Biblioteca Nacional | Mostra “A China vista da Europa” patente até Março

Está patente até 2 de Março do próximo ano, na Biblioteca Nacional, em Lisboa, a exposição “A China vista da Europa: Séculos XVI-XIX”, co-organizada pelo Observatório da China. Mapas antigos, peças de porcelana e livros ajudam a compreender um período fortemente marcado pelo comércio português com a China que revelou à Europa novas peças, ideias e modos de vida dos chineses

“A China vista da Europa: Séculos XVI-XIX” é o nome da nova exposição que desde o dia 29 de Novembro, e até 2 de Março, pode ser vista na Biblioteca Nacional, em Lisboa. Revelando as marcas da cultura chinesa deixadas na Europa graças ao contacto dos europeus com a China nesse período áureo de comércio, a exposição inclui mapas antigos, livros ou peças de porcelana, tendo como curadores Rui Lourido, historiador e presidente do Observatório da China, Ângelo Cattaneo, do Instituto de História da Europa Mediterrânea e Alexandra Curvelo, ligada ao Instituto de História de Arte da Universidade Nova de Lisboa.

Participam ainda neste projecto inúmeras instituições que ajudaram a doar peças e materiais, nomeadamente o Museu Galileu, situado em Florença, Itália, a Câmara Municipal de Lisboa, a Universidade de Ciências e Tecnologia de Hong Kong, o Museu de Arte Antiga ou a Torre do Tombo, num total de 15 entidades.

Ao HM, Rui Lourido revela que nesta mostra se pretende mostrar como o comércio feito entre Portugal e a China à época, potenciado pela chegada dos portugueses à China, a partir de 1513, e pelo estabelecimento de Macau, em 1557, influenciou fortemente as sociedades portuguesa e europeia.

“Trouxemos da China a seda e a porcelana, além de que inúmeros desenvolvimentos tecnológicos chineses foram aproveitados pelos europeus. Queremos demonstrar que a interacção entre a sociedade portuguesa e a China, através de Macau, foi sempre muito vantajosa para Portugal e para a Europa.”

Um dos exemplos mais paradigmáticos desta relação é, segundo Rui Lourido, a cartografia, “um dos elementos extremamente apreciado pelos portugueses”, sendo que “o período da expansão é considerado em Portugal como um período benéfico para a sociedade”.

Segundo o catálogo da exposição, “a Europa foi conhecendo melhor a China sobretudo desde finais da Idade Média, por via das relações de alguns mercadores e missionários cristãos”. Contudo, no início do século XVI, “no quadro da expansão marítima portuguesa, uma presença mais constante dos europeus nos litorais chineses permitiu um conhecimento gradualmente mais completo sobre o reino da China”.

Desta forma, “a cartografia e a literatura de viagens portuguesas desempenharam um papel relevante para a difusão de uma nova imagem da China em diferentes partes da Europa”. O mesmo catálogo destaca ainda a importância de Macau para todo este comércio e fluxo de novos produtos e informações, tendo sido “um palco estratégico da presença luso-asiática na China” na qualidade de “centro de saber, de comércio e da religião cristã, que preparou a entrada dos europeus, particularmente dos jesuítas”, no vasto império chinês.

Um dos exemplos desta expansão é a chegada, a partir de 1570, de cartógrafos como Fernão Vaz Dourado, Michele Ruggieri ou Matteo Ricci que foram integrando nas suas obras “novas imagens, progressivamente mais completas, recolhidas das viagens portugueses e europeias integradas com fontes cartográficas e literárias chinesas, não apenas dos litorais, mas também do interior do império chinês”.

Quatro núcleos

A mostra, patente nos próximos meses na Biblioteca Nacional, divide-se em quatro núcleos, explorando a China marítima e interior, a chegada dos europeus à China e o papel importante da cartografia neste domínio e ainda as transferências tecnológicas e científicas do império chinês para a Europa. Existe ainda um espaço destinado a Macau e ao seu papel como “porta para a China”.

Rui Lourido destaca o empréstimo feito pela Universidade de Massachusetts na cedência de um mapa da China feito pelo jesuíta Mateus Ricci. Trata-se da primeira vez em que, na cartografia do país, “a China está no centro do planisfério, ao contrário da habitual visão eurocêntrica na cartografia europeia, em que, desde sempre, a Europa ficava no centro”.

Segundo o co-curador, este mapa, que tem legendas em chinês, apresenta, pela primeira vez, “a China no centro do mundo”, ideia ligada ao termo “País do Meio”, como se apresenta a própria China, no contexto de uma “visão sino-cêntrica, tal como [existiu] a visão eurocêntrica”. “Daí o interesse deste mapa que é extremamente perfeccionista, com muito detalhes”, frisou Rui Lourido.

O historiador destaca ainda a chamada “chinoiserie”, ou seja, objectos de arte chinesa e peças de porcelana, com relógios pintados e lacados à moda chinesa, ou ainda pinturas de Macau e da zona da Praia Grande do século XVIII. “É interessante ver a junção de objectos de arte ou tecnológicos como o astrolábio do século XVI, [cedido pelo] Museu da Marinha português”, disse o responsável.

Surpresa e admiração

Rui Lourido recorda ainda que Portugal “é o único país da Europa com um contacto de cinco séculos com a China”. “A percepção sobre a China foi evoluindo ao longo da história. A primeira visão foi de grande surpresa, admiração e até de entusiasmo pelo desenvolvimento científico, tecnológico e civilizacional dos chineses”, sendo que esse desenvolvimento era mais evidente “no desenvolvimento da porcelana, das sedas e a higiene do povo chinês”, pois estes comiam com pauzinhos e não comiam com as mãos, ao contrário dos europeus, que apenas usavam uma faca nas refeições.

