Plano Director | Governo prescinde da zona D para construir novo aterro

Para construir o novo aterro que vai unir a Zona A ao Nordeste de Macau, o Executivo está a negociar com o Governo Central deixar cair os planos previstos para a Zona D, situada entre Macau e a Taipa. O Plano Director deverá ser aprovado entre o final de 2021 e o início de 2022, seguindo-se os planos de pormenor das 18 zonas do território

 

[dropcap]O[/dropcap] secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário revelou ontem que o Executivo está a negociar com o Governo Central para trocar os 58 hectares previstos para a Zona D, situado junto ao acesso à ponte Governador Nobre Carvalho do lado da Taipa, pelos 41 hectares do novo aterro que consta do Plano Director e que vai unir a Zona A e o Nordeste de Macau.

Segundo o secretário, esta é uma troca que vai permitir “juntar o útil ao agradável”, até porque, não só a criação de um parque de grande dimensão vai contribuir para o bem-estar da população previsivelmente densa da Zona A, como permite preservar também, a beleza natural do local destinado à construção do aterro da Zona D.

“Como Macau não tem um grande parque ou espaço verde, achámos que não era mau aterrar essa zona [do novo aterro] e fazer um grande parque e, em contrapartida, desistir da Zona D, que não nos parece ser aquilo que Macau mais precisa. Até porque, para a generalidade das pessoas, a zona mais bonita é precisamente essa junto à água e que todas as cidades gostam de ter. Nesse espaço de água, que há entre Macau e a Taipa, já está em curso a Zona C e daqui a pouco, se fizermos a Zona D, quase que deixa de haver água”, explicou Raimundo do Rosário, no final de uma sessão de apresentação do Plano Director, destinada aos deputados.

Apesar de considerar “não ser conveniente falar mais sobre o assunto” porque as conversações com o Governo Central ainda estão em curso, Raimundo lembra que, “apesar de, no final, Macau ficar com menos 17 hectares”, esta é uma decisão que fará com que todos saiam a ganhar, até porque se estima que na Zona A possam vir a viver cerca de 96 mil pessoas.

“Para o bem-estar de quem vive (…), quer na zona A, quer na zona norte, toda a gente fica mais satisfeita existindo este parque de grande dimensão, pois se 41 hectares de parque é muito em qualquer parte do mundo, então em Macau ainda é maior”, acrescentou o secretário.

Plano orientador

Na apresentação do Plano Director dedicada aos deputados foram várias as vezes em que os representantes do Governo fizeram questão de frisar que o projecto tem um carácter essencialmente orientador e que será revisto a cada cinco anos, deixando mais detalhes da execução para quando forem elaborados os planos de pormenor das 18 zonas, pelas quais Macau aparece dividido.

Questionado pelo deputado Au Kam San sobre a calendarização prevista para finalizar os planos de pormenor e aprovar o Plano Director, Mak Tat Io, chefe do Departamento de Planeamento e Urbanístico da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) avançou estimar que tudo estará pronto até Setembro de 2021. No entanto, a execução do plano pode estender-se ao início de 2022, como confirmou de seguida Raimundo do Rosário, adiantando que, muito provavelmente, a Zona A será o primeiro alvo do projecto.

“Esperamos que tudo isto acabe bem, com a aprovação do Plano Director. De acordo com a lei de planeamento urbanístico, a sua aprovação terá de ser feita através de um regulamento administrativo. Tencionamos que, no final de 2021 ou no princípio de 2022, o Plano Director esteja aprovado (…), seguem-se os planos de pormenor das 18 zonas. A Zona A (…) talvez seja das primeiras, mas não há ainda decisão sobre o local por onde vamos começar”, disse o secretário.

Longe do centro

Questionado sobre se o metro ligeiro está definitivamente arredado do centro de Macau, Raimundo do Rosário deu a entender que esse é, de facto, o cenário mais possível, devido às prioridades do Governo apresentadas no Plano Director, mas não descarta que as condições possam mudar no futuro.

“Neste plano não se prevê que o metro passe no centro de Macau e penso que é muito difícil fazê-lo, é domínio do óbvio. Por isso, no curto prazo não vai acontecer, até pelas prioridades que foram definidas. Mas de cinco em cinco anos, à medida que formos actualizando o plano, logo veremos”, apontou o secretário.

