Quando um grão de trigo morre

A Bíblia diz que se um grão de trigo cai na terra não morre, fica só; mas se morre, produz muitos frutos.

Recentemente, recebi três mensagens. A primeira vinha de uma empresa que costumava anunciar os seus serviços no jornal “Observatório de Macau”, perguntando se o jornal tinha retomado a sua actividade, depois de um ano de suspensão. O “Observatório de Macau” é um semanário dirigido pela Associação de Leigos Católicos de Macau. Eu (sendo o director voluntário do Observatório de Macau) fui informado pela Associação de Leigos Católicos de Macau em Janeiro de 2022, que se estava a planear interromper a actividade do jornal depois da Páscoa.

Como o “Observatório de Macau” já tinha recebido as cotas anuais dos seus muitos subscritores para esse ano, enquanto director voluntário, pedi que se continuasse a publicá-lo ao longo do ano antes da suspensão. Mesmo sem contratar funcionários a tempo inteiro para nos candidatarmos ao subsídio do Gabinete de Comunicação Social, acreditava que conseguiríamos manter o jornal a funcionar através de donativos, tal como tínhamos feito quando começámos e ainda não havia apoios do Governo. O “Observatório de Macau” foi publicado até Junho de 2022, e terminei nessa altura a minha colaboração voluntária de mais de 27 anos com este jornal. Já passou um ano sobre este acontecimento e os frutos ainda não surgiram.

A segunda mensagem vinha de um colunista de outro semanário a comunicar-me que ia fazer uma pausa na sua escrita. Sou seu amigo e sei que esta decisão se deve a motivos estritamente pessoais, sobretudo a um grande cansaço. Dado o seu grande patriotismo e amor por Macau, teve de lidar com várias pressões invisíveis como colunista e eu compreendo a sua posição. Possivelmente ter feito uma pausa foi a escolha mais acertada nesta fase e, no futuro, podem vir a germinar mais sementes.

A terceira mensagem dizia respeito ao falecimento de Ng Sio Ngai, directora do jornal online “All About Macau”. Conheci Ng Sio Ngai depois do incidente de Tiananmen, em 1989. Ela e outra jornalista de apelido Tam abordaram-me para uma entrevista. Como membro de um grupo de cristãos preocupados com a Lei Básica, aceitei dar a entrevista e essa foi a minha primeira experiência com a imprensa. Passaram muitos anos desde essa altura, Tam mudou de carreira, ao passo que Ng Sio Ngai permaneceu firmemente na linha da frente do jornalismo. Ng acompanhou a elaboração e a promulgação da Lei Básica de Macau e testemunhou o regresso da cidade à soberania chinesa. A sua paixão de décadas pelo jornalismo acompanhou verdadeiramente o crescimento e a transformação de Macau.

Para ter mais espaço de expressão, Ng fundou o “All About Macau”, ao mesmo tempo que continuava a trabalhar diariamente num jornal local, lutando incansavelmente pela liberdade de imprensa e pela liberdade de expressão em Macau. Nos últimos anos, os desafios colocados ao sector da informação em Macau aumentaram, com a substituição da imprensa escrita pelos jornais online. Neste ambiente mais instável, a presença de jornalistas idealistas e pró-activos como Ng Sio Ngai é essencial. Infelizmente, a energia humana é limitada e, tal como o trigo, chega a hora do seu definhamento. Mas acredito que o desejo de Ng Sio Ngai seria que este grão de trigo viesse a ar muitos frutos no futuro.

Morreu um grão de trigo. A capacidade de vir a dar muitos frutos depende de várias condições, mas sem os “grãos”, ou sementes, a humanidade pode perecer. Depois de me dedicar muitos anos a um trabalho voluntário na área das publicações, só tenho uma convicção, “Ai de mim se eu não pregar o Evangelho”, porque espalhar a palavra de Deus é o dever de todo o cristão. Se não quisermos ver Macau vir a tornar-se uma cidade morta e um deserto cultural, temos de criar um ambiente favorável para que os “grãos de trigo” mortos tenham a possibilidade de vir a dar origem a muitos outros “grãos”.

31 Ago 2023

Óbito | Ng Sio Ngai, veterana jornalista, morre de doença prolongada

Ng Sio Ngai faleceu na madrugada de sexta-feira vítima de doença oncológica. Natural de Zhongshan, a jornalista dedicou-se por inteiro à profissão, e ajudou a criar a Associação de Jornalistas de Macau e o órgão de comunicação social “All About Macau”. É recordada por colegas e membros da comunidade chinesa pelo heroísmo e espírito livre

A classe jornalística, seja de língua chinesa, portuguesa ou inglesa, conhecia-lhe o jeito peculiar de colocar perguntas: pertinentes, incisivas, mas longas e sempre com alguma opinião pelo meio, algo que os manuais de jornalismo não recomendam. Era um estilo próprio de inquirir os poderes dirigentes que, desde os anos 1980, existia na jornalista que passa agora a fazer parte da história do jornalismo em Macau: Ng Sio Ngai faleceu na madrugada de sexta-feira, 25, vítima de doença oncológica.

A notícia foi avançada pelo jornal online “All About Macau”, que ajudou a fundar e de que era dirigente. “É com profunda tristeza que anunciamos o falecimento de Ng Sio Ngai, presidente do ‘All About Macau’, na madrugada de 25 de Agosto, após doença prolongada. O seu falecimento constitui uma grande perda e uma grande tristeza para nós.”

O obituário descreve ainda que a jornalista iniciou a carreira no período em que Macau estava ainda sob administração portuguesa, “cobrindo notícias e escrevendo crónicas de opinião para vários órgãos de comunicação social”.

O “All About Macau” descreve ainda que Ng Sio Ngai “foi uma das principais jornalistas da linha da frente de Macau, testemunhando momentos importantes como as negociações sino-portuguesas [sobre a questão de Macau], a transferência de soberania e as eleições para o Chefe do Executivo, além de ter feito uma cobertura aprofundada de acontecimentos importantes que preocupam a comunidade de Macau, nunca desistindo”.

Ainda sobre o “All About Macau”, fundado em 2012, o jornal recorda que a jornalista, juntamente com outro grupo de repórteres, decidiu criar este meio de comunicação online em língua chinesa “dedicado a mostrar uma pluralidade de vozes junto da sociedade e a construir uma sociedade civil juntamente com o público”. No trabalho feito com a Associação de Jornalistas de Macau, da qual foi co-fundadora, em 1998, Ng Sio Ngai “foi uma voz activa na defesa da liberdade de imprensa em Macau”.

“Durante a sua doença, a presidente sempre continuou a prestar atenção à dinâmica da sociedade. Apesar de estar doente, continuou sempre a prestar atenção à dinâmica da sociedade e a persistir no seu amor pelo jornalismo, demonstrando um amor e sentido de responsabilidade sem paralelo pela profissão”, lê-se no obituário.

O jornal destaca ainda que a liderança “extraordinária” da repórter “permitiu que os meios de comunicação social avançassem apesar das dificuldades, transformando-os gradualmente numa plataforma influente com uma diversidade de vozes junto da comunidade”.

Aquilo que é essencial

Carol Law, também jornalista e amiga de Ng Sio Ngai, recorda ao HM que esta fez muito trabalho “por Macau e pelos meios de comunicação social locais, especialmente para os jovens e as novas gerações de jornalistas”.

“Como jornalista cumpriu sempre a sua missão de forma diligente. No período da transição, ainda antes da transferência de soberania, ela procurou, de forma activa, entrevistar responsáveis chineses para saber mais sobre questões como a localização dos quadros [na Administração pública], que era uma das maiores preocupações da sociedade na altura.”

Além disso, recorda Carol Law, quando foi anunciada a construção da nova ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, “ela procurou escrever vários artigos que esclarecessem os leitores sobre os custos da obra e os benefícios que poderia trazer para Macau”.

Acima de tudo, Ng Sio Ngai dedicou-se, ao longo da sua carreira, a “acompanhar a execução da Lei Básica, bem como a facilitar o debate social, reflectindo [no seu trabalho] todas as vozes das pessoas em termos de desenvolvimento sustentável da cidade, igualdade e liberdade”.

Carol Law destaca ainda a defesa firme “da liberdade de expressão e de imprensa”, pois como co-fundadora da Associação de Jornalistas de Macau, “sempre manifestou directamente as suas preocupações, nomeadamente durante as alterações à lei de imprensa e lei de segurança nacional”.

A Associação de Jornalistas de Macau, numa nota de pesar sobre o falecimento da jornalista, recordou que esta nasceu em Zhongshan e que se mudou para Macau com 18 anos “em busca dos seus sonhos”, com um grande interesse pela leitura e pelo taoísmo. Ng Sio Ngai foi “uma pessoa verdadeira e honesta”, que “nunca esqueceu a sua vocação de jornalista, mantendo uma atitude independente e crítica em relação ao Governo”.

Uma figura “heroica”

Johnson Ian, ex-jornalista do jornal Ou Mun, recordou nas redes sociais os dias em que, com Ng Sio Ngai, “andava atrás das notícias, agarrava o microfone e fazia viagens de trabalho”. “Tu eras sempre a primeira ir, sempre a olhar para a frente. Lembro-me das nossas alegrias e tristezas quando fazíamos a cobertura da Assembleia Popular Nacional e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, das gargalhadas que dávamos quando comíamos snacks a altas horas da noite e bebíamos café juntos. Foi óptimo ter-te como jornalista sénior, uma colega de armas, uma velha e boa amiga. Ter-te foi a sorte dos jornalistas da minha geração e também de Macau”, escreveu ainda.

