Festejar o campeão e morrer

O meu saudoso familiar Fernando Namora foi um génio como romancista, ensaísta, poeta, pintor e médico. Sempre foi o meu escritor preferido. Eu, sou um simples escriba que simplesmente abracei o prazer de informar os outros. Faço-o com amor pela escrita que poucos me ensinaram, mas li sempre muito e não posso esquecer o livro de Fernando Namora, de 1989, sob o título “Jornal Sem Data”. Daí, esta minha crónica também não ter data, mas ter jornal. Honra-me escrever o que consigo para este “Hoje Macau” que faz inveja a tanta gente.

Hoje, trago-vos um tema que chocou muitos portugueses: a morte de um adepto do Futebol Clube do Porto que ao festejar o feito do seu clube por se ter sagrado campeão nacional, foi morto junto ao Estádio do Dragão. Todos sabemos o que foi e tem sido a actividade das claques dos principais clubes Benfica, Sporting, FC Porto e até a terrível claque de Guimarães. No Benfica os “No Name Boys” nem estavam legalizados e numa final da Taça de Portugal até mataram com um verylight um adepto sportinguista que se encontrava na bancada.

Felizmente, nos dias de hoje assiste-se a um jogo no Estádio da Luz e não se vê esse grupo a provocar distúrbios. A “Juve Leo” foi o que se sabe: os seus mentores invadiram a academia, agrediram violentamente jogadores, técnicos e equipa médica acabando condenados no tribunal. À semelhança do Benfica também em Alvalade, durante os jogos, dá a ideia que esse grupo já não existe nos mesmos moldes. Os “Super Dragões”, ui, esses continuam em acções de violência e não param de amedrontar seja quem for. Estou convencido que até o presidente portista Pinto da Costa tem medo deles.

Estes grupos sujaram a imagem do futebol e entraram na prática de ilegalidades, como a venda de drogas, muitas vezes ligados a redes internacionais e ao controlo da prostituição. As autoridades policiais chegaram mesmo a apresentar propostas aos governos para que essas claques organizadas fossem radicalmente banidas e proibidas de entrar nos estádios.

Certo é que o crime tem aumentado entre grupos rivais espalhados por todo o país, especialmente os que se dedicam à venda de droga, aos assaltos a residências e ao controlo do tráfico de seres humanos. O que não sabíamos era que no seio dos “Super Dragões” existissem facções que se digladiassem e que chegassem ao ponto de numa noite de festa, com milhares de portistas na rua a festejar a vitória do campeonato 2021/22, junto ao Estádio azul e branco, os simpatizantes e dirigentes da claque portista iniciassem uma batalha campal e que o número dois da claque e o seu filho estejam a ser investigados pelo esfaqueamento mortal de um compatriota portista que estava no local também a festejar a vitória da equipa de Sérgio Conceição. O filho está detido e o pai entregou-se às autoridades policiais com receio de ser morto pelos rivais. Ao que se chegou no futebol. O mundo do crime está no seu seio e lamenta-se profundamente que os “Super Dragões” ainda não tenham sido ilegalizados.

E já que estamos no mundo do crime, deixo-vos um EXCLUSIVO HOJE MACAU: Especialmente, nas duas cidades portuguesas Lisboa e Porto, pululam motos, bicicletas e trotinetas com uma caixa amarela ou verde às costas que será suposto transportar comida e bebidas para quem telefona interessado em comprar determinados pitéus.

Podemos informar que existe a funcionar, pelo menos, nas referidas cidades, uma rede internacional que usa alguns dos estafetas do Bangladesh, Brasil, Nepal, Turquia e poucos portugueses para esse trabalho de transporte de comida ao domicílio. Simplesmente, cada vez tem aumentado o transporte de cocaína e outras drogas que são solicitadas por meio de uma linguagem codificada e que está a passar de boca em boca junto dos alegados consumidores.

Naturalmente, que o negócio do transporte de droga ao domicílio já está a render muito mais do que transportar uma pizza ou um frango assado…

16 Mai 2022

Associação assinala centenário de Fernando Namora

A Associação dos Amigos do livro em Macau vai assinalar o centésimo aniversário do escritor português Fernando Namora, no próximo dia 15, com a realização de uma tertúlia. O evento tem lugar na Livraria Portuguesa, pelas 18h e é acompanhado por duas exposições: uma com as obras de Namora, e outra com as capas de livros desenhadas por Victor Palla

 

[dropcap]O[/dropcap] médico e escritor português Fernando Namora comemoraria 100 anos no próximo dia 15. A data não é esquecida pela Associação dos Amigos do Livro em Macau que agendou para esse dia o primeiro de três eventos de celebração da efeméride.