Respondendo a Ip Sio Kai sobre o prazo de execução e orçamento estimado para a construção da linha leste do metro ligeiro, que ligará o aeroporto às Portas do Cerco através de seis estações, Raimundo do Rosário admitiu não ter informação suficiente para avançar montantes e datas, porque os valores podem variar muito. No entanto, afirmou que o objectivo a curto prazo, passa por avançar com a adjudicação da linha.

Também durante o dia de ontem se procedeu à abertura de propostas da linha Seac Pai Van do metro ligeiro. De acordo com uma nota oficial, todas as 10 propostas foram admitidas, variando entre 896 e 975 milhões de patacas, com os prazos de execução a variar entre 490 e 820 dias de trabalho. O início da empreitada da linha de 1,6 quilómetros de extensão está previsto para o final de 2020.

Felicidade dúbia

O deputado Si Ka Lon questionou ontem os representantes do Governo sobre o facto de o Plano Director traçar como objectivos, tornar Macau numa cidade feliz e inteligente. “A felicidade e a inteligência serão metas adequadas a alcançar? Ao longo do plano não é dada ênfase a estes aspectos”, vincou o deputado. Na resposta, Mak Tat Io, chefe do Departamento de Planeamento e Urbanístico da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) afirmou que os dois objectivos “estão de acordo com o plano quinquenal de Macau”, sublinhando que, para criar uma cidade inteligente, “não basta abrir estradas” e que é preciso utilizar “tecnologia de ponta” para desenvolver os transportes e resolver os problemas de trânsito.

“Então e os mortos?”

O deputado Mak Soi Kun mostrou-se ontem preocupado com o facto de o Plano Director não prever espaços reservados à criação de cemitérios, tendo em conta que em 2040, o projecto prevê que em Macau existam mais de 800 mil habitantes. “Em 2040 vamos ter 800 mil residentes (…), estamos a definir planos para pessoas vivas, mas então e os mortos, chegaram a pensar nisso? Há cemitérios na Taipa e em Coloane mas o Governo chegou a pensar em reservar terrenos para criar mais cemitérios?”, questionou o deputado. Na resposta, Lo Chi Kin, vice-presidente do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) considerou que o número de terrenos “destinados aos falecidos” actualmente existentes “é suficiente” para resolver o problema nos próximos 20 anos, embora admita que seja preciso criar mais locais para depositar ossos.

9 Set 2020

Urbanismo | As dúvidas que permanecem com o projecto do Plano Director

Três arquitectos analisaram o documento de consulta pública do futuro Plano Director e dizem ser muito vago face às necessidades reais do urbanismo de Macau. Miguel Campina e Maria José de Freitas alertam para a necessidade dos planos de pormenor, enquanto Dominic Choi lamenta que a divisão do território proposta pelo Governo não tenha em conta a identidade de Macau

 

[dropcap]S[/dropcap]e o tecido urbano de Macau fosse um jogo, teria um número incontável de peças. Números populacionais e a sua base científica, as especificidades da cidade, os erros urbanísticos já cometidos e os interesses instalados seriam algumas das variáveis a ter em consideração. A ideia é deixada pelo arquitecto Miguel Campina, que conversou com o HM depois de analisar o documento de consulta pública relativo ao Plano Director de Macau.

“Mais uma vez somos confrontados com um documento que trata de aspectos genéricos e deixa para segundas núpcias a abordagem de aspectos específicos”, começou por dizer. “Não esperaria outra coisa que não fosse a importância dada à habitação, indústria e cultura, mas também é dito que isso vai ser objecto dos planos de pormenor, que estão todos por fazer. E não há um calendário”, acrescentou.

Na sexta-feira foi tornado público o projecto do Plano Director, que trouxe novidades sobre o desenvolvimento urbanístico do território para as próximas duas décadas. O documento vislumbra o aumento populacional para 808 mil pessoas até 2040, contabilidade que Miguel Campina questiona. “É um número muito auspicioso. É irrelevante ser 808 ou 850 mil, não se percebe como é que chegam a estes números.”

