Tudo o que precisa saber sobre Zhang Yimou

O Cinema é um formato belo e único. É simultaneamente um jogo e um transformador desse mesmo jogo. Nesta série, a autora e pensadora visual, Julie O’Yang, apresenta 12 figuras do cinema chinês, as suas obras e as suas invenções estéticas, que acabam por se revelar as invenções estéticas de antigos filósofos.
por Julie Oyang

 

 

Embora muitos sejam literalmente desconhecidos no Ocidente, a China tem sido, desde a fundação da República Popular, berço de alguns realizadores de gabarito internacional. Mas por vezes ficamos com a sensação que o cinema chinês se resume a um nome: Zhang Yimou.

Alegadamente um dos maiores cineastas de todos os tempos ultrapassou a barreira da nacionalidade. Seja qual for o tema que tratam, os seus filmes são visualmente deslumbrantes. Zhang Yimou é um criativo, simultaneamente criador de imagens sagaz e empreendedor. Por um lado existem realizadores e por outro lado existe Zhang Yimou.

A de “Art” ( Arte).  Os principais interesses de Zhang são a fotografia e a literatura. Estudou na Academia de Cinema de Pequim e a sua paixão transportou-o para a vanguarda do cinema internacional, com a estreia do seu primeiro fime, Sorgo Vermelho (1987) protagonizado por Gong Li.

B de “Businessman” (Homem de Negócios). Zhang é realizador, mas também é um homem de negócios. Zhang Yimou é uma marca, que se expandiu com o seu inconfundível cunho à ópera e aos musicais, mantendo sempre cenários espectaculares.

C de “Challenge One-child Policy” (Desafiar a Política do Filho Único). É alegadamente pai de 7 crianças, nascidas de 4 relações. Em 2014, o Gabinete de Planeamento Familiar, em consonância com a política do filho único, exigiu que Zhang pagasse uma multa por nascimentos não planeados e para cobertura de gastos com a segurança social no valor de 7.48 milhões de RMB (cerca de 1,2 milhões de dólares americanos). Diz-se que Zhang pagou a multa.

D de “Dedication” (Dedicação). Na sequência do sucesso dos filmes artísticos, Zhang decidiu fazer filmes comerciais (Herói, O Segredo dos Punhais Voadores) e também explorar um cinema mais auto-biográfico (Um Segundo).

E de “Collective Experience” (Experiência Colectiva). Zhang parece interessar-se pelo contexto de todas as coisas. Zhang Yimou: “Durante milhares de anos tem existido a tradição de nos ensinar a pensar em termos da experiência colectiva, por isso é raro conseguirmos agir em função dos nossos desejos e das nossas emoções.”

F de “Fight and Love with a Terracotta Warrior” (Luta e Ama com um Guerreiro de Terracota).  Em 1990, no filme Hong Kong, interpretou Tian Fong, a personagem masculina principal.

G de “Gong Li” (Gong Li). A actriz Gong Li foi decoberta por Zhang enquanto estudava na Academia de Cinema. As suas relações pessoais e profissionais recebiam eram seguidas de perto pela comunicação social, enquanto trabalharam juntos numa série de filmes aclamados e marcantes. Esta atenção lançou-os no mundo do estrelato internacional. Zhang Yimou e Gong Li são o equivalente de Roberto Rossellini e Ingrid Bergman.

H der “Host” (Anfitrião). Zhang é o anfitrião criativo da Pátria. Acreditava que as audiências ocidentais podiam construir uma ideia da China através dos seus filmes, que via como exccelentes veículos de promoção da cultura chinesa.

I de “Industry” (Indústria). Zhang Yimou é um dos poucos realizadores que quebrou as regras do cinema chinês e que desafiou as convenções. O realizador contrbuiu imenso para a indústria cinematográfica chinesa e estabeleceu novos padrões.

J de “Justice” (Justiça).  A História de Qiu Ju, de 1992, é uma comédia dramática protagonizada por Gong Li. Conta a história de uma camponesa, Qiu Ju, cujo marido foi agredido na virilha pelo chefe da aldeia. Qiu Ju, apesar de estar grávida, viaja até à cidade mais próxima à procura de justiça. Os críticos cinematográficos interrogaram-se se este não seria um filme de propaganda para apoiar o esforço do Governo na implementação do “Estado de Direito”.

K de Akira Kurosawa (Akira Kurosawa). O realizador japonês foi o seu guia espiritual. Zhang é largamente influenciado pelo grande mestre.

L de “Loyalty” (Lealdade). Nos seus filmes mais recentes, Zhang aborda os heróis nacionais, os oficiais leais, as pessoas honradas, os governadores criteriosos, os artesãos habilidosos que, como ele próprio, dão contributos extraordinários ao seu país.

M de “Meaning” (Significado).  Zhang Yimou transmite um significado mais profundo nos seus filmes através da utilização de elementos chineses.

N de “Nimbleness” (Agilidade). Zhang é um estratega ágil e vende as suas obras com sucesso.
O de “Olympics” (Olimpíadas). O que é que aconteceria se juntássemos um realizador apaixonado por efeitos visuais deslumbrantes com a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos? Obtinhamos um bilhete para a entrada da China no palco mundial como superpotência emergente. Bom trabalho!

P de “Pioneer” (Pioneiro).  Um pioneiro na sua visão do passado da China, as suas narrativas transportam sempre um significado simbólico.

Q de “Quote” (Citação). “Como o mundo seria maravilhoso se as pessoas tivessem corações como os dos cães.”

R de “Revolution” (Revolução). Teve uma relação complexa com a Revolução Cultural.

S de “Soft Power” (Poder Persuasivo). A Grande Muralha (2016) realizado por Zhang Yimou é uma co-produção entre a China e Hollywood, protagonizado por Matt Damon, Willem Dafoe e a superstar chinesa Andy Lau.  Este filme é um exemplo dos esforços para alcançar um novo tipo de poder, o poder persuasivo chinês, que pretende colocar a China num lugar de destaque no palco mundial.

T de “Tea” (Chá). Impression Dahongpao (2010) é um recinto de espectáculos que cobre quase um hectare. Com um orçamento de 200 milhões de yuan, cerca de 29 milhões de dólares americanos, o espectáculo ao vivo de 70 minutos apresenta uma configuração com um ângulo de 360 graus e tem capacidade para acolher de 2.000 espectadores, evidenciando o cenário magnífico da Montanha Wuyi e da sua rica cultura do chá.

U de “UFO” (OVNI). Corre o rumor que no Verão de 1985, Zhang Yimou e Chen Kaige estavam a filmar juntos quando viram um OVNI! Esta experiência pode ter estado na base da criação da comédia O meu Povo , a minha Pátria (2020), produzido por Zhang Yimou.

V de “Visual” (Visual). Zhang é um mestre da cor. A cor nos seus filmes é uma linguagem profunda e misteriosa e ter o poder de influenciar as nossas almas.

W de “West” (Ocidente). O impressionante conjunto das obras de Zhang Yimou apresentam sistematicamente aos olhos admirados das audiências ocidentais uma cultura que se vai alterando sob a batuta da globalização, relacionando ideias e implicações sobre o poder, a soberania, a justiça e a modernidade chinesas. Pela primeira vez é nos apresentada a Terra do Dragão situada no globo.

