Ho Iat Seng assegura ao Supremo Tribunal Popular aplicação plena da Lei Básica

O Chefe do Executivo assegurou ao presidente do Supremo Tribunal Popular Juiz-Chefe, Zhang Jun, que a Lei Básica está a ser implementada “em toda a sua plenitude”, assim como o princípio ‘Um País, Dois Sistemas’”. As garantias foram avançadas, de acordo com uma nota de imprensa do Gabinete de Comunicação Social (GCS), num encontro entre Ho Iat Seng e Zhang Jun, que decorreu na sexta-feira.

Durante o encontro, Ho Iat Seng “indicou que a RAEM tem aplicado, em toda a sua plenitude, a Lei Básica de Macau, e concretizado com o sucesso o princípio ‘Um País, Dois Sistemas’”. O político e empresário local destacou também que o seu Executivo está empenhado “em aperfeiçoar a estrutura industrial de Macau”, “impulsionar a diversificação adequada da economia” e construir a “Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin”.

Ho Iat Seng terá ainda dito que “deseja continuar a aprofundar a comunicação, o intercâmbio e a reforçar a cooperação nas áreas judiciária e jurídica, com o Supremo Tribunal Popular”, para que todos juntos possam “salvaguardar um Estado de Direito de qualidade mais elevada” e “reforçarem o nível de gestão do Estado de Direito, no âmbito da construção da Zona de Cooperação Aprofundada”.

Visitante agradado

Por sua vez, o Juiz-Chefe do Supremo Tribunal Popular, Zhang Jun, terá mostrado agrado com a situação em Macau. “O mesmo responsável disse que gostou de ver o sucesso da implementação do princípio ‘Um País, Dois Sistemas’, o desenvolvimento rápido da sociedade e economia, e a união dos corações da população em Macau”, indicou o GCS, sobre as palavras de Zhang.

O presidente do STP afirmou também “continuará a apoiar as acções governativas da RAEM e as funções dos tribunais de todos os níveis de Macau, desempenhando plenamente o papel de consolidação da fundação de um Estado de Direito”.

Zhang Jun assegurou igualmente que o organismo que lidera vai contribuir para a “estabilidade das expectativas e benefícios a longo prazo, com o objectivo de impulsionar a concretização conjunta da cooperação judiciária de nível mais elevado entre o Interior da China e Macau”.

24 Set 2023

Imigração | Serviços restringem pedidos de residência a portugueses

Os Serviços de Imigração não estão a aceitar novos pedidos de residência para portugueses fundamentados com o “exercício de funções técnicas especializadas”, permitindo apenas justificações de agrupamento familiar ou anterior ligação ao território. O Consulado Geral de Portugal em Macau está em conversações com o Governo de Ho Iat Seng e o IPOR já pede blue cards para professores

 

Os Serviços de Imigração não estão a aceitar novos pedidos de residência pedidos por portugueses que tenham como fundamento o “exercício de funções técnicas especializadas”, permitindo apenas justificações de agrupamento familiar ou anterior ligação ao território.

As novas orientações, a que a agência Lusa teve acesso, datam do início de Agosto e eliminam uma prática firmada logo após a transição para a China do antigo território administrado por Portugal, apesar do formulário disponibilizado pelos Serviços de Migração ainda contemplar a possibilidade de se solicitar a residência pelo exercício de funções técnicas especializadas.

“Por ora, pela informação de que dispomos, só são aceites com base nos fundamentos de ‘agrupamento familiar’ e de ‘anterior ligação à RAEM’” quaisquer novos pedidos de residência feitos por cidadãos portugueses via Serviços de Migração, através do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), disse à Lusa o advogado Pedro Meireles. Ou seja, agora, a alternativa para um português garantir a residência passa por uma candidatura aos recentes programas do regime jurídico de captação de quadros qualificados enquadrados na lei n.º 7/2023 “em pé de igualdade com cidadãos de qualquer outra nacionalidade, não sendo a nacionalidade portuguesa do candidato facto positivo ou negativo de apreciação da candidatura”, explicou o advogado da JNV – Advogados e Notários.

Outra hipótese, é a emissão de um ‘blue card’, um vínculo laboral atribuído a não-residentes, sem benefícios ao nível da saúde ou educação e sem possibilidade de garantir a residência permanente na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM).

“Se um cidadão português quiser emigrar para a RAEM, para aqui trabalhar em ‘funções técnicas especializadas’, caso não haja programa aberto ao abrigo do regime jurídico de captação de quadros qualificados a que se possa candidatar e/ou não seja caso de reunificação familiar com residentes da RAEM, a solução que nos parece ser viável (…) é a sua (futura) entidade patronal na RAEM pedir autorização de contratação (quota)” e, depois, em caso de deferimento, “pedir a emissão de ‘blue card’”, explicou o advogado.

 

Teoria e prática

Entre Abril de 2003 e Novembro de 2021, os pedidos de residência de portugueses eram expressamente mencionados na lei e equiparados aos pedidos de residência de cidadãos chineses, mas isso mudou com a nova legislação.

“Os pedidos de residência de (…) portugueses deixaram de ser expressamente mencionados (quer na lei n.º 16/2021, quer no regulamento administrativo n.º 38/2021)”, ou seja, “desapareceu essa menção ‘especial’”, notou Meireles.

Contudo, na prática, continuou a aceitar-se, até Agosto, os pedidos de residência com o fundamento de exercício de funções técnicas especializadas.

O advogado José Abecassis rejeitou que “as circunstâncias presentes justifiquem uma mudança de posição radical, nada transparente e que apanhe a comunidade – se não mesmo as entidades oficiais – completamente desprevenida”.

Mas, na realidade, tudo se modificou com as novas orientações, que surgiram pouco depois da publicação da lei n.º 7/2023, no final de Maio.

As autoridades terão “alterado os seus procedimentos por causa da entrada em vigor da Lei n.º 7/2023, sendo, no entanto, de notar que (…) em nada alterou e/ou revogou a lei n.º 16/2021”, assinalou Pedro Meireles, defendendo também que tal “não deveria ter afetacdo o actual sistema de concessão de autorização de residência via Serviços de Migração”.

José Abecassis reforçou este entendimento, sustentando que “a aprovação da Lei n.º 7/2023 (…) nada alterou no procedimento ou requisitos”, tanto mais que, “o portal do Governo da RAEM continua a informar que os pedidos apresentados por cidadãos de nacionalidade portuguesa devem continuar a ser apreciados em função da lei n.º 16/2021”.

No caso das renovações, ainda se contempla o fundamento “exercício de funções técnicas especializadas na RAEM”, ressalvou Meireles.

 

É a falar

O Consulado Geral de Portugal em Macau está em conversações com as autoridades da RAEM devido às recentes restrições na autorização de residência para portugueses, disse à Lusa o cônsul-geral no território.

“Existe um conjunto de questões relacionadas com o tema da pergunta que estão a ser objecto de conversações com as autoridades” do território, mas o cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, Alexandre Leitão, “não considera conveniente fazer mais declarações”, pode ler-se numa resposta do secretariado do responsável diplomático, quando questionado sobre as alterações legislativas e novas orientações internas nos Serviços de Migração.

Segundo apurou a Lusa, o facto de as autoridades de Macau não estarem a aceitar novos pedidos de residência para portugueses nos Serviços de Imigração já está a afectar entidades portuguesas no território ao nível da contratação, como é o caso do IPOR – Instituto Português do Oriente.

A directora disse à Lusa que o IPOR teve de solicitar a emissão de ‘blue cards’ na contratação dos dois últimos professores, um visto de trabalho precário que não contempla os mesmos benefícios ao nível da saúde ou educação, nem dá início a um processo que garanta o estatuto de residente permanente, como acontecia até aqui.

Constrangimentos que prejudicam a capacidade de contratar professores oriundos de Portugal, mas não só, disse Patrícia Ribeiro: “se se prolongar esta situação”, e não existir uma solução diplomática, “vai haver um momento em que não vamos conseguir mais quotas” para ‘blue card’, uma vez que é preciso equilibrar o número possível de não-residentes empregados com a obrigatoriedade de contratação local. “E isso é um problema, porque já fizemos algumas contratações locais, mas no segundo concurso já não encontrámos [candidatos] com as qualificações que pretendíamos”, explicou.

Por outro lado, a alternativa apresentada nos Serviços de Migração, o recente programa de captação de quadros qualificados, “não se adapta a muitas entidades e ao próprio IPOR”, acrescentou.

 

Chovem Prémios Nobel

A 1 de Setembro, Macau anunciou dois programas para captar quadros qualificados em áreas de tecnologia de ponta, os primeiros no âmbito de uma lei que entrou em vigor a 1 de Julho, e que procura captar para o território desde vencedores do prémio Nobel a campeões olímpicos – considerados “quadros qualificados de elevada qualidade” -, até “quadros altamente qualificados e profissionais de nível avançado”.

“Este programa não se vai adaptar a muita gente, porque têm exigências que vão desde prémios, nível de vencimento muito elevado e uma permanência mínima de sete anos em Macau, que não podemos assegurar”, exemplificou a directora do IPOR.

A Lusa tentou contactar o director da Escola Portuguesa de Macau, mas este não respondeu em tempo útil. O mesmo aconteceu com o Corpo de Segurança Pública, responsável pela recepção dos pedidos de autorização de residência via Serviços de Migração.

O primeiro sinal de que algo teria mudado tornou-se visível em Outubro de 2022, quando o jornal Plataforma noticiou que os delegados de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste no Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa tinham perdido o direito de residência no território por força da lei n.º 16/2021, que regula precisamente as autorizações de permanência e residência no território.

Tal aconteceu apesar de o Fórum Macau ser tutelado pelo Ministério do Comércio da China, dos delegados exercerem funções de representantes de outros países e de ser descrito como um organismo prioritário da política de cooperação económica de Pequim e de Macau com os países lusófonos.

15 Set 2023

Labirinto político

Nos últimos anos, adquiri o hábito de caminhar e o Circuito de Manutenção da Barragem de Hac Sá é um dos locais que costumo percorrer. O labirinto de plantas, situado perto da Barragem de Hac Sá, é também um local concorrido onde muitas pessoas vão tirar fotografias. O Instituto para os Assuntos Municipais cultivou várias plantas neste no labirinto para que as pessoas as possam desfrutar, como girassóis e miscanthus sinensis. As grandes árvores que lá podemos encontrar parecem saídas de um filme. Cheguei a ver uns noivos, acabados de casar, a fazerem uma sessão fotográfica no labirinto de plantas.

Numa das caminhadas que fiz no início deste ano, descobri que estavam a decorrer obras no labirinto de plantas, e pensei que poderiam estar a ser feitas para celebrar a Páscoa. Movido pela curiosidade, perguntei interroguei os trabalhadores, mas eles não me souberam responder. Só no mês passado, é que o Governo de Macau anunciou a construção do “Campo de Aventuras Juvenis da Praia de Hac Sá” para optimizar e ligar os recursos de lazer de Hac Sá, o que explica o desaparecimento do labirinto de plantas.

O custo de construção do Campo de Aventuras Juvenis da Praia de Hac Sá está estimado em 1,4 mil milhões de patacas, e mesmo os deputados da Assembleia Legislativa, que têm uma palavra a dizer sobre o orçamento do Governo, não sabem nada sobre a construção do Campo de Aventuras. Quanto ao planeamento da construção da estátua de Avalokitesvara, o Conselho Consultivo para os Assuntos Municipais e o Conselho Consultivo de Serviços Comunitários das Ilhas deveriam ter sido consultados com antecedência, mas não foram ouvidos. Então, que sentido faz a existência destes dois Conselhos Consultivos quando os seus membros desconhecem o que se passa com o planeamento da construção?

Os labirintos são construídos pelo Homem. A revisão da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa é também um mistério que intriga os habitantes de Macau. É função da Comissão de Defesa da Segurança do Estado da Região Administrativa Especial de Macau dar apoio ao Chefe do Executivo na tomada de decisão sobre os assuntos internos relativos à defesa da segurança do Estado, assegurando ainda a realização dos trabalhos de organização. Na estrutura governamental, a Comissão de Defesa da Segurança do Estado está sob a alçada do Chefe do Executivo e não pertence ao domínio forense. Quanto à revisão da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa, é compreensível que a tarefa de avaliar se os candidatos respeitam a Lei Básica e são leais à Região Administrativa Especial de Macau, parte integrante da República Popular da China, esteja atribuída à Comissão de Defesa da Segurança do Estado. Mas, quanto ao seguinte conteúdo, “propõe-se que aquando da apreciação, pela CAEAL, da qualificação e das condições dos candidatos, a verificação de que os candidatos defendem a Lei Básica e são fiéis à Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China deve ser realizada pela Comissão de Defesa da Segurança do Estado da Região Administrativa Especial de Macau, cabendo a esta Comissão emitir parecer vinculativo à CAEAL sobre os candidatos que não reúnam os devidos requisitos. Relativamente à decisão, de que os candidatos não reúnem os requisitos para a candidatura, tomada pela CAEAL, em conformidade com o parecer emitido pela Comissão de Defesa da Segurança do Estado da Região Administrativa Especial de Macau, não é permitido apresentar reclamação junto da CAEAL, nem interpor recurso contencioso junto dos tribunais”, já é mais difícil de compreender.

