Radicalizados em casa

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]terrorismo torna-se global. Depois do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIL) ter atacado em França a 13 de Novembro, um casal provocou a morte a 14 pessoas na Califórnia, na semana passada. Em Londres, um outro cidadão foi detido numa estação de metropolitano por ter apunhalado passageiros em trânsito. Enquanto perpetrava o ataque ia gritando “isto é pela Síria”. Já o governo da Tailândia, no dia do aniversário do monarca, anunciou que 10 alegados activistas da organização que controla parte do território do Iraque e da Síria teriam entrado no país, com a intenção presumida de proceder a atentados. Os alegados alvos, fez-nos saber a inteligência tailandesa, seriam os milhares de turistas russos que, pelo período do Natal e do ano novo, desembocam nas praias do país, fugindo ao Inverno.
Ainda que os contornos do que se passou em San Bernardino, na costa oeste dos Estados Unidos da América (EUA), sejam tudo menos claros – com analistas a expressarem dúvidas sobre a narrativa que está a ser construída –, o que é facto é que 14 pessoas foram mortas em plena festa de Natal e que, acto contínuo, um casal foi perseguido pela polícia e abatido dentro da sua viatura. Segundo o que nos é dito por quem controla a investigação, o casal professava a religião muçulmana (foi a primeira mensagem que se escutou) e havia prometido apoio ao ISIL no Facebook. Pelo menos terá sido isso o que fez a mulher há poucas semanas – Tashfeen Malik, uma paquistanesa que viveu vários anos na Arábia Saudita.
A validação desta visão do acontecimento foi feita pelo próprio Presidente Obama, que, no seu discurso semanal à nação, pela rádio, no sábado, fez saber que era “inteiramente possível” que o casal se tivesse radicalizado. O FBI estava a tratar o evento como um caso de terrorismo. Tanto mais que o ISIL logo revelou pelos seus meios habituais, online, que se tratava de um casal de apoiantes da causa.
Independentemente das narrativas que estão a ser construídas, quer nos Estados Unidos, contra os muçulmanos – basta para tal ouvir a campanha dos candidatos republicanos à Casa Branca –, quer na Europa contra os candidatos a refugiados e imigrantes, o número de atentados terroristas está a aumentar. Desde os ataques da Al Qaeda, em 11 de Setembro de 2001, o terrorismo aumentou exponencialmente. Segundo a Global Terrorism Database da Universidade de Maryland, houve 1882 atentados em 2001 contra os 16.818 registados no ano passado.
As intervenções internacionais no Iraque, mas também na Líbia e na Síria, terão contribuído para este fenómeno. São já os próprios norte-americanos quem o reconhece. Michael Flynn, antigo chefe da Agência de Inteligência Militar dos EUA, veio dizer recentemente ao jornal alemão Der Spiegel que a guerra no Iraque e a eliminação de Saddam Hussein foram erros históricos, um “falhanço estratégico”, que contribuíram para a criação do ISIL. O mesmo se aplica a Muammar Khadafi e à Líbia, que “é agora um Estado falhado”.
O número de atentados perpetrados por pessoas que se auto-radicalizaram está igualmente em crescendo. Os lobos solitários que, a partir de casa, através da internet, foram descobrindo o mundo do extremismo, deixaram-se “fascinar” pelas ideias redentoras do ataque suicida e transformaram-se em máquinas de guerra da chamada jihad.
Segundo um estudo recente da Universidade de Georgetown (EUA), o número de ataques, no chamado mundo ocidental, perpetrados por indivíduos não directamente afiliados com organizações terroristas, mas que passaram por um processo de radicalização, cresceu de 30, na década de 1970, para 73, na primeira década do Século XXI. europa
Embora não identifiquem um modus operandi único na forma como um potencial candidato se deixa seduzir pela ideia de radicalização, estudiosos do terrorismo afirmam que, por trás deste processo de auto-radicalização há sempre uma crise pessoal na sua génese, como a perda de um familiar, de um amor, um despedimento. O filme francês “La Désintégration” (2012), de Phillipe Faucon, que o Programa Académico da União Europeia para Macau vai mostrar hoje, pelas 18h30, na Universidade de Macau, explica bem esse processo pessoal. A par disso, há uma máquina de propaganda disponível online que inclui recrutadores à distância, disponíveis a contribuir para a metamorfose.
A falência do modelo multicultural explica como é fácil fazer de um jovem adulto desenquadrado um potencial terrorista. Um pouco por toda a Europa é patente a incapacidade de integração nas sociedades da segunda e terceira gerações de imigrantes, nascidos já em território europeu. Embora sejam formalmente franceses ou belgas, por viverem em verdadeiros guetos sócio-culturais nos subúrbios das grandes cidades, sem qualquer esperança de subirem a escada social, não se identificam com os valores dominantes. São “presas” fáceis para o recrutador online em busca de seguidores. É evidente que uma imensa maioria que estabelece contacto com estes extremistas, acaba por se afastar da doutrina que professam, pois, para muitos, a excitação de ter passado por lá e de ter gritado alguns slogans contra o ocidente lhes chega. Mas outros não.
Como se tem visto, a estratégia que está a ser seguida para aniquilar o Estado Islâmico, focada no ataque à liderança da organização, demora a produzir efeitos. E a semente do terror está já plantada em muitos bairros, cidades e países onde o potencial de recrutamento é grande. Vai ser preciso tempo. Vamos ter de nos habituar a controlos de segurança mais apertados – a União Europeia, confirmou, por exemplo, esta semana, a entrada em vigor, já em Janeiro, da partilha das listas de passageiros no espaço europeu – e a uma fragilidade inequívoca, que é a de nenhum Estado poder afirmar com toda a certeza de que está imune ao terrorismo.

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