Sexanálise VozesVibra, vibra, vibrador! Tânia dos Santos - 9 Set 2020 [dropcap]A[/dropcap] controvérsia que normalmente gira em torno dos vibradores começa logo na história da sua génese. A assumpção comum – e que já está bem integrada na cultura popular (até em peças da Broadway) – é de que os vibradores terão sido criados pelos médicos vitorianos para o alívio da tão malfadada maleita da altura, a histeria. Estes médicos estariam carentes por um utensílio que os auxiliassem na intensa tarefa de massajar todas as detentoras de vulvas que precisavam do alívio de sintomas. Reza a lenda que os vibradores conheceram o seu grande propósito orgásmico porque os médicos precisavam de descansar os pulsos, de tanto trabalho que teriam. Acontece que esta versão da história não é assim tão precisa. Foi Hallie Lieberman que recentemente contestou esta suposta teoria com a sua mais recente obra Buzz: The Stimulating History of the Sex Toy. Não há qualquer evidência/relatos/factos que o início dos vibradores terá sido esse – não deixem que a internet ou a academia vos indique o contrário. Os vibradores terão sido um auxílio médico, sim, mas nada indica que terão sido usados nos tratamentos de histerias, muito menos usados nos genitais em contexto médico – por mais caricata e curiosa que esta imagem seja. Os primeiros vibradores terão sido usados no tratamento de problemas nos rins, surdez, ou dores de cabeça. Ninguém pode dizer com certeza que o uso nos genitais estivesse a acontecer de facto. A história da sexualidade tem destes problemas, ninguém sabe ao certo o que se fazia porque os relatos sobre tudo o que envolvia sexo ou genitais, não eram muitos. Foi só nos anos trinta que se começou a ver os vibradores a interagir com vulvas, nos vídeos pornográficos da altura. E a partir daí tornou-se mais fácil acompanhar a sua evolução. Nos anos 60 tornaram-se num ícone de empoderamento feminino, especialmente em contexto norte-americano, onde se viu o surgimento de empresas com uma abordagem diferente da tradicional sex-shop. Um vibrador à antiga – e às vezes nos dias de hoje – implicava a interacção com o senhor de meia idade da loja de produtos sexuais local, que, acompanhado por comentários pouco agradáveis, podia oferecer informação pouco útil sobre os produtos. Agora há consultoras capazes de informar as pessoas com vulvas das possibilidades do mercado. Até os estudos de marketing e design têm relatado e incentivado a proliferação de produtos sexuais, agora com ares mais modernos e apetecíveis e até com maior consciência ambiental sobre os materiais utilizados. Assim parece-se normalizar cada vez mais a utilização do vibrador como um utensílio comum à descoberta do prazer individual e/ou em companhia. O vibrador já não é um objecto para as solteironas desesperadas, como tantos filmes e séries quiseram vender. Re-significaram-se os vibradores para todas e todos, de qualquer sexo, género, orientação, idade e estado civil. Apesar da ideia ser recorrente, os vibradores não são uma ameaça à sexualidade saudável, ou um sinal de comportamento desviante, nem são um competidor direito ao pénis. Os defensores de uma educação sexual com foco no prazer sugerem que os brinquedos sexuais devem ser incluídos, explicados e contextualizados porque são poderosos complementos a uma consciência plena do corpo. Claro que os vibradores ainda têm um logo caminho a percorrer para uma aceitação mais tranquila. Ainda há desconforto, vergonha e mal-entendidos. Há pénis que, ingenuamente, ainda se sentem ameaçados por um pedaço de borracha que vibra, se estende e se manipula. Já para não falar no difícil acesso a produtos de qualidade (são caríssimos!), na generalidade. O vibrador pode ser um objecto de auto-conhecimento e de empoderamento, mas também se arrisca a tornar-se numa forma de comercialização do prazer sem uma narrativa coerente e contestadora das normatividades que atrapalham. Por isso é que vale a pena reflectir sobre o progresso do vibrador e para que lados caminha, e se as promessas de libertação sexual que o vibrador traz sempre se concretizam.