O Artigo 34 da Constituição da República Popular da China estipula: todos os cidadãos da República Popular da China que tenham atingido a idade de 18 anos, salvo os privados de direitos políticos nos termos da lei, têm o direito de votar e de se candidatar a eleições sem diferença de nacionalidade, raça, sexo, ocupação, origem familiar, religião, educação, situação económica ou tempo de residência. O Artigo 25 da Lei Básica da RAEM estipula: os residentes de Macau são iguais perante a lei, sem discriminação em razão de nacionalidade, ascendência, raça, sexo, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução e situação económica ou condição social. O Artigo 26 da Lei Básica da RAEM estipula: os residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau têm o direito de eleger e de ser eleitos, nos termos da lei.

Analisando os referidos Artigos da Constituição e da Lei Básica, torna-se evidente que o princípio “um país, dois sistemas” está consagrado na Lei Básica.

Tanto quanto sei, quando a China tenciona privar alguém de direitos políticos, recorre aos tribunais, o que demonstra respeito pelo sistema jurídico e permite em grande medida a protecção dos direitos humanos. Enquanto pessoa relacionada com candidatos à Assembleia Legislativa que foram desclassificados, aceito e respeito as decisões do Tribunal de Última Instância, mesmo que essas decisões sejam contrárias aos meus desejos. A revisão da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa parecia dar ênfase à decisão do Tribunal de Última Instância. No entanto, continuam a faltar disposições que salvaguardem o “princípio da audiência prévia do interessado”.

Não é difícil sair do labirinto político, mas é muito difícil sair do labirinto construído nos corações humanos.

3 Ago 2023

30º Aniversário da Promulgação da Lei Básica da RAEM

A implementação correcta e precisa da Lei Básica é a garantia da manutenção da estabilidade e prosperidade de Macau

Por Oriana Pun, advogada

 

No dia 31 de Março celebra-se o 30.º aniversário da promulgação da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau. Com o decorrer do tempo e a prova de factos, podemos concluir que a aplicação da Lei Básica foi bem sucedida, continuando a ser uma lei viva, que resiste ao teste do tempo.

O sucesso da Lei Básica revela-se, nomeadamente, nos seguintes aspectos:

Após o retorno de Macau à Pátria, a China retomou o exercício do poder de soberania no território de Macau. Por um lado, o Governo Central, no cumprimento da responsabilidade constitucional em relação à RAEM, concretizou o poder pleno de governação sobre Macau, dando conteúdo ao pressuposto “Um país”. Por outro lado, segundo os princípios de “Macau administrado pelas suas gentes” e “Alto grau de autonomia” afirmados na Lei Básica, a RAEM é dotada de um sistema liderado pelo executivo, e os órgãos administrativo, legislativo e judicial, por seu turno, exercem as suas competências segundo a Lei Básica, e em todos eles se tem verificado bom funcionamento ao longo dos anos.

Acresce que a maneira de viver dos residentes da RAEM se manteve inalterada, em todos os aspectos; entre eles, os usos e costumes, a cultura e a religião mereceram respeito e protecção, tendo Macau obtido um desenvolvimento satisfatório, com baixa taxa de desemprego, e proporcionando aos residentes viverem numa sociedade harmoniosa e estável, dando dessa forma cabal conteúdo ao pressuposto “dois sistemas”.

Além disso, a Lei Básica garante o gozo dos direitos e liberdades dos residentes. Estipula a Lei Básica que os residentes de Macau gozam da liberdade de expressão de imprensa, de edição, de associação, de reunião, de desfile e de manifestação, bem como do direito e liberdade de organizar e participar em associações sindicais e em greves.

A RAEM foi estabelecida de acordo com a “Constituição da República Popular da China”, e a Lei Básica de Macau foi elaborada de acordo com a Constituição, sendo necessária e indubitável a aplicação da Constituição na RAEM, não obstante aqui vigorar um sistema diferente do que vigora na Mãe Pátria.

A Constituição é a lei suprema do Estado, com eficácia suprema, e vigora em toda a China. É a própria Constituição da República Popular da China que permite que em determinadas regiões do seu vasto Território se aplique sistema distinto do resto do País. Caso paradigmático, mas não único, o de Macau, onde não se vigora o sistema socialista, no entanto, apesar disso, Macau assume a obrigação de respeitar a Constituição Nacional, bem como, a de respeitar o sistema socialista que vigora no Interior da China.

A Constituição prevalece sobre a Lei Básica, e em conjunto constituem a fundação constitucional de Macau, pelo que, em Macau não só temos de conhecer a Lei Básica, mas também conhecer e compreender a Constituição. O princípio “Um país, dois sistemas” está assegurado mas também vinculado pela Constituição, na sua implementação correcta e precisa, a qual exige que se tenha sempre em conta a Constituição o que, em conjunto com a Lei Básica, constitui a linha mestra dessa mesma implementação.

É na Lei Básica que se encontram afirmados os princípios fundamentais do sistema da RAEM: “Um país, dois sistemas”, “Alto grau de autonomia”, “Macau governado pelas suas gentes”, “Macau governado por patriotas”, “Garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos”, “Manutenção do sistema capitalista e a maneira de viver anteriormente existentes durante 50 anos”.

Ao longo dos últimos 23 anos, quer o Governo quer diversos sectores da sociedade, empenharam-se na divulgação da Lei Básica, cujo conteúdo é matéria de ensino nas escolas. Em particular, na advocacia, a Lei Básica constitui matéria de estudo e exames nos cursos ministrados na Associação dos Advogados de Macau. Porém, não obstante a Lei Básica ter merecido conhecimento geral da população, e obtido resultados muito satisfatórios, continua a ser necessário reforçar a sua divulgação, nomeadamente aos jovens e aos funcionários públicos, a fim de afirmar os princípios, valores e interesses assegurados na Lei Básica.

Entrando no período pós pandemia, e tendo em conta a conjuntural internacional sempre em mudança, Macau enfrenta grandes desafios, mas ao mesmo tempo também surgem novas oportunidades. É nossa missão reforçar a divulgação da Lei Básica e da Constituição, defender o princípio “Um país, dois sistemas”, promover a governação de Macau conforme a lei, fornecendo protecção legal para o desenvolvimento económico diversificado e adequado de Macau, nomeadamente para o desenvolvimento de alta qualidade.

Só com a implementação correcta e precisa da Lei Básica, é garantida a estabilidade e prosperidade a longo prazo de Macau; no pressuposto da salvaguarda da unidade nacional e integridade territorial da China, bem como da defesa nacional, com o apoio grande e incessante da China, Macau poderá integrar-se na conjuntura geral do desenvolvimento do País, participar na construção da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, e desenvolver a Zona de Cooperação Aprofundada em Hengqin. Sempre sem se esquecer, as nossas especificidades e características, factores que constituem as qualidades e vantagens de Macau. Só assim, conseguiremos superar as dificuldades e avançar para um futuro melhor.

30 Mar 2023

Educação | Residentes defendem ensino da Lei Básica nas escolas

Vários residentes defendem que a Lei Básica deve ser mais ensinada nas escolas em prol de uma maior consciencialização de pertença ao país e da ligação de Macau à China

 

Residentes de Macau ouvidos pela Lusa defendem que a Lei Básica, que faz 30 anos amanhã, deve ser ensinada às crianças e promovida nas escolas do território. “É melhor incutir algum conhecimento desde a educação básica e daí para a frente, para que [as crianças] sejam levadas a acreditar no significado inicial da Lei Básica e a manter a soberania do país. A soberania do Estado é de suprema importância”, disse à Lusa Wong Gun Kiu, residente do território.

O homem, que admite “falar um pouco de português” e ter adoptado informalmente o nome João, foi das poucas pessoas que aceitaram ser entrevistadas para este trabalho. Vários residentes e turistas abordados pela Lusa, no centro de Macau, recusaram-se falar sobre a Lei Básica, dizendo não saber do que se trata.

Adoptada em 31 de Março de 1993, esta é a lei que rege Macau desde a transferência da administração de Portugal para a China, em 1999, no âmbito do princípio “um país, dois sistemas”, que permitiria a coexistência das sociedades capitalistas de Hong Kong e Macau no regime comunista chinês. Segundo a Lei Básica, é permitido a Macau “exercer um alto grau de autonomia e a gozar de poderes executivo, legislativo e judicial independentes” por um período de 50 anos, ou seja, até 2049.

Também Cheong Chi Heng, que trabalha numa empresa de seguros e que tem memória de a legislação fazer parte do currículo escolar, declarou ser “muito importante” para as crianças “estarem familiarizadas com o princípio ‘um país, dois sistemas'” e o facto de Macau ser “parte da China”.

O jovem, na casa dos 20 anos, ainda consultou o telemóvel antes da entrevista. “Falar sobre a Lei Básica? Deixa-me ver”, disse ao pesquisar. “Há muitas coisas que precisam de respeitar a política nacional. Por isso, é importante conhecer a lei”, continuou.

Já para a residente Tiffany Leong, além de garantir “o modo de vida capitalista”, a legislação assegura direitos e liberdades da população. “Pode realmente garantir a liberdade de religião ou de expressão. No caso da liberdade de religião, cada pessoa é livre em acreditar no que quiser”, acrescentou a jovem.

Wong Gun Kiu acredita que “não há objecções” por parte da população às disposições definidas por esta lei. A população local é “mais obediente” e tem um “sentido de pertença ao país”, justificou, numa aparente comparação com a vizinha Hong Kong.

“Dos valores correctos

Em Hong Kong, após alguma contestação, em 2020, a lei de segurança nacional, prevista no 23.º artigo da Lei Básica da região foi implementada.

Em Macau, esta legislação foi adoptada em 2009 sem contestação. Actualmente, a revisão da lei relativa à defesa da segurança do Estado está a ser analisada na especialidade, depois de ter sido aprovada unanimemente pelos deputados locais, em Dezembro passado. “Eu acho que a maioria dos cidadãos segue os princípios da Lei Básica de forma disciplinada”, disse Wong, referindo que a população “não está muito obcecada com a implementação das orientações da Lei Básica”. A população “geralmente é orientada pelos valores correctos da sociedade”, refletiu.

Aprendizagem tem sido gradual e tem apoio de associações

A divulgação da miniconstituição da RAEM tem sido palavra de ordem nos discursos políticos nos últimos anos, com uma grande aposta a ser feita por parte da Direcção dos Serviços de Educação e Desenvolvimento da Juventude (DSEDJ) e das associações locais. Prova disso é o trabalho desenvolvido pela Associação de Divulgação da Lei Básica de Macau, criada em 2001 e hoje presidida por Liu Chak-Wan.

Esta tem-se desdobrado em actividades que chegam aos locais de trabalho, escolas e às artes, sob a forma de seminários académicos, simpósios e palestras, mas também através de cursos de formação, concursos de caligrafia, pintura e de design.

“Desde 2012, o programa de formação ‘Jovens Embaixadores para a Promoção da Lei de Bases’ (…) formou 440 jovens”, exemplificou o presidente da associação. “Em 2016, a Associação cooperou com os Jovens Embaixadores para a Promoção da Lei Básica na preparação da campanha e começou a promovê-la nas escolas em 2017”, acrescentou, sublinhando o resultado: “Mais de 60 por cento das escolas participaram no programa, tendo sido realizadas até à data 150 actividades promocionais sobre a Constituição e a Lei Básica, envolvendo 39 escolas e um total de 21 mil estudantes”.

Em resposta a uma interpelação escrita do deputado Ho Ion Sang, em Novembro do ano passado, a DSEDJ reiterou que a aposta na educação patriótica é uma prioridade, onde se inclui o ensino da Lei Básica. Segundo esta direcção de serviços, 85 por cento dos cursos de ensino superior ensinam conteúdos sobre a Constituição chinesa e a Lei Básica, enquanto 80 por cento promovem a “cultura tradicional chinesa”.

Kong Chi Meng, director da DSEDJ, disse então que é importante, neste contexto, “promover a educação sobre a segurança nacional em consonância com a evolução dos tempos, fortalecer o conhecimento dos estudantes sobre a história e cultura nacionais, o sistema nacional e a actual situação de desenvolvimento do país”.

30 Mar 2023

Lei Básica, 30 anos | Analistas falam da implementação da mini-constituição

Adoptada a 31 de Março de 1993, mas implementada a partir de 20 de Dezembro de 1999, a Lei Básica tem sido a força motriz da RAEM em matéria jurídica. Neto Valente defende que existem preocupações em torno da sua interpretação, mas há quem fale num caso de sucesso em 30 anos de história

 

A mini-constituição da RAEM, a Lei Básica, celebra 30 anos de implementação depois de ter sido adoptada a 31 de Março de 1993. Sendo o diploma que consagra os modos de vida próprios de Macau em matéria de direitos e deveres, mas também a nível político, social e económico, vários analistas foram convidados a olhar para o percurso da sua implementação, mas, sobretudo, da sua interpretação por parte das autoridades.