“Os orientais achavam isso extremamente bizarro e bárbaro.”
“Do ponto de vista social, o sistema chinês era bastante mais desenvolvido [do que na Europa]”, pois “os chineses, para subirem aos postos públicos, tinham de fazer exames extremamente difíceis, tendo de ler cinco livros clássicos e dominar a cultura chinesa”.

“Só depois é que podiam aceder aos graus de mandarinato, enquanto na Europa qualquer ignorante e letrado, desde que fosse de uma família nobre, poderia aceder a qualquer cargo público”, acrescenta. Rui Lourido lembrou que “a imagem da China levada pelos portugueses para a Europa e para o mundo era extremamente positiva”, sendo de frisar a presença de sedas e peças de porcelana nas então colónias africanas e no Brasil.

“As casas aristocratas e burguesas tinham sempre peças de porcelana, tendo-se criado o hábito de ter uma sala chinesa nesses palácios com produtos chineses, mobílias e porcelanas.” Desenvolveu-se, com a ajuda de Portugal, “uma ideia estranhamente positiva da China na Europa”, de um país desenvolvido e letrado que teve influência nas correntes do Iluminismo, em autores como Rousseau, Voltaire e Montesquieu.

Estes “teceram grandes elogios à civilização chinesa por ser extremamente original e viam com muita admiração o facto de o império chinês promover as pessoas pelo mérito do conhecimento científico e literário e não por serem nobres ou por uma questão hereditária, o que se passava na Europa”, adiantou Rui Lourido.

Mudança de perspectiva

A mudança de perspectiva dos europeus em relação aos chineses dá-se a partir da Guerra do Ópio, em meados de 1850, sobretudo a partir do início do século XIX, quando se dá a Revolução Industrial em Inglaterra, financiada, segundo Rui Lourido, pelos ganhos obtidos com o comércio com a China.

“Os chineses deixam de ser considerados um povo desenvolvido para passarem a ser encarados como um povo que necessita de ser ensinado pelos pretensos desenvolvimentos dos europeus, com uma perspectiva colonial. É, portanto, a época em que se considera que a China passa a ser um país atrasado que necessita do ensinamento europeu, nomeadamente inglês, francês e depois americano. A mudança da perspectiva está relacionada com os sistemas económicos que se desenvolvem em cada momento, e neste caso é clara a transformação.”

Rui Lourido quer, com esta exposição, ajudar a combater a alegada existência de uma “campanha anti-China que se desenvolve na Europa sobre a batuta dos EUA”, onde se verifica “a pressão americana para considerar a China uma ameaça”.

O período a que se remete esta exposição, entre os séculos XVI e XIX, foi “extremamente galvanizador da opinião pública portuguesa” graças às relações e comércio com o Oriente. “Queremos que a China seja motivo de conversa e de notícia por boas causas e não por manipulação da informação devido a pressões políticas.”

20 Dez 2023

Lusofonia | Observatório da China defende relações aprofundadas

Foi no Centro Científico e Cultural de Macau que o presidente do Observatório da China, Rui Lourido, destacou a importância da China para o comércio mundial, e indicou que todos ganham quando reforçam as ligações com o gigante económico

 

O presidente do Observatório da China defendeu ontem que os países de língua portuguesa devem aprofundar o seu relacionamento com a China, rejeitando a ideia de que Pequim deixe os países em que investe presos a dívidas.

“Diz-se que a China tem a trapaça de deixar os países presos a dívida, (…) mas as importações de África foram, desde 2020, de 1,2 triliões, enquanto as exportações para África foram de 1,27, portanto valores equilibrados”, disse Rui Lourido, numa conferência sobre a China que decorre no Centro Científico e Cultural de Macau, em Lisboa.

Em declarações à Lusa à margem da conferência, o historiador reiterou que “não há essa perspectiva de os países ficarem presos na armadilha da dívida, até porque a China perdoou a grande parte das dívidas acumuladas dos países, não só de língua portuguesa como de outros em África”.

Na sua intervenção, o responsável começou por defender a necessidade de “desmistificar a campanha, a retórica anti-China que tem assoberbado” os ‘media’.

“Desde a sua entrada na Organização Mundial do Comércio, a China contribui com cerca de 30 por cento do crescimento mundial e o mundo estaria em recessão, não fosse o actual desenvolvimento da China. Vimos que, na pandemia, a própria China sustentou que o mundo desenvolvido não entrasse em descalabro”, disse Lourido, para quem a presença chinesa no comércio mundial “beneficiou milhões de pessoas em todo o mundo, especialmente em países em desenvolvimento”, mas também no mundo desenvolvido.

Grande parceiro

Referindo-se a África, o historiador lembrou que a China é já o quarto investidor e um dos maiores parceiros comerciais do continente e o principal parceiro de países como África do Sul ou Angola.

“O volume de comércio da China em África subiu cerca de 38 por cento nos primeiros três quartos de 2021. O investimento directo na indústria africana cresceu cerca de 10 por cento e o valor dos novos contratos assinados também aumentou cerca de 22 por cento”, exemplificou.

Lourido sublinhou que Pequim “não se interessa só por tirar matérias-primas”, mas também pelo desenvolvimento dos países, investindo em “infra-estruturas essenciais ao desenvolvimento do futuro económico desses países”, como a ferrovia, a energia, as telecomunicações ou mesmo escolas e unidades de saúde.

Além disso, os investimentos chineses criaram “mais de 4,5 milhões de empregos em África”, mas Pequim “não impõe a sua visão política (…) como fazem os Estados Unidos e a União Europeia”.

O investigador defendeu que todos os países lusófonos têm relações privilegiadas com Pequim, lembrando que entre 2014 e 2021 todos fizeram acordos económicos significativos com a China, alguns deles, como Portugal, parcerias estratégicas.

Para o responsável, os Estados lusófonos “devem aproveitar o desenvolvimento económico da China para a sua autonomia no contexto de África e, porque não, no contexto europeu”.