Está ainda previsto que os edifícios na zona do Lago Nam Van não podem ter mais do que 63 metros de altura, mas o arquitecto diz que isso não é suficiente para a preservação das características da zona.

“É tudo muito vago. São necessários parâmetros fundamentais, como os índices de ocupação do solo, a área de utilização, a relação que existe com o número de habitantes e a área destinada a cada um deles em termos de rácios. Nada disso está definido e pede-se às pessoas que concordem com o óbvio.”

No essencial, o conteúdo do documento que se encontra em consulta pública “é suficientemente vago para poder ser isto e muita coisa”. “A característica fundamental do que está a ser proposto continua a ser o carácter fluído de tudo. Há um conjunto de linhas de força, mas ainda está por ganhar forma. Enquanto estamos nesta fase a falar de objectivos vamos ter de falar, na fase seguinte, de como chegar lá. E isso não está plasmado nesse documento”, frisou Miguel Campina.

Maria José de Freitas concorda com o colega de profissão. “[O documento] fica aquém das expectativas e é muito genérico. Agora estão a subdividir o território da península e das ilhas em unidades operativas de planeamento e gestão (UOPG). E estas unidades estarão sujeitas a plano de pormenor. Remete-se para estes planos uma indicação mais assertiva. Temos apenas um alinhar de intenções e lança-nos questões quanto à eficácia do que está a ser seguido.”

Para a arquitecta, deveriam ser definidas, nesta fase, áreas prioritárias e formas como os planos de pormenor vão ser desenvolvidos. Caso contrário, “vamos ficar novamente num limbo”.

Manter os erros

Miguel Campina mostra-se ainda preocupado com o facto de o Plano Director não dar resposta a muitos dos erros cometidos no passado, como é o caso dos bloqueios na paisagem visual do Farol da Guia.
“[O documento] diz que aquilo que for definido no Plano Director não pode pôr em causa o que está definido na legislação existente. Então para que querem o Plano se não podem pôr em causa o que está errado? O que vai nascer a seguir não será melhor do que já está feito.”

O documento de consulta visa reestruturar melhor as zonas industriais e criar zonas comerciais, industriais, turísticas e de diversões. É também proposta a divisão do território em 18 UOPG.

O arquitecto acredita que, dada a pequena dimensão do território, será muito difícil dividir o território desta forma. “É impossível definir um mapeamento de zonas que seja estanque. O que será possível e vantajoso é disciplinar essa relação. Vai ser difícil relocalizar interesses, há que fazer a gestão da mudança.”

Maria José de Freitas lamenta que tudo o que está no projecto do Plano Director seja a continuação do que já existe. “Não traz nada de novo. Quanto às 18 UOPG, a única coisa a que se faz referência em relação ao Farol da Guia é o remeter para a regulamentação existente, para o despacho de 2008 e para a lei do planeamento urbanístico de 2013. Não se adianta mais nada.”

No que diz respeito à cultura e ao património, a arquitecta lamenta que se faça uma mera referência à existência de uma cultura ocidental sem mencionar que essa cultura é também portuguesa. “Seria uma mais valia”, lamenta.

Importa pensar local

Dominic Choi, arquitecto e presidente da associação Arquitectos Sem Fronteiras, lamenta que a divisão do território proposta não tenha em conta a essência de Macau.

“A separação dessas áreas parece-me que nada tem a ver com a Macau actual. É uma perspectiva muito de fora, sem base na forma como Macau se desenvolveu e naquilo em que se tornou”, disse.

O arquitecto questiona se os dirigentes querem que Macau seja como Singapura ou Hong Kong, ou se querem que se mantenha a identidade do território. “É importante olhar para as coisas segundo a nossa perspectiva.”

Relativamente ao novo aterro que será construído para ligar a zona A dos novos aterros à zona nordeste de Macau, Dominic Choi considera que pode ser uma boa iniciativa, mas que não resolve tudo.

“Parece-me que se está a criar uma nova panorâmica sobre Macau e não estamos a tentar resolver os problemas que existem actualmente. O que será feito das zonas antigas e como será feita a ligação com este novo planeamento?”, questionou.