Jorge Neto Valente, advogado e ex-presidente da Associação dos Advogados de Macau (AAM) disse à Lusa que “o que preocupa os habitantes de Macau não é o texto da Lei Básica, mas a interpretação feita pelas autoridades e tribunais”.

Tendo sido também consultor da Comissão de Redação da Lei Básica, Neto Valente salientou que esta “contém princípios amplos e que nem sempre são densificados”.

O advogado sustentou que a Lei Básica “é a concentração do princípio [‘Um país, dois sistemas’], concebido com grande visão” e que “sem qualquer dúvida tem sido um sucesso, exemplar na sua execução”, ao mesmo tempo que aponta para a percepção errónea que advém de por vezes ser denominada de ‘miniconstituição’ do território.

Neto Valente sublinhou que “o enquadramento e legitimação [da Lei Básica] é a Constituição chinesa” e que “não é realista pensar que a transferência [da administração do território de Portugal para a China] ia deixar tudo como dantes”, até porque “não é isso que resulta da Declaração Conjunta [Sino-Portuguesa]”.

Nos últimos três anos, sobretudo, União Europeia, EUA e as Nações Unidas criticaram acções das autoridades de Macau que, defenderam, contrariaram os princípios básicos inscritos na Lei Básica, condenando a exclusão de candidatos às eleições na Assembleia Legislativa, directrizes censórias às emissoras públicas ou a proibição de manifestações. Apreciações que indignaram as autoridades locais, que negaram sempre as acusações.

“Os limites são mais apertados do que em Portugal”, admitiu Jorge Neto Valente, que destacou o facto, contudo, de “as matérias de liberdade de imprensa e expressão, muito importantes para países ocidentais, estarem a ser usadas como arma de arremesso contra a China, de isolar a China”, num “contexto de tensões internacionais”.

“Hoje em dia é muito fácil o acesso à ONU por activistas de tudo e mais alguma coisa. Esses activistas são muitas vezes manipulados por interesses geopolíticos dos quais muitas vezes nem se apercebem”, defendeu.

Nesse contexto de tensões internacionais, o advogado assinalou “uma grande diferença: a China é o que é, tem defeitos, mas não quer impingir virtudes e defeitos”. Já “os EUA e outros países ocidentais querem à força impingir os seus conceitos”, razão pela qual se diz preocupado com as “críticas destes organismos (…), pela animosidade para com a China, que leva a que esta se feche mais”, dando como exemplo “a agressão económica” que tem Pequim como alvo.

Um caso de sucesso

Também ouvido pela Lusa, o deputado José Pereira Coutinho disse que a Lei Básica tem sido aplicada com sucesso e recusou a ideia de pressões ou limitações na liberdade de expressão no território. “Nunca sofremos quaisquer pressões ou limitações na liberdade de expressão, sempre no respeito da soberania e na diversidade de culturas que convivem em harmonia”, garantiu.

“Na minha opinião tem sido um sucesso total a implementação rigorosa da Lei Básica”. O deputado salientou que o seu caso testemunha o êxito da aplicação da Lei Básica: “É de reconhecer a situação única no mundo de um português ser membro um parlamento no território chinês, ou seja, um exemplo paradigmático de como a Lei Básica é implementada com sucesso na vida política da RAEM”.

No caso de Leonel Alves, advogado e conselheiro do Governo de Macau, defendeu que os direitos e liberdades no território mantiveram-se ou melhoraram com a Lei Básica. “Existem por vezes críticas sobre a administração de Macau relativamente a eventuais actos concretos de restrição de direitos ou liberdades cívicas, mas a verdade é que, para quem vive em Macau, antes e depois de 1999, a situação é praticamente igual, e em certos aspectos até houve progresso”, sustentou o membro do Conselho Executivo de Macau, dando como exemplo a legislação sobre o Acesso ao Direito e aos Tribunais.

A Lei Básica “é comprovadamente uma lei que serve os interesses de Macau e acolhe as suas características próprias, distinguindo-a de Hong Kong e do interior da China, permitindo-lhe deste modo ter um papel singular no relacionamento com os países de expressão portuguesa e na construção do importante espaço económico, social e cultural da Zona da Grande Baía Guangdong-Hong-Kong-Macau”, acrescentou o advogado.

O ex-deputado da Assembleia Legislativa assegurou que “o princípio ‘Um País, dois sistemas’ tem vindo a ser cumprido ao longo dos anos, sem sobressaltos, nem necessidade de interpretação de alguma das suas normas” e que a China “tem vindo a reconhecer os pilares do sistema” no território, “constituído por alto grau de autonomia da sua governação, liberdade de circulação de pessoas, bens e capitais, e o poder judicial independente com julgamento em Macau em última instância”.

Razão pela qual, afirmou, se pode dizer que “Macau tem na Lei Básica a garantia constitucional dos direitos liberdades dos seus residentes, com amplas liberdades de expressão e pensamento” e que a miniconstituição “tem sido e continuará certamente a ser a base para a construção de uma Macau cada vez mais internacional e pujante em todos os aspetos da vida social”.

O conselheiro do Governo lembrou que “Macau faz parte da República Popular da China e as grandes políticas nacionais devem ser respeitadas e observadas na RAEM, incluindo a necessidade de Macau e sua população precaverem-se de influências negativas, que são cada vez mais evidentes, provenientes do exterior, cujos principais países, que mandaram no mundo há vários séculos, querem manter a sua supremacia cultural, ideológica e económica”

Nações que, salientou, “querem subestimar os esforços da China obstaculizando, na medida do possível, a sua senda de modernização em prol da melhoria da qualidade de vida da sua população de 1,4 mil milhões e da assunção de um papel, cada vez relevante, na cena política internacional”.

Além de 2049

O presidente da Associação para a Divulgação da Lei Básica de Macau, Liu Chak-Wan, disse à Lusa que o princípio “Um país, dois sistemas” tem sido aplicado com sucesso no território e que pode manter-se após 2049.

Liu Chak-Wan, que foi membro da Comissão para a Redacção da Lei Básica, justificou a afirmação com as declarações do “arquitecto-chefe do princípio “Um país, dois sistemas”, o antigo líder chinês Deng Xiaoping, mas também com o mais recente discurso do actual Presidente, Xi Jinping, na tomada de posse do Governo de Hong Kong, no ano passado. Deng Xiaoping disse que “nos primeiros 50 anos não existiriam mudanças e que, após 50 anos, não era necessário mudar”, observou Liu Chak-Wan.

O presidente da associação recordou ainda que no discurso das celebrações do 25.º aniversário do regresso de Hong Kong à soberania chinesa e na tomada de posse do novo Governo do território, Xi Jinping “disse que ‘Um país, dois sistemas’ está de acordo com os interesses nacionais e não há razão para o alterar”.

“A chave para o futuro de ‘Um país, dois sistemas’ depende dos resultados da sua aplicação”, sublinhou Liu Chak-Wan, lembrando que esta “tem sido bem-sucedida, eficaz e popular, e que tem um vasto âmbito e uma forte vitalidade”. A associação nasceu em 2001, substituindo a Associação Promotora da Lei Básica de Macau, criada em 1993.

30 Mar 2023

Lei Sindical | Novo Macau diz que diploma não respeita a Lei Básica

A Novo Macau entregou à DSAL uma lista de sugestões sobre a nova lei sindical. A associação entende que o diploma não está de acordo com a Lei Básica por deixar de fora o direito à greve. É sugerida ainda a penalização de “actos de vingança” contra trabalhadores sindicalizados. Do lado patronal, Frederico Ma considera que a classe está numa “posição desfavorável”

 

A Associação Novo Macau, da qual faz parte o antigo deputado Sulu Sou, entregou ontem na sede da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), uma lista de sugestões sobre a proposta de lei sindical, que esteve até ontem em consulta pública.

No documento, a Novo Macau começa por apontar que a lei sindical falha em cumprir o artigo 27º da Lei Básica, por incluir apenas o direito de organizar e participar em associações sindicais, deixando de fora tópicos como o direito à greve. Para os autores da carta, apenas assegurando este princípio e definindo concretamente moldes da negociação colectiva a nível legislativo, será possível aos trabalhadores exercer plenamente os seus direitos e, ao mesmo tempo, impedir que “greves desordenadas” possam afectar a estabilidade social”.

“O texto de consulta inclui apenas o direito de organização e participação em sindicatos e a negociação colectiva, o que não está de acordo com as disposições da Lei Básica. É através da legislação destes direitos que será possível implementar a ‘Lei das relações de trabalho’, que proíbe os empregadores de obstruir o exercício dos direitos dos trabalhadores e impede o surgimento de greves desordenadas com o condão de afectar a estabilidade social”, indica o documento.

Além disso, para evitar que a lei sindical se transforme num “tigre sem dentes”, a associação sugere que seja incluído no futuro diploma um “sistema de controlo e sanções” para prevenir eventuais “actos de vingança” que visem trabalhadores sindicalizados.

Para assegurar “procedimentos livres e harmoniosos” na hora de constituir sindicatos, é sugerido ainda que os critérios de verificação que constam no diploma “não sejam demasiado rígidos” e que sejam extintos os limites previstos para as forças de segurança, administração pública, instituições governamentais e de interesse público.

Sobre o conteúdo permitido na negociação colectiva, a Novo Macau considera “inadequado” que matérias que o empregador só pode decidir consoante o desempenho individual do trabalhador ou as necessidades de funcionamento do estabelecimento fiquem de fora do capítulo, até porque o termo “necessidades de funcionamento” é demasiado abrangente.

Patrões com dúvidas

Por seu turno, concluído o período de consulta da nova lei sindical e recolhidas as opiniões, o presidente da Associação Comercial de Macau, Frederico Ma, considerou que a parte patronal “pode ficar numa posição desfavorável”.

Segundo, o canal chinês da TDM-Rádio Macau, o responsável indicou que o Governo deve considerar as opiniões das associações dos empregadores para que “a legislação corresponda à realidade”, acrescentando que, por exemplo, os sectores industrial e comercial “têm dúvidas” acerca da forma de constituir sindicatos. Nomeadamente, vinca o responsável, aos trabalhadores das pequenas e médias empresas (PME) não deve ser concedido o direito de formar sindicatos.

Por último, Frederico Ma defendeu que os sindicatos que participem em organizações internacionais devem respeitar a Constituição da República Popular da China, a Lei Básica e a Segurança Nacional.

15 Dez 2021

MNE | Augusto Santos Silva confunde Lei Básica com Declaração Conjunta

O ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal confundiu a Lei Básica com a Declaração Conjunta emitindo uma consideração, no mínimo, estranha. Referindo que “Macau está num processo de transição desde a transferência da administração portuguesa para a administração chinesa” em 1999, Augusto Santos Silva frisou que essa transição é regulada “por uma lei, que resulta do acordo entre a China e Portugal, que se chama Lei Básica e que, por um período de 50 anos – portanto, de 1999 até 2049 – (…) define os termos da transição em Macau”.

“Essa Lei Básica é muito clara na garantia da liberdade de imprensa e, portanto, da mesma forma que Portugal respeita escrupulosamente a Lei Básica em Macau, Portugal espera que a República Popular da China também respeite escrupulosamente a Lei Básica em Macau, designadamente, entre muitas outras áreas (…) em matéria de liberdade de imprensa”, sublinhou.

O que se estranha é a frase ” Portugal respeita escrupulosamente a Lei Básica”, um documento produzido pela Assembleia Nacional Popular e não um tratado internacional como a Declaração Conjunta que, esse sim, deve ser respeitado e cumprido pela China e por Portugal. “O Governo português espera e conta que ambas as partes cumpram a Lei Básica em todas as suas determinações”, disse Augusto Santos Silva à Lusa.

Ora não se compreende como podem “ambas as partes” cumprir a Lei Básica, se uma dessas partes é um país estrangeiro. Seria muito estranho, para não dizer bizarro, que Portugal cumprisse uma lei que gere uma região de outro país, ainda que essa lei possa ter, parcialmente, resultado de certas cláusulas de um tratado internacional.

Por exemplo, quando refere “muitas outras áreas” da Lei Básica, perguntar-se-ia ao ministro se também pensa interferir no facto de não ter sido implementada em Macau uma Lei Sindical ou uma Lei da Greve, ambas previstas no articulado da Lei Básica. Segundo juristas consultados pelo HM, Portugal pode e deve interpelar a China em relação ao conteúdo da Declaração Conjunta mas não da miniconstituição da RAEM, cuja capacidade para ser interpretada depende exclusivamente da Assembleia Nacional Popular.

Augusto Santos Silva falava após pelo menos cinco jornalistas portugueses da TDM – Teledifusão de Macau terem apresentado a sua demissão em resposta a uma directiva que os proibia de divulgar informações contrárias às políticas da China, instando-os a aderir ao “princípio do patriotismo” e do “amor a Macau”.