Todos ganham

Entre os países de língua portuguesa, o Brasil é actualmente o principal parceiro da China, imediatamente seguido por Angola, sendo que a balança comercial com estes dois países “é desvantajosa para a China”.

O terceiro país lusófono nas relações com a China é Portugal, seguido de Moçambique e Timor-Leste e, depois Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, disse o investigador.

Questionado sobre se os países lusófonos devem ter alguns cuidados nas suas relações económicas com a China, Rui Lourido lembrou que Pequim, nas suas relações internacionais, “tem a política do ganha-ganha, ou seja, ganho mútuo.

Admitiu que países como Moçambique ou Angola devem ter preocupações com a sustentabilidade, no sentido de evitar a poluição e o desmatamento, mas sublinhou que isso ocorre com outros investidores também.

“O capitalismo é igual em todos os países”, afirmou, alertando, no entanto, que os próprios países de língua portuguesa “são responsáveis e têm de exigir uma negociação, não só em pé de igualdade com a China, mas tendo em atenção ao comércio marginal que se aproveita disso”.

30 Mar 2022

Portugal-China | 43 anos de relações diplomáticas

Por Rui Lourido*

 

Portugal e a China perfizeram 43 anos de relações diplomáticas, com o seu estabelecimento a 8 de Fevereiro de 1979. Só com o derrube do fascismo, e a implantação da democracia em Portugal, foi possível o reconhecimento do governo da República Popular da China, que ocorreu a 6 de Janeiro de 1975. Portugal orgulha-se de ser a nação europeia que mantém as relações de amizade mais longas (desde o século XVI) com a China, bem como de ter sido pioneira na difusão da sofisticada e avançada civilização chinesa às restantes nações ocidentais, o que viria a influenciar a moda europeia, com um gosto à chinesa – a chinoiserie.

Os sucessos civilizacionais da democracia socialista chinesa, ao ter o povo no centro da acção política do governo da China, permitiram o feito histórico de retirar 850 milhões de habitantes da pobreza (com o acesso universal ao trabalho, saúde, habitação e educação). Com o desenvolvimento económico, os chineses ampliaram a sua abertura ao mundo (aceitando mais responsabilidades no apoio às agências das Nações Unidas) e foram exemplares no combate à pandemia da COVID-19 (com um número incrivelmente baixo de mortes e mesmo de infectados).

As relações entre os dois países têm beneficiado da abertura da China e são baseadas no interesse comum e descritas pelos respectivos governos como exemplares. As autoridades portuguesas têm-se empenhado em aprofundar as suas relações com a China, nomeadamente, com visitas, ao mais alto nível, dos Presidentes da República e de membros do Governo de Portugal – de Ramalho Eanes a Mário Soares, de Jorge Sampaio a Cavaco Silva (visita que acompanhei na qualidade de historiador), e do actual Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Portugal recebeu a visita de estado do Presidente da China, Xi Jinping, em Dezembro de 2018. Durante a visita foram assinados, pelos dois países, 17 acordos de cooperação (incluindo 10 memorandos de entendimento), abrangendo múltiplas áreas. Da cultura às áreas financeira e empresarial (energia, comércio e serviços, transportes, novas tecnologias com o 5G e o STARLAB – laboratório nos domínios do mar e do espaço). Destacamos o acordo de participação na “Nova Rota da Seda”, que potenciará a cooperação bilateral em mercados terceiros, e valorizará o Porto de Sines e a sua ligação à rede ferroviária transeuropeia e euro-asiática, essenciais para Portugal ganhar a uma nova centralidade na economia europeia.

Pensamos que é do interesse geoestratégico de Portugal implementar o mais rápido possível estes acordos com a China (sem hostilizar os nossos aliados tradicionais), a fim de potenciar a favor de Portugal a sua integração neste mundo global, nomeadamente nas redes de novas tecnologias de Inteligência Artificial. Por outro lado, ao diversificar a origem das suas fontes de rendimento, Portugal cria condições para melhor resistir à próxima crise económica ocidental.

Neste âmbito, em 2021, realizou-se uma conversa telefónica entre o Presidente da República Chinesa, Xi Jinping, e o Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, na qual foi reafirmada a importância da Parceria Estratégica Portugal-China, assinada em 2005. Foi ainda reconhecido o apoio inestimável da China no combate ao COVID-19, quer na divulgação internacional da descodificação do genoma do SARSCOV2, quer no rápido envio de materiais de protecção à saúde.

Esta parceria permitiu, apesar da pandemia, que as trocas comerciais entre a China e Portugal, de Janeiro a Novembro de 2021, aumentassem cerca de 27% face ao ano anterior, atingindo 805,093 mil milhões de USD, sendo que as exportações da China foram de 481,581mil milhões de USD e as importações da China de 323,512mil milhões de USD.

Os acordos nas áreas da ciência e do ensino superior foram reforçados, a 10 de Dezembro de 2021, pelos ministros da ciência de ambos os países. Entretanto, já tinham sido criados cinco institutos Confúcio em Portugal (Lisboa, Porto, Braga, Aveiro e Coimbra, com o apoio das respectivas universidades públicas), com cerca de 30 professores chineses (suportados pelo governo chinês) que dão aulas de chinês, simultaneamente, nas universidades e em 30 escolas secundárias públicas.

A sociedade civil tem também uma atividade muito diversificada, designadamente na cultura e na investigação. Devido ao serviço público que presta a nível internacional destaco, a Biblioteca Digital Macau-China “Descrições de Macau-China dos Séculos XVI ao XIX”, iniciativa do Observatório da China, em parceria com a Biblioteca Nacional de Portugal, com o apoio da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa e o patrocínio da Fundação Macau. Este novo sítio da web disponibiliza mais de 200 mil páginas com as descrições e a cartografia portuguesas, dos séculos XVI ao XIX, relativas a Macau e à China, essenciais para a compreensão do relacionamento entre o Ocidente e a China, e de apoio a estudantes, investigadores e a leitores de todo o mundo.