Mas Ng Sio Ngai é também uma personalidade recordada por figuras fora da comunidade jornalística, nomeadamente Scott Chiang, antigo dirigente da Associação Novo Macau e ex-candidato a deputado. Ao HM disse que a jornalista falecida foi “uma figura omnipresente da sociedade civil de Macau”

“Em primeiro lugar, ficávamos surpreendidos pela idade dela, pois era quase sempre a jornalista mais velha da redacção, muitas vezes a fazer trabalho comum junto de um grupo de colegas com um terço da sua idade. Muitos foram deixando a profissão ao longo dos anos, mas Ng Sio Ngai manteve-se sempre a trabalhar. Era, sem dúvida, uma autoridade relativamente ao seu profissionalismo e experiência, embora estivesse longe de ser autoritária. Não podemos, contudo, misturar bondade com fraqueza.”

Para Scott Chiang, Ng Sio Ngai “era uma jornalista muito feroz quando era necessário, especialmente quando a pessoa do outro lado do microfone tentava uma forma fácil de fugir às questões”. “Pessoas como ela deixam-nos um testemunho de devoção e resistência. Lembram-nos que, num mundo de loucura total, é possível manter uma busca pura de ideais”, declarou.

O cineasta local Vincent Hoi também juntou a sua voz a um vasto e heterogéneo grupo de pessoas que recordaram a jornalista nas redes sociais. Ao HM, disse que a sua morte “é uma grande perda para o jornalismo de Macau, sobretudo para os media chineses”.

“Ela tinha um grande sentido de justiça e sempre lutou pela liberdade no jornalismo. O que ela noticiava não era aquilo que o Governo queria, mas era o que os residentes queriam saber.”

Sobre o jornal que ajudou a fundar, Vincent Hoi aponta que “mudou o ambiente do jornalismo em língua chinesa”, num cenário em que “os media chineses, como a TDM e o jornal Ou Mun, são muito conservadores e reportam as notícias que o Governo quer”. Em termos pessoais, Vincent Hoi recorda alguém que tinha amigos de todas as idades, “muito heroica”, que vai deixar saudades.

28 Ago 2023

Jornalista de HK ganha recurso contra condenação por acesso indevido a base de dados

Uma jornalista de Hong Kong ganhou ontem um recurso que anula a condenação por acesso indevido a uma base de dados de veículos, quando investigava uma operação policial contra manifestantes durante os protestos antigovernamentais de 2019.

Em Abril de 2021, um tribunal local multou Bao Choy Yuk-ling, de 39 anos, em 6000 dólares de Hong Kong por alegadamente ter prestado falsas declarações ao Departamento de Transportes para aceder à base de dados de registo automóvel, quando procurava investigar a resposta da polícia a um ataque a manifestantes.

Os cinco juízes do tribunal de última instância de Hong Kong, incluindo o lusodescendente Roberto Ribeiro, decidiram por unanimidade a favor de Choy, anulando a condenação e a sentença.

“As questões de falsidade e conhecimento foram erroneamente decididas contra a apelante”, referiram os juízes na decisão, que classifica a investigação de Choy como “jornalismo de boa-fé”.

À saída do tribunal, Choy disse a jornalistas estar feliz com a decisão, que sublinha a importância das liberdades de imprensa e de expressão, constitucionalmente protegidas, na região semiautónoma chinesa.

“Nos últimos anos, podemos ter descoberto que muitas coisas desapareceram silenciosamente”, disse Choy.

“Mas acredito que as nossas crenças nos nossos corações não podem ser removidas tão facilmente. Independentemente de eu ter ganho ou perdido hoje, a persistência [demonstrada] ao longo dos últimos anos já é algo significativo,” acrescentou.

Jornalista da emissora pública RTHK e suspensa desde que foi acusada, Choy disse esperar que o resultado seja uma notícia encorajadora para todos os repórteres que ainda trabalham no território.

Prémios e acusações

A história que Choy coproduziu, intitulada “7.21 Quem é dono da verdade”, ganhou o prémio de documentário em língua chinesa da organização não-governamental Human Rights Press, em 2021. O júri aclamou-o como “um clássico de reportagem de investigação” que tinha perseguido “as mais pequenas pistas, interrogando os poderosos sem medo ou favor”.

Depois da condenação da jornalista, dois meios de comunicação social – Apple Daily e Stand News – foram forçados a fechar pelas autoridades. Alguns dos dirigentes dos dois ‘media’ também foram processados.

O fundador do Apple Daily, Jimmy Lai, enfrenta acusações de conluio, no âmbito da lei de segurança nacional promulgada em 2020. Está ainda em curso o julgamento de dois antigos editores do Stand News acusados de sedição.

6 Jun 2023

Reportagens em Hong Kong, Myanmar e Taiwan premiadas

Reportagens sobre a covid-19 em Hong Kong, abusos militares em Myanmar e tráfico humano de estudantes africanos em Taiwan estão entre os vencedores dos Prémios de Imprensa de Direitos Humanos de 2023, foi ontem anunciado.

Os prémios, promovidos pela organização não-governamental (ONG) Human Rights Watch (HRW) e pela escola de jornalismo da Universidade Estadual do Arizona, distinguem reportagens de destaque sobre questões de direitos humanos em toda a Ásia e são anunciados no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.

“Estes prémios reconhecem os jornalistas que estão a lançar luz sobre algumas das questões mais críticas do nosso tempo na Ásia”, disse a directora executiva da HRW, Tirana Hassan.

“Este tipo de jornalismo, muitas vezes realizado em condições extraordinariamente difíceis, é essencial para expor as violações dos direitos humanos e estamos entusiasmados por homenagear estes corajosos repórteres”, acrescentou.

Distinções e categorias

As 16 categorias de prémios receberam 406 candidaturas de 33 países. As inscrições, para reportagens publicadas em chinês ou inglês durante 2022, foram avaliadas por um painel de jornalistas, editores e especialistas em direitos humanos.

“Os premiados deste ano fazem agora parte de uma orgulhosa tradição de reportagens sobre direitos humanos na Ásia – uma tradição que pretendemos expandir para outras regiões nos próximos anos para reconhecer um jornalismo de direitos humanos tão impressionante e impactante de todo o mundo”, disse Battinto L. Batts Jr., reitor da escola de jornalismo da Universidade Estadual do Arizona.

A agência de notícias Reuters recebeu o primeiro prémio de reportagem de investigação em inglês pelo trabalho sobre os abusos militares em Myanmar (antiga Birmânia) contra os rohingya e os activistas da democracia.

O prémio para reportagens de investigação em chinês foi atribuído ao The Reporter, um meio de comunicação sem fins lucrativos de Taiwan, pela reportagem sobre o tráfico de seres humanos de estudantes africanos por universidades de Taiwan: “Os jornalistas descobriram uma rede criminosa que levou o governo de Taiwan a apresentar queixa contra os infractores”.

“Com múltiplas entrevistas aprofundadas, os jornalistas deram um rosto humano a esta questão. Alguns dos estudantes afectados acabaram por conseguir retomar os seus estudos”, sublinhou a ONG.

O prémio principal para as notícias de última hora em chinês foi atribuído ao Ming Pao, um jornal sediado em Hong Kong, por uma série de artigos sobre a forma como a quinta vaga de covid-19 atingiu Hong Kong na Primavera de 2022.

3 Mai 2023

Conselho de Estado | Jornalistas instados a dar “histórias positivas” do país

O vice-director do Gabinete para os Assuntos de Hong Kong e Macau do Conselho do Estado, Yang Wanming, encontrou-se ontem com uma delegação de representantes da comunicação social em chinês, a quem pediu o foco na partilha de notícias positivas sobre o país e sobre Macau. Yang Wanming destacou a necessidade de “criar um ambiente repleto de boas opiniões sobre o país”, avançou ontem o canal chinês da Rádio Macau.

Além disso, o dirigente do Gabinete para os Assuntos de Hong Kong e Macau do Conselho do Estado enalteceu os meios de comunicação locais que, no seu entender, têm contribuído para solidificar os panoramas político e social de amor à pátria e a Macau, enquanto valores fulcrais.

Por seu lado, o presidente da Associação dos Trabalhadores da Comunicação Social de Macau e director do jornal Ou Mun, Lok Po, indicou que o sector de jornalismo local tem consciência da importância de defender o amor à pátria e a Macau e de contar bem a história da China.

Também participaram na reunião o subdirector do departamento de propaganda do comité central do PCC, Xu Lei e sub-directora do Gabinete de Ligação do Governo Popular Central na RAEM, Yan Zhichan.

13 Abr 2023

Projecto ‘O Regiões’ reúne profissionais ligados a Macau

Apesar de ser um jornal que vai apostar no interior de Portugal, o director promete não descurar “as diásporas portuguesas e os países da CPLP”. Na edição de ontem, apresentava alguns artigos sobre Macau

 

O período pandémico, marcado por restrições e isolamento, resultou, no entanto, na criação de um jornal em Portugal. O projecto ‘O Regiões’ foi lançado ontem, em formato online, e tem como fundador Fernando Pires, jornalista português que passou pelo território, assim como várias pessoas também com ligações a Macau.