A polémica levou a administração da TDM a anunciar que o manual editorial da empresa vai continuar a ser cumprido, reiterando, no entanto, a adesão ao “princípio do patriotismo” e do “amor a Macau”. Já o chefe do Governo de Macau, Ho Iat Seng, negou que o território esteja a impor restrições à liberdade de imprensa e que acredita que os ‘media’ são patrióticos e amam a região administrativa especial chinesa.

25 Mar 2021

UM | Assinado acordo para divulgação da Lei Básica

A Associação de Divulgação da Lei Básica de Macau assinou um acordo de cooperação com o Centro de Estudos da Lei Básica e Direito Constitucional da Universidade de Macau, com o objectivo de reforçar os estudos e divulgação da Lei Básica e Direito Constitucional nas escolas primárias, secundárias, institutos superiores e sociedade.

“Com o acordo de cooperação com o Centro, contribuímos nos esforços para aprofundar os estudos e divulgação educativa, que são uma necessidade real e cujo significado é profundo”, afirmou o presidente da direcção da associação, Chui Sai Cheong. No seu entender, a Lei Básica e o Direito Constitucional elaboram o fundamento constitucional da RAEM, constituindo “pedras basilares” do princípio “Um País, Dois Sistemas”.

O reitor da Universidade de Macau, Song Yonghua, apontou que a cooperação nesta área pode trazer vantagens de complementaridade porque a associação tem experiência abundante na divulgação da Lei Básica e Direito Constitucional, enquanto a universidade contribui a vertente do ensino. Song Yonghua explicou que se criaram cursos obrigatórios da Lei Básica e do Direito Constitucional para os alunos da licenciatura de Direito, enquanto para outras licenciaturas foi criado um curso obrigatório de conhecimento geral.

21 Jan 2021

Executivo defende que alunos estrangeiros devem conhecer a Constituição

As Linhas Gerais do desenvolvimento do ensino superior para os próximos dez anos prevêem um aumento para 50 mil estudantes no espaço de cinco anos, e o recrutamento de mais alunos do exterior. Além do dever dos estudantes chineses de conhecerem o desenvolvimento nacional, o Governo defendeu a necessidade de os estrangeiros conhecerem a Constituição chinesa e a Lei Básica de Macau

 

Os objectivos a médio prazo para o ensino superior abrangem um reforço da educação de amor pela pátria e por Macau, e o aumento do número de estudantes para 50 mil no ano lectivo 2025/2026. Apesar da redução dos finalistas do ensino secundário, a Direcção dos Serviços do Ensino Superior (DSES) espera atrair mais alunos. É o que está previsto nas Linhas Gerais do desenvolvimento do ensino superior até 2030, apresentadas ontem.

O director substituto da DSES, Chang Kun Hong, reconheceu que a captação de estudantes é “uma das dificuldades”, mas espera que venham mais do exterior. “A maior parte vem da China, mas esperamos que no futuro, através do aumento contínuo da qualidade do ensino superior, possamos atrair mais estudantes do Sudeste Asiático ou até da Europa para virem estudar para Macau”, disse. Foi ainda apontada a necessidade de melhorar a proporção entre docentes e estudantes, um aspecto em que, segundo Chang Kun Hong, Macau está afastado do nível internacional.

De acordo com o responsável, pelo menos 70 por cento dos mais de 100 cursos de licenciatura a decorrer já incluiu nas suas linhas gerais o conteúdo da Constituição e da Lei Básica. O documento das Linhas Gerais descreve que se pretende que os estudantes “elevem o seu sentido de pertença nacional”. Os conteúdos sobre estes temas ou até a cultura da China vão ser gradualmente implementados nas instituições de ensino superior. “Sobre a educação do sentimento de amor pela pátria, sendo um chinês, tem de amar a pátria. Tem também de conhecer o desenvolvimento nacional, não importa de onde vem”, observou Chang Kun Hong.

Apesar de o ensino patriótico não ser dado nos mesmos termos para alunos estrangeiros, o responsável frisou a necessidade de estes conhecerem a legislação local. “Para os estudantes estrangeiros não vamos obrigá-los a receber a mesma educação do amor pela pátria da China. Mas quando chegarem a Macau têm de conhecer a Lei Básica de Macau e também a Constituição da República Popular da China. Conhecer a legislação local, como a Lei Básica, é fundamental para viver em Macau. (…) É uma exigência aos alunos estrangeiros”, declarou o director substituto.

Em contexto de epidemia, o director substituto não indicou medidas especiais para estudantes do exterior no caso de as restrições fronteiriças se manterem no próximo ano. “Estas linhas gerais são mais a longo prazo, não podemos alcançá-las todas no próximo ano e sabemos que esta epidemia trouxe várias restrições na nossa vida. Esperamos que com a melhoria da situação epidemiológica, tanto na logística como na deslocação de pessoas, assim que forem atenuadas ou levantadas as medidas conseguiremos alcançar esses objectivos”, disse Chang Kun Hong.

Liberdade “clara”

Para Chang Kun Hong, não há dúvidas sobre a liberdade académica nas instituições do ensino superior. “Vários dirigentes ou directores dessas instituições já realçaram várias vezes que temos esta liberdade académica. No nosso regulamento, na nossa legislação, também se apela e está muito clara esta liberdade académica”, declarou o director substituto. Recorde-se que um estudo da instituição Scholars at risk, publicado no ano passado, concluiu que a liberdade académica em Macau e Hong Kong está a ser cada vez mais restringida.

O limite aos temas abordados em sala de aula é traçado quando se notar desconforto. “Esta pessoa ou estudante abordar esses temas é por sua escolha, é da sua liberdade. Mas por exemplo, se numa aula começarem a debruçar-se sobre ideias que possam incomodar a aula ou que possam incomodar outros estudantes, claro que isto já é outra questão porque aqui já não tem a ver com liberdade académica”.

29 Dez 2020

Juiz de fora

[dropcap]O[/dropcap] Artigo 87 da Lei Básica de Macau estipula que esta Região Administrativa Especial pode contratar juízes estrangeiros. Em Maio deste ano, celebrou-se uma cerimónia para assinalar a contratação de dois juízes de outras nacionalidades.

O Artigo 82 da Lei Básica de Hong Kong ( HKBL) aponta no mesmo sentido. O Hong Kong Court of Final Appeal (HKCFA) pode convidar juízes de outras jurisdições onde seja aplicada a common law, sempre que necessário. O HKCFA indicou Lord Patrick Hodge como juiz não permanente, baseado neste artigo da HKBL.

A comunicação social de Hong Kong anunciou esta contratação e publicou os antecedentes pessoais e profissionais do juiz no passado dia 5. Hodge é escocês e tem 67 anos. Formou-se em Direito em 1983. Foi nomeado para o Queen’s Counsel em 1996 e para o Supremo Tribunal do Reino Unido em 2013. Assumiu o cargo de Vice-Presidente do Supremo Tribunal em Fevereiro de 2020. Hodge é ainda Professor Honorário da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul, e da Faculdade de Ciência Política e Direito da Universidade de Xangai e lecciona nas duas Universidades. Hodge participou na reforma administrativa do sistema jurídico escocês entre 2006 e 2008 e fundou o Scottish Court Service. A avaliar pelo curriculum, Hodge possui uma experiência substancial, quer em tribunal, quer a nível administrativo e pedagógico. Em termos gerais, tem uma experiência muito alargada e bastante rica.

A Chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, afirmou que Hodge é altamente considerado e tem uma excelente reputação. A sua integração vai ajudar a reforçar a confiança na independência do sistema jurídico de Hong Kong. Carrie Lam acredita que Hodge pode dar uma excelente contribuição para o HKCFA.

A fim de implementar o Artigo 82 da HKBL, e de acordo com o regulamento do Hong Kong Court of Final Appeal, é fornecida uma lista de juízes não permanentes de Hong Kong e de outras jurisdições onde é aplicada a common law. Existem actualmente na cidade quatro juízes não permanentes de Hong Kong e treze juízes não permanentes de outras jurisdições. Geralmente os juízes não permanentes de Hong Kong são patrocinados por juízes permanentes que se retiraram do HKCFA. Os juízes não permanentes de jurisdições onde vigora a common law são nomeados de acordo com as suas especialidades nessas jurisdições.

Depois de Hodge ter aceitado a sua nomeação, o número de juízes não permanentes de outras jurisdições subiu de 13 para 14. Os julgamentos levados a cabo no HKCFA, são presididos por cinco juízes, que incluem o Presidente do Tribunal, três juízes permanentes, um juiz não permanente de Hong Kong e um juiz não permanente de outra jurisdição. Todos os magistrados emitem o seu parecer e a decisão é tomada após votação.

Como já referi, o HKCFA selecciona os juízes não permanentes de outras jurisdições de acordo com as suas especialidades. Segundo a informação divulgada pela imprensa, Hodge é especializado em direito civil e em direito comercial.

Esta integração permite que juízes estrangeiros julguem casos locais. Não é um procedimento habitual na maior parte dos países. Quando as Leis Básicas das Regiões Administrativas Especiais foram elaboradas, o Governo chinês caucionou esta tradição de Hong Kong. Demonstra que o Governo Central quer implementar a política “um país, dois sistemas” e mantém o estado de direito quer em Hong Kong quer em Macau, o que é fantástico.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
12 Out 2020

Mais três milhões

[dropcap]“(…) M[/dropcap]antendo-se inalterados durante cinquenta anos o sistema capitalista e a maneira de viver anteriormente existentes”. Antes de 1999, os democratas já colocavam exposições nas ruas com informação sobre o Massacre de Tiananmen, por isso esperava-se que pelo menos até 2049 este aspecto não fosse alterado. Argumenta-se que existe riscos de propagação da covid-19.

A preocupação não é descabida, mas basta entrar nos autocarros, principalmente no 25 e 26A ao fim-de-semana, para perceber que a covid-19 não foi uma consideração. E em 2021, coincidência das coincidências, haverá obras em todos os espaços da exposição. Como sabemos, as obras não permitem que hajam condições de segurança. É uma desculpa que já foi utilizada antes. Sobre a questão quero ainda sublinhar as palavras de Joey Lao.

A exposição viola o princípio um País, disse o académico sem conseguir explicar a teoria sem negar a Lei Básica. É nas crises que surgem as oportunidades, meus amigos. Joey Lao apenas utilizou o grande argumento que tudo pode abarcar e vai servir para a caçar as bruxas. Não concordas com o Massacre de Tiananmen? Estás a violar o princípio um País. A Lei Básica impede a aplicação do sistema socialista? Está a violar o princípio um País. Compraste um carro italiano em vez de chinês? Mais uma violação do princípio…

A liberdade de expressão da população é seriamente ameaçada, mas o deputado vai ser nomeado para um novo mandato. É certinho. E com uma salário próximo das 60 mil patacas por mês, Joey Lao assegurou quase três milhões de patacas até 2025, fora o salário como académico. A vida corre-lhe bem.

19 Mai 2020

Hengqin | Dúvidas sobre direito da RAEM

[dropcap]O[/dropcap]s deputados da 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa estão a discutir a lei que vai atribuir jurisdição à RAEM do “Posto Fronteiriço Hengqin e nas suas zonas contíguas”, mas, têm dúvidas sobre a validade do documento.

Segundo o presidente da comissão, Chan Chak Mo, os deputados acreditam que o mesmo vai estar em vigor até 19 de Dezembro de 2049, mas acreditam que este aspecto não é claramente apresentado pelo Governo. Por este motivo vão pedir uma reunião para obter mais explicações.

26 Fev 2020

Hengqin | Dúvidas sobre direito da RAEM

[dropcap]O[/dropcap]s deputados da 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa estão a discutir a lei que vai atribuir jurisdição à RAEM do “Posto Fronteiriço Hengqin e nas suas zonas contíguas”, mas, têm dúvidas sobre a validade do documento.
Segundo o presidente da comissão, Chan Chak Mo, os deputados acreditam que o mesmo vai estar em vigor até 19 de Dezembro de 2049, mas acreditam que este aspecto não é claramente apresentado pelo Governo. Por este motivo vão pedir uma reunião para obter mais explicações.

26 Fev 2020

As leis e o mexilhão

[dropcap]M[/dropcap]acau foi surpreendido esta semana com a intenção da transportadora de jactoplanadores de diminuir os salários dos seus empregados. A justificação é simples: devido aos acontecimentos que agitaram Hong Kong o número de clientes dos serviços diminui logo, perante uma menor entrada de dinheiro, a empresa entendeu cortar nos salários de quem lá trabalha.

Quando estudamos economia, quer nos bancos do liceu quer na universidade, uma das primeiras “leis” que nos ensinam sobre o funcionamento do mercado é que existe uma relação entre a oferta e a procura: quando a oferta de um bem ou serviço excede a procura, o seu preço tende a cair. Já em períodos nos quais a procura passa a superar a oferta, a tendência é o aumento do preço. Ora o que acontece no caso vertente é a prova de que estas ditas “leis” da economia, sobre o funcionamento do mercado não passam de embuste.