Pergunta semelhante tem Miguel Campina. “Relativamente aos bairros antigos, o documento refere que se mantém a estrutura tal como ela existe, se possível. E se não for? O que poderá ser feito em alternativa? Deita-se tudo abaixo e constrói-se de novo? Não sabemos. Talvez a empresa criada para a renovação dos bairros [Macau Renovação Urbana SA] possa dizer o que pensa sobre isso.”

O documento fala também da criação de “vários circuitos comerciais para dar apoio a novos ciclos industriais de alta tecnologia”. O arquitecto diz não compreender como é que a diversificação industrial se vai concretizar. “É algo que ouvimos há muitos anos, mas não explicam como se faz, nem quando. Se a quantidade e qualidade de talentos continuar a ser a que tem sido a safra dos últimos anos, estamos muito mal servidos. Basta ver a forma como têm sido povoados os serviços públicos.”

Regresso à Pátria

Perante aquilo que leu, Dominic Choi teme que se perca a identidade de Macau. “Estamos mesmo a tentar implementar algo relacionado com o que é local ou aquilo que as pessoas querem em determinadas zonas? Macau tem esse problema, queremos pôr as coisas em determinados sítios, mas ignoramos como esse planeamento funciona, e se essa ligação faz sentido.”

“Importa pensar o que haverá daqui a 20 anos que permita considerar que foi protegida uma certa identidade. Estou convencido que não vai restar nada”, rematou Miguel Campina. Maria José de Freitas fala mesmo que o projecto do Plano Director “veicula muito uma ideia de regresso à Pátria”.

“É o núcleo que a China terá apontado há 500 anos para a sua relação com o mundo e que neste momento vai recolher à mater. É a inserção na Grande Baía. Mas depois temos em Macau o conceito de um lar feliz e ninguém percebe o que é.”

Apesar de não concordar com a possível perda de identidade com a nova divisão do território em UOPG, Maria José de Freitas acredita que se poderia ter ido mais longe. “[As UOPG] são uma questão de eficácia administrativa. As zonas definidas na península coincidem com as oito zonas que já estavam definidas e isso consubstancia uma determinada tradição. Há sim falta de objectivos estratégicos que posicionem Macau na sua multiculturalidade e dentro desta faceta de relação da China com o mundo.”

Miguel Campina fala num certo “exagero” na centralidade que as autoridades querem dar à RAEM no projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau.

“O documento diz que Macau é uma cidade central no projecto, mas isso parece-me um pouco exagerado. Não vejo como é que isso vai acontecer. Se for no plano do jogo e do entretenimento, talvez, mas isso não chega para se ser o centro de alguma coisa”, concluiu.

Ao Jornal do Cidadão, Manuel Iok Pui Ferreira, especialista em urbanismo, defendeu que o projecto carece de mecanismos de supervisão e de regulação. O responsável diz que é essencial assegurar a execução do futuro Plano Director, além de defender revisões periódicas ao documento.

Segundo o mesmo jornal de língua chinesa, Lei Leong Wong, presidente da direcção da Associação Aliança do Povo de Instituição de Macau, acredita que o futuro Plano Director tem de estar coordenado com as mais de 30 leis e regulamentos relacionados com a área da renovação urbana, questionando se isso vai acontecer.

Lei Leong Wong espera que o Governo possa divulgar mais informações para que a sociedade discuta o assunto, lembrando que a renovação urbana não depende apenas do Executivo e da Macau Renovação Urbana SA, mas também dos proprietários.

7 Set 2020

Consulta pública do Plano Director avança em Setembro

[dropcap]A[/dropcap] consulta pública sobre o Plano Director de Macau vai avançar em Setembro. A informação foi avançada ontem pela directora dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), Chan Pou Ha, à margem de uma reunião plenária do Conselho do Planeamento Urbanístico (CPU).

A data da realização do plano que estabelece o ordenamento físico, condições de uso e aproveitamento dos solos do território, foi revelada a propósito do planeamento da construção da habitação económica previsto para a Ilha Verde. Segundo Chan Pou Ha, os detalhes sobre o bairro da Ilha Verde só serão conhecidos depois da publicação do Plano Director.

