Rui Flores VozesDois minutos e meio [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ara antecipar quão próximo estará o mundo de um conflito nuclear de larga escala – de destruição total –, há 70 anos que uma associação norte-americana de cientistas avalia os perigos existentes, tendo em conta os avanços tecnológicos e a forma como os armamentos nucleares têm evoluído (e outras armas de destruição maciça e ameaças generalizadas à humanidade), e anuncia quantos minutos faltam para o fim disto tudo. Pois bem, o Doomsday Clock, o relógio do julgamento final, avançou 30 segundos este ano. Está agora a apenas dois minutos e meio para a meia-noite – para a hora da explosão. O anúncio foi feito nos últimos dias de Janeiro, em Chicago. Segundo esta associação de cientistas atómicos (Science and Security Board Bulletin of the Atomic Scientists), estamos pois mais próximos do apocalipse. Uma das principais razões citadas para este avanço foi a eleição de Donald Trump e as declarações erráticas do então candidato presidencial – o anúncio foi feito poucos dias depois da tomada de posse do milionário de Nova Iorque e não terá tido grandemente em conta a actividade frenética do novo inquilino da Casa Branca. Aliás, pelo que temos visto nestes primeiros dias da Presidência Trump, o relógio deverá continuar a aproximar-se da meia-noite nos próximos 12 meses. Este avanço fez o relógio do juízo final aproximar-se 30 segundos de um tempo onde só ainda esteve uma vez. Em 1953, na sequência dos testes efectuados com bombas de hidrogénio, primeiro nos Estados Unidos da América e depois na União Soviética, a associação determinou que faltavam então apenas dois minutos para a catástrofe global. O relógio tem oscilado entre os sete minutos para a meia-noite, quando a associação publicou o seu primeiro “bulletin”, em 1947, e os 17 minutos de 1991, quando a União Soviética chegou oficialmente ao fim e as duas principais potências atómicas começaram a reduzir os seus armamentos nucleares. A associação foi constituída em 1945 por alguns dos cientistas envolvidos no Manhattan Project, que criou as primeiras bombas atómicas, que não conseguiam manter-se à margem das consequências do seu trabalho. Donald Trump não é o único responsável pelo avanço ruidoso do ponteiro dos segundos. Mas contribuiu para isso. Os cientistas, no artigo em que justificam a colocação do relógio nos dois minutos e meio para a meia-noite, explicam que o resultado da sua análise é multidisciplinar. A equipa que faz esta avaliação anual – que inclui cientistas de áreas tão variadas como a oceanografia, meteorologia, relações internacionais ou física, entre outras – olha para as tendências de longo prazo que afectam a humanidade, como o aquecimento global ou a proliferação de armas de destruição maciça ou as ameaças resultantes dos avanços tecnológicos emergentes, como as que terão interferido com a campanha eleitoral norte-americana e as notícias falsas que circulam nas redes sociais. Sem um acompanhamento próprio e políticas que procurem diminuir o impacto destas “campanhas”, será a própria democracia que sairá afectada. Com consequências imprevisíveis para o sistema global. O mundo pós-II Guerra Mundial, construído em torno dos princípios da economia de mercado, dos direitos humanos e da democracia, está a ser questionado como nunca o foi nas últimas sete décadas. Um dos sinais mais recentes desse ataque foi o anúncio recente da União Africana de retirar os Estados-membros do tratado que instituiu o Tribunal Penal Internacional (a estrutura das Nações Unidas que lida com os crimes contra a humanidade e genocídio). Valores tidos como seguros, como marcas do progresso da humanidade, estão a ser postos em causa. E não apenas por Trump. É evidente que os minutos deste relógio imaginário não são rigorosos. São meramente indicativos. Não há certezas no campo da futurologia, não fosse o futuro uma ciência incerta. Há, no entanto, tendências, índices, factos. Os minutos são pois uma imagem, uma declaração sobre o estado de saúde do mundo, um manifesto sobre a permanente tensão que caracteriza as relações internacionais. E devem ser lidos em perspectiva, comparados com os dados dos anos anteriores. Este ano estamos a viver uma situação que, no seu quadro geral, demonstra que o mundo está mais perigoso. Sinal que explica, por exemplo, porque é que tantos homens de negócios norte-americanos, empresários, muitos que fizeram fortuna com as tecnológicas em Silicon Valley, estão à procura de casas na Nova Zelândia para se mudarem para lá caso isto vá tudo pelos ares (a The New Yorker acaba de dedicar um longuíssimo artigo àquilo que os super-ricos estão a fazer para se preparar para o dia seguinte). O mundo – as relações entre Estados, aquilo a que comummente se designa as Relações Internacionais – é como uma entidade orgânica que está em busca do equilíbrio. Não é estável, está em permanente agitação, ora para um lado ora para o outro, para manter o equilíbrio. Como o trapezista na corda, que a qualquer momento parece que vai cair, as relações internacionais estão em permanente tensão. Qualquer alteração das peças deste puzzle gigantesco tem pois influência nas outras todas, que têm de se adaptar, reposicionar, recolocar. O que se vê é que o equilíbrio à escala global está muito instável, mais do que estava antes da eleição de Trump. Veja-se por exemplo a própria União Europeia que, tendo em conta a incerteza que vem do outro lado do Atlântico, juntou no passado fim-de-semana em Malta os chefes de Estado e de governo para discutir o futuro da própria União. O novo Presidente norte-americano, ao questionar tudo o que até agora era certeza, trouxe às relações globais uma dose excessiva de imprevisibilidade, que fez aumentar a tensão entre todos. Nos tempos que correm, o bater das asas de uma qualquer borboleta num qualquer ponto perdido do globo pode provocar uma reacção em cadeia de dimensões cataclísmicas. É essa a lógica que está por detrás do avanço do relógio para os dois minutos e meio antes da meia-noite.