A economia nunca foi uma ciência exacta, ao contrário do que nos querem fazer crer, com os seus gráficos, as curvas, os números, os índices ou tendências. Pelo contrário, a economia é a mais irracional das ciências humanas, na medida em que ela se encontra directamente ligada aos torvelinhos do desejo e às variações da ganância.

Se a lei da oferta e da procura funcionasse, os preços dos jactoplanadores teriam caído. Contudo, os detentores dos meios de produção não entenderam assim e resolveram minimizar a situação através de cortes salariais compulsivos. Quem não aceitar tem por caminho a porta da rua e o desemprego.

O que também parece claro é que os patrões não têm em conta a situação humana e social dos seus empregados. Estes, provavelmente, têm obrigações fixas mensais, como as rendas de casa, a electricidade, as prestações das dívidas, a escola dos filhos, etc.. E certamente que estas não vão diminuir. Nalguns casos a diminuição dos salários pode implicar graves alterações neste processo, colocando as pessoas e os seus agregados familiares em sério risco.

O mercado é algo de profundamente humano, porque a troca é parte intrínseca da construção do tecido social e sempre existiu em todos os modelos sociais, das tribos ao capitalismo, no qual ele se tornou rex, comportando-se muitas vezes como o tiranossauro que leva o mesmo nome.

Por isso, não pode ser deixado em rédea livre porque se revela autofágico e destruidor de sociedades. São necessárias, pois claro, medidas políticas e legislativas que controlem os desmesurados excessos e libertinagens, de modo a garantir o seu funcionamento saudável e ético. De outro modo, assistimos a crise após crise, durante as quais é exigida a intervenção estatal como meio de repor o equilíbrio.

Esta contradição atinge radicalmente as ideias neoliberais, mostram a sua mentira e onde se esconde a sua contradição. Daí que caiba ao Governo criar medidas que protejam os trabalhadores, isto é, uma legislação laboral efectiva. Neste campo, Macau continua órfão de uma Lei Sindical e mesmo de uma Lei da Greve, apesar de ambas estarem previstas na Lei Básica, porque os senhores que até agora se têm sentado nas cadeiras do poder, no Governo ou na Assembleia Legislativa, têm impedido qualquer regulação.

O caso vertente dos jactoplanadores ilustra bem o embuste das “leis” económicas que é suposto regularem o mercado capitalista. Logo, talvez seja agora o momento do nosso novo Governo avançar com legislação nestas matérias, de modo a assegurar a tal sociedade da harmonia que todos queremos ver implementada.

Se Macau tem sido um exemplo na prossecução dos ditames avançados pela Lei Básica, revelando assim o seu carácter patriótico, não podemos deixar de estranhar que o fervor patriótico não se estenda a todos os sectores da referida lei. Dá para desconfiar deste patriotismo selectivo.

De facto, não dá para acreditar nas boas intenções e na boa-fé de quem se preocupa com uns aspectos mas não tem qualquer pejo em descurar os outros, sobretudo quando estes dizem respeito ao bem-estar da esmagadora maioria da população.

Passaram 20 anos desde a entrada em vigor da Lei Básica, mas estamos perante uma realização imperfeita e esburacada dessa mesma lei. Ou seja, a sua implementação parece só ter um sentido (o de certos bolsos) e apenas se inclina para um dos lados, sendo os seus outros ditames, pura e simplesmente, ignorados.
Afinal, as “leis” económicas neste mercado semi-selvagem parecem reduzir-se a um simples e popular rifão: quando o mar bate na rocha, quem se lixa é o mexilhão.

17 Jan 2020

Edmund Ho destaca patriotismo dos residentes de Macau

O primeiro Chefe do Executivo de Macau, Edmund Ho, elogia a implementação da Lei Básica na região sob soberania de Pequim, numa entrevista à imprensa estatal chinesa, que está a usar o aniversário da transição para credibilizar a fórmula ‘Um País, Dois Sistemas’

 

[dropcap]O[/dropcap]s residentes de Macau de todas as idades têm uma compreensão completa e precisa da Lei Básica [miniconstituição de Macau] e da Constituição nacional, o que levou à implementação sem contratempos da fórmula ‘Um País, Dois Sistemas’ com características de Macau”, afirmou Edmund Ho, em entrevista à agência noticiosa oficial Xinhua.

Apontando a melhoria nos índices económicos, sociais ou de segurança da região, Ho concluiu que “Macau não teria alcançado essas conquistas sem o forte apoio do Governo Central, as suas políticas e os esforços dos residentes locais”. “Algo importante de ressaltar é que, nos últimos 20 anos, Macau combinou organicamente o seu próprio destino e desenvolvimento com os da pátria, o que não só ajudou Macau a alcançar progressos, mas também estabeleceu uma base sólida para a região desempenhar um importante papel no desenvolvimento nacional”, acrescentou.

O actual vice-presidente da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, o principal órgão de consulta do Governo da República Popular, sublinhou que, “depois de um período de altos e baixo”, Macau conquistou várias realizações, “apoiada por uma pátria forte e por mais de mil milhões de compatriotas no continente chinês”.

“Todos sentem gratidão pela pátria, pelo qual o espírito patriota de toda a sociedade de Macau tem vindo a aumentar”, sublinhou.

Baía fértil

Macau celebra este mês 20 anos da aplicação no território da fórmula “Um País, Dois Sistemas”, um modelo que confere autonomia administrativa, mas que foi originalmente pensado para Taiwan, que o recusou, e que é hoje também posto em causa por uma grave crise política em Hong Kong.

As autoridades chinesas têm aproveitado o aniversário do retorno de Macau para enfatizar a viabilidade da fórmula ‘Um País, Dois Sistemas’, sublinhando a importância do “patriotismo” na sociedade local e a integração do território nos planos de desenvolvimento de Pequim para a província vizinha de Guangdong.

“A Área da Grande Baía é uma oportunidade de ouro para o povo de Macau”, afirmou Edmund Ho, referindo-se ao plano de Pequim para criar uma metrópole mundial, construída a partir de Hong Kong e Macau, e nove cidades de Guangdong, através da criação de um mercado único e da crescente conectividade entre as vias rodoviárias, ferroviárias e marítimas.

Citado pela Xinhua, o antigo Chefe do Executivo enalteceu ainda o posicionamento de Macau como plataforma para a cooperação comercial entre a China e os países de língua portuguesa. “Se Macau puder fazer bom uso desse papel singular, poderá maximizar plenamente as suas características e vantagens, o que ajudará a resolver muitas dificuldades no processo de diversificação adequada da economia”, afirmou.

12 Dez 2019

Lei Básica | Chui Sai On a caminho de Pequim

[dropcap]O[/dropcap] Chefe do Executivo, Chui Sai On, o presidente da Assembleia Legislativa, Kou Hoi In, e o presidente do Tribunal de Última Instância, Sam Hou Fai, vão hoje para Pequim para participarem num “Seminário Comemorativo do 20.º Aniversário da Implementação da Lei Básica” de Macau.
Além dos representantes máximos dos poderes executivo, legislativo e judicial vão integrar igualmente a comitiva a secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan e o procurador-geral da RAEM, Ip Son Sang. A delegação regressa a Macau na terça-feira e durante a ausência de Chui Sai On, o secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, exercerá as funções de Chefe do Executivo.

2 Dez 2019

Lei Básica | Chui Sai On a caminho de Pequim

[dropcap]O[/dropcap] Chefe do Executivo, Chui Sai On, o presidente da Assembleia Legislativa, Kou Hoi In, e o presidente do Tribunal de Última Instância, Sam Hou Fai, vão hoje para Pequim para participarem num “Seminário Comemorativo do 20.º Aniversário da Implementação da Lei Básica” de Macau.

Além dos representantes máximos dos poderes executivo, legislativo e judicial vão integrar igualmente a comitiva a secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan e o procurador-geral da RAEM, Ip Son Sang. A delegação regressa a Macau na terça-feira e durante a ausência de Chui Sai On, o secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, exercerá as funções de Chefe do Executivo.

2 Dez 2019

MNE | Alertas de necessidade de vigilância face a “forças estrangeiras”

Jia Guide, director do Departamento de Tratados e Direito do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, defende que é importante “mantermo-nos vigilantes em relação às forças estrangeiras que tentam causar distúrbios com o pretexto da lei”. Numa nota oficial enviada aos jornais, o responsável defende mais estudos sobre a Lei Básica para que se possa chegar a “novas práticas de implementação” da política “Um País, Dois Sistemas”

 
[dropcap]É[/dropcap] uma mensagem clara numa altura em que os protestos de Hong Kong sobem de tom no que à violência diz respeito. Jia Guide, director do Departamento de Tratados e Direito do Ministério de Negócios Estrangeiros (MNE) da China, defende, numa nota oficial enviada aos jornais, escrita em inglês, a importância de “nos mantermos vigilantes em relação às forças estrangeiras que tentam causar distúrbios ou disrupções com o pretexto da lei”.
Só com essa vigilância é possível “corresponder à responsabilidade constitucional de salvaguardar a soberania nacional, a segurança e os interesses ao nível do desenvolvimento, bem como a salvaguarda da prosperidade a longo prazo e a estabilidade da RAEM”, acrescentou.
Estas declarações surgem no âmbito do Seminário sobre Assuntos Jurídicos de Relações Externas que decorreu ontem no território, e que contou com a presença de várias personalidades. No mesmo seminário, Jia Guide referiu-se a Macau como o bom exemplo por contraste com Hong Kong, noticiou a Rádio Macau.
“Ultimamente esses acontecimentos em Hong Kong têm mostrado que o conceito ‘Um País, Dois Sistemas’ não é um sucesso (no território vizinho). O amor pela Pátria é reconhecido e mantido pela sociedade de Macau e devemos seguir e transmitir bem o espírito de Macau, para reforçar ainda mais a nossa consciência, pensamento de base e capacidade de resolução dos riscos externos”, frisou.
Ainda sobre este tema, Jia Guide lembrou na nota enviada aos media locais que “devemos manter a consciência dos potenciais riscos, prevenir e eliminar distúrbios externos”, uma vez que o conceito “Um País, Dois Sistemas” tem vindo “a enfrentar circunstâncias externas mais complicadas, severas e riscos”.
Para Jia Guide, a história de Macau deve continuar a ser bem contada, “para que a comunidade internacional reconheça plenamente a prática inovadora de ‘Um País, Dois Sistemas’ no Direito Internacional sem quaisquer mal-entendidos ou distorções”.
A secretária para a Justiça de Hong Kong, Teresa Cheng, revelou optimismo face à resolução da crise política que se tem verificado nos últimos meses. “Acredito profundamente que Hong Kong tem bases sólidas para enfrentar esses desafios actuais com pressões externas e internas. Formulamos o nosso desejo de que, com os nossos esforços, vamos ultrapassar este momento mais difícil”, noticiou a Rádio Macau.

Olhar mais a Lei Básica

Ainda na mesma nota, o responsável do MNE alerta para a necessidade de “realizar estudos para as disposições não activas da Lei Básica relacionadas com assuntos externos para explorar novas práticas de implementação da política ‘Um País, Dois Sistemas’”.
Relativamente à mini-constituição da RAEM, “devemos aprofundar a investigação e inovações quanto à melhoria dos mecanismos e instituições para uma implementação plena”.
Jia Guide defendeu também que, “à medida que se avança para o enriquecimento e expansão dos assuntos externos relacionados com Macau, devemos trabalhar para garantir que o Governo Central exerce a sua jurisdição geral sobre Macau e explora melhores formas para assegurar direitos e obrigações tal como está previsto na Constituição chinesa e na Lei Básica”.
Face à cooperação internacional que a RAEM tem promovido com vários países, esta deve ser realizada a fim de “dar maiores contributos para a causa da diplomacia do país com características chinesas”, conceito já anunciado pelo Presidente Xi Jinping.
Nesse sentido, “devemos planear e coordenar os assuntos externos relacionados com Macau dentro do quadro diplomático da China, expandindo e melhorando a rede de cooperação legal e internacional, a fim de reforçar o papel e função de Macau no processo de abertura da China”.
O Seminário foi organizado pelo MNE da República Popular da China em parceria com o Governo da RAEM, contando ainda com a coordenação da Secretaria para a Administração e Justiça e do Departamento de Tratados e Leis do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e com a co-organização do Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China na RAEM.

Princípio de sucesso

O Chefe do Executivo, Chui Sai On, disse ontem na abertura do seminário de que “os assuntos jurídicos externos da RAEM são um conteúdo importante da concretização com sucesso do princípio ‘Um País, Dois Sistemas’ com características de Macau”. Além disso, “viabilizam o apoio da região à abertura integral do país, o que eleva a capacidade de influência internacional de Macau e o seu progresso a longo prazo”. Chui Sai On frisou também que “a actividade na área dos assuntos externos de Macau resulta do direito pleno de governação do Governo Central associado à garantia de alto grau de autonomia local”. O governante declarou também que, “na sequência do grande apoio do Governo Central, a participação da RAEM em instituições internacionais cresceu de um número acima de 50 para mais de 100, e em termos de convenções internacionais, passou-se de mais de 150 para um número superior a 600”.