As televisões públicas da China (CCTV) e de Portugal (RTP) tem vindo a reforçar as relações com a retransmissão de programas de divulgação de ambos os países, em especial das respetivas tradições e culturas, com destaque para a transmissão em directo das cerimónias de abertura e de encerramento dos Jogos Olímpicos de Inverno em Beijing 2022.

A nível cultural, o Ano Novo Chinês tem sido comemorado, desde 2014, em várias cidades portuguesas, em especial nas ruas de Lisboa, com um desfile de grupos etnográficos, com música e dança da China e de Portugal. O novo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Dr. Carlos Moedas, participou no evento digital de comemoração do Ano Novo Chinês, organizado pela Embaixada da China em 2022 (a convite do embaixador Zhao Bentang), comprometendo-se a dar continuidade e a apoiar o aprofundamento das relações com a China. Em 2019, realizou-se um grande festival da cultura portuguesa na China e da cultura chinesa em Portugal, incluindo música, dança, artes plásticas, projetos de arquivos e bibliotecas, contando com o empenho do embaixador de Portugal na China, José Augusto Duarte.

A Comunidade portuguesa na China e a Chinesa em Portugal têm crescido desde a criação da Região Administrativa Especial de Macau. De tal forma que para além da Embaixada em Pequim (Beijing) e do Consulado em Macau, Portugal abriu um novo consulado em Cantão (Guangzhou). Por outro lado, a Comunidade Chinesa em Portugal tem vindo a crescer moderadamente, sendo em 2021 de 27.430 chineses.

As relações entre Portugal e a China devem (como sempre aconteceu) continuar a aprofundar-se com benefício e respeito mútuos!

*Historiador, Presidente do Observatório da China

10 Fev 2022

Observatório da China considera Macau essencial na ligação com a lusofonia

A RAEM é essencial nas ligações entre a China e a lusofonia devido à sua história, considerou ontem o presidente do Observatório da China. “Macau, é conhecido de todos na lusofonia, é um parceiro privilegiado” da China com os países de língua portuguesa, como “facilitador de negócios”, salientou Rui Lourido à agência Lusa.

O responsável do Observatório da China destacou o papel de Macau no âmbito do Fórum Macau – Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) -, organização crucial na estratégia que liga a China à lusofonia através da iniciativa conhecida como “nova rota da seda”.

Na III Conferência Internacional de Cooperação Portugal–China, que decorreu ontem em Lisboa, promovida pela Câmara de Cooperação e Desenvolvimento Portugal–China e o Observatório da China, Rui Lourido salientou que a China não é uma presença nova em África, uma vez que apoiou os movimentos de descolonização, inclusive nas antigas colónias portuguesas.

O responsável considerou que a China é dos maiores parceiros comerciais de África, tendo ultrapassado os Estados Unidos da América em 2009, sendo também o principal parceiro comercial da África do Sul. Rui Lourido explicou que o país não se interessa apenas por matérias-primas, mas também por indústria, serviços e infraestruturas.

O investimento directo chinês na indústria africana aumentou 9,9 por cento entre 2020 e 2021.

Contributo de peso

Segundo Rui Lourido, 20 anos após a entrada da China na Organização Mundial de Comércio, o país contribuiu cerca de 30 por cento para o crescimento mundial.

“A China mudou a estrutura do comércio multilateral, bem como a direcção dos fluxos de trocas globais. Fez aumentar a presença dos países emergentes no cenário económico internacional e beneficiou milhões de pessoas em todo o mundo. Foi benéfico para os países desenvolvidos, incluindo os Estados Unidos da América”, frisou Lourido.

Segundo os dados da alfândega chinesa, relativamente à relação entre a China e os PALOP, entre Janeiro e Agosto de 2020, o principal país com trocas comerciais é o Brasil, seguindo-se Angola, Portugal, Moçambique, Timor-Leste, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

Foi ainda frisado que o rendimento de Macau vem do jogo, mas esta região defende a herança portuguesa, tendo áreas históricas protegidas pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).

16 Dez 2021

História | Primeiro escrito de um chinês sobre Europa e Portugal em fase de tradução

O Observatório da China associou-se à Universidade de Macau e à Academia de Ciências Sociais de Cantão para concretizar o projecto de tradução da primeira crónica escrita por um chinês sobre Portugal e a Europa, e que data de finais do século XVIII. Rui Lourido, presidente do Observatório da China, fala de um trabalho “complexo”, que já dura há oito anos

 

Está em fase de tradução, há oito anos, a primeira crónica escrita por um chinês sobre o mundo ocidental, com foco em Portugal e na Europa. A língua usada no antigo documento é o cantonense dos finais do século XVIII, o que acrescenta uma enorme complexidade ao projecto, segundo contou ao HM Rui Lourido, presidente do Observatório da China, que propôs a publicação da crónica produzida em Macau.

O projecto tem vindo a ser desenvolvido com os especialistas da Academia de Ciências Sociais de Cantão e com a Universidade de Macau (UM), incluindo o apoio da Fundação Macau (FM). “Temos uma equipa de investigação composta por uma série de professores, e temos o próprio Yao Jingming [da UM] a levar este projecto para a frente.

Há oito anos que tentamos encontrar apoios e temos vindo a estudar a crónica. A FM dá o seu apoio, mas é necessária uma equipa de investigação, uma vez que se trata de um trabalho histórico demorado.”

O objectivo é publicar a crónica em livro e também online, em três línguas, incluindo o português e o inglês, uma vez que apenas foi publicada na China no início do século XIX, no idioma original.

Em Macau

A crónica nasce “de uma história interessantíssima”, conforme contou Rui Lourido. “Trata-se de um chinês que naufraga nos mares da China, junto ao Japão, e é salvo por uma embarcação portuguesa. Ele aproveita e vem de viagem até ao Ocidente e descreve todo o trajecto.”