À agência Lusa, Fernando Pires admitiu que o projecto foi pensado quando atravessou o isolamento da covid-19 e começou a contactar pessoas que tinha conhecido em Macau. “A ideia surgiu quando estive fechado aquando da covid-19 [pandemia]. Pensei o projecto e fui contactando pessoal do meu tempo em Macau”, afirmou o fundador d’O Regiões.

Além da versão online, em finais de Abril vai também ser publicada uma edição semanal em papel e ainda uma revista mensal de encarte. Estão também pensados conteúdos de vídeos e podcast.

Dos mais de 60 colaboradores, entre jornalistas, repórteres, fotojornalistas, cartoonistas, cronistas, comentadores, ‘designers’ e administrativos, surgem vários nomes com ligação a Macau.

Nuno Silveira Ramos, Miguel Brandão, Angelina Ritchie, Joaquim Magalhães Castro, João Pedro Martins, António Mil-Homens, António Bondoso, Paulo Godinho, Isaías Rosário, Joaquim Correia são alguns dos jornalistas e colaboradores com ligações ao território.

 

Atento à diáspora

Fernando Pires realçou que, apesar de o plano ser pensado localmente, “este jornal não estratifica a temática informativa, procurando antes captar a atenção da generalidade do público leitor”. “A notícia é a essência do nosso trabalho”, vincou.

O projecto assenta nos capitais próprios do director e tem um parceiro líder de mercado em publicidade.

Sobre as práticas da casa, Fernandes Pires promete independência e um jornalismo de qualidade: “’O Regiões’ pauta-se pelo exercício de um jornalismo livre, exigente e de qualidade, recusando o sensacionalismo, as notícias não confirmadas e a banal comercialização do que se entende por informação”, explicou o director.

Outro dos aspectos que o jornal promete não descurar, é a ligação com “as diásporas portuguesas e os países da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa]”. No entanto, este é um jornal que nasceu em Castelo Branco e que vai focar mais o interior do país.

8 Fev 2023

Hong Kong | Correspondentes cancelam prémios de jornalismo de Direitos Humanos

O Clube de Correspondentes Estrangeiros em Hong Kong cancelou ontem a edição deste ano dos prémios de jornalismo sobre Direitos Humanos alegando preocupações com a possibilidade de infracção da lei local, que impõe “linhas vermelhas” aos jornalistas.

Os vencedores da 26.ª edição destes prémios seriam anunciados em 3 de Maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. O presidente do Clube dos Correspondentes Estrangeiros, frequentado por jornalistas, advogados, empresários e diplomatas em Hong Kong, disse que a decisão “difícil” foi tomada depois de uma reunião da direcção.

“Sei que é uma decisão fora do comum quando o processo estava já muito avançado”, disse Keith Richburg, num comunicado.

“Nos últimos dois anos, os jornalistas em Hong Kong operaram sob ‘linhas vermelhas’ que delimitam o que está e não está autorizado, mas há áreas significativas de incerteza e não queremos infringir a lei de forma involuntária. É neste contexto que decidimos cancelar os prémios”, lê-se na nota divulgada hoje.

Richburg, um antigo correspondente norte-americano e hoje director do Centro de Estudos de Jornalismo e Meios de Comunicação da Universidade de Hong kong, disse que o clube continuará a promover a liberdade de imprensa, “reconhecendo que os desenvolvimentos recentes poderão requerer mudanças na estratégia”.

Vem de longe

Os Prémios de Jornalismo de Direitos Humanos começaram a ser entregues em 1996, numa iniciativa organizada pelo Clube dos Correspondentes Estrangeiros, a organização não-governamental Amnistia Internacional e a Associação de Jornalistas de Hong Kong (HKJA, na sigla em inglês).

No sábado passado, a HKJA, a maior associação de jornalistas de Hong Kong, realizou uma reunião extraordinária para debater o futuro da organização, incluindo a dissolução.

No final, o presidente da HKJA, Ronson Chan, afirmou que a associação continuará a existir “num futuro próximo”.
A associação tem estado sob pressão governamental, com o secretário da Segurança do executivo da cidade a ter posto em causa a sua neutralidade política.

Já o Clube de Correspondentes Estrangeiros está em conversações com o Executivo de Hong Kong para a renovação do contrato de arrendamento do ofício em que está instalado, que termina em Janeiro de 2023.

26 Abr 2022

Media | Ho Iat Seng destaca patriotismo dos jornalistas de língua chinesa 

No encontro com profissionais dos meios de comunicação social em língua chinesa, o Chefe do Executivo garantiu que o Governo vai continuar a defender a liberdade de imprensa. Os jornalistas foram elogiados. “Preservam a boa tradição do ‘amor pela Pátria e por Macau’”, afirmou Ho Iat Seng

 

A preservação da liberdade de imprensa no território foi a principal ideia deixada por Ho Iat Seng num encontro com profissionais dos meios de comunicação chineses a propósito das celebrações do ano novo chinês. No seu discurso, o Chefe do Executivo disse que o Governo “continuará a garantir a liberdade de imprensa”, tendo em conta que considera que este sector “é um apoio importante para o consenso social e para a promoção do desenvolvimento e progresso da sociedade”.

Ho Iat Seng deu também destaque ao patriotismo, frisando que “os profissionais da comunicação social de língua chinesa em Macau preservam a boa tradição do ‘amor pela Pátria e por Macau’”.

“Espero que todos continuem a desempenhar o seu papel de ponte entre o Governo da RAEM e o público e a potenciar a energia positiva; e que, ao contarem bem a história de Macau e transmitirem a voz da RAEM, ajudem os diversos serviços na implementação da acção governativa, contribuindo para a implementação estável e duradoura do princípio ‘um país, dois sistemas’ e para a prosperidade de Macau”, disse ainda Ho Iat Seng.

Papel na pandemia

Falando da pandemia, Ho Iat Seng não deixou de destacar o papel dos media na cobertura noticiosa, considerando que “os profissionais da comunicação social local desempenharam o seu papel de forma profissional e com espírito de missão”. Além disso, os jornalistas “transmitiram a situação social e a opinião pública, e reforçaram a comunicação entre o Governo e a população, para que os trabalhos das diversas tutelas do Governo pudessem ser implementados de forma mais eficaz”.

Relativamente às políticas para este ano, Ho Iat Seng garantiu que será dada continuação à implementação do 2.º Plano Quinquenal da RAEM, além de apostar nos planos de integração regional do território, nomeadamente na Grande Baía e na Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin, sem esquecer a política nacional “Uma Faixa, Uma Rota”.

15 Fev 2022

Hong Kong | Portal CitizenNews anuncia encerramento

O portal noticioso CitizenNews, de Hong Kong, anunciou este domingo que vai encerrar a atividade para “assegurar a segurança de todos”, dias depois de uma operação policial em outro ‘media’ ter resultado em várias detenções, sob a acusação de sedição.

O CitizenNews, um portal de notícias apartidário e financiado pelos seus utilizadores, foi fundado em 2017 por um grupo de jornalistas experientes e era um dos veículos de notícias ‘online’ mais populares de Hong Kong, com mais de 800.000 subscritores nas redes sociais.

Durante o ano passado, o portal contratou vários jornalistas de outros meios de comunicação, à medida que as autoridades aumentavam o controlo sobre a imprensa. A Rádio Televisão de Hong Kong ficou sob o controlo de líderes pró-governo.

O jornal Apple Daily foi encerrado em junho por ser considerado uma ameaça à segurança nacional, e o seu fundador, Jimmy Lai, foi condenado pela justiça.

Hoje, o CitizenNews anunciou “com o coração pesado” que irá encerrar a atividade na terça-feira e que o seu portal na Internet seria removido “mais tarde”.

“Infelizmente, não podemos mais esforçámo-nos para transformar as nossas crenças em realidade sem medo, devido à drástica mudança na sociedade nos últimos dois anos e à deterioração do ambiente dos meios de comunicação”, referiu o CitizenNews num comunicado. Quatro dos co-fundadores do CitizenNews são ex-presidentes da Associação de Jornalistas de Hong Kong.

3 Jan 2022

Jornalismo | Direcção da AIPIM sem candidatos

A quatro horas do limite da apresentação de candidaturas às eleições da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM), agendadas para 27 de Março, não havia candidatos. O ponto de situação foi feito pelo presidente da Mesa da Assembleia-Geral, João Francisco Pinto, ao HM.

Segundo o dirigente, os estatutos da associação definem que no caso de não haver interessados os actuais órgãos sociais mantêm-se em funções. Contudo, João Francisco Pinto recusou antecipar o cenário, uma vez que nada impedia que ainda surgissem candidatos.

Apesar do cenário de ontem, a corrida à sucessão do presidente José Carlos Matias, impedido devido ao limite dos mandatos de se recandidatar à mesma posição,  prometia ser a mais activa dos últimos anos, com duas listas.

Gilberto Lopes, actual vice-presidente da AIPIM e director-adjunto de Informação e Programas dos Canais Portugueses, admitiu ao HM que chegou a apresentar uma lista, mas desistiu. “Posso dizer que apresentei uma lista e decidi retirá-la. E fico por aqui”, afirmou. O ainda vice-presidente não se alongou, mas a instituição onde trabalha tem atravessado um período de turbulência interna e, a sua comissão de serviço, como director-adjunto, foi apenas renovada por seis meses, quando normalmente era de um ano.