13 Nov 2019

MNE | Alertas de necessidade de vigilância face a “forças estrangeiras”

Jia Guide, director do Departamento de Tratados e Direito do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, defende que é importante “mantermo-nos vigilantes em relação às forças estrangeiras que tentam causar distúrbios com o pretexto da lei”. Numa nota oficial enviada aos jornais, o responsável defende mais estudos sobre a Lei Básica para que se possa chegar a “novas práticas de implementação” da política “Um País, Dois Sistemas”

 

[dropcap]É[/dropcap] uma mensagem clara numa altura em que os protestos de Hong Kong sobem de tom no que à violência diz respeito. Jia Guide, director do Departamento de Tratados e Direito do Ministério de Negócios Estrangeiros (MNE) da China, defende, numa nota oficial enviada aos jornais, escrita em inglês, a importância de “nos mantermos vigilantes em relação às forças estrangeiras que tentam causar distúrbios ou disrupções com o pretexto da lei”.

Só com essa vigilância é possível “corresponder à responsabilidade constitucional de salvaguardar a soberania nacional, a segurança e os interesses ao nível do desenvolvimento, bem como a salvaguarda da prosperidade a longo prazo e a estabilidade da RAEM”, acrescentou.

Estas declarações surgem no âmbito do Seminário sobre Assuntos Jurídicos de Relações Externas que decorreu ontem no território, e que contou com a presença de várias personalidades. No mesmo seminário, Jia Guide referiu-se a Macau como o bom exemplo por contraste com Hong Kong, noticiou a Rádio Macau.

“Ultimamente esses acontecimentos em Hong Kong têm mostrado que o conceito ‘Um País, Dois Sistemas’ não é um sucesso (no território vizinho). O amor pela Pátria é reconhecido e mantido pela sociedade de Macau e devemos seguir e transmitir bem o espírito de Macau, para reforçar ainda mais a nossa consciência, pensamento de base e capacidade de resolução dos riscos externos”, frisou.

Ainda sobre este tema, Jia Guide lembrou na nota enviada aos media locais que “devemos manter a consciência dos potenciais riscos, prevenir e eliminar distúrbios externos”, uma vez que o conceito “Um País, Dois Sistemas” tem vindo “a enfrentar circunstâncias externas mais complicadas, severas e riscos”.

Para Jia Guide, a história de Macau deve continuar a ser bem contada, “para que a comunidade internacional reconheça plenamente a prática inovadora de ‘Um País, Dois Sistemas’ no Direito Internacional sem quaisquer mal-entendidos ou distorções”.

A secretária para a Justiça de Hong Kong, Teresa Cheng, revelou optimismo face à resolução da crise política que se tem verificado nos últimos meses. “Acredito profundamente que Hong Kong tem bases sólidas para enfrentar esses desafios actuais com pressões externas e internas. Formulamos o nosso desejo de que, com os nossos esforços, vamos ultrapassar este momento mais difícil”, noticiou a Rádio Macau.

Olhar mais a Lei Básica

Ainda na mesma nota, o responsável do MNE alerta para a necessidade de “realizar estudos para as disposições não activas da Lei Básica relacionadas com assuntos externos para explorar novas práticas de implementação da política ‘Um País, Dois Sistemas’”.

Relativamente à mini-constituição da RAEM, “devemos aprofundar a investigação e inovações quanto à melhoria dos mecanismos e instituições para uma implementação plena”.

Jia Guide defendeu também que, “à medida que se avança para o enriquecimento e expansão dos assuntos externos relacionados com Macau, devemos trabalhar para garantir que o Governo Central exerce a sua jurisdição geral sobre Macau e explora melhores formas para assegurar direitos e obrigações tal como está previsto na Constituição chinesa e na Lei Básica”.

Face à cooperação internacional que a RAEM tem promovido com vários países, esta deve ser realizada a fim de “dar maiores contributos para a causa da diplomacia do país com características chinesas”, conceito já anunciado pelo Presidente Xi Jinping.

Nesse sentido, “devemos planear e coordenar os assuntos externos relacionados com Macau dentro do quadro diplomático da China, expandindo e melhorando a rede de cooperação legal e internacional, a fim de reforçar o papel e função de Macau no processo de abertura da China”.

O Seminário foi organizado pelo MNE da República Popular da China em parceria com o Governo da RAEM, contando ainda com a coordenação da Secretaria para a Administração e Justiça e do Departamento de Tratados e Leis do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e com a co-organização do Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China na RAEM.

Princípio de sucesso

O Chefe do Executivo, Chui Sai On, disse ontem na abertura do seminário de que “os assuntos jurídicos externos da RAEM são um conteúdo importante da concretização com sucesso do princípio ‘Um País, Dois Sistemas’ com características de Macau”. Além disso, “viabilizam o apoio da região à abertura integral do país, o que eleva a capacidade de influência internacional de Macau e o seu progresso a longo prazo”. Chui Sai On frisou também que “a actividade na área dos assuntos externos de Macau resulta do direito pleno de governação do Governo Central associado à garantia de alto grau de autonomia local”. O governante declarou também que, “na sequência do grande apoio do Governo Central, a participação da RAEM em instituições internacionais cresceu de um número acima de 50 para mais de 100, e em termos de convenções internacionais, passou-se de mais de 150 para um número superior a 600”.

13 Nov 2019

Ana Gomes, ex-deputada do Parlamento Europeu, sobre vistos gold: “É uma prostituição da cidadania europeia”

Ana Gomes não se recandidatou às eleições europeias e vai reformar-se, mas não pretende abandonar o papel de investigadora na área do crime económico. A ex-eurodeputada defende que o programa dos vistos gold “é criminoso do ponto de vista da lei chinesa”, favorece a corrupção e a entrada de tríades na Europa. Ana Gomes fala de Vítor Sereno, ex-cônsul, como um dos grandes angariadores de vistos gold em Macau

[dropcap]M[/dropcap]arcelo Rebelo de Sousa esteve na China há pouco tempo. Foi algo crítica no seu Twitter face à postura do Presidente da República. Que balanço faz da visita?
Não conheço os balanços que se estão a fazer internamente, a nível diplomático e económico. Não tenho dúvida de que, ao nível dos media, as autoridades portuguesas procuraram mostrar que tudo é maravilhoso. Não gostei de ver o nosso Presidente da República ir na molhada dos 120 dignitários de países que participam na iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”. Acho que as relações Portugal-China são suficientemente importantes e distintas de outro tipo de relação, e mesmo que os chineses decidissem enquadrá-la na iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, Portugal não teria de ir na molhada.

Fala do Fórum que se realizou em Pequim sobre essa política.
Sim. Acho que há aqui uma questão de estatuto estratégico para Portugal, e não para a China, que nos deveria ter feito dizer que estaríamos disponíveis para ir este ano à China, mas não permitir um enquadramento de forma indistinta. Por muito que, quer o Presidente da República, quer o Governo, projectem uma imagem de grande triunfo, eu estou para ver qual foi o triunfo. Vi o Presidente da República falar das 48 universidades onde se aprende português. Já aprendiam, não? Não foi por causa desta visita.

É algo que tem vindo a acontecer aos longo dos anos.
E tem a ver obviamente com os desígnios estratégicos chineses, em relação aos quais não me cabe criticar. Acho muito bem, pois a China tem capacidade e interesse, vê as coisas de maneira global e a longo prazo. Tem os seus recursos para os monopolizar para aquilo que entende ser do seu interesse e naturalmente que isso passa pelo conhecimento das línguas, onde o português é relevante. Portugal não pode embarcar neste tipo de iniciativas, que são estratégicas para a China, só com uma perspectiva de interesse económico. A relação com a China é demasiado importante para ser entendida apenas de uma perspectiva económica e mercantilista, justificada a pretexto de um combate ao proteccionismo. A relação com a China tem de ser vista a várias dimensões.

FOTO: Lusa

Quais são elas?
Falo da dimensão da segurança humana em Portugal no que respeita aos direitos fundamentais dos cidadãos portugueses. Chegou-se ao ponto de se criar um sistema de crédito social, que serve para controlo das liberdades cívicas. Acho isto altamente preocupante, e não me venham dizer que ao falar de direitos humanos a Xi Jinping se cumpriu a nossa obrigação em matéria de direitos humanos. Não só vejo essas obrigações em relação aos cidadãos chineses que não dispõem de direitos básicos e fundamentais, a que a China está veiculada por fazer parte da ONU, mas também do ponto de vista dos cidadãos portugueses.

Como é que a segurança dos portugueses pode estar em risco?
Quando se contempla importar as redes 5G da Huawei, sabendo que na China não existe um regulamento geral de protecção de dados pessoais. Acho que é altamente hipócrita e perigoso passar-se por cima destes aspectos, já para não falar dos sectores da vida política e económica portuguesa que já estarão nas mãos dos chineses, não só pela via das compras que cá vieram fazer na altura da Troika, com grandes cumplicidades e grandes responsabilidades europeias, mas também nacionais, como pelo controlo que exercem através de tecnologias que tem os seus dados armazenados na China. Visitei a Huawei em 2015, perto de Pequim, e sei bem que qualquer dado que a Huawei obtenha em qualquer parte do mundo é, por imposição chinesa, armazenado na China.

Os políticos portugueses deixaram-se seduzir muito facilmente num período de crise económica, e agora é tarde?
Não sou ingénua e sei bem que o longo relacionamento com a China através de Macau sempre teve aspectos positivos a nível cultural, político e social, mas também tem aspectos bastante perniciosos, designadamente ao nível de uma lógica economicista que facilitou a corrupção, ao nível dos próprios partidos políticos. Se isso aconteceu no passado ainda mais acontece no presente, ainda por cima depois de Portugal passar este período de aflição tremenda com uma austeridade imposta, onde se privatizaram infra-estruturas críticas e centros estratégicos para Portugal e para a União Europeia (UE). Na altura incomodaram-me muito a atitude das autoridades nacionais e a negligência das autoridades europeias, designadamente as que integravam a Troika. Não viram as questões de segurança, de deixar uma empresa como a REN ser controlada pela State Grid. Na altura coloquei questões à Comissão Europeia, que me respondeu com respostas inenarráveis, de que era o mercado a funcionar. Hoje a sensibilidade na Comissão é outra, mas entretanto já muitas concessões foram feitas em Portugal na área da energia e dos portos, como é o caso do Porto de Sines, e também noutros países europeus. Não é por acaso que a Grécia e países do leste, como a Bulgária e Roménia, estão a ser alvo de um interesse alvo por parte da China.

O discurso político vigente não parece estar atento a esses perigos.
Até os negligencia totalmente. Reduziram a uma questão ao combate a um proteccionismo induzido pelo lado americano, quando obviamente isso é distorcer o que está em causa. É negligenciar a própria segurança nacional e europeia. Eu vejo grandes vantagens na forma como a China tirou da pobreza milhares de milhões de pessoas, mas no seu relacionamento com países africanos, há aspectos positivos e negativos. Portugal, sabendo o que sabe, e sendo membro da UE, não se pode dar ao luxo de ser ingénuo.

Houve uma nova resolução aprovada em Março no seio da UE relativa a crimes financeiros e casos de evasão fiscal. Vem resolver os problemas que se vinham verificando até então?
É a quarta directiva sobre branqueamento de capitais, na qual participei, mas já vem a caminho a quinta directiva. Conseguimos que os Estados-membros fiquem obrigados a criar registos centrais dos beneficiários únicos de todas as companhias, e portanto todas tem de registar e identificar quem é detentor de, pelo menos, 25 por cento das suas acções. Esta é a forma mais importante de combatermos a evasão fiscal e o branqueamento de capitais. Isto é importante para Portugal e também para a China, pois vamos cobrir grande parte dos esquemas de branqueamento de capital que se fazem através dos vistos gold, tendo em conta que os cidadãos chineses representam cerca de 80 por cento do número de pedidos. O próprio visto gold implica a compra de imobiliário com o valor mínimo de 350 mil euros, valor que é bastante mais elevado do que o montante que a China permite aos seus cidadãos exportarem anualmente. O esquema em si é criminoso do ponto de vista da própria lei chinesa. Certamente que o esquema se presta muito aos criminosos chineses e às tríades para se infiltrarem na UE, porque além dos adquirentes há os familiares. Este é um assunto que tem estado na mira das autoridades chinesas e eu própria contactei com elementos da polícia chinesa que me contactaram quando participei, há uns anos, num seminário sobre os vistos gold. Sei que estiveram algumas vezes em Portugal e que até houve um cidadão chinês que foi extraditado e que era portador de um visto gold. É um assunto de interesse mútuo, as autoridades portuguesas estão confrontadas com o recente relatório da UE sobre os riscos destes sistemas para a segurança do espaço Schengen, mas o actual Governo tem feito vista grossa e tem actuado de uma forma que considero altamente criticável.