Segue-se um período de 15 anos de vivência na Europa, incluindo a presença em Portugal. No texto, é feita a descrição “dos usos, costumes, fortalezas, cidades” que visita e, aquando do regresso, o autor da crónica fica em Macau. Acaba por ficar cego e é no território que dita tudo aquilo que viu “a um amigo mandarim”.

“É esse o escrito que vem a ser publicado já depois da sua morte. Mas trata-se de uma escrita em chinês dos finais do século XVIII, e estamos com algumas dificuldades na localização dos topónimos”, descreveu Rui Lourido.

Por fases

Outro projecto em desenvolvimento pelo Observatório da China é a grande biblioteca digital Macau-China, que já conta com mais de 200 mil páginas gratuitas disponíveis com todas as obras publicadas sobre Macau e China entre os séculos XVI e XIX. “Há textos em português e o projecto é apoiado pela FM. Tem uma série de fases e vai-se desenvolvendo”, disse Rui Lourido. Actualmente está a ser introduzida a cartografia sobre Macau e a China correspondente aos séculos XVI e XIX.

6 Mai 2021

Integração regional | Rui Lourido defende flexibilização de mão-de-obra em Macau 

O Presidente do Observatório da China defende que Macau deve apostar cada vez mais na flexibilização da sua mão-de-obra para responder aos desafios dos projectos “Uma Faixa, Uma Rota” e Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. A ideia foi defendida no âmbito da palestra “Ligações lusófonas da iniciativa chinesa: Continuidades ou rupturas?”, promovida pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa

 

[dropcap]R[/dropcap]ui Lourido, presidente do Observatório da China, disse ao HM que o Governo de Macau deveria, cada vez mais, apostar numa flexibilização da mão-de-obra, sobretudo no que diz respeito à contratação de quadros qualificados ao exterior.

“Naturalmente que as dificuldades devem ser encaradas como grandes desafios ao desenvolvimento presente. Os recursos humanos são um elemento determinante no papel que Macau irá desempenhar” nos projectos “Uma Faixa, Uma Rota” e Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, comentou ao HM à margem da palestra “Ligações lusófonas da iniciativa chinesa: Continuidades ou rupturas?”, promovida pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Para Rui Lourido, Macau tem “de importar esses recursos humanos, de países que tenham as potencialidades [procuradas], como Portugal, país com o qual Macau deve ter uma maior relação umbilical possível”.

O presidente do Observatório da China frisa que o papel de Macau no contexto da Grande Baía “destaca-se pela sua potencialidade para apoiar actividades não só ao nível do lazer, jogo e turismo”, mas também com a possibilidade de “trazer investimentos ao tecido produtivo e dar a Macau outro pulmão de sustentabilidade no futuro, desenvolvendo uma rede de relações económicas ou financeiras”.

O presidente do Observatório da China acrescenta ainda que deve ser providenciada formação a residentes por parte de quem sabe, mesmo que essa formação venha de quadros qualificados importados.

Aposta na educação

Dentro deste contexto de integração regional, Rui Lourido defende que o caminho deve ser o da educação. “Macau faria a diferença apostando mais no sector educativo com as línguas a desempenharem um papel fundamental, através da aprendizagem da língua chinesa, com o mandarim a ser determinante, mais o inglês e o português. Isso tornará a população jovem de Macau mais habilitada para fazer esta ligação entre o mundo lusófono e o chinês.”

Ao nível do ensino superior, Rui Lourido defende que “Macau deve abrir as suas fronteiras aos alunos chineses da China”, para que haja “uma aposta numa educação mais acessível”.

Nesse sentido, o presidente do Observatório da China gostaria de ver resolvido o impasse na Universidade de São José, que ainda não recebeu autorização para ter alunos oriundos da China.

“Isso é fundamental [uma abertura], porque é disso que depende a capacidade das universidades privadas de poderem disputar com justiça os alunos do mercado chinês, pois Macau é China e a China é a grande potência do século XXI.”

5 Dez 2019

Integração regional | Rui Lourido defende flexibilização de mão-de-obra em Macau 

O Presidente do Observatório da China defende que Macau deve apostar cada vez mais na flexibilização da sua mão-de-obra para responder aos desafios dos projectos “Uma Faixa, Uma Rota” e Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. A ideia foi defendida no âmbito da palestra “Ligações lusófonas da iniciativa chinesa: Continuidades ou rupturas?”, promovida pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa

 
[dropcap]R[/dropcap]ui Lourido, presidente do Observatório da China, disse ao HM que o Governo de Macau deveria, cada vez mais, apostar numa flexibilização da mão-de-obra, sobretudo no que diz respeito à contratação de quadros qualificados ao exterior.
“Naturalmente que as dificuldades devem ser encaradas como grandes desafios ao desenvolvimento presente. Os recursos humanos são um elemento determinante no papel que Macau irá desempenhar” nos projectos “Uma Faixa, Uma Rota” e Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, comentou ao HM à margem da palestra “Ligações lusófonas da iniciativa chinesa: Continuidades ou rupturas?”, promovida pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Para Rui Lourido, Macau tem “de importar esses recursos humanos, de países que tenham as potencialidades [procuradas], como Portugal, país com o qual Macau deve ter uma maior relação umbilical possível”.
O presidente do Observatório da China frisa que o papel de Macau no contexto da Grande Baía “destaca-se pela sua potencialidade para apoiar actividades não só ao nível do lazer, jogo e turismo”, mas também com a possibilidade de “trazer investimentos ao tecido produtivo e dar a Macau outro pulmão de sustentabilidade no futuro, desenvolvendo uma rede de relações económicas ou financeiras”.
O presidente do Observatório da China acrescenta ainda que deve ser providenciada formação a residentes por parte de quem sabe, mesmo que essa formação venha de quadros qualificados importados.