X de “Xi’an” (Xi’an). Nasceu em Xi’an, o berço da civilização chinesa. A antiga metrópole foi o ponto de partida da primeira Rota da Seda.

Y de “Yearning” (Anseio). Os seus primeiros filmes eram arrojados, histórias apaixonantes que se centravam em mulheres que combatiam a opressão. Zhang retrata o olhar feminino consumido pelo anseio.

Z de “Zhang Ziyi”. A actriz de Memória de uma Geisha e de O Tigre e o Dragão tornou-se a segunda superstar lançada por Zhang Yimoua, a seguir a Gong Li.

Zhang Yimou nasceu a 14 de Novembro de 1951, em Xi’an. É um realizador chinês, actor e produtor.

A não perder: Sorgo Vermelho (1987), Lanternas Vermelhas (1991), To Live (1994), Herói (2002), O segredo dos Punhais Voadores (2004), A Grande Muralha Wall (2016) Cerimónia de Abertura dos Jogos Olimpícos de Pequim (2008)

 

Julie O’Yang é uma autora de naturalidade chinesa, artista e argumentista. É ainda colunista multilingue e formadora em criatividade. As suas curtas metragens foram seleccionadas para o Festival de Vídeo de Artistas Femininas e também para a Chinese Fans United Nations Budapest Culture Week. Actualmente, é professora convidada da Saint Joseph University, em Macau. Gosta especialmente de partilhar histórias inesperadas, contadas a partir de perspectivas particularmente distintas. Divide a sua vida entre Amsterdão, na Holanda, e Copenhaga, na Dinamarca.

11 Jan 2022

Dupla de criativos publicou “O Pequeno Livro Amarelo” com frases de Xi

Uma dupla de criativos publicou um livro com centenas de frases do Presidente Xi Jinping. Conhecer melhor a forma como pensa o actual líder chinês foi a intenção criativa e – “algo absurda” – de Julie O’yand e Fernando Eloy

 

[dropcap]H[/dropcap]á um pequeno livro amarelo, à venda na internet, que reúne 300 citações do Presidente da República Popular da China, Xi Jinping, proferidas ao longo do seu mandato, iniciado em 2013. É uma obra de reflexão, entretenimento e alguma subversão, num estilo de leitura simples e atractivo, assinado pela jornalista e argumentista chinesa Julie O’yang e pelo jornalista e documentarista português Fernando Eloy.

“The Little Yellow Book” foi lançado em Fevereiro de 2019, por altura das comemorações do Ano Novo Chinês, quase um ano após o Congresso Nacional aprovar, com 2958 votos a favor, a deliberação de remover a limitação do termo de mandato presidencial, em Março de 2018, que antes era de dez anos no total. O actual líder, no final do seu primeiro mandato de cinco anos, passou a ter o poder de conduzir, por tempo indefinido, os destinos da grande China.

“A ideia de fazer este livro começou quando Xi Jinping tomou a decisão de retirar o limite ao termo da sua presidência, podendo permanecer para a vida no lugar. Esse foi para nós um momento de viragem e tivemos vontade de questionar pessoalmente o Presidente da China. Isso tornou-se um livro”, revelaram os autores ao HM.

A pergunta que Julie O’yang e Fernando Eloy quiseram colocar foi, antes de mais, quais as ideias essenciais que o Presidente Xi tinha para o desenvolvimento da nação. Qual o seu sonho para fazer o país avançar. Foi assim que começaram a coligir as suas frases e aforismos, para uma análise e divulgação dos princípios defendidos por Xi Jinping, à semelhança de um certo livro vermelho de propaganda, escrito por Mao Tse Tung em meados do século XX.

“O “Pequeno Livro Amarelo” espelha o seu famoso antecessor e segue o mesmo formato, com o mesmo padrão de narrativa. O “Pequeno Livro Vermelho” é o livro com mais tiragens no mundo, depois da Bíblia, sendo uma obra de propaganda que se tornou num ícone da China. O nosso não é um trabalho de propaganda, mas uma aproximação ao tradicional gosto chinês de coligir citações de sábios anciãos, incluindo o Confúcio e o ex-líder Mao. Sentimos que isso irá acontecer, mais cedo ou mais tarde, com os pensamentos de Xi. E quisemos abordar todas as suas considerações sobre a China”, afirmaram.

Integridade e ironia

A publicação, assumidamente uma “proposta de arte política, com um ângulo de certo modo absurdo”, foi um processo criativo de “comunicação com base na honestidade”, que pretende “convidar os leitores a questionarem” o que se está a passar no mundo. “O Presidente Donald Trump prometeu atacar este país sobre o qual poucas certezas se têm. E, enquanto isso, o domínio da China sobre o futuro global das nações tem estado em grande evidência, com a democracia ocidental em processo de autofagia a corroer-se por dentro”.

“A ambição do Partido Comunista Chinês tem sabido explorar bem o espectáculo desta crise política auto-infligida. E neste contexto actual globalizado, existe naturalmente ironia. A relevância e a integridade são coisas que nos interessam”, comentaram O’yang e Eloy, que dedicam este livro a “todos os leigos que têm curiosidade em saber algo mais sobre a China contemporânea. Sentimos que esta leitura devia ser uma espécie de viagem rápida e abrangente”.

Nesta versão não censurada, e não autorizada pelo próprio, os autores organizam as declarações de Xi Jinping em 23 capítulos sobre diversos temas pertinentes, como o “Sonho Chinês”, “Partido Comunista”, “Confucionismo”, “Meu País, Meu Povo”, “Um País, Dois Sistemas”, “Lei e Virtude”, “Liberdade de Expressão e Direitos Humanos”, “Corrupção e Disciplina”, “Internet e Dados”, “Media”, as “Relações Internacionais”, a “Guerra Comercial”, “Uma Faixa, Uma Rota”, e até a “Revolução da Casa de Banho” em que o Governo “tudo fará para solucionar os problemas que afectam a qualidade de vida das massas”, entre tantos outros temas, estando reservado um capítulo extra para considerações finais e um poema do grande Xi.

“Like” para os autores

A curadoria das frases do livro é da responsabilidade de O’yang, com edição e design de Eloy. Julie O’yang é uma ex-capitã do Exército de Libertação Chinês que se tornou autora, artista, empresária e argumentista, tendo procurado exílio na Europa durante os anos 1990, onde trabalha e reside, desenvolvendo projectos como jornalista e criadora de conteúdos de rádio e televisão na Holanda e Dinamarca. Fernando Eloy nasceu em Lisboa e iniciou a sua carreira profissional como jornalista e DJ nas rádios pirata dos anos 1980, tornando-se produtor de eventos e jornalista free-lancer para vários órgãos de comunicação. Veio para Macau em 2001, onde tem realizado documentários, produzido filmes promocionais e criado conteúdos para canais e aplicações online. Ambos foram colunistas do jornal Hoje Macau.

O livro tem 180 páginas e encontra-se à venda na Internet, em diversos formatos electrónicos, para Kindle, Kobo, iBooks e Google Play, por cerca de 8 dólares americanos, ou quase 65 patacas. “Quem no mundo não ama um bom líder?” é uma das frases proferidas pelo homem que “gostaria de pressionar o botão do “Like” a favor do grandioso povo chinês”. Há outras 298 para conhecer.