Houve apenas um projecto proposto por um partido político português para por fim aos vistos gold, e que foi rejeitado pelos deputados.
Apoiei esse projecto e em breve farei uma reunião aqui com o representante da Comissão Europeia. Há cerca de 20 países europeus com esquemas de vistos gold. Que autoridades de vários países continuem a fazer vista grossa a este assunto não me vai impedir a mim e a mais gente de ajudar quem quer expor os casos. No caso de Portugal, o esquema é opaco, porque mesmo Chipre e Malta publicam as listas dos cidadãos que adquirem os vistos gold, mesmo na forma de passaportes. Tenho endereçado cartas a todos os governantes a pedir para consultar os nomes das pessoas e isso não me é facultado. A explicação que me dão é a protecção de dados, num país onde se publicam nomes e moradas por tudo e por nada. A única explicação que encontro é a consciência de que, se eu pudesse consultar essa lista, encontraria uma série de indivíduos que não seriam recomendáveis em nenhum país do mundo, a não ser atrás das barras de uma prisão.

Um ex-ministro foi inclusivamente arguido num processo relacionado com os vistos gold. Esse processo, só por si, tirou credibilidade a uma política já frágil?
Paulo Portas foi o pai dos vistos gold mas não inventou a roda, porque foi copiar outros esquemas de vistos gold que já existiam e havia obviamente intuitos de favorecer a corrupção. Não sou contra o facto de Portugal facilitar a vinda de cidadãos que tenham cá investimentos, mas não deve ser vendida a residência. Isso favorece a constituição de cartéis, de angariadores de vistos gold, que não só facilitam todo o tipo de criminalidade como eles próprios se sustentam com o financiamento. Da forma como este esquema foi operacionalizado há ligações de ex-ministros e de ex-chefes de gabinetes de ministros, não é só Miguel Macedo. Foi feita a colocação de antigos chefes de gabinete em posições chave do aparelho diplomático, na China, por exemplo, para a angariação de vistos gold, o que favorece a corrupção.

Pode dar nomes?
O antigo ministro Mário Lino é um dos que me dizem que tem uma empresa envolvida na operacionalização dos vistos gold. Além disso, vi várias vezes Vítor Sereno, na qualidade de cônsul em Macau e Hong Kong, a fazer auto-promoção do seu papel no esquema dos vistos gold.

Na China, Marcelo pediu mais investimento na economia real, e esse relatório da UE também fala do facto dos vistos gold não ajudarem a desenvolver a economia real.
Contam-se pelos dedos das mãos os vistos gold que foram concedidos em troca de investimento na economia e criação de emprego. A maior parte depende do imobiliário. Isso só por si demonstra que o esquema é perverso e não cumpriu os objectivos. Depois dizem que o Estado ganha imenso dinheiro com os emolumentos. É um esquema de prostituição da cidadania europeia. Não há controlo da origem das fortunas. E não sabemos hoje da missa a metade dos esquemas de corrupção e não sei se algum dia iremos a saber. O ganho económico não pode ser justificação.

Macau vai acabar com as sociedades offshore até 2021. Chegou a estar numa lista de paraísos fiscais da UE, depois saiu da lista. O facto de haver uma lei que põe fim às offshore faz com que haja mais transparência?
Não sei o que Macau está a prever nessa matéria. Sei que na UE há cada vez maior interesse em expor e conhecer estes esquemas. Já percebemos que não é pela lista de jurisdições que não cumprem as regras (que se resolve o problema), embora isso possa ser importante, mas é sim pela imposição de mecanismos de transparência. Nesse sentido a quarta directiva vai ter impacto além da UE e nas jurisdições que tem íntima ligação com países da UE, como é o caso de Macau. Na quinta directiva aperta-se o controlo.

Falou da questão dos partidos e da corrupção com ligações a Macau. Isso continua a acontecer mesmo depois da transição?
Pode acontecer por vias mais sofisticadas e através de escritórios de advogados. Estes são frequentemente intermediários desses esquemas e a criminalidade associada à fuga ao fisco e branqueamento está muito sofisticada, e isso faz-se através dos partidos políticos. Estamos atentos e penso que haverá mais investigação sobre isso. A Comissão Europeia passou recentemente uma directiva sobre as entidades obrigadas no quadro do branqueamento e incluem-se também agências imobiliárias ou escritórios de advogados, entre outros. Pessoalmente vou continuar a trabalhar nisso aqui.

Este ano comemoram-se os 20 anos da transferência de soberania de Macau para a China. A Lei Básica tem sido cumprida?
Acho que a Lei Básica tem muitos aspectos importantes e estruturantes para Macau, mas penso que ela poderia ter ido mais longe na altura.

Em que sentido?
Na área da defesa dos direitos dos cidadãos, acho que teria havido soluções mais próximas do modelo de Hong Kong que poderiam ser importantes. Mas em última análise a verdade é que tudo depende da China e da sua evolução. Apesar de Hong Kong ter uma Lei Básica mais rigorosa em termos de defesa dos direitos humanos, na prática a China não a tem respeitado e tem intimidado líderes de partidos políticos. Se faz isso em Hong Kong mais facilmente pode fazer em Macau, pela dimensão e pela facilitação da Lei Básica que deixámos. Não tenhamos ilusões, nunca seria Portugal ou a Grã-Bretanha a fazer valer os direitos, isso depende da capacidade dos cidadãos de Macau e Hong Kong. Há a harmonia e liberdade que é permitida por Pequim. Os chineses não respeitam quem não se faz respeitar. A Grã-Bretanha cometeu alguns erros, mas sabe fazer-se ouvir e respeitar. E Portugal não sabe. É por isso que acho que faço uma apreciação negativa da visita do Presidente da República.

Sobre a Lei Básica, o ex-jurista da Assembleia Legislativa Paulo Cardinal defendeu que Portugal deveria fazer relatórios sobre a sua aplicação em Macau, mas o ministro Augusto Santos Silva afastou essa hipótese.
Não estou surpreendida que a postura de Portugal seja de abdicação. Esse jurista tem certamente razão, mas isso seria se estivesse a lidar com autoridades que levassem a sério as suas responsabilidades históricas face aos cidadãos de Macau, o que não é o caso.

29 Mai 2019

Lisboa não tem moral para dar lições a Pequim sobre Macau

[dropcap]P[/dropcap]or ocasião da visita do presidente Marcelo, entendem alguns que Lisboa não faz o suficiente para deter o que vêem como um erodir dos valores democráticos em Macau, tal como foram proclamados na Declaração Conjunta e plasmados na Lei Básica.

Por exemplo, Marco Carvalho escreve no seu blogue: “Para Lisboa, o facto da ideia de democratização só pontificar, em Macau, nos dicionários é uma circunstância que nem aquece, nem arrefece. O Chefe do Executivo é eleito por 400 predestinados? A Assembleia Legislativa está nas mãos de acólitos nomeados pelo Governo ou eleitos por via indirecta? Os trabalhadores não são livres para se constituir em sindicatos e o direito à greve não está legislado? E então?”, dando a entender que perante estes aspectos descritos deveriam o Presidente da República e o Governo português tomar uma dura posição.

Ora parece-me existir aqui um pensamento apressado, órfão da história, bem intencionado no seu âmago, é certo, mas ainda assim atascado em preconceitos que ignoram de onde vimos e como chegámos aqui. Ou seja, por outras palavras, que cidade, que sistema político, que economia, que práticas administrativas e correntes, receberam os actuais donos da RAEM há 20 anos?

Primeiro, a questão da eleição do Chefe do Executivo. Como se sabe, o Governador português era nomeado pelo Presidente da República, escolhia discricionariamente os seus Secretários e caía aqui de pára-quedas. Ponto. A tal comissão de “400 predestinados” é, ainda assim, um passo positivo no sentido da representividade democrática e se não estamos este ano a votar para eleger um novo Chefe, entre candidatos não rejeitados por Pequim, tal deve-se à praga amarela que infestou Hong Kong e impediu a ex-colónia britânica de dar mais um passo no sentido do sufrágio universal.

Um passo muito mais importante do que nos tentam impingir os vendedores de democracia enlatada e de consequências imprevisíveis, pois os cenários daí resultantes repousariam na imponderabilidade do acto eleitoral. Por contágio, por medo, sem uma razão da mesma ordem, Macau viu igualmente o caminho para o sufrágio universal suspenso.

Na mesma várzea, seria igualmente importante reflectir se o sufrágio universal tem aplicabilidade numa região especial como Macau, cuja economia depende quase exclusivamente do Jogo, cujos lucros atingem valores astronómicos e cuja população apresenta uma maturidade cívica e política que a prática eleitoral tem demonstrado assustadora.

Poderá esta cidade ser deixada entregue a si própria quando, enquanto porto franco de vários comércios e espaço de Jogo, está aberta e sujeita à erupção de fenómenos que fundem política e crime? Não assistimos já a tentativas no passado, com ramificações podadas no presente? Fica o repto.

Quanto à Assembleia Legislativa, assistimos neste vinte anos a um alargar tímido da representividade democrática. Sem pôr em questão o sistema, o peso dos deputados eleitos directamente cresceu, o que em muito pouco alterou ao hemiciclo o papel de “carimbo” das políticas e das propostas de lei do Governo. Como sempre o fora.

É preciso compreender que “segundo sistema” foi o nome dado às práticas políticas, cívicas, económicas e sociais que vigoravam em Macau e Hong Kong antes das transferências de soberania e estas não eram propriamente um hino à democracia, em termos de representatividade, nem os Governos agiam de forma transparente e democrática.

Havia, com certeza, nas duas últimas décadas de presença europeia, liberdade de expressão, de reunião, de imprensa, etc., mas o povo não escolhia os seus representantes, não piava quanto às políticas implementadas e o seu voto só preenchia uma parte menor dos respectivos hemiciclos.

A Assembleia Legislativa sempre esteve “nas mãos de acólitos nomeados pelo Governo ou eleitos por via indirecta” (isto é o segundo sistema!), embora nestes 20 anos se tenha relativamente “democratizado”, sem que isso tenha beliscado os interesses instalados. Portanto, estamos a falar de quê?

Queriam que Lisboa exigisse a Pequim o que nunca exigiu a si mesma? Ou esquecemos que o nosso segundo sistema era uma quase ditadura militar, infestada por corruptos e especialista no abuso de poder contra os que não alinhavam e não eram “bons portugueses”? A quantos despedimentos do estilo Cardinal-Taipa ou pior, em que se perseguia toda a família, não assistimos nos anos 90?

Ou seja, por que razão estranha e descabida Macau — a cidade-casino, frequentada por tríades e empresários de reputação duvidosa, cuja população, na sua maioria chegada há uma geração, nem identidade local tem e vota nos seus conterrâneos — se tornaria numa democracia plena, em roda livre governada pelas suas gentes, nas costas de Pequim? Era esta gente que ia gerir à tripa-forra o patacame do Jogo? Havia de ser lindo…

Mantenham-se os direitos políticos e civis garantidos pela Lei Básica, aprofunde-se a participação cívica e que venha o sufrágio universal, restrito a candidatos não rejeitados por Pequim. Outros caminhos conduzem à catástrofe.

E, nem que seja por pudor, já que realismo parece não funcionar, inibam-se os que entendem estar Portugal em posição de dar lições à China sobre Macau. Não está. Se a língua portuguesa aqui ainda é falada e tem estatuto, isso deve-se a Pequim e não a Lisboa. Entre muitos outros aspectos que negar roça, no mínimo, a ingratidão…

6 Mai 2019

Constituição chinesa e leis básicas

[dropcap]N[/dropcap]o início deste mês, a comunicação social de Hong Kong divulgou uma entrevista com o Professor Wang Zhenmin. Professor de Direito da Universidade Tsinghua, Wang Zhenmin afirmou na entrevista que, após o regresso de Hong Kong à soberania chinesa, a Constituição chinesa deverá inevitavelmente vir a ser aplicada com carácter vinculativo. A promulgação da Lei Básica de Hong Kong (LBHK) não teve como objectivo a criação de uma outra “constituição”. A Constituição chinesa aplica-se sempre que na LBHK não exista legislação específica, ou nos casos em que a legislação não seja suficientemente clara. Não houve necessidade de incluir a Constituição chinesa no Anexo III da LBHK, porque esta é, por natureza, aplicável em Hong Kong.

Rao Geping, professor de Direito da Universidade de Pequim, defende que a Constituição chinesa e a LBHK são os alicerces que consolidam o princípio “um País, dois sistemas”. As duas formam um todo e, de forma alguma, se deve sobrepôr a constitução chinesa à LBHK. No entanto, há quem apenas mencione a Lei Básica e ignore a Constituição. Esta é geralmente a atitude daqueles que se lhe opõem, com base numa determinada argumentação. Rao Geping acredita que é preciso estar vigilante. Em relação a Macau, este especialista considera que o trabalho de esclarecimento nesta área, está a ser mais bem feito do que na própria China continental.