Paulo Coutinho, director do Macau Daily Times, também ponderou avançar com uma lista, mas recuou. “Percebi que, neste momento, a melhor opção era continuar com o mesmo grupo à frente da direcção. Era muito difícil reunir apoios, tentei alguns, mas percebi que estava tudo muito ligado ao grupo actual”, explicou. “Neste momento, e com o desenvolvimento da situação em termos de liberdade de imprensa, o mais importante é haver uma lista que possa ser o mais consensual possível”, sublinhou.

18 Mar 2021

China | Correspondentes estrangeiros com piores condições de trabalho

As condições de trabalho da imprensa estrangeira na China “deterioraram-se consideravelmente”, em 2020, segundo o Clube de Correspondentes Estrangeiros no país asiático, após a expulsão de 18 jornalistas e o aumento da pressão exercida pelas autoridades.

“Pelo terceiro ano consecutivo, nenhum correspondente declarou que as suas condições de trabalho melhoraram”, apontou o Clube de Correspondentes Estrangeiros na China (CCEC) no seu relatório anual. A China expulsou, em 2020, pelo menos 18 jornalistas estrangeiros que trabalhavam para os jornais norte-americanos New York Times, Wall Street Journal e Washington Post. Tratou-se da “maior expulsão de jornalistas estrangeiros desde os dias do massacre de Tiananmen, há mais de 30 anos”, segundo o Clube.

A China deixou também de atribuir novas credenciais de imprensa aos correspondentes de órgãos norte-americanos. A validade das credenciais de imprensa de pelo menos 13 correspondentes foi reduzida para seis meses ou menos. O documento, essencial para os jornalistas trabalharem no país, costuma ser válido por um ano. BBC, Globe and Mail, Le Monde ou Voice of America foram alguns dos órgãos afectados. Outro tipo de pressão, dirigida a funcionários chineses de órgãos internacionais, “aumentou” também, no último ano, com ameaças de não renovação das autorizações de trabalho.
Lusa

2 Mar 2021

Hong Kong | Confiança nas notícias caiu graças aos protestos de 2019 

A mais recente edição do Reuters Digital News Report dá conta de uma queda de 16 por cento na confiança que a população de Hong Kong deposita nas notícias, números que se devem em grande parte aos protestos sobre a lei da extradição. Os telejornais e a rádio continuam a dominar em termos de procura de informação, com destaque para o crescimento do portal informativo Stand News

 

[dropcap]A[/dropcap] população de Hong Kong confia hoje menos nas notícias do que em 2018, e a culpa deve-se, em parte, à complicada situação política que se vive no território. Dados do relatório do Reuters Institute for the Study of Journalism, ontem divulgado, mostram que a confiança nas notícias teve uma quebra de 16 por cento, com 30 por cento dos inquiridos a afirmar que confia nas notícias que lê, vê ou ouve.

“Os protestos que se prolongaram durante meses contra a proposta de lei da extradição parecem ter influenciado a confiança em geral (menos 16 por cento), tal como a confiança em títulos individuais”, lê-se no relatório. “Os canais de televisão e as estações de rádio continuaram a ser os mais confiáveis, mas o portal online Stand News obteve uma atenção significativa e aprovação pela sua cobertura. No início de 2019 estava em penúltimo lugar em termos de confiança, mas um ano depois passou para o sexto lugar”, acrescenta o documento.

Olhando para a confiança por órgão de comunicação, o canal Now TV News lidera com 67 por cento da confiança dos inquiridos, enquanto que em segundo lugar surge o canal de televisão estatal RTHK, com 63 por cento. Em terceiro surge o I-cable News com 61 por cento. O jornal Apple Daily, fundado por Jimmy Lai, tem uma confiança de 48 por cento. No último lugar surge o Bastille Post, com apenas 39 por cento da confiança dos inquiridos. Durante a semana, o canal TVB News é o mais visto, com 39 por cento dos inquiridos.

Mais a pagar

Apesar de a confiança da população nas notícias ter diminuído, isso não significa que as plataformas de informação online tenham registado uma crise. Bem pelo contrário: mais 12 por cento dos inquiridos diz consumir informação paga online, num total de 29 por cento das pessoas entrevistadas.

Relativamente às redes sociais, destaque para o Facebook, que foi consultado por 58 por cento dos entrevistados para fins informativos, mais seis por cento face a 2018, e usado por 79 por cento das pessoas para questões gerais. Em segundo lugar surge a plataforma de mensagens WhatsApp com um uso de 50 por cento para a consulta de notícias, mais nove por cento face ao ano anterior.

“Uma série de protestos nas ruas contra a proposta de lei de extradição apresentada pelo Governo capturou a atenção dos media, com um crescimento nas plataformas online em geral e no uso das redes sociais em particular. O serviço de mensagens encriptadas do WhatsApp teve um uso para questões gerais de 84 por cento e de 50 por cento para as notícias. O uso do YouTube e do Instagram para as notícias também teve um aumento”, aponta o relatório.

O Reuters Digital News Report 2020 é o nono relatório anual do Reuters Institute for the Study of Journalism. A pesquisa foi levada a cabo em 40 países, o tamanho total da amostra foi de mais de 80 mil adultos, cerca de 2.000 por país, tendo o trabalho de campo sido realizado entre Janeiro e Fevereiro deste ano.

17 Jun 2020

Entre o acaso e o bem

15/05/2021

[dropcap]N[/dropcap]o jornal que leio agora classificam-se os incêndios como “tremas do inferno”. Tremas? Tremas. E terá a liberdade poética escapado ao editor, normalmente tão sedentos a aplicar a plaina? Sofri horrores quando era jornalista, às mãos dos copy desks. Um dos meus maiores “inimigos” tinha um nome: António Loja Neves, que em nome do “livro de estilo” me assassinou vários textos.

O jornalista ou foi inconsciente da sua formulação (às vezes um impreciso manuseamento da língua provoca por lapso efeitos de estilo, como na metáfora jornalista que me deu o título de um livro: os crimes montanhosos), ou foi engenhoso. Como eu agora que, ao saber que em Moçambique se estima que o auge do vendaval covid-19 terá lugar daqui a quatro/seis semanas (ou seja, não terminará este confinamento), proponho o seguinte: como o corona vírus propaga-se pelo ar, para se evitar males maiores, há que equipar com máquinas de vento todas as entradas nas cidades e os postos fronteiriços.

16/05/20

Procurava uma alma que merecesse participar no universo – uma frase do argentino Jorge Luís Borges. Uma frase de grande nitidez, mas nada evidente; a nossa tendência é evitá-la para não termos de interrogar: serei eu digno de participar no universo?

Tal como a pele precisa de poros para respirar – dessa infatigável ligação com um exterior a si – também nós estamos ligados aos outros. Existe uma palavra para isso: vínculo. O outro é o nosso ponto de fuga ou de verbalização – daí ser um osso duro de roer restringir o nosso convívio com os demais.

A leitura é de antemão uma forma de mitigação, posto oferecer-nos uma solidão acompanhada.
Num bom livro as palavras estão vivas e despontam de um diálogo invisível. Quem não lê está mais sozinho, a ausência do outro faz crescer os lugares. Ler, pelo contrário, é abrigar o exterior a mim dentro de casa, acrescenta várias assoalhadas à nossa morada mas o espaço encolhe, acomoda-se ao cadeirão onde lemos, às mãos que seguram o livro.

A vida, e falo por mim, é tantas vezes, um laboratório de más escolhas. E a poesia pode ser, neste processo de sondar as hipóteses, uma boa terapia.

A poesia ensina-nos, não a errar menos mas a confiar menos na exclusividade do nosso juízo.
Ao apresentar-nos outros pontos de vista, a poesia faz-nos examinar os nossos preconceitos não para rejeitá-los a rodo só por serem preconceitos, mas para avaliar quais devem ser preservados e quais não devem, e ensina-nos a reconhecer que quase tudo em nós é obra alheia – sendo esta percepção uma abertura para a humildade. A poesia tem esse chão e aponta-nos o caminho das raízes, ainda que sejam rizomas.

Há pouco tempo escrevi num caderno:

«Há palavras que procuram raízes,/Antes são a consciência amotinada/ Que à regra prefere a extorsão;/ São danadas as palavras à solta/ Antes de experimentarem o amor,/ A sua lei, ou a amenidade de questionar/ Que barcas afinal vogam ao acaso».

Nenhuma barca deve vogar ao acaso. Podemos não ter ainda um rumo mas podemos entretanto não carecer de princípios. Era no que acreditava Simone Weil quando escreveu que a beleza é a harmonia entre o acaso e o bem. O acaso é o caos ou a tempestade que atravessamos e o bem o leme, que não nos deixa perder na borrasca e nos permite apreciar a beleza do mar, mesmo zangado.

E que fazer, entre aceitar a borrasca como experiência e aprender a manejar o leme? Talvez o que reclama um poeta maior da língua portuguesa, o António Franco Alexandre. Diz ele: «(…) Fui aprendendo à força de querer/ Ser digno da invulgar metamorfose/ Que às vezes nos permite ser humano.»

O poeta fala da raridade de ser humano e como isso só se atinge por uma metanóia, por uma superação. À força de querer ser digno: eis-nos convidados a examinar se não poderemos ser melhores. Porque essas raras ocasiões que nos autorizam a ser humanos dependem do peso que colocámos na questão inicial: tenho sido eu uma alma que mereça participar no universo?

Serei eu digno de participar no universo, terei eu dobrado o penhor da beleza que herdei? A verdadeira questão que a vida nos coloca. E não é de agora que estamos aflitos, mas de sempre.
Ando com tentações de abandonar tudo para me dedicar à jardinagem. Se alguém tiver por aí um aparador de relva que me empreste, não hesite.

