Apenas uma ínfima parte discorda da introdução do “crime de falso alarme social”

Sete em cada dez concordam com a introdução do crime de falso alarme social à luz do qual quem emitir ou propagar boatos ou rumores falsos relativos a incidentes de protecção civil, após ter sido declarado estado de prevenção imediata, pode ser punido com pena até três anos de prisão. É o que diz o relatório final da consulta pública sobre a proposta de Lei de Bases da Protecção Civil, recentemente publicado

 

[dropcap]O[/dropcap] crime de falso alarme social, que o Governo pretende criar na futura Lei de Bases da Protecção Civil, conquistou o apoio da maioria. Pelo menos a avaliar pelo relatório final da consulta pública do diploma, realizada durante o verão, que indica que de um universo de 390 opiniões recolhidas a respeito somente 17 – ou 4,36 por cento – foram contra.

Este ponto surge integrado no capítulo do reforço da difusão eficiente da informação que foi, de resto, o tema que “mereceu maior atenção por parte da opinião pública e mais discutido no seio da sociedade”, com a maioria (290 ou 74,36 por cento) a concordar que o novo crime pode “coarctar rumores nocivos e expressões que instalem o pânico na sociedade no decurso de incidentes de ameaça colectiva”, refere o documento, publicado na sexta-feira.

Ao abrigo da nova figura, arrisca pena até três anos de prisão quem emitir ou propagar boatos ou rumores falsos relativos a incidentes de protecção civil, após ter sido declarado estado de prevenção imediata. Trata-se de um agravamento face à pena de prisão até seis meses ou de multa até 240 dias que o Código Penal estipula já para “quem afirmar ou propalar factos inverídicos sem ter fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros”, constituindo ofensa a pessoa colectiva que exerça autoridade pública.

 

O receio da liberdade de expressão

As principais reservas dos que se opõem assentam em preocupações relativamente à liberdade de expressão, atendendo precisamente a que o Código Penal prevê crimes semelhantes, entendendo “desnecessário” um novo crime com sanções agravadas. Foram igualmente levantadas dúvidas sobre “a falta de clareza” na hora de se estipular o crime ou relativamente à possibilidade de serem transmitidas informações falsas sem que haja dolo.

Na réplica, a secretaria para a Segurança insiste que a nova figura “visa colmatar uma lacuna existente na legislação que prejudica um interesse fundamental da RAEM”. Isto porque rumores com vista a instalar o pânico e a confusão numa situação de perigo “não estão de modo algum salvaguardados pela liberdade de expressão”, diz o documento.

Em paralelo, o âmbito do novo crime de falso alarme social “é nitidamente mais restritivo” comparativamente a outras jurisdições que definiram sanções para a divulgação de rumores, como a França ou a Suíça, dado que é apenas aplicável aos actos cometidos durante determinados estados de incidentes de protecção civil (prevenção imediata, socorro, catástrofe ou calamidade) e não durante uma situação de normalidade”, argumenta o Executivo.

Não obstante, com vista ao equilíbrio entre a garantia dos direitos e liberdades fundamentais e a punição de actos de propagação de rumores durante desastres, o Governo garante que “irá procurar clarificar o conceito do crime e os elementos que constituem a infracção”, elencando nomeadamente a necessidade de existência de dolo e definição das características do mesmo.

Em simultâneo, sustenta, propõe-se uma penalização de dois níveis consoante aspectos como a gravidade das consequências, a identidade do autor ou o conteúdo do rumor. Assim, a pena máxima de três anos vai versar sobre o acto que “cause efectivamente o pânico na sociedade, que afecte as acções das autoridades e das pessoas, que seja cometido por interveniente das operações de protecção civil ou cujo conteúdo do rumor faça com que as pessoas acreditassem como tendo sido emitido pelas autoridades públicas”, concretiza o relatório final da consulta pública.

Inicialmente, o Governo propunha também “salientar a responsabilidade cívica dos órgãos de comunicação social na difusão das informações da protecção civil emitidas pelas autoridades”. Uma intenção que “não vai ser adoptada”, na sequência das opiniões recolhidas através da consulta pública e atendendo a que a Lei de Imprensa e a Lei de Radiodifusão têm previstos já “deveres vinculativos e rigorosos” sobre a divulgação de informações por parte dos ‘media’.

 

Dificuldades operacionais

A definição dos deveres e responsabilidades, que estipula as consequências do incumprimento em consonância com cada um dos estados, também granjeou o apoio da maioria das opiniões recolhidas (180 a favor, 5 contra e 47 outras).

A título de exemplo, as pessoas colectivas e os indivíduos que não cumpram a lei e as ordens ou instruções emitidas pelas autoridades de protecção civil durante o estado moderado ou de prevenção incorrem no crime de desobediência (pena de prisão até um ano ou de multa até 120 dias), mas se esse incumprimento tiver lugar durante o estado de prevenção imediata ou superior incorrem no crime de desobediência qualificada (pena de prisão até dois anos ou de multa até 240 dias).

Sanções que foram questionadas durante a auscultação, havendo quem tivesse também tecido considerações sobre a forma de aplicação das mesmas, de acordo com o relatório da consulta pública.

O diploma também prevê sanções idênticas para os responsáveis das entidades concessionárias de serviços básicos, nomeadamente os de abastecimento de água, fornecimento de energia eléctrica e serviços de telecomunicações, entre outros operadores de infra-estruturas consideradas críticas, que também se pronunciaram.

Segundo o documento, a Companhia de Electricidade de Macau (CEM) e as operadoras de telecomunicações “propuseram a criação de um mecanismo de comunicação e sugeriram às entidades para terem em consideração as dificuldades reais que possam encontrar enquanto executam as ordens previstas na lei”. Opiniões que o Governo “irá considerar devidamente”.

Durante a consulta pública sobre a Lei de Bases da Protecção Civil, que terminou a 11 de Agosto, foram recolhidas 576 opiniões, desdobradas em 2498 sobre 11 temas específicos, sendo que em nenhum dos pontos a percentagem de discordância tocou os 5 por cento. Nas contas entraram ainda as 106 opiniões apresentadas sobre os trabalhos da protecção civil, mas que não foram mencionadas no documento de consulta.

O Governo vai agora “proceder à revisão dos conteúdos com base nas opiniões recolhidas na consulta pública, procurando aperfeiçoá-los e adoptar uma redacção com expressões mais claras, de forma poder concluir a proposta com a maior brevidade possível”, diz o documento.

27 Dez 2018