“Ainda estamos a analisar [planeamento da Ilha Verde], porque primeiro temos de ter um Plano Director e depois é que podemos ter um plano de pormenor sobre a Ilha Verde. Vamos avançar para a fase de consulta pública em Setembro”, apontou a directora da DSSOPT.

Questionada sobre se todos os projectos ficaram suspensos até à aprovação do Plano Director, Chan Pou Ha referiu acreditar que “é possível andar em frente ao mesmo tempo em diferentes situações”. “Primeiro temos de fazer o plano director e depois temos de analisar o relatório do CCAC e ainda temos de fazer outros trabalhos de acordo com a lei do planeamento urbanístico. Só hoje [ontem] organizámos mais de 20 casos, por isso acho que podemos fazer tudo ao mesmo tempo”, rematou.

Segurança garantida

Quanto à sessão plenária propriamente dita, o CPU deu ontem luz verde ao projecto previsto para o lote B do terreno onde estava a ser construído o empreendimento “Pearl Horizon” e que será destinado à construção de residências para idosos.

O plano prevê ainda a construção de uma subestação de alta tensão, equipamento que motivou a preocupação de vários membros do conselho, nomeadamente ao nível da radiação e do ruído sonoro emitidos.

Em resposta, um representante da Companhia de Electricidade de Macau (CEM) referiu estarem a ser cumpridas todas as exigências constantes na lei da RAEM e que ao nível do ruído, a utilização de novos materiais de isolamento do som oferecem garantias. “Trabalho há muito tempo nesta área e recebi apenas três queixas”, acrescentou.

21 Mai 2020

Elaboração do plano director de Macau adjudicada à Ove Arup & Partners de Hong Kong

A elaboração do plano director foi adjudicada à Ove Arup & Partners de Hong Kong que propôs executar a tarefa dentro de um ano. Arquitectos ouvidos pelo HM falam da importância de levar em conta as especificidades de Macau, de se articular com a salvaguarda do património, de definir uma marca distintiva no cenário regional e de serem ouvidas vozes locais

 

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]aiu o resultado do concurso por pré-qualificação, lançado pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), para a elaboração do plano director. O projecto foi adjudicado à Ove Arup & Partners Hong Kong Limited que propôs executá-lo em 365 dias. A empresa, com um vasto portefólio internacional, mas também com projectos em Macau, impôs-se às restantes três admitidas à segunda fase do concurso. A proposta que apresentou foi a mais barata – 11 milhões de patacas contra um máximo de 88 milhões. Em paralelo, ofereceu uma solução intermédia em termos do prazo de execução, dado que as concorrentes iam de três meses a dois anos.

Olhando ao calendário, a proposta seleccionada vai ao encontro da meta definida pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas que, aquando da apresentação das Linhas de Acção Governativa, definiu o plano director como uma das prioridades da sua tutela. Na altura, em Dezembro, Raimundo do Rosário afirmou mesmo esperar conclui-lo até 2019.

No entanto, pairam incertezas relativamente ao prazo proposto. “Não acredito que o plano esteja pronto daqui a um ano”, afirmou Maria José de Freitas ao HM. “Macau é uma cidade pequena, com quase 500 anos de história, mas com uma especificidade muito ‘sui generis’ e que, portanto, tem dentro de si diversas facetas ou cambiantes que devem ser analisadas com cuidado”, observou a arquitecta.

Francisco Vizeu Pinheiro considera o prazo exequível: “Penso que um ano é suficiente. Macau já está muito desenvolvido, com um cadastro muito bem qualificado, com o levantamento integral de todos os espaços, pelo que é relativamente rápido fazer um plano director”. Miguel Campina subscreve: “Não é impossível fazê-lo e até acho que é possível fazê-lo bem – dependendo da dimensão e da qualidade da equipa, dos meios que forem mobilizados e dos objectivos que tenham sido definidos”.

Embora reconheça que a empresa tem “renome mundial”, Maria José de Freitas nota que desconhece a representação que a Ove Arup & Partners Hong Kong Limited tem aqui e, mais importante, se tem “a vivência de Macau que a elaboração de um plano director exige”. “O futuro plano director não pode ser feito ‘by the book’, isso é demasiado simplista”, frisou.

