A Grande América (III)

“We are going through a bad stage in the cold war-all wars have their bad stages. But in all wars when one is going through a bad stage one should concentrate first and foremost on the core of the problem; and the core for us is what is left of Western Europe.”

Weaknesses of Western Society

Pietro Quaroni

Nos últimos anos, temos assistido a um interesse sem precedentes dos americanos pela Europa. Inicialmente era “O que querem de nós?”. Uma mistura de condescendência e de desprezo simpático, que suscita respostas embaraçosas ou simplesmente o silêncio, uma vez que não estamos habituados a estabelecer o que podemos querer. Depois, a viragem brusca para “O que fariam no nosso lugar?”. Até ao contra-ataque de Trump. Com ele não há perguntas, apenas acordos pré-cozinhados ou improvisados. Tudo extremamente informal na base de que “Queremos isto, podem ajudar-nos assim, em troca recebem aquele outro. Boa sorte”. Claro que o poder de fogo é totalmente desproporcionado. Mortal é a retaliação em caso de insubordinação. O exemplo pode ser que se fizermos comércio de tecnologias de ponta com os chineses, no mínimo devemos esperar represálias em matéria de direitos aduaneiros e de regime de vistos, por cima da mesa, com passos acompanhados por baixo.

O que nos obriga a saber de antemão o que podemos querer do líder e a que preço. Nada de extraordinário. Variantes tácticas de uma estratégia. Esta deveria assentar nos nossos rendimentos geoestratégicos, que não só negligenciamos como até minamos. O sul do continente é mediterrânico em primeiro lugar, europeu em segundo. Mas vive-se este privilégio como uma vergonha. Não aproveitaram a vantagem da viragem médio-oceânica de que desfrutavam desde a abertura do Suez, que hoje corre o risco de fechar desastrosamente devido à crise do Mar Vermelho. O seu olhar marítimo vê as suas águas interiores como um limite e não como uma fonte que os empurra para o mundo e o mundo para eles.

Entre as heranças nefastas do seu europeísmo e do complexo de inferioridade que lhe está associado em relação às nações continentais, a hidrofobia é a mais prejudicial. A figura secreta da sua estratégia escapa-lhes pois são ocidentais porque são médio-oceânicos, não porque são europeus. Os seus vizinhos continentais, a começar pelos germânicos, são por vocação anti-médio-oceânicos. Desde tempos imemoriais. Como afirma a “Escola dos Annales”, o conceito de Europa nasceu contra Roma, quando a maré islâmica partiu o mare nostrum em dois, entre os séculos VII e VIII. Uma fractura que continua por resolver e a agravar-se. Continuam os italianos a ser o centro passivo, na melhor das hipóteses reactivo, do Médio Oceano, depois de terem sido o seu pivot decisivo.

Ridículo disfarçarem-se de pivots. É urgente voltar a dar sentido à sua geografia de posto avançado ocidental no meio do oceano. E que isso conte mais em relação à Alemanha e à França, que estão viradas directamente para o Oceano Mundial, enquanto eles têm de defender com unhas e dentes a saída pelo Suez e pelo Bab-el-Mandeb (O Estreito de Bab-el-Mandeb, em árabe, “porta da lamentação” é o epicentro da vasta região marítima que se estende desde o Mar Vermelho até às porções ocidentais do Oceano Índico, englobando também o Golfo de Aden e parte do Mar Arábico. Este estrangulamento, que tem apenas vinte e sete quilómetros de largura no seu ponto mais estreito, perto da ilha de Perim, separa o Corno de África do Médio Oriente e serve de antecâmara ao Canal do Suez, a passagem artificial que, desde a segunda metade do século XIX, liga o Indo-Pacífico sem limites ao sistema atlântico através do Mediterrâneo).

Juntamente com aqueles que estarão dispostos a trata-los como parceiros do meio do oceano. Em primeiro lugar, e certamente não só, os Estados Unidos. Eles sentem-se aqui em dívida para com o grande diplomata italiano Pietro Quaroni (os seus pensamentos e acções vêm descritas em “Pietro Quaroni, Italian Diplomacy and the Libyan Issue (1945-1949)” de Luciano Monzali) que pertencia a essa raça de servidores do Estado que entendiam esse privilégio como uma contribuição para a política externa. Mesmo contrariando as modas intelectuais, resistindo à tentação da burocracia e da politicagem. O seu opúsculo de ouro sobre o “Pacto Atlântico e Segurança na Liberdade”, publicado há sessenta anos, é de uma actualidade fulminante. Pietro Quaroni sugeria que se “enquadrassem numa política americana periférica” no seio da OTAN, evoluindo de uma “potência do mar” para uma “potência marítima”. O teatro talassocrático distingue-os dos seus parceiros continentais e dá-lhes maior liberdade de movimentos do que a França e a Alemanha.

Expresso na “defesa periférica baseada na cintura externa da Europa, Inglaterra, Península Ibérica, Itália e Grécia”. Não sendo uma potência naval, é capital para lhes reavivar o entendimento bilateral com a América como primeira potência mediterrânica, tal como aconteceu com a Inglaterra quando ainda dominava as ondas. Enquanto a sua política externa se manteve firme no princípio de que podiam tomar todas as liberdades excepto a de se voltarem contra a Inglaterra, qualquer tolice que tivessem feito tinha consequências graves; no dia em que esquecessem este princípio, as consequências seriam tais que ainda agora as recordariam. Hoje, em vez da Inglaterra, estão os Estados Unidos, e é a primeira necessidade de a política italiana entender-se com os Estados Unidos como pretende Giorgia Meloni. Não devem deixar-se arrastar, em nome de uma pretensa Europa, para uma política europeia que é de facto-anti-americana.

(Continua)

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