Aposta na educação

Dentro deste contexto de integração regional, Rui Lourido defende que o caminho deve ser o da educação. “Macau faria a diferença apostando mais no sector educativo com as línguas a desempenharem um papel fundamental, através da aprendizagem da língua chinesa, com o mandarim a ser determinante, mais o inglês e o português. Isso tornará a população jovem de Macau mais habilitada para fazer esta ligação entre o mundo lusófono e o chinês.”
Ao nível do ensino superior, Rui Lourido defende que “Macau deve abrir as suas fronteiras aos alunos chineses da China”, para que haja “uma aposta numa educação mais acessível”.
Nesse sentido, o presidente do Observatório da China gostaria de ver resolvido o impasse na Universidade de São José, que ainda não recebeu autorização para ter alunos oriundos da China.
“Isso é fundamental [uma abertura], porque é disso que depende a capacidade das universidades privadas de poderem disputar com justiça os alunos do mercado chinês, pois Macau é China e a China é a grande potência do século XXI.”

5 Dez 2019

Gestão privada da TAP “não tem sido a mais correcta”, diz Observatório da China

[dropcap]R[/dropcap]ui Lourido, presidente do Observatório da China (OC), disse ao HM que a gestão privada da companhia aérea portuguesa TAP não tem sido a mais correcta, quando questionado sobre a mais recente saída da chinesa HNA da estrutura accionista.

“Em todos os negócios a rentabilidade é a alma. Quando atribuímos a privados empresas que são fundamentais para a expansão de uma imagem da economia nacional, há sempre esse risco. Portugal decidiu dar a nossa empresa bandeira mas este Governo não conseguiu privatizar tudo. Mas não me parece que a gestão privada da TAP seja a mais correcta.”

O responsável defendeu, por isso, a continuação da aposta numa parceria chinesa na área da aviação, mas com outra empresa.

“Talvez a escolha da empresa chinesa não tenha sido a mais pertinente. Deveríamos ter uma parceria chinesa, sem dúvida, e Portugal deve lutar por essa parceria com uma grande empresa de transporte aéreo, para que faça as rotas directas com Pequim e Cantão. Há outras empresas interessadas. O Estado português deveria ter encontrado um parceiro chinês sólido e não estar apenas dependente do lucro”, frisou.

Foi a 28 de Março que se soube que o representante da HNA na estrutura accionista da TAP ia sair, depois da empresa ter vendido a sua participação de 20 por cento no grupo que detém 45 por cento da TAP, a Atlantic Gateway, por 55 milhões de dólares americanos. Com o Governo de

António Costa, primeiro-ministro português, o Estado voltou a ter 50 por cento das acções da TAP, sendo que os privados possuem 45 por cento e os trabalhadores os restantes cinco por cento.

O negócio, anunciado à bolsa de valores de Xangai, aconteceu devido a problemas de liquidez que a HNA enfrenta há cerca de um ano.

2 Abr 2019

“Uma Faixa, uma Rota” | Rui Lourido realça oportunidade para relações sino-lusófonas

O presidente do Observatório da China, Rui Lourido, defende que a iniciativa “Uma Faixa, uma Rota” vai ser um “grande motor” também no âmbito das relações sino-lusófonas. Já a Macau cabe afirmar a sua diferença na China e destacar-se como um ponto de exportação da Grande Baía, diz

 

[dropcap]A[/dropcap] iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” vai ser, “sem dúvida”, um “grande motor de desenvolvimento económico mundial”, em particular também para as relações entre a China e os países de língua portuguesa. É o que considera o presidente do Observatório da China, Rui Lourido, que entende que cabe a Macau destacar-se pela “diferença” e “como um ponto de exportação da Grande Baía”.

“A China é hoje o maior incentivador do multilateralismo e da globalização e o país que mais contribui para relações diplomáticas fundamentadas por relações económicas ‘win-win’”, observou ao HM, Rui Lourido, para quem tal fica patente na iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”. “Esta visão de encarar o comércio como uma forma de estabelecer relações de ganho recíproco que se projectem e possam garantir um ambiente de paz é fantástica”, realçou o também historiador.

“Poder-se-ia dizer que é egoísta traçar linhas férreas que são de todo o interesse para a importação e exportação dos seus bens, mas para os países atravessados pelo investimento nessas grandes vias de comunicação é altamente positivo”, dado que “contribui para o seu desenvolvimento”, apontou Rui Lourido. Em paralelo, a iniciativa promove um “relacionamento pacífico”, “em contraposição à actual postura de desestabilização dos Estados Unidos”, realçou.

“Todos os países estão ansiosos”, argumentou, referindo-se ao projecto chinês de investimentos em infra-estruturas, que ambiciona reavivar simbolicamente o corredor económico que uniu o Oriente o Ocidente. “Para além da possibilidade de desenvolvimento económico, o que me parece interessante é que, agora, ao fazer comércio, a China também começa a ter a percepção que tem de ter uma vertente mais cultural”, o que “possibilita realmente a multiculturalidade”, sustentou Rui Lourido. “A China compreendeu que as relações culturais dão estrutura e coluna vertebral ao interesse económico”, afirmou, apontando que tal sucede depois dos “anticorpos” que Pequim gerou na sequência dos primeiros passos dados em África.

Embora o mundo lusófono seja “uma vertente importante para a China”, Rui Lourido reconhece que “não é a fundamental”. Neste contexto, e sobre o papel de Macau, o historiador entende que o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa joga um papel estratégico. “Naturalmente, Portugal ou Brasil negoceiam directamente com a China e o principal das relações não passa por Macau, mas [o Fórum] tem uma importância política que ultrapassa em muito essa diminuta importância económica”, defendeu.

Na sua perspectiva, tal advém do facto de “dar visibilidade a oito países que não a teriam se o Fórum não existisse”. Por outro lado, acrescentou, o Fórum “é muito importante” para Macau que se distingue de outras regiões da China por via de uma identidade que “lhe permite dizer que “tem algo mais que as outras não têm”. No entanto, admitiu, “é um projecto em desenvolvimento, que pode melhorar e muito”.