4 Jul 2019

Mark Zuckerberg, Jack Ma e a Chinanet “非死不可”

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]ntes de começar a ler, por favor veja este vídeo.

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Segundo a Socialbakers, em 2010, a seguir à estreia do filme de David Fincher Social Network, o crescimento da utilização do Facebook na China atingiu nos três meses seguintes a percentagem de 612.19%. Com estes números a “Terra da Fantasia Zuckerbergiana” registou o maior crescimento de sempre.

A 20 de Junho de 2008 o Facebook lançou uma versão chinesa simplificada para atrair utilizadores da RPC. Um ano mais tarde, a 7 de Julho de 2009, o Facebook foi bloqueado pelas autoridades chinesas e deixou de poder ser acedido directamente no país.

Aqui vão algumas razões que justificam o crescimento exponencial dos utilizadores do Facebook na China.

  • • A China conta oficialmente com 420 milhões de utilizadores da Internet, dos quais apenas 160 milhões estão registados no Facebook. O potencial é irresistível.
  • • O filme Social Network despertou a curiosidade dos chineses.
  • • O jogo CityVille.
  • • Razões políticas. Países como a Somália, a Serra Leoa e a República Centro-Africana registaram índices de crescimento semelhantes entre os utilizadores do Facebook.
  • • Os jovens chineses que estudam no estrangeiro, quando voltam a casa por altura do Ano Novo Chinês, criam uma conta no Facebook a partir da RPC.

Mas estas notícias não têm novidade nenhuma. No entanto, recentemente, o assunto voltou a dar que falar. Segundo o New York Times, aparentemente, o Facebook tinha criado uma ferramenta para zonas geográficas onde é censurado, numa tentativa de voltar a abrir caminho até à Rota da China. O jornal citava três empregados da empresa Facebook que afirmaram que esta ferramenta pode filtrar as publicações dos utilizadores em zonas geográficas específicas. Segundo o artigo do Times, Mark Zuckerberg, director executivo do Facebook, apoiou a criação de uma ferramenta destinada a zonas interditas.

A partir da altura em que o Facebook foi banido na China, em 2009, por causa do desejo das autoridades de controlarem os mecanismos de partilha da informação, e os movimentos que usam a internet, Zuckerberg nunca deixou de estar empenhado em “voltar à China”. Passou anos a estudar mandarim e teve encontros com dirigentes chineses de topo, incluindo Xi Jinping. Algumas más línguas insinuam que Mark Zuckerberg guarda um conjunto de livros “sagrados” de Xi na mesa de cabeceira.

No entanto não podemos falar de Zuckerberg sem mencionar o gigante chinês do negócio online, Jack Ma e a sua empresa a Alibaba, que ultimamente viu nascer “a aurora da partilha de dados” na era da internet global. Vai ser uma aurora num céu chinês, não vai Jack?

É certo que Mark e Jack são dois super-heróis dos nossos tempos, a única coisa que os diferencia é o empenhamento com que as pessoas veneram os seus deuses.

Huang Jian, um jovem de Shenzhen, afirma que já despendeu a quantia de um milhão de yuans (145.000 dólares) em cirurgias plásticas para ficar parecido com Jack Ma. Estas operações são efectuadas na Coreia do Sul, o principal destino asiático para quem pretende submeter-se a uma cirurgia plástica. Huang afirma ser um grande fã do segundo homem mais rico da China e passou por esta transformação radical na esperança de um dia poder encontrar-se com o seu ídolo.

Por isso Mark, talvez pôr os livrinhos vermelhos debaixo da almofada não seja o suficiente. Será que planeias vir a ficar parecido com Xi Jinping? Se for o caso, força, não hesites!

7 Dez 2016

Fidel e a complexidade da relação com a China 卡斯特罗:“不到长城非好汉。”

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]idel de Castro morreu a 25 de Novembro de 2016,  com 90 anos de idade. O Presidente da China, Xi Jinping, leu uma mensagem na abertura do noticiário da noite da CCTV: “O povo chinês acaba de perder um companheiro bom e leal. O Camarada Fidel viverá para sempre.”

Em Janeiro de 1959 Fidel de Castro, à frente da Revolução Cubana, derrubou o regime pró-americano de Batista e estabeleceu um governo revolucionário. Foi o início de uma era política que durou  mais de 50 anos. O relacionamento entre a China e Cuba desenvolveu-se rapidamente desde os acordos criados em 1960, e Cuba tornou-se o primeiro país latino-americano a ter relações diplomáticas com a China. Durante o seu longo mandato Fidel teve contactos com várias gerações de líderes chineses.

Em retrospectiva:

A 2 de Setembro de 1960 Cuba proclamou a primeira Declaração de Havana. Fidel de Castro reiterava o estabelecimento das relações diplomáticas com a República Popular da China. No entanto, a “profunda amizade” não se viria a concretizar e, até à morte de Mao em 1976, os dois países socialistas mantiveram-se distantes devido à ligação fechada de Cuba com a União Soviética, a “rival” da China nos anos 60.

Em  Novembro de 1993, quando Jiang Zemin visitou Cuba, Fidel preparou-lhe uma cerimónia muito especial e condecorou-o com a Medalha Jose Marti, a maior homenagem que o Governo cubano pode prestar a um estadista estrangeiro. A seguir à queda da União Soviética, no início dos anos 90, Cuba ficou “órfã” e a China disponibilizou-se para apoiar Fidel incondicionalmente. Nos primeiros anos da década de 90, Cuba importou 500.000 bicicletas da China. Mais tarde a China ajudou a construir várias fábricas de bicicletas na Pátria de Fidel. Nos anos que se seguiram as bicicletas tornaram-se o principal meio de transporte em Cuba.

A 29 de Novembro de 1995 Fidel chegava a Pequim e foi recebido de forma muito calorosa no aeroporto. No dia seguinte, Jiang Zemin homenageou-o com uma cerimónia de boas vindas na capital. Beberam champanhe e assinaram um acordo de colaboração entre os dois governos.

A 1 de Dezembro de 1995 Fidel subiu à Grande Muralha. Na altura declarou que tinha sentido pela primeira vez que “Ninguém pode ser um herói sem ter visto a Grande Muralha”, um trecho de um poema de Mao Tsé Tung. Na sua auto-biografia Fidel defendeu que Mao teria de ser lembrado como um dos maiores políticos, estrategas e líderes militares de sempre.

Em 2003, com 80 anos de idade, Fidel voltou a visitar a China fazendo-se acompanhar desta vez pelo filho e pelo neto. Foram recebidos por Jiang Zemin no Grande Salão do Povo. Este gesto ajudou a incrementar a colaboração de longa data entre os dois regimes e “agradou profundamente” ao velho líder cubano.

A 21 de Julho de 2014, Xi Jinping chegou a Havana para iniciar uma visita oficial a Cuba. Os dois chefes de estado tinham-se conhecido em 2011, quando Xi visitou Cuba noutra ocasião. No final desta vista de estado, Xi enviou parabéns antecipados a Fidel.

