Via do MeioFantásticas miragens no mar António Graça de Abreu - 10 Jan 202310 Jan 2023 Su Dongpo Tradução de António Graça de Abreu Oiço, há muito tempo, falar em miragens fantásticas que aparecem sobre o mar na costa de Dengzhou.[1]As pessoas mais antigas do lugar disseram-me que, normalmente, aparecem na Primavera e no Verão, e como eu cheguei tarde já não esperava vê-las. Cinco dias depois de ocupar o meu posto, recebi ordens para regressar à corte. Fiquei aborrecido por não ter a possibilidade de ver as miragens e decidi fazer uma oração ao Deus do Mar, o Rei da Ampla Virtude. No dia seguinte, consegui vê-las e escrevi: A leste, nuvens e mar, vazio e mais vazio, será que os imortais se passeiam nas luzes do vácuo? Todas as formas nascem do ondular de um mundo flutuante, não existem portas de conchas fechando palácios de pérolas. A minha mente sabe, é tudo uma grande ilusão, mas meus olhos pedem, desejam a invenção dos deuses. O dia frio, o mar gelado, lacrados céu e mar, por bem, deixem-me acordar os dragões adormecidos. Torres inclinadas, colinas verdes embebidas na geada da noite, aí estão as miragens, maravilhas para assombro dos velhos. Neste mundo, tudo se consegue com o labor dos homens, nada mais existe por detrás do outro lado do mundo. Mas quem concebeu tanto deslumbramento? Inventei justificações, as divindades concordaram. Confundir as coisas tem a ver com os homens, não se trata de pragas caídas do céu. Quando o governador de Chaoyang[2] regressou ao norte, após o seu exílio alegrou-se ao ver os picos aguçados de Hengshan[3] considerou que o seu honesto coração tinha comovido os espíritos da montanha. (afinal o Criador apenas tivera pena do velho!) Viveu um raríssimo momento de prazer, os deuses concederam-lhe breves benesses. Aqui, o sol desce, um pássaro solitário perde-se na distância, contemplo o esverdeado do mar, como um espelho de bronze polido. Para que serve este poema, este mágico entrelaçar de palavras? Como todas as coisas, desaparecerá, pouco a pouco, quando soprar o vento leste. [1] Em 1085, Su Dongpo foi nomeado governador de Dengzhou, na província de Shandong, mas permaneceu apenas uma dúzia de dias no lugar porque, logo após a sua chegada, foi mandado regressar a Kaifeng para desempenhar funções mais importantes na corte. [2] O governador de Chaoyang é o poeta e prosador Han Yu 韓愈 (768 – 824). Em 819 foi exilado para o sul da China. Amnistiado três anos depois, regressou a casa, tendo cruzado parte da montanha Hengshan, em Hunan. Han Yu escreveu: “O mais perfeito dos sons humanos é a palavra. A poesia é a forma mais perfeita das palavras.” Ver Quinhentos Poemas Chineses, coord. António Graça de Abreu e Carlos Morais José, Lisboa, Vega Ed., 2014, pags. 185 e 186. [3] A montanha Henghshan, na província de Hunan, é uma das cinco montanhas sagradas do taoismo chinês. Han Yu, ao passar por aí, os cumes de Hengshan estavam cobertos de névoa. O poeta rezou então aos espíritos da montanha e logo depois toda a névoa desapareceu. Ele considerou que isso aconteceu devido à honestidade que continuava a prevalecer no seu coração.