Tânia dos Santos Sexanálise VozesA crise da fertilidade masculina [dropcap]N[/dropcap]os últimos cinquenta anos os homens ocidentais diminuíram a sua contagem de esperma em 50%. Há quem encare isto com mais alarmismo do que outros. Pode ser o início de um futuro distópico de valores de fertilidade estrondosamente baixos, o início da extinção humana ou a justificação para regimes autoritários se apoderarem dos corpos, como nas estórias da Handmaid’s Tale. Independentemente dos potenciais efeitos, vivemos uma crise silenciosa da fertilidade masculina. Há pouca investigação científica sobre o assunto e há pouca divulgação nos canais de informação populares. O declínio generalizado do esperma viável no mundo ocidental corre sérios riscos de ser levado a sério quando for tarde demais. Não sabemos ao que se deve à pouca atenção dada ao tema. Não há como não fantasiar as razões para este silêncio. A culpabilização para uma fertilidade fraca normalmente é de quem a concebe dentro de si, de quem tem úteros e ovários. Esta premissa tem dificultado olhar para o outro elemento da díade na concepção. As pessoas com úteros e óvulos são tradicionalmente responsabilizadas para procriar e são criticadas se não o fizerem. Que pessoa tida como mulher já não foi questionada acerca da sua vontade, e capacidade, para trazer bebés a este mundo? Que pessoa com pénis e testículos já foi interrogada do mesmo? O facto de que se assuma a parentalidade como uma questão mais feminina do que masculina tende a recusar as dinâmicas emocionais envolvidas na procriação também. O declínio na fertilidade masculina pode não ser o grande problema social e de sobrevivência da espécie como alguns insinuam, mas pode ser uma desilusão pessoal. As pessoas com pénis podem estar a contar participar no mundo dessa forma: assumir-se como pais, contribuir para a formação de um ser, trazer algum pedaço dos seus genes ao mundo. Não ver realizada a expectativa de ter uma criança pode ser muito difícil. Se nos focarmos nestas expectativas individuais, ainda mais frustrante é saber que nada tem sido feito para perceber como é que esta contagem decrescente de esperma tem acontecido – nem como pode ser evitada. Talvez tenham sido estilos de vida, roupas interiores (e não só) progressivamente mais justas. A toxicidade não declarada dos produtos que consumimos e com os quais lidamos, ou o consumo de álcool e de drogas ilícitas. Ninguém sabe. Há algo na vida urbana, desenvolvida e híper-conectada que tem contribuído para os espermatozoides se produzirem menos, ou que sejam produzidos com pouca mobilidade. O facto de se ignorar uma possível crise é um indicador, entre muitos, de dinâmicas enviesadas da fertilidade e do género. O não apoio das estruturas sociais e institucionais para a divulgar e a perceber só mostra que não é (socialmente) expectável que as pessoas com pénis se importem. Os homens também querem ser pais, ainda que não existam representações que o sugiram – não da mesma forma como representações sugerem a maternidade nas mulheres. Este tema também pode continuar a ser tabu porque contesta a hegemonia de uma tal masculinidade impossível e exagerada. A tal que assume que não há espaço para a fragilidade, o desapontamento e até o cuidado. Discutir esta crise – e reunir esforços para resolvê-la – é só mais um passo para desconstruir masculinidades e feminilidades que já não se querem inflexíveis. Contestar estes pressupostos, fazendo uso dos mecanismos biológicos que os trouxeram à luz, é uma boa maneira. Os homens no ocidente não estão a conseguir procriar como antigamente, e não deveria ser surpresa interessarmo-nos sobre isso.