No passado dia 25 de Setembro Li Keqiang visitou Castro e mantiveram uma longa conversa.

30 Nov 2016

A China tal como ela é 真实的中国

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] câmara de Michael Wolf é honesta, mas não é indelicada. Durante mais de vinte anos, o fotógrafo alemão abordou os seus temas com uma frescura que reflecte simultaneamente o passado e sugere o futuro.  Tomemos como exemplo uma das suas muitas sequências conceptuais.  A série de fotografias intitulada “Cadeiras Chinesas” não o fez cair nas boas graças da polícia chinesa, embora ele se tivesse esforçado por explicar que o seu trabalho era “inofensivo”. Mas, a polícia continuava a insistir que “prejudicava a imagem da China”. Não chegaram a prendê-lo, mas detiveram-no durante seis horas e confiscaram-lhe as fotos.  Num contraste marcado entre a bizarria dos edifícios luxuosos e dos Centros Comerciais que inundam o País, as “Cadeiras Chinesas” inventariam todo o tipo de assentos que dão corpo ao humor e à sabedoria da cultura chinesa.  Na minha opinião, estas “cadeiras” são a constância da China. Cada cadeira é um retrato de teimosia e determinação. Passam ao lado da moda, calmas, intimas e audaciosas: são a China como ela é.

Nascido em Munique, Wolf cresceu nos Estados Unidos. Chegou a Hong Kong em 1995. Se o leitor fizer uma visita ao seu website, pode ficar um pouco chocado com a obsessão pela separação e classificação, sob a batuta do rigor alemão.

Em a “Fábrica de Brinquedos” percebemos que para haver uma infinidade de brinquedos são necessários inúmeros trabalhadores. Assistimos à “Verdadeira Toy Story”, numa fábrica de brinquedos chinesa: uma azáfama de trabalhadores, um ambiente abafado, e pilhas de brinquedos de plástico.  Cerca de 75% dos brinquedos produzidos em todo o mundo são “Made in China”. São fabricados por gente real e não por máquinas.

Durante a produção da série “Arte Falsa Real”, Wolf pediu a um falsificador de arte chinês que lhe pintasse os girassóis de Van Gogh. Obteve a seguinte resposta: “É muito simples. Com 400 pinceladas está feito!” Esta conversa decorreu na Dafen Artist Village (subúrbio artístico de Shenzhen), onde vários milhões de “quadros famosos” são produzidos anualmente para exportação. Um “artista” despachado consegue fazer 30 obras-primas por dia.  Sim, claro, isto também é a China.

23 Nov 2016

O presente de Hitler ao Extremo-Oriente 犹太人在中国

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] História dos Judeus na China vem de longe, remonta pelo menos ao séc. VIII. Também durante o Nazismo muitos vieram à procura de refúgio na “terra dos dragões”.

A economia mercantil da antiga China atraiu muitos comerciantes judeus. Viajando através da Rota da Seda, muitos deles instalaram-se na parte ocidental do País. Os judeus foram oficialmente aceites em 960 DC na cidade de Pien-Liang (Kaifen nos dias de hoje). Construíram a Sinagoga da Pureza e da Verdade, a primeira na região, em 1163. A comunidade foi crescendo nos oito séculos que se seguiram, atingindo o seu auge no séc. XVII, com 5.000 membros. Contudo, o período que se seguiu trouxe guerras, pobreza e isolamento religioso, provocando um declínio significativo da comunidade.

Mas em Xangai a história dos judeus é totalmente diferente. Conhecida como a “Pérola do Oriente”, Xangai recebeu, durante a II Guerra Mundial, cerca de 30.000 refugiados judeus, dados que deveriam ser acrescentados ao Registo da Memória do Mundo da UNESCO.

Em 1845 Xangai foi forçada a abrir as suas portas ao comércio externo, por imposição dos Tratados unilaterais que se seguiram às Guerras do Ópio, e uma rede de proeminentes famílias de Judeus Sefarditas – os Kadoories, Hardoons, Ezras, Nissims, Abrahams, os Gubbays, e, muito especialmente, os Sassoons – rumaram à cidade. Na altura, faziam parte da elite dos muitos ocupantes ocidentais da zona.

Pequena, mas poderosa, esta classe de comerciantes financiou muitas das Mansões Belle Époce construídas no distrito de Bund, numa versão local da Ringstrasse, em Viena. O Cathay Hotel, propriedade de Victor Sassoon, foi concluído em 1929 e tornou-se a “jóia da coroa” do Bund, o centro da vida social dos judeus da cidade. Neste sentido, Xangai é possivelmente a Maior Cidade Judaica Alguma Vez Construída. Pouco depois, em meados dos anos 30, chegaram os refugiados, fugidos da Alemanha Nazi. Nessa altura a comunidade judaica de Xangai aumentou consideravelmente, atingindo um número próximo dos 30.000 membros.

Embora os refugiados que se instalaram em Xangai vivessem certamente bastante melhor do que os seus familiares e amigos que ficaram para trás, na Europa, a vida no Extremo-Oriente não deixava de ser conturbada. Em Xangai, inicialmente tudo parecia promissor aos olhos dos judeus alemães acabados de chegar, pouco depois da subida ao poder de Hitler. Muitos deles eram médicos e dentistas. Aparentemente Xangai ficou tão grata pela vinda de pessoas com estas qualificações profissionais que um jornal escreveu num destaque: “O presente de Hitler ao Extremo-Oriente”.

Sam Sanzetti não era médico. O seu verdadeiro nome era Semyon Liphshitz e era fotógrafo. Chegou a Xangai em1922. Depois de trabalhar como aprendiz, abriu o seu próprio estúdio em1927 e tornou-se um dos mais famosos fotógrafos de Xangai. Trinta anos depois mudou-se para Israel, onde permaneceu até à sua morte em 1986. Sanzetti fez cerca de 20.000 retratos de habitantes da cosmopolita Xangai. Fotografou a sépia e a cores trabalhadores, figuras da alta sociedade, mulheres, famílias, crianças, enviados diplomáticos, figuras públicas famosas, etc. A imagem de marca de Sanzetti foi composta pela compleição suave dos seus modelos, pelo olhar intenso, a postura marcada, a beleza feminina e a inocência infantil. Os seus retratos deram origem a uma nova marca “O Xangai look”.

16 Nov 2016

Ser “cool” na antiga China 八雅

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stamos a falar do chinês “cool” e não do coolie chinês

Ser cool na antiga China significava ter adquirido as “oito graças”: 八雅。 

Cítara, Go, caligrafia, pintura, poesia, “apreciar” bebidas, arte floral, praticar o ritual do chá. Estes oito “ingredientes” faziam duma pessoa uma “brasa” da Antiguidade.

Cítara

Vou dedilhando e trauteio quando estou ébrio

Quantos cordas partirei até ficar sóbrio outra vez?

Não se trata de um poema que promova o alcoolismo, mas sim de um poema que nos fala do antigo culto da cítara. A cítara, o Go (jogo chinês de tabuleiro), a caligrafia e a ilustração representam quatro disciplinas eruditas; quatro requisitos para quem queria “dar nas vistas”. A cítara, ou古琴 era o supra-sumo destas habilidades e continha as “nove virtudes”. Ficou conhecida como o “instrumento dos cavalheiros” e era símbolo de bom gosto e de honra. A cítara é sinónimo da verdadeira música.