Para o efeito, a Livraria Portuguesa vai receber os membros da associação e os seus convidados para uma tertúlia. O objectivo é recordar os textos e poemas de Namora. “Além de ser um escritor português muito conhecido nos anos 70 e 80 e traduzido para várias lingas acho que está um pouco esquecido”, começa por dizer o também escritor e médico membro da associação, Shee Va, ao HM para explicar a pertinência em recordar o autor português. “Nas escolas não se fala dele, as pessoas não falam dele”, acrescenta.

No entanto, o “esquecimento” de Fernando Namora não tira o mérito ao trabalho que deixou, até porque “é um escritor que marca uma época e está muito ligado ao neo-realismo apesar de no final da vida ter passado para uma fase muito mais individual”.

Por outro lado, foi um homem de liberdade, apesar de ter vivido “numa época em que se vivia o fascismo e em que existiam todas as restrições em relação à escrita”. “Ele manifestou-se como um homem livre. Expressava o seu pensamento nos livros e por essa qualidade acho que temos que o enaltecer”, sublinha Shee Va.

Exposições paralelas

A acompanhar as leituras, o organização vai promover a exposição de algumas das obras de Fernando Namora. “Vamos ter uma exposição bibliográfica com os livros que se encontram em Macau”, aponta o membro da Associação dos Amigos do Livro. A exposição conta com uma tradução para chinês dos “Retalhos da vida de um médico”, uma crítica literária das obras reeditadas de Fernando Namora que Shee Va encontrou num jornal de 1958 e uma crítica do “O homem disfarçado”.

Uma segunda exposição, desta feita dedicada às capas de livros do escritor produzidas pelo arquitecto Victor Palla, vai ainda integrar a celebração. Shee Va aproveita para recordar que Fernando Namora também foi pintor. “Ele queria seguir arquitectura mas por imposição da mãe acabou por seguir medicina. O primeiro livro que publicou, um livro de poemas chamado “Relevos” tem uma capa desenhada por ele”, conta.

A efeméride vai ainda ser assinalada com um outro encontro no dia 23 de Abril em associação com o IPOR. Os detalhes ainda estão por definir até porque, sendo o dia mundial do livro, a associação gostaria de trazer “as palavras de Fernando Namora para a rua”. “Seria uma forma de juntar a celebração com as comemorações do dia mundial do livro e de tentar promover a leitura na rua. Seria uma forma de não ficar-mos retidos num espaço interior e de trazer a literatura em português à população”, acrescenta.

Para finalizar a celebração do centenário do nascimento de Fernando Namora, a Associação dos amigos do Livro em Macau vai estar,  no dia 17 de Maio, na Escola Portuguesa numa acção que junta convidados alunos e professores.

Futuro planeado

Com o objectivo de aproximar a literatura do público local, a Associação dos Amigos do Livro em Macau quer promover mais actividades, sobretudo aquelas que possam aproximar as palavras das pessoas. Na calha, está a produção de peças de teatro de rua e “o contar histórias”. O desafio maior é “ver como se consegue atrair o público”.

Entretanto, e para Novembro, está agendada a celebração do centésimo aniversário do poeta Jorge de Sena.

Para juntar o público chinês e português Shee Va adianta que vai trazer ao território a poesia, pintura e caligrafia chinesa de modo a mostrar a complementaridade entre estas formas de arte.

“Consegui encontrar uma poetisa chinesa que viveu há 700 anos e a poesia chinesa está também muito ligada às artes gráficas porque é passada para a tela e pela caligrafia. Por isso vou juntar caligrafia, pintura e literatura num evento”. A ideia é dar aos leitores lusófonos uma maior compreensão da própria pintura chinesa, recorrendo à poesia, e à caligrafia.

10 Abr 2019

Da eternidade em vida

[dropcap]S[/dropcap]omos fracos juízes do nosso tempo, sobretudo quando pretendemos adivinhar a eternidade no pedaço de história em que nos coube viver.

1.

Em 1884 o jornal “O Imparcial” de Coimbra organiza um inquérito entre os seus ilustres leitores para que escolhessem a grande figura literária do seu tempo. Em 1º lugar ficou o velho Camilo, em 2º Pinheiro Chagas e em 3º Latino Coelho.