17/05/20

Conta Plutarco que um dia Pirro fazia projectos de conquista; “Primeiro submeteremos a Grécia…”. “E depois”, pergunta-lhe Cineas, curioso. “Conquistaremos África…”. “Muito bem, e depois de África?”.

“Passaremos à Ásia Menor, anexaremos a Arábia…”, “”Sim, isto começa a ganhar a escala de um projecto!”, anuía Cineas. E Pirro, de olhos brilhantes, continuou: “Iremos até às Índias…”. “E depois das Índias?”, “Ah, disse Pirro, aí descansarei…”. “Porque não descansar então agora?”, tornou Cineas.

Julgo ser esta mesma a sabedoria com que a natureza nos governa – no oposto a Pirro. Tal como Deus ao sexto dia, vai cansar-se o coronavírus e sem semear mais mistérios descansará.
Pena não ter sido ontem, mas o seu é um império de caniço.
É com esta confiança que entro nas próximas semanas, abstraído de tremas, de olho vivo nas tramas.

21 Mai 2020

O medo

[dropcap]O[/dropcap] jornalismo é uma actividade feita de imprevistos. Mas por cá, existe uma dificuldade extra ao trabalho dos jornalistas: o terror absoluto ao poder do patrão, a subserviência canina e o pavor de armar ondas, de ser aquele gajo que se mete em bicos de pés.

Mas nem é um caso desses que me leva a escrever estas linhas. O mundo atravessa uma crise que carece de clareza, de informação especializada, que também é serviço público. Quando um especialista, ou técnico, usa as redes sociais para transmitir a sua sapiência e iluminar a perigosa treva do desconhecimento, o seu contributo pessoal está dado. Por vezes, os meios de comunicação social acabam por ser megafones destas informações privilegiadas. Mas então e se o papá não gostar? Ui, arranja-se um trinta e um e lá nos encolhemos todos, não é?

É deprimente ver um homem não ter autonomia para dar o seu contributo pessoal para o aumento do conhecimento social, sem opiniões ou julgamentos. Quantas vezes lemos nas redes sociais autênticos teasers de segredos que se sabem, mas que nem se sussurram? Quantas vezes são dadas pistas de casos que precisam de luz, ou de uma janela aberta para arejar o ar estagnado pela corrupção e do compadrio?

Mas dizê-lo em voz alta é coisa para poucos bravos. Estou a extrapolar para coisas muito mais difíceis de dizer, quando por vezes a solução é simples. A cidadania também se faz dando a cara, assumindo o papel que desempenhamos na sociedade, como homens adultos.

11 Mar 2020

Respeito

[dropcap]H[/dropcap]á quem nesta praça goste muito de pregar a cantiga do princípio da igualdade e da pureza moral. Só que na altura de assinar os trabalhos “jornalísticos” se acha muito acima do outro, que mais não é visto do que, no alto da arrogância, como um “tradutor”. Por esse motivo, apesar do trabalho não poder ser feito sem o rapaz que fala chinês, ou de este ter sido obrigado a trabalhar a altas horas da noite a ir de lugar em lugar, a peça é assinada como se fosse o trabalho de um único ser.

É melhor assim, dá-se mais destaque aos “jornalistas de reportagem” e, caso o objectivo seja ganhar prémios, como é quase sempre, não é preciso andar a partilhar dinheiro com “o desconhecido” lá da redacção. É pena que o mesmo critério não seja utilizado quando trabalhamos num jornal e o nosso trabalho sai numa revista do mesmo grupo… Nessas situações achamos que estamos a ser injustiçados e que o nosso trabalho está a ser desprezado…

Quando andava no secundário tive uma disciplina denominada Técnicas de Tradução de Inglês. Confesso que foi muito útil, não só pela parte técnica, mas porque ensinava a respeitar a profissão de tradutor e principalmente a de intérprete. Mais gente devia ter frequentado essas aulas, mais não fosse para perceber que “one aperture” não significa “uma abertura de página”. No entanto, o mais importante talvez fosse para aprender a respeitar os outros, ou pelo menos o trabalho deles.

3 Mar 2020

Para a população

[dropcap]U[/dropcap]ma das grandes vantagens da História face ao Jornalismo é o distanciamento temporal. Ao contrário de quem está próximo dos acontecimentos, quem faz a análise mais à frente no tempo tem outros dados e consegue ver a floresta, por oposição com o jornalista que está atrás todos os dias atrás de uma árvore diferente.

Tal não significa que o jornalista não veja pontualmente a floresta, também vê, só que na maior parte das ocasiões as copas das árvores são mesmo demasiado altas. Dito isto, não faço a mínima ideia do que vai acontecer nos próximos 30 anos da RAEM, não tenho experiência para analisar os últimos 20 e falta-me o distanciamento para uma boa análise. Por isso, espero apenas que o que está para vir faça a população feliz.

20 Dez 2019

Hong Kong | Polícia deteve jornalista que pediu informações sobre colega ferido

[dropcap]A[/dropcap] Polícia de Hong Kong deteve um jornalista do diário Ta Kung Pao, uma publicação conhecida pelas posições abertamente Pró-Pequim e Governo Central. A detenção aconteceu há minutos e, de acordo com o portal Stand News, terá acontecido quando profissional abordou as forças de segurança para se inteirar do estado de um outro repórter, que foi ferido no local.

O caso aconteceu em Sham Shui Po e não foi avançada nenhuma explicação para a detenção. No entanto, minutos antes da detenção um colega da mesma publicação tinha sido filmado a sangrar. Perante a detenção, os outros jornalistas juntaram-se à porta da esquadra a gritar para que as autoridades expliquem o sucedido.

Minutos depois o jornalista foi solto e explicou que foi detido porque a polícia considerou que ele tentou agredir um agente. Tudo terá acontecido quando o repórter procurava saber o que tinha acontecido com o seu colega e no meio da concentração de pessoas à frente da esquadra acabou por empurrar um agente. Depois de explicada a situação no interior da esquadra, o jornalista foi solto, com um pedido de desculpas, mas apresentava marcas de agressão.

Além deste caso, o dia ficou igualmente marcado pelos ataques contra os manifestantes em North Point, cometido alegadamente por tríades ligadas à comunidade de Fujian. Ao contrário do que aconteceu no mês passado, em que os gangues vestidos de branco carregaram com sucesso sobre pessoas inocentes no metro, desta vez os manifestante estavam em maior número e conseguiram defender-se.

 

5 Ago 2019

Embaixador de Portugal apela aos jornalistas timorenses que aprendam português

[dropcap]O[/dropcap] embaixador português em Díli apelou hoje aos jornalistas timorenses que aprendam português, salientando a importância da comunicação social em língua portuguesa na construção democrática de Timor-Leste.

“Aprendam português pela vossa identidade, pela vossa profissão, pelo mundo imenso da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa, a CPLP, que vos pertence”, disse José Pedro Machado Vieira.

“Sabemos todos da importância da comunicação social, bem como do papel que o acesso a informação certa e rigorosa cumpre na construção das democracias, pelo que não podemos descurar a formação permanente dos jornalistas”, referiu José Pedro Camacho Vieira, num seminário “Jornalismo em tempo de luta: relatos em português”, organizado pela embaixada e pelo Camões no âmbito da Semana da Língua Portuguesa e da Cultura da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Actualmente, encontra-se em implementação o projecto “Consultório da Língua para Jornalistas”, fruto da parceria entre o Camões, I.P. e a Secretaria de Estado da Comunicação Social de Timor-Leste, que tem como objectivos “a capacitação de profissionais da comunicação de Timor-Leste em língua portuguesa para a transmissão de informação fidedigna ao público”. Actualmente, existem cerca de 80 formandos neste projecto.

“Estudantes, jovens profissionais, peço-vos que aproveitem o conhecimento. No vosso percurso, privilegiem o mérito, a competência e a ética”, disse aos jornalistas timorenses.

Na sua intervenção, o embaixador português recordou que no último ranking de liberdade de imprensa, Timor-Leste, subiu 11 lugares mas ainda se encontra em “situação difícil”, motivo pelo qual a cooperação portuguesa “tem vindo a apoiar a Comunicação Social de Timor-Leste, através da formação de jornalistas, da redacção do quadro legal e mesmo do impulso à criação do Conselho de Imprensa, em 2015”.

O encontro, que juntou jornalistas com experiência de cobertura do país, entre os quais o delegado da Lusa, permitiu celebrar “a língua, sublinhando o valor da palavra em português”, salientou a diplomata.

Perante uma plateia de dezenas de jornalistas timorenses, os jornalistas veteranos Adelino Gomes e Max Stahl recordaram o trabalho feito no passado.

Adelino Gomes, que está em Timor-Leste numa iniciativa do Conselho de Imprensa e da Embaixada de Portugal, mostrou excertos dos seus blocos de notas da altura e descreveu os condicionalismos técnicos de operar na altura no território.

Max Stahl, que filmou o massacre de Santa Cruz em 1991, aproveitou a sua participação no seminário para falar do período de 1999, nomeadamente durante o período de grande violência após o referendo de 30 de Agosto.

O jornalista referiu-se ao facto dos vários poderes usarem imagens ou outros instrumentos para tentar manipular a opinião pública e apresentar versões diferentes da realidade.

Já Virgílio Guterres, presidente do Conselho de Imprensa timorense, recordou os seus primeiros passos no jornalismo, nomeadamente nos últimos anos da ocupação indonésia – que terminou em 1999.