Go

Sonho com a minha vida entre cada jogada

Gosto de pensar três vezes antes de agir.

Jogar Go é uma arte. O Go foi um elemento importante da vida cultural na Antiguidade. Totalmente distinto de qualquer outro jogo recreativo, acreditava-se que redimensiona a perspectiva moral do jogador, o seu comportamento e a sua noção de estética. Fornece formas alternativas de pensamento.

Caligrafia

Traços fortes e curvas elegantes escrevem palavras intemporais,

O passado esconde-se dentro de cada pincel.

Diz-se que Cang Jie inventou os caracteres chineses, que são também pictogramas. A escrita chinesa contém a um tempo o som e a imagem, razão pela qual continua a ser um dos meios mais importantes para a comunicação do conhecimento.

Pintura tradicional

Como fazer permanecer a Primavera?

Só a pintura capta o perfume das suas flores.

A pintura tradicional na China centra-se na beleza da Natureza e só indirectamente reflecte a vida social da época.  Mergulhava-se o pincel na tinta para pintar em papel ou seda. O tema poderá ser a paisagem, as flores, os pássaros, imaginários ou reais, e surgem quadros de sonho.

Poesia

Flores primaveris e a chuva do Outono tecem os meus poemas

A Lua da aurora e a geada da noite entoam as minhas canções.

A capacidade pictórica da escrita chinesa torna a poesia clássica rica em imagens. Estes poemas são imagens em movimento, livres das regras da gramática, e permitem que o leitor mergulhe de imediato na visão do poeta.

Licores

Viajo até ao fim do mundo para encontrar o caminho do regresso

Mas só esta taça de vinho sabe amar a minha terra natal.

Os vinhos e licores são tão antigos quanto a poesia chinesa. Associa-se frequentemente os poetas chineses a episódios anedóticos sobre embriagados, alguns divertidos, outros trágicos.

Arte Floral

A Primavera convida um imenso esplendor ao meu jardim

A brisa sopra sobre a terra / vestida de todos os perfumes.

Mais conhecida nos nossos dias por ikebana, a antiga arte floral era considerada essencial para a felicidade espiritual.

O ritual do chá

As folhas de chá bebem a essência do sol e da lua,

Penso na solidão, quando as mergulho em silêncio na água cristalina.

O ritual do chá é uma experiência estético-artística.  É uma prática que defende a privacidade e o amor à solidão.

9 Nov 2016

Don(ald), Hill(ary) e os clássicos chineses 希拉里.克林顿知道多少

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]êm ideia de quantas vezes os dois candidatos à Presidência dos EUA mencionaram a China durante o primeiro debate eleitoral? Pois é verdade, Pequim está sempre presente na mente dos americanos, se não mesmo nos seus corações.
Coração e mente. Estas duas palavras transportam-me para a literatura chinesa. Gostava de aproveitar a ocasião para falar sobre, ou melhor, falar em torno de um dos quatro clássicos: Os Três Reinos 三国志。
A 22 de Junho de 2015, durante a cerimónia de inauguração do Encontro Económico-Estratégico Sino-Americano, o Secretário de Estado John Kerry congratulou a China por se ter tornado um líder mundial, nomeadamente, por ter ajudado os EUA a combater o Ébola, pela intervenção diplomática no Irão, e pela colaboração conjunta no Afeganistão. Mas o Vice-Presidente americano Joe Biden fez umas declarações menos elogiosas. Afirmou que, se a China quiser verdadeiramente vir a tornar-se num “concorrente responsável,” terá de respeitar a lei internacional, garantir a liberdade das zonas marítimas e proteger os direitos humanos.
Como é que poderemos unir estes dois pontos de vista divergentes e compor uma imagem correcta da China?
Mesmo depois de mais de 200 anos de relações entre os dois países, a China permanece um enigma para os políticos americanos. Como explicar o comportamento contraditório da China? De uma forma geral, parece-me que os ocidentais, neste país, só conhecem Confúcio e a Arte da Guerra. O Ocidente tem prestado pouca atenção a outras eras importantes da história chinesa: o período do Três Reinos (220-280). A obra clássica da literatura Romance dos Três Reinos continua extremamente pertinente na sociedade chinesa actual. Este texto tem sido estudado e profusamente citado, e é uma referência de todos os dirigentes chineses desde Mao a Xi Jinping.
Romance dos Três Reinos decorre após a queda da dinastia Han, em 220. A China, até aí unida, divide-se em várias facções comandadas por temíveis senhores da guerra, cada um deles empenhado em reunificar o país sob a sua liderança. Por fim, os mais fortes conseguiram fundar três reinos: Wu, Wei e Shu.
O Reino de Wu simboliza a hegemonia regional. O Rei de Wu não tinha propriamente ambições imperialistas; só queria proteger o território que desde os tempos ancestrais pertencia à sua família, situado ao longo da costa leste. Mas isso não o impediu de lutar com todas as suas forças para defender a independência e a hegemonia dessa terra soberana. Quando o Rei Wei o defrontou na Batalha de Chibi (Falésia Vermelha), Wu uniu-se com Shu para proteger a hegemonia da sua região. Nos dias de hoje, a China está a posicionar-se pela hegemonia da Ásia. É líder na Organização para a Cooperação de Xangai e fundou o Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas, para fazer frente aos ocidentais Banco Mundial e ao FMI. Está também a caminho de estreitar os laços com a Rússia, de forma a manter o alcance deste gigante fora da sua esfera de influência.
Wei era o segundo Reino e representa a tirania. O Rei de Wei, o celerado Cao Cao, um líder implacável que usava as alianças para tornar os estados vizinhos seus vassalos e que, mal podia, quebrava as alianças assim que via uma possibilidade de atacar. A frase mais célebre de Cao Cao foi, “prefiro trair o mundo inteiro antes que o mundo me traia a mim.” Por isso agora podemos juntas todas as peças do puzzle, América Latina e África, Mar do Sul da China e Japão e, por aí fora.
Finalmente, vem Shu, o terceiro Reino, que representa a autoridade humanitária. Liu Bei personifica o rei sábio, que se apoiava na sua reputação e na sua virtude. Benevolente, seguia escrupulosamente a lei e exercia a autoridade de forma humanitária. Liu Bei não se guiava só pelas suas próprias ideias; rodeou-se de um círculo de leais conselheiros. Para defrontar o terrível Wei, Shu teve de aliar-se a Wu. A China dos nossos dias ascende à cena internacional como o rei sábio que desejava representar a autoridade humanitária no mundo. Isto diz-vos alguma coisa? Claro que sim, estou a lembrar-me de uma ideia tão ancestral quanto moderna que tem mantido a China viva no imaginário ocidental através dos séculos. Três Reinos, três caminhos. Querem experimentar com pauzinhos, USA?