Por estes dias já Camilo se arrastava meio cego no solar de Ceide, arrepiado pelos guinchos do seu louco filho Jorge. Foram só mais 4 anos disto até se suicidar, mas ainda deu para o escatológico “Vulcões de Lama”. O preito dado pelos leitores a Camilo seria assim aquele que se presta por mera reverência às individualidades histórias que calha ainda estarem vivas. Porque dos 3 nomeados o mais reputado nos círculos instruídos e decentes da capital, o que marcava o passo das letras coevas, era, sem dúvida, Pinheiro Chagas. Tudo que publicava fazia furor, “O Terramoto de Lisboa” e “A Mantilha da Beatriz” foram best sellers instantâneos e a crítica jurava pela perpetuidade literária destes romances. A sua escrita fresca e optimista sem prescindir de um módico de erudição, permitiu-lhe uma “História Alegre de Portugal”, acolhida como a prova evidente de que os grandes problemas e entendimentos do século podiam ser divulgadas com sucesso popular.

Contra Pinheiro Chagas, ou contra o seu patrono Castilho, ainda rabiou Antero na famigerada Questão Coimbrã, ao passo que Ramalho Ortigão e Camilo, nunca o desconsideraram. Eça, esse, invejava-lhe largamente o prestígio e ambos não se coibiram de trocar acrimónias.

Jornalista, deputado, ministro, tradutor de Verne, professor de Literatura Clássica na Universidade de Lisboa, Secretário-Geral da Academia das Ciências, fundador da Sociedade de Geografia, tudo isto além de escritor; quem poderia duvidar que Pinheiro Chagas seria laureado para todo o sempre como o maior vulto literário do final do século XIX?

2.

Se calhar ainda hoje há quem se lembre de “A Ceia dos Cardeais”. Foi talvez o maior êxito teatral de um autor português.

Sobre ser um escritor de sucesso, Júlio Dantas foi uma figura pública sumamente respeitada. Duas vezes ministro: da Instrução Pública e dos Negócios Estrangeiros; professor no Conservatório Nacional; Presidente da Academia das Ciências desde 1922; fundador da instituição percursora da actual Sociedade Portuguesa de Autores; Doutor Honoris Causa pela Universidade do Brasil e depois pela de Coimbra, terminou a carreira em glória como embaixador de Portugal no Rio de Janeiro.

Júlio Dantas cortejou a monarquia, aclamou a República e foi deferente sem meias-tintas com o Estado Novo. Sendo insubstituível e incontornável não houve quem o tomasse como oportunista.

Contestou-o apenas uma pandilha de rapazes neuróticos, snobs e insolentes, infectados pela fugaz moda do modernismo da primeira década do século XX, que inspiraram a sua truculência em Marinetti ou Mayakovsky e se acoitaram atrás do insano Almada Negreiros. O indecoroso e tremendo ultraje mais confirmou, a quem estivesse em seu perfeito juízo, que a História guardaria Júlio Dantas como a quintessência da intelectualidade portuguesa do seu tempo.

3.

Fernando Namora enalteceu-se como figura de proa do neo-realismo, um movimento que pretendeu libertar as letras portuguesas da grandiloquente mas balofa retórica do Estado Novo, utilizando uma prosa simples e naturalista para não só denunciar a miséria em que Portugal vivia, como exibir a irreversível verdade histórica para que a humanidade caminhava.

Ao plinto de Namora apenas se avizinharam Alves Redol ou Soeiro Pereira Gomes, uma tríade cuja sombra se projectou na literatura portuguesa durante os anos 50 e 60 e ainda um pouco na década de 70. Fora deles, dizia-se, havia pouco a considerar e quaisquer notas destoantes eram remetidas para um limbo.

Ainda hoje não deve ter havido escritor português mais traduzido do que Fernando Namora, pelo que, além de uma certeza científica, parecia uma evidência que lhe caberia ser consagrado à posteridade como o grande farol das décadas em que presidiu à literatura portuguesa, ofuscando quaisquer outras luzes.

4.

Hoje, o panorama literário de Portugal é dominado por duas figuras quase intangíveis, autênticos clássicos em vida. Manuel Alegre e António Lobo Antunes são as incontestadas eminências das nossas letras contemporâneas, os mais autopsiados pela academia, os mais consagrados pela crítica. Não se vê ninguém que lhes denigra o mérito nem alguém que lhes pise o manto da preponderância.

Será possível haver quem lhes negue assento entre imortais e memoriosos como Chagas, Dantas e Namora?

22 Fev 2019