em 2017, foi responsável pela banda sonora do filme At the Dock. Contos com fartura A edição deste ano ao concurso de contos contou com uma adesão recorde. Foram um total de 190 textos recebidos nas línguas portuguesa, chinesa e inglesa. “A maioria são em português com participantes de Portugal, Macau e muitos do Brasil”, referiu o director de programação, Helder Beja. Para o responsável, o aumento do número de trabalhos recebidos é visto com muito “bons olhos na medida em que é o reflexo do trabalho que o festival tem vindo a desenvolver ao longo dos anos”. [/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]