Foto: Richard Nixon experimenta comer com pauzinhos durante um banquete dado em sua honra, 1972

5 Out 2016

Uma breve história do beijo “吻”之影史

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stava eu hoje a surfar na Internet, quando me deparei com o beijo mais demorado da história do cinema: o filme – No final do Outono (2010), tem como protagonistas Hyun Bin, actor coreano, e Wei Tang, actriz chinesa, que se beijam longamente numa cena que dura dois minutos e meio.
A China produziu o seu primeiro filme em 1905, 10 anos após os irmãos Lumière terem projectado, pela primeira vez, uma sequência de imagens em movimento para uma audiência que pagou para assistir. Nos 100 anos seguintes, foram realizados neste país pelo menos 7.000 filmes. Alguns deles marcaram a vida das pessoas e influenciaram a sua forma de olhar o mundo. Por volta de 1909, a China, com uma população de cerca de 400 milhões de almas, começou a ser vista como o maior mercado mundial para o cinema, mito que ainda hoje persiste.
Em Xangai, o empresário russo-americano, Benjamin Brodsky, fundou a Asia Film Co., a primeira empresa chinesa produtora de filmes. Com o capital e os estúdios cedidos pela Asia Film Co., Zhang Shichuan e Zheng Zhengqiu, duas figuras de topo dos primeiros anos do cinema chinês, realizaram Dificuldades no Matrimónio (1913). É considerado o primeiro filme chinês de ficção. Na altura, não era permitido às mulheres representarem, nem no teatro, nem no cinema. Mas em menos de um ano, Yan Shanshan virou a comunidade artística chinesa do avesso, quando ingressou num mundo dominado por homens, e desempenhou o papel de uma jovem no filme Os Ciúmes de Chuang-tzu, produzido em Hong Kong. Mais tarde Brodsky levou o filme para os Estados Unidos, pelo que foi o primeiro filme chinês a ser visto no estrangeiro. É um facto que são as mulheres que continuam a mexer com o coração das audiências na China, e não os Kung Fus nem os Pandas.
Um dia, um rapaz chamado Long que, quando era pequeno, só via pessoas a beijar-se nos filmes ocidentais, perguntou ao pai: “Porque é que os estrangeiros estão sempre aos beijos?” O pai respondeu, impaciente: “Porque são estrangeiros. Só os estrangeiros é que fazem isso.” Os tempos eram outros quando Long fez esta pergunta. É claro que as pessoas também se beijavam nos filmes chineses no início dos anos 30; as pessoas já se beijavam na literatura clássica! Nos anos 60, a Paramount encarnava a “luta de classes”. Considerava-se à época que beijar e abraçar eram comportamentos capitalistas e degenerados!
Quero agora relembrar alguns momentos em que actores chineses se beijaram na tela.
Em 1936, Fang Peiling realizou Metamorfose de Uma Rapariga. Neste filme, a protagonista feminina era uma rapariga que se vestia de rapaz desde pequenina, porque o avô queria ter um neto. Até que um dia uma amiga se apaixonou por “ele”. As duas raparigas beijavam-se apenas no rosto, mas este beijo teve um grande impacto porque foi o primeiro da história do cinema chinês.
Romance na Montanha Lushan, produzido em 1980, foi considerado num artigo da Agência France-Presse, como “representativo de uma nova tendência na moda e na filmografia chinesas”. De facto, este filme não trouxe nada de verdadeiramente novo, mas aos olhos das audiências chinesas de então, culturalmente esfomeadas, Romance na Montanha Lushan Mountain foi um festim. A heroína mudava de roupa dúzias de vezes no topo da montanha.
Para além do guarda-roupa, Romance tocou o coração das pessoas por causa de um pequeno beijo. A jovem protagonista, de fato de banho, com um olhar selvagem, dizia ao rapaz, “És tão tonto, mas tão adorável,” e a seguir pressionava os lábios contra a sua face. Na altura isto era novidade absoluta. Embora o beijo estivesse presente nos filmes feitos nos anos 30 e 40, depois de 1949, quando a República Popular da China foi fundada, estas manifestações de afecto foram erradicadas da tela. Romance trouxe-as de volta. Trinta anos mais tarde, Zhang Yu, actriz que desempenhou a protagonista, confessou: “Estava tão nervosa que não consegui encontrar os lábios dele. Porque a ideia era beijá-los nos lábios!”
Antes de Romance, o filme Reflexos de Uma Vida, estreado em 1979, tentou quebrar o tabu do beijo no cinema pós-Revolução Cultural. Contudo, o realizador não se atreveu a mostrar o beijo na integra às audiências. Quando os dois jovens estavam quase a despedir-se com um beijo, a mãe da jovem subitamente abre a porta e.… adeus beijo. Desta forma o realizador escusou-se a críticas.
Por fim, aqui vai o maior beijo da história do cinema. Desfrutem!

21 Set 2016

A antiga China e a Dama de Hongshan

Dama de Hongshan é o nome que Michael Du, antiquário e coleccionador de renome a viver actualmente no Canadá, dá a si próprio. Há alguns dias atrás falámos ao telefone e discutimos a sua grande obsessão: a Cultura Hongshan

JOY: O que é a Cultura Hongshan?
MD: É uma cultura neolítica do Nordeste da China. Foram encontrados locais com vestígios da Cultura Hongshan numa zona que se estende desde a Mongólia Interior até Liaoning, datados do período compreendido entre 4700 e 2900 AC. Nestes últimos 20 anos, tenho vindo a dar a volta ao mundo. Já visitei mais de 40 países e regiões da Ásia, África, América Latina, Estados Unidos e outros continentes. De momento tenho mais de 10.000 peças que são verdadeiros tesouros culturais de períodos muito antigos da China. Sou louco? Acho que sim, mas um louco com curiosidade intelectual e o coração no sítio certo.

JOY: Como é que iniciou a colecção de artefactos Hongshan?
MD: Foi em Agosto de 1993, num dia que nunca vou esquecer. Estava em Trieste, na Itália, para visitar uma colecção de mobiliário da antiga Dinastia Qing; tenho um negócio de mobiliário antigo. O proprietário mostrou-me alguns exemplares de mogno muitíssimo originais, com preços proibitivos. Mas, sem me dar conta, o meu olhar foi atraído pela estranha forma de um objecto. Era, só soube mais tarde, um dragão de jade em forma de C, algo característico da Cultura Hongshan. Examinei o material, a densidade, a cor e o modelo. Claro que era chinês, mas de que período? Já tive nas mãos tantos objectos de jade, mas nunca tinha visto nada de semelhante na vida! Este dragão em forma de C era-me completamente estranho e deixava-me confuso…O proprietário conseguiu adivinhar os meus pensamentos. Antes que eu conseguisse formular uma pergunta que fizesse sentido, respondeu-me: “Dragão Hongshan. A Cultura Hongshan é fascinante.” Fiquei de cara à banda. Era a primeira vez que ouvia um estrangeiro mencionar o termo Hongshan! Compreendi naquele momento que estava a segurar o pai de todos os dragões. Fiquei sem palavras por alguns momentos e senti-me envergonhado da minha ignorância. Acabei por conseguir dizer: “Compro-o.” Não regateei, nem olhei para mais nada. Vim imediatamente para casa e consultei alguns peritos, mas ninguém sabia nada sobre este dragão chinês com 20 cm de altura. O acesso à informação era muito mais difícil na altura. Começou então o meu périplo por bibliotecas e livrarias em busca de informação em jornais e revistas da especialidade. Sentia-me um verdadeiro detective Hongshan. Ao tentar compreender o significado meu dragão em forma de C, acabei por ficar absolutamente convencido que a Cultura Hongshan é a verdadeira origem da civilização chinesa. Embarquei numa aventura excitante e de grande valor cultural, para um coleccionador como eu.