Questionado sobre a coerência de Macau se apresentar como uma plataforma entre a China e os países de língua portuguesa quando o seu comércio com África, por exemplo, é praticamente nulo, Rui Lourido reconheceu, porém, que “há todo um caminho a fazer”.

 

Iniciativas para 2019

O Observatório da China, criado em 2005, vai publicar no próximo ano uma edição trilingue da Crónica dos Mares – Hailu Zhu, com o apoio da Universidade de Macau e da Fundação Macau e da Academia de Ciências Sociais da China e de Cantão. Esta será uma das iniciativas para 2019, ano em que se assinalam três efemérides importantes: os 40 anos do restabelecimento de relações diplomáticas entre Portugal e a China, os 70 anos da República Popular da China e os 20 anos da Região Administrativa Especial de Macau. Para Junho, por exemplo, está programada uma conferência, a ter lugar na Gulbenkian, precisamente sobre a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” e as relações da China com Portugal e a lusofonia”, indicou Rui Lourido, dando ainda conta de outras iniciativas de cariz cultural, que incluem levar Ópera de Cantão a cinco cidades portuguesas em Dezembro.

23 Out 2018

Rui Lourido, presidente do Observatório da China, defende afirmação de Macau

[dropcap]O[/dropcap] presidente do Observatório da China, Rui Lourido, defende que a iniciativa “Uma Faixa, uma Rota” vai ser um “grande motor” no âmbito das relações sino-lusófonas. Já a Macau cabe afirmar a sua diferença na China e destacar-se como um ponto de exportação da Grande Baía, diz.

“A China é hoje o maior incentivador do multilateralismo e da globalização e o país que mais contribui para relações diplomáticas fundamentadas por relações económicas ‘win-win’”, observou ao HM, Rui Lourido, para quem tal fica patente na iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”.

Não perca a entrevista amanhã na edição impressa do Hoje Macau
22 Out 2018

Rui Lourido, presidente do Observatório da China: “Hoje trabalha-se na Europa para se ser pobre”

Rui Lourido olha para a China de hoje como um país que tem muito a dar à Europa e sobretudo a Portugal, onde os investimentos chineses continuam a ter uma conotação negativa que, segundo o presidente do Observatório da China, é preciso combater. Rui Lourido diz que hoje há uma maior garantia dos direitos laborais na China, por oposição a muitos países europeus

Os ministros do anterior Governo português realizaram várias visitas oficiais a Macau. É um território que recebe hoje uma maior atenção de Portugal face aos anos anteriores?
Penso que estamos numa nova fase de Macau, graças ao desenvolvimento enorme trazido pelo Governo de Macau em vários níveis, e também da sua influência na China. A [RAEM] é uma cidade que tem também conseguido uma expansão da sua influência, por ter conseguido estabelecer aqui o Fórum Macau. A defesa do património tem sido coerente e tem permitido apresentar a recuperação de edifícios antigos. O governo português fez um óptimo trabalho também a esse nível, na feitura de museus e na recuperação do património religioso, mas o Governo chinês da RAEM tem sido exemplar a esse nível. Tem inclusivamente alargado a preservação da calçada portuguesa em ruas onde esta não existia anteriormente. O património e a influência de Macau foram áreas de grande sucesso e a integração de quadros que vêm da própria China permitem trazer para Macau uma outra influência. Esse diálogo entre o continente e as regiões administrativas é uma mais valia. Foi também um sinal de inteligência política ter conseguido transformar Macau numa cidade que é património mundial da humanidade e também a criação do Fórum Macau a continuar e a aumentar as relações com a lusofonia, nomeadamente com o Brasil.

Considera então que o Fórum Macau tem desempenhado bem o seu papel?

Não digo que tem desempenhado o que podia desempenhar. O que digo é que a existência do Fórum Macau é extremamente positiva, é uma mais valia para o território porque diz aos territórios da China que os chineses de Macau têm uma mais valia que as outras regiões chinesas não têm. Há uma ponte com a Europa, com África e a Lusofonia. Isso valeu no século XVI, é por isso que Macau existe, e sempre foi uma presença pacífica e por mútuo acordo, que foi continuada numa outra vertente pelo actual Governo da RAEM que, compreendendo esta peculiaridade de Macau, a apresenta na própria China como uma forma de ter um outro palco político e uma outra visibilidade. E aí também Macau pode desenvolver-se de forma mais intensa cultural e economicamente.

É necessário esse desenvolvimento, já que Macau é a cidade do Jogo por excelência?

Penso que não só e fundamental como é urgente. É urgente que Macau diversifique as áreas económicas, é uma preocupação do Governo e do próprio Governo Central e isso é importante para a sustentabilidade do desenvolvimento económico e urbano de Macau. O peso dos casinos é excessivo porque na realidade a grande parte da população trabalha [lá] e há que encontrar alternativas nas actividades das indústrias criativas. Em muitos países as actividades das indústrias criativas ocupam já uma parte importante do seu tecido económico. Áreas de edições, de turismo, que não tenham a ver com o Jogo. E a área cultural, porque Macau é uma sociedade multiétnica que é, em si própria, uma mais valia para o tecido urbano e económico da cidade. Talvez na área cultural o Fórum devesse ter um papel mais activo, na transmissão da cultura milenar chinesa e das características de Macau na lusofonia. O Fórum podia pensar não só pensar em iniciativas económicas e empresariais mas organizar também iniciativas que levassem uma ópera de Pequim, um grupo de teatro. Isso permitia combater a percepção que há na Europa de que “enfim, vêm aí os chineses que compram tudo”.

Em Portugal há uma ideia de que as empresas chinesas estão a investir em tudo e isso é encarado com um certo negativismo. É preciso combater esse sentimento?