“Basta vermos a exigência da Lei [do Planeamento Urbanístico] do que o plano deve conter. Em paralelo, tem que se articular com a salvaguarda do património, com “a política de reordenamento dos bairros antigos” ou com a ambiental, “ainda por definir”, exemplificou. “O plano director não se pode divorciar do que está a ser feito por outros sectores”, sublinhou Maria José de Freitas. “Parece-me que o prazo de um ano é muito curto para que aconteça, ou se acontecer vão ser linhas tão vagas que não são elas em si próprias os alicerces de um plano director”. Para a arquitecta, o preço apresentado (11 milhões) também parece baixo atendendo à envergadura de um plano que exige “tanta polivalência, que engloba tantas disciplinas” e que deve conter “uma visão holística do que será Macau”.

Segundo dados facultados pela DSSOPT, o âmbito do Plano Director abrange a península e as ilhas da Taipa e de Coloane, o novo campus da Universidade de Macau na Ilha Montanha, bem como os novos aterros urbanos e o posto fronteiriço na ilha artificial da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau. Cobre ainda os 85 quilómetros quadrados de áreas marítimas que, há dois anos, ficaram sob jurisdição de Macau após a aprovação pelo Conselho de Estado da China de um novo mapa de divisão administrativa.

Uma cidade, diferentes malhas

Para Francisco Vizeu Pinheiro, o fundamental é que o futuro plano director tenha em conta precisamente que “Macau tem diferentes malhas”. “O plano director não pode estabelecer leis iguais para cada zona. É um pouco senso-comum que a zona histórica tem que ter uma lei diferente de uma nova feita à base de aterros”, sustentou.

Dominic Choi também defende regulações que variem consoante a zona, porque a parte antiga nada tem que ver com a dos casinos, por exemplo, dado que apresentam “condições muito diferentes”. “Não se deve apenas olhar para a nova área, até porque a maior parte de Macau é antiga”, frisou o presidente dos Arquitectos sem Fronteiras de Macau.

Olhar o antigo figura, aliás, como principal desafio na perspectiva de Miguel Campina: “A parte mais difícil do plano director não é o que se vai fazer de novo, mas a que diz respeito ao ordenamento existente”. “Quem está a fazer desenhos ou propostas numa folha em branco tem essa vantagem, de partir quase do nada, tem meia dúzia de ideias, princípios, regras e objectivos e, portanto, trabalha nessa base. Mas como melhorar um livro que está escrito? Como se dá sentido a uma coisa que ao longo destes anos foi tão maltratada?”, questiona.

Lembrando o extinto Conselho Consultivo para o Reordenamento dos Bairros Antigos, que “morreu de morte natural” há uns anos, Miguel Campina lamenta que “não haja ideias nenhumas” para as zonas antigas, embora reconheça as dificuldades inerentes. “Não sei, por exemplo, se do caderno de encargos consta esta abordagem tão complexa”, mas, de facto, com a “sobreocupação” e “desordenação”, os espaços “com características muito próprias e uma vivência muito particular estão em risco de desaparecer”. “As pessoas vão envelhecendo e essas zonas vão ficando abandonadas, porque não foram objecto de nenhum cuidado ao longo destes anos”, complementou o arquitecto, apontando que quando se olha de cima para a malha antiga facilmente se compreende “todo o desconcerto” que existe e que “as condições de vida não são boas”.

Francisco Vizeu Pinheiro também coloca a tónica na qualidade de vida. “As zonas antigas também têm que ser estudadas e pensar-se em soluções para elas. Não podemos simplesmente esperar que o edifício caia, ou seja substituído por um mais alto”, afirmou. “Tem que haver limites à densidade de construção e os limites a essa densidade são a qualidade de vida. Não podemos ter torres de 20 andares em ruas de nove metros em que não há espaço para estacionar, não há zonas verdes nem equipamentos públicos”, complementou.

Neste âmbito, partilha dos receios de Maria José de Freitas relativamente à sensibilidade de uma empresa de fora, neste caso, no tocante às distintas malhas de Macau. “Já foram feitos muitos planos e consultas com empresas que têm uma dimensão de experiência e um portfólio que não se aplicam à realidade da cidade. Macau é um microcosmos e um clima especial que tem de ser estudado e adaptado e o que acontece é que, muitas vezes, importamos soluções de Hong Kong, com uma mega escala que não é a de Macau”.