Guterres salientou a criação de publicações como a Talitakum ou a Vox Populi, algumas revistas pioneiras na luta contra a ocupação indonésia.

8 Mai 2019

Jornalistas libertados em nome do interesse nacional, diz Governo de Myanmar

[dropcap]O[/dropcap]s dois jornalistas da Reuters libertados ontem em Myanmar (antiga Birmânia), após serem sentenciados a sete anos de prisão pela investigação sobre o massacre de muçulmanos Rohingya, foram perdoados em nome do “interesse nacional”, segundo o Governo local.

“Os dois jornalistas da Reuters foram libertados depois de os líderes levarem em conta o interesse nacional a longo prazo”, disse à agência de notícias francesa AFP o porta-voz do Governo de Myanmar, Zaw Htay.

De acordo com o chefe da prisão de Insein, Zaw Zaw, os dois jornalistas foram libertados esta manhã depois de o Presidente de Myanmar, Win Myint, ter perdoado 6.520 presos.

Nas primeiras declarações à imprensa, um dos jornalistas garantiu que vai continuar a exercer a profissão. “Sou jornalista e vou continuar a sê-lo”, disse Wa Lone, citado pela AFP.

Por seu lado, a agência Reuters emitiu um comunicado a saudar a decisão das autoridades de Myanmar, destacando a coragem dos dois trabalhadores, “símbolos da importância da liberdade de imprensa”.

Os dois jornalistas partilharam com os seus colegas da Reuters, no início de Abril, o Prémio Pulitzer de reportagem internacional, uma das maiores distinções do jornalismo.

No dia 23 de Abril, o Supremo Tribunal de Myanmar tinha rejeitado o último recurso de Wa Lone e Kyaw Soe Oo, confirmando as sentenças de prisão de sete anos, na sequência de reportagens sobre a repressão militar contra a minoria muçulmana rohingya.

O escritório das Nações Unidas em Myanmar também já saudou a libertação dos dois jornalistas.
“Estamos satisfeitos que Wa Lone e Kyaw Soe Oo, dois jornalistas da Reuters presos sob a lei de segredos oficiais de 1923, obtiveram hoje [ontem] um perdão presidencial. Agora, estão livres e podem reunir-se com suas famílias e retomar o seu trabalho vital “, declarou também a porta-voz da comissária da União Europeia dos Negócios Estrangeiros, Federica Mogherini, num comunicado.

A ratoeira

Wa Lone e Kyaw Soe Oo foram acusados de se terem apoderado de documentos secretos relativos às operações das forças de segurança no estado de Rakhine, região do noroeste de Myanmar, palco das atrocidades cometidas contra a minoria muçulmana rohingya do país.

Quando foram detidos, em Dezembro de 2017, estavam a investigar o massacre de rohingyas em Inn Din, uma aldeia do norte do estado de Rakhine.

Desde então, as forças armadas reconheceram que realmente tinham sido cometidas atrocidades em Setembro de 2017, e sete militares foram condenados a dez anos de prisão.

Ambos os repórteres declararam sempre ter sido enganados, e um dos polícias que testemunhou no julgamento admitiu que o encontro durante o qual os documentos secretos lhes foram entregues foi “uma armadilha” destinada a impedi-los de prosseguir o trabalho.

Desde 2017, mais de 700.000 rohingyas abandonaram a região, fugindo à violência do exército birmanês e de milícias budistas e refugiaram-se em campos improvisados no vizinho Bangladesh, um dos países mais pobres do mundo.

8 Mai 2019

Jornalistas | Associação acusa Governo de condicionar trabalho

A Associação dos Jornalistas de Macau queixa-se do isolamento de profissionais locais, enquanto repórteres alegadamente de meios de comunicação social do Governo Central se movimentaram à vontade durante uma exposição sobre segurança do Estado. O Executivo defende-se com a “manutenção da ordem”

[dropcap]A[/dropcap] Associação dos Jornalistas de Macau (AJM) emitiu uma carta aberta a criticar as medidas implementadas pelo Governo durante a cerimónia de abertura da Exposição de Educação sobre a Segurança Nacional. Em causa está o facto de os jornalistas serem obrigados a permanecer nas áreas “destinadas à recolha de imagens”, enquanto os repórteres alegadamente ao serviço de meios de comunicação do Governo Central tiveram liberdade para se movimentar à vontade.

Este isolamento é ainda visto como um obstáculo à abordagem de jornalistas com perguntas, o que faz com que a liberdade dos profissionais para fazerem o seu trabalho seja afectada. O evento de segunda-feira foi apenas mais um exemplo do que a associação considera uma forma cada vez mais frequente de actuar, principalmente quando o Chefe do Executivo, Chui Sai On, está presente.

“O Governo da RAEM enfatiza sempre que respeita a liberdade de imprensa e que apoia o trabalho dos órgãos de comunicação local. Contudo, nos últimos anos, a organização dos eventos do Governo tem como base a ‘manutenção da ordem’”, começa por contextualizar a carta aberta da associação de matriz chinesa. “A Associação dos Jornalistas de Macau acredita que as exigências feitas aos repórteres da linha da frente no sentido de ‘não se poderem movimentar livremente’, são barreiras disfarçadas para reduzir ainda mais a possibilidades de fazer entrevistas”, é defendido.

Neste sentido, a associação lança um apelo: “Pedimos às autoridades que cancelem todas as medidas que prejudicam a possibilidade de fazer entrevistas e que respeitem todos os órgãos de comunicação social, numa base de igualdade”, é escrito.

“Manutenção da ordem”

Segundo a associação, mesmo depois do evento de segunda-feira, os jornalistas tiveram de ficar isolados na área durante cinco a 10 minutos. O condicionamento de movimentos aos profissionais foi feito em três áreas diferentes, o que limitou as oportunidades de os órgãos entrevistarem as mesmas pessoas.

Por outro lado, o tratamento não foi igual para todos. Há quem esteja acima dos condicionamentos que visam manter a ordem, diz a AJM, como é o caso de “repórteres que se suspeita que trabalhem para os órgãos de comunicação social ligados ao Governo Central”.

A AJM questiona assim o Executivo se faz parte das suas políticas separar os órgãos de comunicação social e definir uma hierarquia entre os mesmos.

Face às críticas, o GCS referiu que pauta a sua actuação pelo equilíbrio entre “a manutenção da ordem” e “a criação das melhores condições possíveis para os jornalistas fazerem o seu trabalho”.

Ainda em relação a este aspecto, o órgão liderado por Vítor Chan diz que participaram no evento 150 convidados e 47 jornalistas de 28 órgãos de comunicação social. A resposta não nega a existência de tratamento desigual, mas frisa que o GCS respeita a “liberdade de imprensa e de cobertura noticiosa” e diz estar disponível para “reforçar o diálogo”.

17 Abr 2019

Mark O´Neill, jornalista e escritor: “É um momento histórico para aqui estarmos”

Mark O´Neill está em Hong Kong desde 1978 onde trabalha como jornalista e escritor. Apaixonado pela história da China, onde também trabalhou, tem agora oito livros editados, um deles dedicado a individualidades chinesas que marcaram a história de Macau: “Pioneers Of Macao – The Story Of 14 Chinese Who Helped To Make The City”. Ao HM, falou da cobertura dos protestos de Tiananmen em 1989, das mudanças a que tem assistido no país e das memórias deixadas pelo seu avô

[dropcap]E[/dropcap]stá no Oriente desde 1978. Que razões o levaram a vir para cá?
O meu avô viveu numa província no nordeste chinês entre 1897 e 1942. O meu pai ainda ali viveu durante seis anos. Quando era criança ele contou-me histórias sobre a vida na Manchúria. Era um período em que a China estava completamente fechada. Em 1978 vim para Hong Kong trabalhar na rádio como jornalista e editor e fiquei por cá.

Também trabalhou em Pequim quando ocorreram os protestos de Tiananmen. Como foi esse período na capital chinesa?
Foi uma altura muito estranha. Esse acontecimento, em particular, ocupou cerca de seis a sete semanas desde que os estudantes começaram a ocupar a praça. Se isto acontecesse num país europeu talvez não houvesse necessidade de intervenção militar. Mas aqui, no meio da China, num espaço emblemático, assistir ao que aconteceu foi uma experiência inacreditável. O início dos protestos coincidiu com a visita do presidente russo Mikhail Gorbatchov a Pequim e ninguém sabia qual seria o resultado das manifestações. Durante este período nenhum jornalista ia para a redacção. Íamos para a rua fazer entrevistas e as pessoas tinham muita vontade de falar, muito mais do que antes e depois do protesto. Estavam mais relaxadas. Foi um período extraordinário, tendo em conta que a China era um país muito controlado. Mas ninguém sabia o que iria acontecer. Na altura também estava muita coisa a acontecer no Europa de Leste e com a vinda de Gorbatchov havia muita gente a questionar o que poderia acontecer. No entanto, todos receavam a intervenção militar. Acabou por ser declarada lei marcial, penso que a 20 de Maio, o que significava o controlo militar. Inicialmente, o exército chegou à praça sem armas. As pessoas sabiam que o Governo queria que deixassem a praça apenas com a ameaça do exército. Mas mesmo assim os protestantes não dispersaram, apesar de saberem que era altura de desistir. Com a ameaça do exército no ar já se sabia o que se iria passar a seguir. Por outro lado, o protesto era também muito caótico. Não havia uma liderança real e ninguém assumia o controlo de nada. Os estudantes continuavam a chegar de fora de Pequim. O Governo acabou por enviar o exército com armas que inicialmente não foram usadas. Os protestantes resistiram e a violência acabou por acontecer. A partir daí as pessoas voltaram a não falar com a imprensa. Pouco depois fui para o Japão.