Sim, é necessário combater no sentido em que é preciso ser realista. Na realidade os povos sempre circularam. Os europeus são indo-europeus, todos os povos que temos na Europa vieram de zonas euro-asiáticas e esquecemos essa origem multiétnica. A população portuguesa tem tido uma estabilidade que é agora questionada pelas novas populações e emigrantes e também homens de investimento. Vieram da Europa do Leste, da América Latina e agora temos o chinês. O Observatório da China rapidamente compreendeu que necessitava de ter um papel de divulgação cultural no sentido de ultrapassar essa visão do desconhecido da Europa e de Portugal sobre a China. É esse desconhecimento que leva à aversão, à recusa daquilo que é diferente de nós. São reacções naturais da população europeia, mas que não são aceitáveis. Rapidamente começamos a organizar vários projectos (ver texto secundário). A China hoje em dia tem um crescimento de 7%, mas mesmo que desça é um crescimento imenso que não tem outro país na Europa. A própria economia chinesa contribui para o desenvolvimento da economia do mundo.

Mas essa economia tem gerado questões sociais dentro da própria China, sobretudo com a questão da poluição. Podemos ver uma maior separação entre a sociedade e o sistema político?
Naturalmente que sim e todo o Ocidente andou desde a revolução de Mao Tse-Tung a exigir à China que se abrisse ao mundo e que se tornasse capitalista. E quando essa nova política se implantou e essa abertura se concretizou, claro que as diferenças entre ricos e pobres aumentaram, mas esse era um objectivo do Ocidente, para poder vender os seus produtos na China. Se todos tivessem o mesmo nível de desenvolvimento na China não era possível termos uma classe média com poder de compra. Não podemos ter dois pesos e duas medidas e sermos hipócritas e dizermos “vocês estão a ser demasiado capitalistas”. Naturalmente que as diferenças sociais têm-se ampliado, mas isso é uma coisa à qual os governos têm de ter atenção, porque para o desenvolvimento ser sustentável há que dar poder de compra às pessoas e aumentar os salários mais baixos. O que assisto na China é isso: há um salário mínimo estabelecido para o campo, outro maior para as cidades e existe um quadro jurídico que a pouco e pouco se vem desenvolvendo e que dá mais garantias aos cidadãos. Isso é uma coisa que no Ocidente vem regredindo. Na China há direitos de manifestação e salariais, em Portugal e noutros países da Europa tem-se degradado o grau de sindicalismo, de correspondência entre horários e o salário. Acha-se normal pagar às pessoas com recibos verdes ou salários abaixo do salário mínimo.

Há diferenças, portanto…
Hoje em dia trabalha-se na Europa para se ser pobre, passa-se fome em muitas famílias. Há que ter a noção da realidade: a China está a conseguir ampliar o nível das pessoas que acedem a um nível médio de riqueza, e a classe média está aí para mostrar isso. Cem milhões de pessoas na China saíram do limiar da pobreza. É preciso desenvolver a liberdade de expressão e com a presença dos intelectuais e de todos aqueles com espírito crítico para que haja uma renovação sustentável. Ao nível do ambiente, vem sendo degradado desde há 40 anos. O próprio Governo Central pôs o ambiente como um objectivo prioritário nos seus planos quinquenais. Numa sociedade evoluída há sempre contradições, mas o que é preciso é que a sociedade civil esteja atenta, com a sua massa crítica, e contribua para chamar a atenção.

Mas não deixa de ser interessante observar que nos últimos anos os chineses procuram sair do seu próprio país. Isso revela o desejo de conhecer o mundo, aliado ao desenvolvimento económico, ou é uma forma de mostrar descontentamento?
É uma tendência das classes médias de tentarem buscar para os seus filhos aquilo que concorrencialmente é o que dá mais instrumentos a uma ascendência social e a uma sociedade de elite. Os chineses regressam, como regressaram aqueles que hoje estão a ocupar cargos na área cultural e até da administração. Aqueles que trabalham nas áreas científicas, culturais e até na Administração são os chineses que estudaram na América e exterior e regressaram. Mas há na realidade uma sociedade civil mais atenta e isso é um factor positivo. À medida que vai surgindo um maior conhecimento, a cultura traz sempre a inquietação e um maior conhecimento de nós próprios. A saída de turistas chineses e de cidadãos chineses é um óptimo factor porque desenvolve o turismo europeu e as nossas economias e porque trazem ideias novas e também a sua cultura. A Europa tem de se adaptar à forma de vida na China. Na China nunca se viveu tão bem como agora, e dizemos que o mundo está em crise, mas está em crise o modelo ultra financeiro seguido no Ocidente…

Se calhar continua-se a pensar muito a Ocidente e muito pouco a Oriente.

Exacto.

Dez anos a aproximar culturas

A comemorar dez anos de existência, o Observatório da China transformou-se de uma plataforma de académicos para uma entidade que tenciona aproximar mais a China a Portugal.
“Recebemos o Governo de Cantão e de Jiangsu e ambas as regiões pretendem estreitar relações com Portugal e com o mundo lusófono. O Observatório da China tem esta vocação cultural e vai levar a ópera de Cantão a Portugal em Dezembro, para além de organizar o segundo Festival Internacional de Cinema Chinês e do Olhar Lusófono em Outubro. Também vai decorrer em Outubro uma conferência para discutir em que medida a Europa pode participar no projecto que a China apresentou “Uma faixa, uma rota”, disse ao HM Rui Lourido.
Outro projecto do Observatório da China, disponível online desde o ano passado, é a biblioteca digital de Macau, com obras digitalizadas e disponíveis de forma gratuita, correspondentes aos séculos XVI a XIX.
“Trata-se de um manancial tão diversificado que permite estudar a história de Macau nesse período e também os sítios por onde os portugueses navegaram até chegar aqui. Este projecto pretende aproximar Macau ao mundo”, disse Rui Lourido. A Fundação Macau apoiou financeiramente esta biblioteca.

11 Mar 2016