JOY: Sr. Du, por favor, explique-nos como é que foi fazendo a sua colecção. Como é que conseguiu reunir 10.000 peças antigas de bronze e de jade?
MD: Há mais de dez anos, soube que um coleccionador americano queria vender os seus objectos porque já tinha muita idade e estava doente. Passei uma semana com ele, a tentar convencê-lo de que eu era a pessoa certa. Acabei por comprar-lhe a colecção, com cerca de 1.000 artefactos Hongshan, por um preço razoável. Os primeiros objectos Hongshan de “jade negro” eram cobertos por uma liga muito antiga, através de uma tecnologia que estudiosos e historiadores nunca conseguiram compreender nem explicar. Daqui resultou que coleccionadores sul-coreanos começaram a comprá-los em grandes quantidades, vendendo-os posteriormente como objectos preciosos, mas sem os identificarem. Muitos locais Hongshan foram pilhados e inúmeros artefactos muito antigos saíram do País. É um duro golpe na nossa herança cultural e magoa-me imenso. Mas eu estou sempre atento às novidades e aos mexericos e, mal apanho qualquer sinal, viajo até onde for preciso para ver as peças. Se tiver a certeza que são objectos genuínos, estou disposto a pagar o dobro do preço de mercado. Tenho hoje em dia na minha colecção muitas peças absolutamente únicas.

JOY: Corre muitos riscos e investe imenso para actualizar a sua colecção. Quais são as suas metas?
MD: Disse que sou intelectualmente curioso e é verdade. De momento, pretendo publicar uma edição de luxo com ilustrações de 600 artefactos Hongshan, todos pertencentes à minha colecção. Esta obra de referência pretende galvanizar amigos, colegas, investigadores e amantes da Cultura Hongshan, provenientes do nosso circulo internacional. Podemos chamar-lhe a “Bíblia Hongshan”. Entretanto estamos a preparar a abertura de um museu privado em Xangai, que deverá acontecer em breve. Vejo-me a mim próprio como um devotado fã dos Hongshan, como um promotor e um anjo da guarda.

Julie O’yang

13 Jul 2016

O “monstro” 独秀

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]obre este homem, Mao Tsé Tung escreveu: “Assim que aprendemos a escrever em chinês vernáculo, ele ensinou-nos que era essencial usar a pontuação e não se cansava de repetir que a pontuação tinha sido uma grande invenção. Foi também através dele que soubemos da existência de “uma coisa” chamada Marxismo. A revista que dirigia, o Magazine da Nova Juventude, abriu as portas ao movimento 4 de Maio, que por sua vez conduziu à criação do Partido Comunista Chinês. O seu impacto era tal que, podemos mesmo dizer que fundou o Partido sozinho. Foi o meu professor e eu fui seu aluno.”
O seu nome era Chen Duxiu 陈独秀 (1879-1942).
A fundação do PCC é celebrada a 1 de Julho, desde a realização do primeiro Congresso do Partido em Xangai, em 1921. Este ano o seu nome foi mencionado numa das páginas oficiais do Partido: “Chen Duxiu, um antigo chefe do Partido, foi eleito líder por cinco vezes. Por favor, reparem no adjectivo: antigo.
Chen Duxiu, fundador do Partido Comunista Chinês e o seu primeiro secretário-geral, não esteve presente no primeiro Congresso do Partido. No entanto, quando olhamos para a História da China moderna, especialmente a História cultural e política, percebemos que Chen foi uma revelação bombástica para os intelectuais do seu tempo. Era admirado por amigos e inimigos e reconhecido como um pensador original e um homem corajoso, o seu carácter avesso a regras não deixou que fosse esquecido. O avô, responsável pela sua educação formal nos clássicos chineses, disse um dia: “Este rapaz nunca vai amadurecer, nunca se fará um homem. Vai ser pesadelo para todos nós. Um monstro!”
Tornou-se realmente um monstro que defendia novas ideias. Chen acreditava que, para estas ideias se imporem e frutificarem numa sociedade feudal, era necessário abater parte dos seus alicerces sem dó nem piedade. Defendeu o parricídio e rejeitava o Confucionismo de forma radical. Chegou a escrever na sua biografia: “Há muito tempo atrás, eu fui uma criança sem pai.”    
A suas ideias sobre a democracia nasceram num contexto de grande erudição. Era fluente em Japonês, Inglês e Francês, as línguas estrangeiras pareciam libertá-lo. A sua escrita era inteligente, incisiva, inovadora e profundamente política. Extrovertido, cultivava paixões e ódios e era muitíssimo obstinado nas suas crenças. Defendia que um homem que persegue um ideal tem constantemente de duvidar de si próprio. É possível que tenha sido o único pensador consciente da China moderna!
Em Janeiro de 1919, publicou a primeira edição do Magazine da Nova Juventude e deu início ao Novo Movimento Cultural (Movimento 4 de Maio). Chen deixou escrito: “Estamos convencidos que o Sr. Dee e o Sr. Sai (abreviaturas chinesas para Democracia e Ciência), são os únicos cavalheiros que nos podem guiar política, moral e ideologicamente. Devemos apoiar estes cavalheiros e combater uma sociedade e um governo opressivos. Devemos defender o Estado de Direito… se a China se quiser afirmar a nível mundial, os cidadãos têm de ser autónomos. Ter uma personalidade independente é sinónimo de liberdade. Não obedeçam a ordens de ninguém, não deem ordens a ninguém. Temos de ser os senhores do nosso próprio País.”
Hu Shi, seu contemporâneo, escreveu: “A única forma de termos democracia é termos democracia.” Chen Duxiu percebeu a ideia como ninguém. Também acreditava na democracia na China como ninguém. Morreu sem nunca se ter submetido aos compromissos e às regras do Partido.
Hoje prestou-lhe a minha homenagem. Que a estrela do verdadeiro pensador brilhe para sempre!

