António de Castro Caeiro h | Artes, Letras e IdeiasFérias grandes [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]dia do nosso aniversário, a véspera de Natal, a passagem do ano, a Páscoa, o começo e o fim do ano lectivo e das férias são momentos de dobra. Não marcam apenas curtos prazos: antes, durante e depois: véspera, o próprio dia, e o dia seguinte, mas gizam estruturas temporais de maior duração, dividem o ano. No limite, marcam as nossas vidas no longo prazo. A primeira véspera de Natal de que temos memória, com a família de lugares precisos atribuídos à mesa. A primeira partida para férias, o primeiro dia de aulas, os aniversários a que íamos e os que não tínhamos por termos o aniversário durante o período de férias. Havia os finais dos anos lectivos da adolescência, que invariavelmente coincidiam com as festas de Santo António. Houve o primeiro dia de aulas inscrito para sempre nas vidas, sobretudo daqueles que nunca iriam sair da escola ou, então, só tarde demais, sem verdadeiramente poderem ter saído de uma vida tonalizada a anos lectivos e não a anos civis. O tempo destes dias não se circunscreve aos três dias que marcam a véspera, o próprio dia e o dia seguinte. Eles próprios delineiam e projectam um horizonte temporal: o final do ano lectivo está em tensão com o princípio do ano lectivo. Portanto, as férias existem entre um fim e um princípio. A passagem do ano existe em tensão de ano para ano a definir um ano inteiro. O nosso aniversário está numa relação complexa com os anos de vida que vamos tendo: acrescentamos um algarismo que corresponde à obliteração de um ano inteiro às nossas vidas. Existe, assim, uma tensão entre os nossos aniversários e os dias do nosso nascimento e da nossa morte. Há uma diferença, sem dúvida, entre os momentos que articulam cada um dos dias de dobra: a antecipação, até chegar a véspera, antes do dia, o próprio dia e o dia seguinte são vividos de maneira completamente diferente. Na véspera é tudo antecipação, na expectativa do que vai acontecer no próprio dia, até nos deitarmos. No dia seguinte, há já uma sanduiche temporal feita de dois dias fatias em que houve antecipação e agora já começa a construir-se uma lembrança. Depois, será o que para aí virá. É o momento seguinte com todos os dias que se lhe seguem: os meses de Inverno depois da passagem de ano até ao final do ano lectivo, eventualmente a páscoa. Para trás ficam as férias grandes que ainda duram até Dezembro. As férias grandes – lembro-me de como eram as férias absolutas de três meses inteiros de praia e sol e nada – fazem sentir-se logo no final do ano lectivo. Há anos em que são antecipadas grandes viagens, cursos de língua no estrangeiro, dias inteiros a ler os livros das estantes lá de casa. Há anos em que nada acontece, ou porque um familiar está doente ou porque o trabalho assim o exigia. Em todo o caso, as férias grandes são incontornáveis. Há sempre alguém a vivê-las e alguém que não as vive. A sua vivência é longa entre Junho e o fim de Agosto ou Setembro. As férias grandes são inaugurais. Têm verdadeiramente de interromper o que tem acontecido até aí. Permitem uma metamorfose do trabalho em descanso ou assim deveria ser. Abrem um horizonte de disponibilidade em que nada se faz ou pode não fazer-se nada, em que estamos entregues a nós e ao que autenticamente somos sem sermos o que fazemos habitualmente. Essa disponibilidade é o vazio oriental que a vida nos proporciona para podermos abrir-nos a nós e ao que pode acontecer. Poder mudar de vida não implica apenas ir para o deserto para sentir o vazio que não é nada subir até nós e constituir uma oportunidade e uma ocasião. Até pode ser um amor de pessoa que se encontre e assim nos permita encontrar-nos a nós nela. Pode ser querer ressuscitar Lázaro, o Lázaro que é cada um de nós e cada um dos outros, quem nos podemos tocar e quem nos pode tocar. Esse toque é o que ressuscita. O final de Agosto traz, inexorável, o fim das férias. Mas as férias duram até Dezembro, até às férias do Natal. E o Natal deveria celebrar o nascimento. Os nascimentos inauguram a vida. Não podem acabar a 25 do mês de Dezembro. O ano novo é isso mesmo um ano novo que abre possibilidades ou só uma. A páscoa renova a ressurreição, seja a Primavera que mata o Inverno, seja a de uma possibilidade de existência autêntica em que podemos ser como éramos para ter sido. E virá outros finais de anos lectivos e outras férias grandes. É difícil que a vida seja como as férias grandes, mas a vida toda com todos os aniversários são umas férias à morte e tem de nos deixar resgatar competentemente para nós e uns para os outros. Oxalá!