Tem escrito muito sobre a história da China. Como surgiu a ideia de escrever “Pioneers Of Macao – The Story Of 14 Chinese Who Helped To Make The City”?
Trabalhei para uma revista do território e fiz muitos perfis de pessoas para essa publicação. O Instituto Internacional de Macau queria publicar um livro com perfis de personalidades de referência e foi assim que apareceu esse livro.

Como fez a selecção de personalidades chinesas que contribuíram para a construção de Macau?
Há muitas pessoas e foi muito difícil escolher. Por isso, decidimos seleccionar gente de diferentes sectores, que tivessem contribuído para Macau, Hong Kong e para a China. Alguns são do sector do jogo, dois são fotógrafos, um é professor, outro bispo, outro foi o compositor do hino chinês durante a guerra com o Japão. Depois temos uma senhora, a primeira pastora da Igreja Anglicana que ficou famosa por isso mesmo, mas que acabou por renunciar depois da 2º Guerra Mundial devido à recusa dos seus colegas em reconhece-la. Dentro da história das mulheres no mundo e na igreja é uma figura importante.

Qual destas personalidades mais admira?
Uma delas é o bispo católico D. Domingos Lam, figura muito importante porque foi o primeiro chinês a tornar-se bispo. Até aí, apenas os portugueses tinham esta função. Penso que para a maioria das pessoas, principalmente para os chineses, foi muito estranho que o Vaticano tivesse esperado tanto tempo para escolher um bispo chinês. Foi também o bispo que assistiu à transferência de administração e teve um trabalho difícil de combinar as duas culturas do território, a portuguesa e a chinesa. Penso que o fez de uma forma muito segura. Ele estudou em Portugal, falava bem português e era muito próximo da comunidade portuguesa. Acho que foi uma personagem notável. Mas a minha favorita é mesmo a pastora anglicana, Florence Li que teve uma vida muito difícil. Esteve em Macau durante a guerra sino-japonesa e teve um papel importante no acolhimento de refugiados. Depois, os seus colegas em Londres retiraram-lhe o título sem razão nenhuma. Mas devido ao preconceito dos homens da Igreja que estavam em Londres, e que não tinham qualquer entendimento do que ela fez em Macau, teve de se afastar. Ela concordou sem protestar. Acabou por regressar ao continente e em 1949 podia ter voltado a Hong Kong, mas optou por lá ficar. Sofreu muito durante a revolução cultural, como muitos outros, e só foi autorizada a sair após a revolução. Acabou por ir para Hong Kong e depois mudou-se para o Canadá. É uma figura muito inspiradora.

Que livro mais gostou de escrever?
O que escrevi sobre o meu avô, Frederick O’Neil. Naturalmente, porque é da minha família, mas não só. Antes de escrever o livro não sabíamos muito acerca da vida dele. O meu pai só ficou na China seis anos e depois cresceu na Irlanda. Na altura, não havia internet ou telefone e sabíamos muito pouco do que se passava na China onde viviam os meus avós. Na pesquisa para o livro acabei por saber muito acerca da sua vida.

Como conseguiu chegar à informação?
Ele escreveu muitos relatórios para a igreja de que fazia parte na Irlanda, que tem uma biblioteca maravilhosa. Durante a 2ª Guerra esta biblioteca não foi bombardeada. Os alemães bombardearam Belfast pelo menos três vezes, mas em nenhuma delas a biblioteca foi atingida. Fiz uma copia de tudo o que o meu avô escreveu e o que o implicava e foi a partir daí que escrevi o livro. Tive acesso à informação escrita durante o tempo todo que esteve na China. Os missionários que na altura estavam na Manchúria também escreviam muito e por isso também acedi a outras abordagens dos eventos.

Destaca algum acontecimento, de entre as histórias que pesquisou, que o tenha marcado em particular?
Há um relato feito durante o período da 2ª Grande Guerra feito pelos missionários que foram presos pelos japoneses. Estavam em Nagasaki no dia em que foi lançada a bomba atómica. Temos cartas dos missionários a descrever aquele dia. A bomba explodiu e todo o ar nuclear foi levado pelo vento que soprava apenas numa direcção, oposta ao lugar onde estes missionários se encontravam. Quem estivesse na direcção do vento morria só por respirar o ar. É um relato muito intenso que aborda também a cultura japonesa. Apesar dos maus tratos que sofreram, estes prisioneiros não falam dos japoneses com ódio e enfatizam o seu lado bom que veio ao de cima após o final da guerra. Mencionam que depois da rendição, os japoneses não eram os mesmos, já não eram os carcereiros hostis que infligiam maus tratos. Não eram descritos como pessoas más, mas como vítimas do sistema mau que tinha forçado o seu comportamento. Assim que o sistema mudou eles começaram a comportar-se melhor. Histórias como estas tornam os relatórios do meu avô e de outros missionários muito interessantes. Eles viveram no meio das pessoas, quer na China ou no Japão. Não eram expatriados. Conheciam muito bem o povo, os seus costumes e pensamento.

Houve mais algum episódio que o tenha marcado?
Outra história interessante aconteceu durante a Rebelião dos Boxers, que terminou em 1900. Um dos objectivos deste movimento era matar todos os missionários que estivessem na China, considerados demónios estrangeiros. O meu avô estava a andar na rua e viu um anúncio que dizia que ele ia ser executado. Ele era um jovem com cerca de trinta anos. Mostrou o anúncio a amigos chineses que lhe disseram que era melhor ir-se embora. Ele e o cozinheiro acabaram por fugir para Harbin e daí para território russo. Foi uma viagem muito longa feita de carroça puxada a cavalos. Pelo caminho cruzavam-se com alguns rebeldes e podiam ter sido mortos a qualquer momento. Os missionários não podem ter armas com eles, não tinham como se defender. Ficou na Rússia cerca de um ano. Os boxers foram finalmente derrotados e eles acabaram por regressar à China. Penso que o retorno também é muito corajoso. Não sei se actualmente as pessoas fariam o mesmo: regressar a um sítio onde não tinham sido bem-vindas. Ele sentia que a sua missão era na China e que tinha de lá estar. O meu avô também construiu um hospital de medicina ocidental e duas escolas, uma para raparigas e outra para rapazes, na vila onde vivia. A de raparigas era a primeira daquela região. Para manter as escolas ele não pedia propinas fixas aos alunos, cada um pagava conforme fosse o rendimento da sua família. Graças a isto muitas crianças acederam ao ensino. Em Dezembro do ano passado liguei a um senhor, de 93 anos, que estava em Dalian e foi um dos alunos na escola do meu avô. Ele disse-me que tinha frequentado a escola com dois irmãos. Acabaram por se formar em medicina. Se não fosse o meu avô, nenhum deles poderia ter tido a educação que teve.

Como vê o papel actual da China no mundo?
É inacreditável. Quando fui trabalhar para o continente, nos anos 80, era um mundo à parte. Vou-lhe contar uma história. Fui de visita em 1980 e combinei encontrar-me com uma amiga num restaurante. Quando entrámos havia dentro do restaurante cerca de 50 pessoas. Todos usavam casacos de algodão azul, todos tinham o cabelo curto e eu não conseguia sequer distinguir os homens das mulheres. Sentámo-nos a comer uma massa e estas pessoas vieram, todas, para a nossa mesa e ficaram ali paradas a olhar para nós. Não o faziam de forma hostil, mas sim porque estavam curiosas. Em 1980, éramos umas criaturas diferentes que podiam ter vindo do espaço. Actualmente, a China é a segunda maior economia mundial. Os chineses agora viajam pelo mundo inteiro, são turistas, pessoas de negócios, estudantes. São ricos e podem comprar produtos de topo e empresas inteiras. Num curto período de tempo, a China transformou-se de um país noutro completamente diferente, o que é extraordinário. Acho que isto nunca aconteceu antes na história no mundo. A Alemanha, o Reino Unido ou a América também mudaram muito devido à industrialização, mas isso levou-lhes muito mais tempo. No caso da China, a transformação é feita muito rapidamente. Penso que nos podemos considerar pessoas com sorte por podermos ver esta mudança enorme. É um momento histórico para aqui estarmos, em Macau ou Hong Kong, a assistir a isso em primeira mão. É incrível.

20 Fev 2019

Condições de trabalho de correspondentes na China deterioraram-se em 2018

[dropcap]R[/dropcap]eceio de ter o telefone sob escuta, atraso na emissão do visto, vigilância ou detenções durante reportagens: as condições de trabalho dos jornalistas estrangeiros na China deterioraram-se ainda mais, em 2018, segundo um relatório divulgado ontem.

Um inquérito elaborado pelo Clube dos Correspondentes Estrangeiros da China (FCCC, na sigla em inglês), e a que responderam 109 jornalistas, “relata as piores condições para trabalhar na história recente da China”.

No total, 55% dos jornalistas inquiridos acreditam que as suas condições de trabalho se deterioraram, em 2018 – contra 40%, no ano anterior.

O receio de estar a ser monitorizado foi uma preocupação para quase metade dos que responderam à pesquisa, enquanto 91% estavam preocupados de que os seus telefones estivessem sob escuta pelas autoridades.