“Precisamos de soluções nativas, ligadas à nossa história, cultura, às condições geográficas, topográficas e sociais”, realçou. Neste sentido, “penso que era bom o plano ser revisto por especialistas locais e haver também consulta à população”, insistiu. Isto porque “quem vem de fora normalmente faz uma vista geral e resolve de acordo com a sua experiência”.

Ouvir especialistas

Dominic Choi concorda: “Embora a empresa escolhida tenha muita experiência internacionalmente, pode não saber muito do que se passa em Macau”. Assim, para o presidente dos Arquitectos sem Fronteiras de Macau, “o mais importante” na feitura do plano director passa pela abertura da adjudicatária e do Governo para auscultar. “É fundamental ouvir a voz do público e particularmente as de técnicos acreditados em Macau, como arquitectos ou urbanistas. Isto porque “as regulações devem adaptar-se ou estar em conformidade com as novas formas de pensamento ou estratégicas políticas, pelo que é muito importante envolver os profissionais localmente para que sejam levantadas preocupações e apresentadas questões pertinentes ao planeador”, sustentou.

Maria José de Freitas também aprova uma auscultação sectorial. “Parece-me essencial que sejam aferidas as opiniões de técnicos que estão em Macau e que têm, com certeza, um pensamento urbano, arquitectónico e estratégico para Macau”, disse. Em paralelo, defendeu a arquitecta, “deviam ser analisados e revistos os muitos planos feitos no passado”. Contudo, Miguel Campina espera que haja um “passo qualitativo” relativamente “aos estudos atrás de estudos que se limitaram a enunciar princípios genéricos”, até porque, a seu ver, “o enquadramento económico, sociológico, cultural continua a ser extremamente vago”.

“Vai depender dos especialistas, da abertura que tiverem, da capacidade de cada um e da forma como for feito o entrosamento entre estes aspectos que têm a ver com o ordenamento global do território e depois com as disciplinas específicas que vão ter que articular de modo a fazer funcionar tudo isto de uma forma mais transparente, ordenada e direccionada”, apontou. No entanto, do ponto de vista político, “seria importante que houvesse orientações claras relativamente aos objectivos desta fase do plano director, que a administração estivesse habilitada para contribuir positivamente para os resultados que se pretendem” e que não se comportasse como “uma força de bloqueio” como sucedeu nos últimos anos.

Prioridades no conteúdo

Para a elaboração do plano director, Francisco Vizeu Pinheiro defende que seja tido em conta o mapa climático de Macau feito por uma universidade de Hong Kong que “mostra os corredores que devem ser mantidos sem construções que obstruam a ventilação da cidade”. Ou seja: deve ficar claro que há zonas em que não deve haver construção, que outras estão saturadas e precisam de espaços verdes ou de zonas recreativas, como parques, piscinas ou campos desportivos. “Esses elementos devem estar salvaguardados no plano, não devem ser as últimas coisas a serem consideradas, mas das primeiras, porque é como se fossem órgãos vitais do corpo humano”, defendeu. O arquitecto aponta ainda que “a qualidade de vida depende de como todos esses espaços jogam em harmonia e também em relações de complementaridade em vez de concorrência”.

Cooperação regional

Complementaridade é uma palavra-chave para Maria José de Freitas que, olhando Macau como um todo, incluindo os novos aterros, chama a atenção para a importância de haver também uma articulação a nível regional. “Este plano deve estar em linha de conta com o que se pretende para Macau, com o que vai permitir a Macau manter uma diferenciação relativamente às outras dez cidades do grande delta e qual é a complementaridade que pode introduzir”. “O plano director deve ponderar tudo isto, a articulação a montante e a jusante”, acrescentou a arquitecta.

Francisco Vizeu Pinheiro defende precisamente mais cooperação regional, pensando em concreto na filosofia da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. “O conceito quer dizer mais cooperação entre as cidades e, neste momento, há muito pouca que facilite, por exemplo, a transição de pessoas. Tem de haver mais cooperação nesse sentido, em termos de planeamento conjunto”, sublinhou o arquitecto.

27 Mar 2018