Julie O’yang

6 Jul 2016

Stephen Hawking, aliens e clássicos chineses 中国古典文学与外星人

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] semana passada o meu lado europeu esteve absorvido com os debates deprimentes sobre o Brexit. No entanto, o meu lado chinês exultou com duas notícias vindas do meu País natal. Ambas demonstravam o empenho da China na procura de E.T.s.
No início da semana, o canal CCTV mostrou as fotos de um enorme telescópio de abertura esférica, com um prato de 500 metros de diâmetro, colocado no cimo de uma montanha na província de Guizhou. As instalações ocupam uma área equivalente a 30 campos de futebol, num perímetro de 1.6 quilómetros. Desde 2011, foi investido no projecto um total de 1.2 biliões de yuans. Ligado a um dos mais potentes computadores astronómicos, o Sky Eye 1 天眼 1, o rádio telescópio mais sensível do mundo, deixou a China mais perto de um sonho há muito ambicionado, a demanda por vida extra-terrestre através do espaço sideral.
A segunda notícia falava sobre o fim provável da exclusão da China da ISS (International Space Station), que vigora desde 2011 (por razões de “Segurança Nacional”, é a desculpa formal). Se as políticas terráqueas tiverem algum significado nas esferas celestes é bom ficar a saber que este mês, a Agência Espacial Chinesa e o Comité das Nações Unidas para os Assuntos do Espaço Exterior (UNOOSA) anunciaram uma parceria que permitirá aos cientistas de Países membros das Nações Unidas a realização de experiências e o envio de astronautas para a estação espacial chinesa, a partir de 2020.
Gostei do que li. A escritora que há em mim começou logo a brincar com as palavras e a criar metáforas alusivas à situação. Dei comigo a pensar que, de facto, a China por tradição procura identificar os territórios situados entre a ciência e o pensamento. A propósito, vale particularmente a pena mencionar dois clássicos da literatura.
O Guia das Montanhas e do Mar (山海经), de autor desconhecido. A maioria dos teóricos defende que esta colecção de 18 livros não foi escrita por uma só pessoa. O mais provável é ser a mais antiga colaboração colectiva, uma espécie de wikipédia da altura, que permitia que as pessoas comuns fossem acrescentando conteúdos ao longo dos anos, possivelmente desde a Dinastia Xia (2070 – 1600 AC) até à Dinastia Jin (265-420 DC). As ilustrações dos textos são a parte essencial da obra. Porque a mentalidade chinesa não procura construir e apresentar teorias precisas, o Guia vale sobretudo como um dos primeiros livros de pintura. Apresenta uma panóplia de criaturas míticas oriundas de uma cosmografia única e muito antiga; fantásticos encontros com aliens têm lugar em montanhas, rios, ilhas e mares alienígenas, num cenário decorado por plantas e minerais exóticos. Ao contrário dos seus congéneres europeus, do mesmo período medieval, as criaturas do Guia não são tratadas como figuras alegóricas, mas sim como entidades reais inseridas na paisagem e, é preciso salientar, este manual era originalmente um guia para viajantes. Contem algumas passagens indecifráveis que podem ser lidas como literatura nonsense, ou será que eram resultado dos efeitos de uma curvatura do tempo-espaço?!
Por puro acaso, – ou se calhar não, quem sabe? – em Abril, Stephen Hawking abriu uma conta no Weibo, a versão chinesa do Twitter. Para estabelecer contacto com os internautas chineses, Hawking utilizou uma das minhas histórias favoritas de sempre, que pertence a um outro clássico, Mestre Zhuang 庄子. Hawking escreveu “Mestre Zhuang sonhava transformar-se em borboleta – talvez por ser um homem que amava a liberdade. Eu posso sonhar com o Universo e depois ficar a pensar se o Universo sonha comigo.” Hawking comunicou com sucesso as suas dúvidas sobre a forma como a realidade se abatia sobre um antigo filósofo e cosmologista chinês, ligando a filosofia oriental e a ciência ocidental de uma forma contemporânea e não hierárquica. Conseguiu reunir mais de um milhão de seguidores, logo nas primeiras horas. Actualmente a sua base de fãs já atingiu os 3.4 milhões. Um fã chinês respondeu-lhe e falou sobre uma nova teoria do design que o levava a concluir que o Universo na sua globalidade é uma espécie de borboleta.
Master Zhuang é provavelmente a minha melhor descoberta de sempre dos antigos clássicos.

Julie O’yang
29 Jun 2016

O quinto romance: feminismo, sátira ou pornografia?

Julie O´yang

[dropcap style=´circle´]金[/dropcap]瓶梅, Jin Ping Mei, ou Ameixa em Vaso Dourado (também traduzida por Lótus Dourado) é um romance chinês naturalista, composto em chinês vernáculo (dialecto Wu) durante a Dinastia Ming (1368 – 1644). Foi escrito por 蘭陵笑笑生, “O Sátiro de Lanling”, pseudónimo do autor cuja identidade permanece desconhecida. Existem algumas versões anteriores deste romance, mas apenas em forma de manuscrito; a primeira colectânea impressa data de 1610. A versão integral é composta por 100 capítulos, compreendendo um total de mais de 1000 páginas.
Jin Ping Mei é considerado o Quinto Romance Clássico, no seguimento dos Quatro Grandes Romances Clássicos compostos por As Viagens do Rei Macaco ao Ocidente, Três Reinos, Shui Hu (À Beira d’Água) e Sonho na Câmara Vermelha. A sexualidade explícita que transparece das suas páginas granjeou-lhe uma notoriedade na China, equivalente a Fanny Hill no Ocidente. Desde a sua criação, há quatro séculos atrás, que tem sido interdito na China, embora seja replicado e continue a circular clandestinamente.
Ao contrário dos quatro romances clássicos, Jin Ping Mei tem permanecido um enigma devido aos seus subterfúgios literários, que abrem as portas a interpretações menos ortodoxas.
Por exemplo, as cenas de sexo detalhadas podem ser interpretadas como uma descrição da condição da mulher na China antiga. A história de Jin Ping Mei desenvolve-se em torno de Ximen Qing, um mercador rico e libidinoso que subiu a pulso na vida e que possui várias esposas e concubinas. As suas actividades sexuais trazem a cena três tipos de mulheres:

1. Li Ping’er e Han Aijie, que fazem sexo por amor. 2. Madame Lin, que faz sexo pelo sexo. 3. Muitas outras que fazem sexo por dinheiro. Pan Jinlian, a heroína da novela, combina os três tipos. Pan desfruta do sexo, acredita no amor e não se importa de fazer uns jeitos para melhorar o seu estilo de vida. Pan Jinlian é na verdade uma personagem complexa e, talvez por isso, o autor a tenha tratado de forma negativa. Dum ponto de vista actual, Pan Jinlian poderia ser considerada uma feminista avant-la-lettre. Enquanto cronista do período Ming, o autor revela algumas intenções moralistas, comparáveis às do pintor holandês, seu contemporâneo, Jan Steen, cujas pinturas foram em grande número fábulas sobre os perigos da falta de contenção. A ideia da libertação da mulher não ocorria a ninguém na China do séc. XVII e, como tal, o autor decidiu abrir fogo sobre outro tipo de problemas sociais como a hipocrisia e a corrupção que grassavam na China daquele tempo. Faz ainda mais sentido se considerarmos o pseudónimo que escolheu, 蘭陵笑笑生, “O Sátiro de Lanling”. Enquanto romance de cariz social, Jin Ping Mei é uma sátira reveladora e eloquentemente hilariante, mas nunca perdemos de vista que a ironia é inspirada pela realidade nas suas diferentes facetas.
O Beijing Dance Theatre levou recentemente a cena um bailado inspirado nesta obra. A adaptação elevou decididamente a fasquia, tratando o erotismo da antiga China de forma surpreendente. Apresentar este trabalho, onde se exibem bailarinos nus, a audiências oriundas de uma cultura sexualmente repressora, não é pêra doce. O bailado Jin Ping Mei foi interditado pelas autoridades logo a seguir à estreia. No entanto, o encenador Wang Yuanyuan parece ter seduzido os leitores de qualidade, amantes da sensualidade, procurados e encontrados num antigo livro proibido.

15 Jun 2016