Zona dura

Na região do Xinjiang, onde se estima que cerca de um milhão de membros de minorias étnicas chinesas de origem muçulmana estejam detidos em campos de doutrinação política, 24 dos 27 jornalistas que viajaram até à região afirmam terem sido perturbados no seu trabalho.

Inicialmente, a China negou a existência daqueles centros, mas alega agora que estes visam combater o extremismo, oferecendo “treino vocacional” aos detidos.

Jornalistas estrangeiros que realizaram reportagens na região tiveram de apagar fotos ou gravações, interromper entrevistas e alguns foram detidos, segundo o inquérito.

“Fui seguido ao longo de quase 1.600 quilómetros, por pelo menos nove carros e 20 pessoas”, relatou Nathan VanderKlippe, correspondente do jornal canadiano Globe and Mail.

A China diz que os jornalistas estrangeiros têm o direito de entrevistar pessoas à sua escolha, desde que os entrevistados concordem, mas correspondentes denunciam a crescente pressão das autoridades.

Muitos dizem que tiveram dificuldades em renovar os seus vistos, segundo a investigação da FCCC, uma organização que Pequim considera “ilegal”. Segundo a pesquisa, os jornalistas chineses em órgãos estrangeiros também foram perseguidos ou intimidados.

30 Jan 2019

Megafone

[dropcap]P[/dropcap]ara que fique claro de uma vez por todas. O jornalista não é um megafone, papagaio, caixa-de-ressonância, porta-voz, moço de recados ou qualquer outro meio oficial de difusão informativa.

Apesar das crises éticas nascidas da mercantilização da comunicação, da vertigem do clickbait, do controlo dos meios de informação por grandes grupos económicos e de todos os mercadores que tentam vender verdades pessoais, não é muito complicado explicar qual o propósito da profissão. Por isso, dedico esta humilde página à sensibilização de quem ainda não percebeu com clareza qual o propósito do jornalismo.

Na semana passada, realizou-se o tradicional almoço entre Chui Sai On e os directores dos meios de comunicação de Macau que antecipa as festividades do Ano Novo Chinês. Depois de garantir que o Governo tem todo o respeito pela liberdade de imprensa, o Chefe do Executivo reiterou uma ideia que me deixa perplexo sempre que a ouço.

Num golpe de profunda incongruência, passo a servir momentaneamen te de megafone do Governo com um par de citações proferidas por Chui Sai On. Mas prometo que são por uma boa e pedagógica causa. Aqui vão dois breves trechos do discurso do homem que está no topo da hierarquia política do território: “O Governo da RAEM respeita a liberdade de expressão dos residentes de Macau, respeita a liberdade de imprensa e de publicação e ouve as opiniões e as sugestões dos órgãos de comunicação social.” Importa esclarecer que a comunicação social tem como missão informar, esmiuçar a realidade e trazer ao de cima factos de valor informativo, em vez desta bizarra função de órgão consultivo. Mas estas não foram, no meu entender, as palavras mais problemáticas do discurso do Chefe do Executivo.

“O Governo continuará, como sempre o fez, a apoiar vigorosamente o sector no desenvolvimento da sua actividade, para que os profissionais do sector possam, num bom ambiente social, desempenhar cabalmente as funções de canal de comunicação entre o Governo e a população e proporcionar serviços informativos mais diversificados ao público, com a fim de juntos contribuirmos para o desenvolvimento da RAEM.” Este é o parágrafo mais preocupante, com a irónica agravante de ter sido proferido depois do enaltecimento do princípio “um país, dois sistemas” e da liberdade de imprensa.

Sejamos claros. Este não é, nunca foi, nem nunca será o papel do jornalismo. Aliás, a missão do jornalista é o completo oposto desta perigosa asserção. Se fossemos meros veículos de propaganda, servis megafones do poder, qual a necessidade da liberdade de imprensa? Que sentido faria defender a independência do jornalismo? Aliás, se formos um mero canal de comunicação, uma espécie de relações públicas do Governo, para que serve o GCS?

Colocando de parte tiques autocráticos, importa recordar que a imprensa é o quarto poder. Tem o direito e obrigação de fiscalizar os poderes instituídos e trazer ao de cima a verdade, independentemente do incómodo que possa causar a quem manda. Outro dos títulos frequentemente usados para descrever o papel do jornalista é o “cão de guarda” do poder. Reparem que não é um chihuahua de de colo. Faz parte das nossas mais essenciais incumbências vigiar o poder para que este não se torne absoluto, corrupto e à margem da factualidade.

Não nos interessa criticar, dar sugestões, ou o quer que seja no campo opinativo, apesar da comunicação social estar impregnada de opinião, devidamente separada e identificada fora do campo noticioso. A nossa função é informar.

Naturalmente, faz também parte do nosso ofício noticiar o que é proposto ou anunciado pelo Governo. Neste capítulo, a profissão dita que se dê contexto ao que está a ser proferido, que se denunciem hipocrisias e se desmascarem mentiras ou deturpações da realidade.

O desejo ardente de ser chato e as paixões ideológicas não fazem parte do nosso ADN profissional. A busca pela verdade não tem propósitos subjectivos, nem pretende atacar ninguém. A veracidade não é emotiva, não quer fazer amigos nem tem apetência para servir de megafone para as vozes com mais alcance nas esferas de comando.

21 Jan 2019

As opiniões são piores que os coelhos

[dropcap]A[/dropcap] conversa acerca do declínio do jornalismo ultrapassa largamente as nossas fronteiras. Um pouco por toda a parte organizam-se conferências, debates e outros e mil e um enclaves nos quais se revezam no púlpito os profetas do apocalipse, os médicos-legistas e os coveiros. Numa coisa, pelo menos, parecem todos de acordo: o jornalismo de investigação, tal como o conhecemos, está morto. Divergem quanto às causas de morte. Uns apontam o dedo ao aparecimento da Internet, dos motores de busca e das redes sociais, que sorvem a fatia do bolo publicitário que antes alimentava a rotativa, outros ensaiam um mea culpa através do qual tentam arregimentar apoios e adeptos: o jornalismo, para estes, definhou porque o mantra economicista se sobrepôs com tal peso às directivas capazes de estabelecer uma linha entre o bom e o mau jornalismo que tudo acabou por ficar nivelado por baixo; os bons jornais ficaram maus e os maus ficaram piores. A verdade é que ainda estamos demasiado próximos do epicentro da batalha para lhe ver claramente os contornos. Uma coisa é certa, no entanto: independentemente do desfecho, nada será como dantes.

Além das fake news, contendo em si o poder e perigo tremendos de se tornarem o Pedro e o Lobo capaz de cravar o último prego no caixão do defunto, existem motivos mais discretos para que o jornalismo se tenha tornado uma espécie de activo tóxico. A Internet teve o condão de despertar uma consciência colectiva cujo modo de funcionamento está longe de ser claro. A imediatez do meio tem tendência a despertar no humano a tentação da resposta pronta. Bem vistas as coisas, isto não é nada de novo. A recompensa que advém da prontidão é imediata. A reflexão é um desporto de fundo; leva tempo, requer ponderação, calma e tempo. É muito mais exigente no trabalho a que obriga e proporciona uma satisfação desfasada do tempo em que se dá. A velocidade a que os assuntos se sucedem dificulta a nitidez necessária para dirimir aquilo que importa daquilo que é puramente acessório. A indignação resultante da morte de um gato por atropelamento pode ser idêntica aquela que advém das atrocidades cometidas num cenário de guerra. Noutra coisa são idênticas: no tempo que duram. São indignações a prazo, reacções cuja intensidade é inversamente proporcional ao tempo e à profundidade a que a elas nos dedicamos. Estamos muito mais focados na sucessão das coisas no mundo do que nas coisas que compõem essa sucessão. É uma corrida de velocidade na qual só fugazmente temos uma ideia de quem é quem na procissão interminável dos assuntos.

A Internet tem o condão de nos confundir tanto como de nos reassegurar. Por um lado, tudo acontece a uma velocidade para a qual não fomos obviamente treinados – e alguma poderemos sê-lo? E não estaremos a ver a coisa ao contrário? Não seria mais profícuo para todos desacelerar o mundo? Por outra parte, se tudo está a acontecer e nada nos prende a atenção mais do que umas míseras horas, não se poderá dar o caso de não estar a acontecer nada de importante, de facto? E mesmo que esteja, que posso eu fazer? Há uma tremenda desproporcionalidade entre a quantidade de coisas que me são dadas a ver e o meu limitadíssimo poder de intervenção sobre elas. Parece inclusive uma metáfora de um putativo inferno: o mundo existe, acontece e afecta-me; mas, por mais que me esforce, a minha capacidade de o afectar é praticamente nula. Uma linha de montagem de frustrados e neuróticos.

Se o jornalismo é só a vertente informativa, puramente informativa, não tem préstimo social. As notícias, a existirem, devem ser capazes de modificar a realidade. Notícias de corrupção devem originar processos e demissões. Notícias de guerra mandam que a sociedade se mobilize de algum modo. Notícias de abusos de direitos humanos devem provocar reacções de censura a vários níveis.

Muito pouco disto está a acontecer. A relatividade instala-se, muito por via da democratização falaciosa da opinião: à liberdade opinativa não corresponde a equivalência valorativa das opiniões. Estamos num caminho muito perigoso. O nosso farol, neste momento, é a irrelevância generalizada.

3 Dez 2018