Shen Chunyao, Presidente da Comissão dos Assuntos Parlamentares do Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo e Presidente do Comité Legislativo de Hong Kong, participou no simpósio dedicado ao “Dia da Constituição Nacional”, realizado no passado dia 4, em Hong Kong. Nessa ocasião, declarou que a Constituição chinesa é o simbolo da China, e que o seu alcance cobre o território nacional, incluindo Hong Kong. A Constituição e a LBHK constituem no seu conjunto a estrutura política e operacional da Região Admnistrativa Especial de Hong Kong (RAEHK). Sendo a Lei Básica de Hong Kong a autoridade máxima do sistema legal da cidade, qualquer lei, incluindo as leis originais de Hong Kong ao abrigo da lei comum, não podem , em circunstância alguma, entrar em conflito com ela.

Shen afirmou ainda que a Constituição Chinesa é a lei fundamental e suprema de toda a China, e que o País tem uma só Constituição, cujo alcance cobre o território de Hong Kong. Após o regresso de Hong Kong à soberania chinesa, foi implementado o princípio “um País, dois sistemas”. Ou seja “dois sistemas” dentro de “um País”, princípio que incorpora a essência do estado de direito na China e dos valores consagrados na sua Constituição. A Constituição chinesa é detentora do supremo estatuto, e da suprema autoridade e supremos efeitos legais. Os povos de todas as nacionalidades, incluindo os habitantes de Hong Kong, terão de respeitar a dignidade da Constituição chinesa e garantir a sua implementação.

Os artigos 31 e 62 da Constituição providenciam a base constitucional para a formulação da Lei Básica de Hong Kong, bem como a implementação das políticas subjacentes ao princípio “Um País, Dois sistemas”. Do ponto de vista legal, existe uma relação hierárquica entre a Constituição e a LBHK. A Constituição é a “lei mãe”; a LBHK derivou dela e estabelece um conjunto de princípios legais que lhe estão subordinados.

Por outras palavras, as declarações destes peritos deixam bem claro que o estatuto da LBHK é inferior ao da Constituição da China. A Constituição prevalece sempre sobre qualquer outra Lei, em qualquer parte do País. Por este motivo, o seu efeito estende-se a Hong Kong, e deverá ser também implementada na RAEHK.
Estas ressalvas legais centraram-se em Hong Kong. Quanto a Macau, a primeira questão centra-se na implementação da Constituição chinesa na cidade e também nas eventuais diferenças que este processo possa vir a ter nas duas RAEs.

Em segundo lugar, se as duas Regiões Administrativas Especiais implementarem a Constituição chinesa, vir-se-ão a deparar com alguma legislação que não é considerada nas suas respectivas Leis Básicas? Esta é provavelmente uma das questões que preocupa um maior número de pessoas. Que tipo de lei é implementada, e como é implementada, é sem dúvida uma questão pertinente. A lei é um padrão que baliza o comportamento das pessoas, e também um fasquia que eleva a responsabilidade de cada um.

O amor à Pátria decorre do sentimento de pertença. Orientadas por uma relação de confiança e de amor mutúos, sob a bandeira da implementação da lei, iremos sem dúvida ver a China e as RAEs tornarem-se cada vez mais harmoniosas, estáveis e prósperas.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Polotécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

18 Dez 2018

Lei sindical | Estudo encomendado em curso, apesar de estar fora da agenda do Governo

Tem de ser concluído até ao final do ano o estudo para medir o pulso à sociedade sobre a lei sindical, adjudicado por mais de 800 mil patacas à associação do empresário Kevin Ho. Isto apesar de o Chefe do Executivo, Chui Sai On, ter sido peremptório ao afirmar que o Governo não vai avançar com uma proposta, falhando em cumprir uma responsabilidade prevista na Lei Básica e em pactos internacionais

 

[dropcap]“O[/dropcap] Governo não tem intenção de tomar a iniciativa para apresentar uma proposta de lei sindical” – foi o que afirmou o Chefe do Executivo, Chui Sai On, no dia em que apresentou as Linhas de Acção Governativa para 2019, o seu último ano de mandato. Regulamentar o artigo 27.º da Lei Básica nunca foi uma prioridade – como prova a ausência de qualquer menção nas LAG dos últimos nove anos –, mas até ao final do ano tem de ser concluído o estudo para medir o pulso à sociedade a este respeito, adjudicado pelo valor de 837 mil patacas, à associação do empresário Kevin Ho.

“Isto prova que, de facto, o Governo encomendou o estudo para sacudir a água do capote, para atrasar e passar as mãos pelo pelo dos trabalhadores de que a lei sindical estava a ser estudada. Para que serve fazer esse estudo se o Governo nem espera pelo resultado [para tomar uma posição]?”, questionou Pereira Coutinho, em declarações ao HM. O deputado criticou ainda o Executivo “por fazer troça dos trabalhadores” ao encomendar um estudo sobre a lei sindical e a negociação colectiva a uma entidade ligada ao patronato.

“O principal objectivo de se ter encomendado o estudo de lei sindical ao empresário Kevin Ho tem a ver com o facto de quererem adiar a regulamentação da lei sindical e da negociação colectiva”, apontou o deputado, prometendo voltar a apresentar um projecto de lei em 2019, caso os seus pares da Federação das Associações dos Operários de Macau não o façam no início do próximo ano.

O “estudo das condições sociais necessárias para se iniciar a discussão da lei sindical” anda a ser debatido no Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS) pelo menos desde finais de 2016. Em Maio do ano seguinte, o CPCS convidou instituições a apresentarem propostas para o projecto de investigação. Em Janeiro último, a notícia da vitória da Associação de Estudo de Economia Política de Macau, do empresário Kevin Ho, foi dada por um despacho do secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, a delegar poderes no coordenador da Comissão Executiva do CPCS para a celebração do contrato.

Deputados, sobretudo ligados aos Operários, têm interpelado o Governo a propósito do atraso na adjudicação que, como adiantou a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) em resposta escrita ao HM, apenas foi efectivada em Abril.

Ao abrigo das exigências do concurso, a Associação de Estudo de Economia Política de Macau deve concluir o estudo no prazo de 240 dias (oito meses), contados a partir da data da assinatura. Portanto, a organização dirigida por Kevin Ho tem até ao final do ano para o fazer. Nos 30 dias seguintes ao prazo de conclusão tem de entregar a versão final do relatório do estudo e, após confirmação da versão final, submeter as versões em chinês e em português, dispondo de mais um mês para o efeito. Ou seja, na prática, será preciso esperar até Fevereiro para serem conhecidos os resultados da investigação em causa. A pesquisa tem de contemplar duas vertentes: deve incluir pelo menos um método comparativo e um inquérito social, bem como apresentar uma comparação entre países ou regiões vizinhos.

Escasseiam informações públicas sobre a Associação de Estudo de Economia Política de Macau, designadamente do ponto de vista da investigação académica. Pelo Boletim Oficial sabe-se que foi criada em 2015 e que recebeu um total de 300 mil patacas de apoio financeiro da Fundação Macau para custear parcialmente as despesas com o plano anual de actividades de 2017. Em Maio, Kevin Ho era o presidente da assembleia-geral, enquanto Samuel Tong Kai Chung o presidente da direcção.

O artigo 27.º da Lei Básica determina que “os residentes de Macau gozam da liberdade de expressão, de imprensa, de edição, de associação, de reunião, de desfile e de manifestação, bem como do direito e liberdade de organizar e participar em associações sindicais e em greves”, mas nunca foi regulamentado, ao contrário de outros como o 23.º, relativo à defesa da segurança do Estado.

“Está na ponta da língua dos secretários que a Lei Básica deve ser cumprida rigorosamente, pelo que é uma pena que, nos últimos anos, o Governo tenha escolhido cirurgicamente os artigos a cumprir”, lamentou Pereira Coutinho, recordando que também estão a ser ignorados pactos e convenções internacionais. “O não cumprimento da regulamentação do artigo 27.º traz diariamente problemas e conflitos laborais, que têm sido resolvidos com anestésicos para aliviar as dores e para desviar as atenções”, sustentou.

O caso dos nadadores

Não é todos os dias que em Macau trabalhadores reivindicam o direito à greve, muito menos não residentes, como sucedeu recentemente com nadadores-salvadores que foram despedidos, por justa causa, devido a faltas injustificadas. No entanto, também são cobertos pela Lei Básica, mais não seja por força do artigo 43.º que estipula claramente que “as pessoas que não sejam residentes de Macau, mas se encontrem na Região Administrativa Especial de Macau, gozam, em conformidade com a lei, dos direitos e liberdades dos residentes de Macau”.

Em termos práticos, dado que o artigo 27.º da Lei Básica nunca foi regulamentado, como pode o direito à greve ser invocado? António Katchi, professor de Direito no Instituto Politécnico de Macau (IPM), não tem dúvidas. “O artigo 27.º da Lei Básica é juridicamente suficiente para se considerar justificada uma falta por motivo de greve”, dado que “esse artigo contém uma norma auto-exequível, produzindo, portanto, efeitos directamente na esfera jurídica dos destinatários, sendo, por isso, directamente invocável por qualquer interessado”.

Embora reconheça que a falta de regulamentação do direito à greve “pode criar dificuldades práticas” à realização das mesmas, o constitucionalista entende, porém, que “não bloqueia o efeito jurídico de reconhecimento desse direito e legitimação do seu exercício que decorre do artigo 27.º da Lei Básica”.
Sérgio de Almeida Correia subscreve a interpretação. “A falta de regulamentação do exercício do direito à greve não tem a virtualidade de transformar em ilegal o que é admitido como legal ao ser acolhido por uma norma de natureza para-constitucional [artigo 27.º da Lei Básica], que está numa posição superior no ordenamento legislativo à ocupada pela Lei das Relações de Trabalho”. “A invocação e o exercício do direito à greve terá natureza excepcional e como tal deve ser tratado”, complementou o advogado, também em declarações ao HM.

Em paralelo, ambos recordam que se encontra em vigor em Macau o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, ao abrigo do qual os Estados se comprometem a assegurar o direito à greve, o direito de todas as pessoas de formarem sindicatos e de se filiarem, bem como o direito dos sindicatos a exercerem livremente a sua actividade.

Relação de forças

Olhando para a lei laboral, Sérgio de Almeida Correia recorda que o diploma não inclui o reconhecimento ou respeito pelo exercício do direito à greve nos deveres do empregador. Isto apesar de estipular, no âmbito das garantias do trabalhador, a impossibilidade do empregador se poder opor, “por qualquer forma”, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem como prejudicá-lo pelo exercício desses. Por outro lado, explica o advogado, o diploma define quais os tipos de faltas que podem ser dadas e como devem ser tratadas no âmbito da relação laboral, sem incluir então as motivadas pelo exercício do direito à greve que uma vez “não estando reconhecidas como justificadas se terão, para o patrão, como injustificadas”.

Ora, no caso dos nadadores-salvadores, como sublinha o causídico, “convém não esquecer que os trabalhadores saíram em defesa dos seus direitos [e] que não podem ser prejudicados por isso”, pelo que “alguém devia ser responsabilizado pelo sucedido, tanto mais que a Administração reconheceu, em sede laboral e ao que parece por via da aplicação de coimas, a justeza das reivindicações dos trabalhadores”.

De recordar que, no início do mês, a DSAL anunciou a conclusão de uma parte da investigação relativa ao conflito laboral e penalizou a empresa em 230 mil patacas por ter falhado em proporcionar aos trabalhadores tempo de descanso suficiente. A DSAL reitera que não recebeu qualquer queixa nem pedido de assistência por parte dos nadadores-salvadores despedidos após terem feito greve e, apesar de garantir que tem mantido contacto com ambas as partes e ter tentado inteirar-se da situação junto do empregador “para que os direitos e interesses dos trabalhadores sejam protegidos nos termos da lei”, não foram divulgadas mais informações desde então.

“Este é o exemplo de uma situação em que a ausência de regulamentação acaba, pelo menos por agora, por beneficiar o prevaricador, entidade patronal, deixando mal a parte mais fraca e a própria RAEM, que tinha a obrigação de protegê-los e de lhes dar os meios necessários à defesa dos seus direitos”, apontou Sérgio de Almeida Correia. A falta de regulamentação “pode ilibar o empregador, mas todavia não desresponsabiliza a RAEM quanto à sua obrigação, interna e internacional, de regulamentar o exercício do direito à greve, isto sob pena de “se estar a esvaziar de sentido e conteúdo útil da norma da Lei Básica, o que não me parece aceitável. O direito de greve podia ter ficado fora da Lei Básica se lá está por alguma razão foi”, observou, admitindo que, em último caso, “a questão deverá ser dirimida pelos tribunais”.

Desde a transferência do exercício de soberania, em 1999, foram apresentados nove projectos de lei sindical, mas todos foram chumbados pela Assembleia Legislativa.

27 Nov 2018