Festival Fringe | Espectáculos apostam na inclusão através da arte

O programa deste ano do festival Fringe inclui uma série de espectáculos e workshops que visam a inclusão de idosos ou portadores de deficiência. A associação Comuna de Pedra, dirigida por Jenny Mok, juntou-se a várias entidades para trazer para os palcos a voz dos que, muitas vezes, são esquecidos ou excluídos da sociedade

 

A associação Comuna de Pedra, dirigida por Jenny Mok, apresenta na 21.ª edição do festival Fringe três espectáculos, workshops e um documentário em parceria com outras entidades, com o objectivo de promover uma maior inclusão de portadores de deficiência ou idosos através do mundo das artes. A primeira iniciativa, um workshop corporal para idosos, aconteceu no sábado, mas há muito mais actividades a decorrer ao longo deste mês.

Esta semana, o “Workshop de dança simbiótica” acontece entre amanhã e sábado no Centro de Actividades do Patane, entre as 14h e 18h. Com o professor Yuenjie Maru, de Hong Kong, trabalha-se a ideia de que qualquer pessoa, independentemente da sua condição física, pode dançar. Os destinatários desta iniciativa são idosos com mais de 60 anos ou portadores de deficiência física ou mental, embora todos possam inscrever-se.

No sábado e domingo, acontece “Veias dançantes”, em parceria com a associação Soda-City Experimental Workshop Arts Association e o centro para idosos da Casa Matteo Ricci. Esta performance de dança tem lugar na Casa do Mandarim, às 15h, onde dois coreógrafos locais vão dirigir os idosos do centro num espectáculo que conta, ao mesmo tempo, com as suas experiências de vida em Macau.

Na próxima semana, nos dias 17, 18 e 19, está agendada a peça de teatro “A Tarefa Interminável da Luxúria pelo Fracasso para Estudantes do Ensino Secundário”. No Teatro Caixa Preta, no edifício do Antigo Tribunal, acontece um espectáculo realizado em parceria com a Compania Weinheimer/Elber, da Suíça, a Associação dos Familiares Encarregados dos Deficientes Mentais de Macau e a Associação de Desenvolvimento Comunitário Artistry of Wind Box.

As escolas são convidadas a participar num espectáculo com a duração de cerca de uma hora e meia onde, mais uma vez, o corpo e a expressão pessoal de cada um assumem um personagem sem regras pré-definidas.

Por sua vez, no fim-de-semana de 22 e 23 de Janeiro decorre, na Casa Garden, o projecto “Corpo-específico!”, que já integrou o cartaz do TODOS Festival no ano passado. Mais uma vez, o professor Yuenjie Maru colabora num espectáculo que promove a diversidade e a inclusão, em parceria com o Centro Lustroso da Caritas Macau. Aqui, cada um dança de acordo com a sua abordagem pessoal e condição física, recorrendo ao método “Danceability” e elementos de dança simbiótica.

No mesmo fim-de-semana, acontece a projecção do documentário “Como fazer curadoria de arte inclusiva”, de O Chi Wai, e que conta a história do trabalho que a Comuna de Pedra tem desenvolvido, nos últimos anos, com as minorias.

Haverá ainda uma sessão de partilha com curadores de festivais de arte inclusiva no auditório da Casa Garden. Apenas Huichao Ge, de Pequim, e a própria Jenny Mok estarão presentes fisicamente, estando programadas sessões por videoconferência com Yao Lee Chun, de Taiwan, Grace Cheng, de Hong Kong, e Grace Lee-Khoo, de Singapura.

Os esquecidos

Jenny Mok, que há cerca de dez anos realiza projectos culturais comunitários com minorias, assume que “é muito bom” poder voltar a apresentar alguns espectáculos inseridos na programação do festival Fringe.

“Este é um direito que todos têm de ter acesso à arte e de a poder expressar”, contou ao HM. Com estas iniciativas, pretende-se “chamar a atenção para aquilo que falta na nossa comunidade”, uma “sociedade consumista e materialista, onde as coisas se fazem depressa e existe o pensamento de ganhar dinheiro e viver segundo uma economia de escala”.

Para Jenny Mok, “parece que estamos a perder uma parte importante da humanidade, que passa por incluir diferentes tipos de pessoas”. Portadores de deficiência ou idosos com limitações de locomoção “também são parte da sociedade, e muitas vezes não são envolvidos em muitas das decisões e políticas”.

“Não os vemos muito, na verdade, e esse é um problema. Colocá-los em espectáculos [é importante] e eles encaram-nos como se fossem uma espécie de embaixadores. A sociedade de Macau tem ainda um longo caminho a percorrer em prol de uma maior justiça e inclusão. Para termos uma sociedade mais justa há ainda muito que fazer, temos de dar voz a estas pessoas e penso que o palco pode ser uma boa plataforma”, concluiu a directora da Comuna de Pedra.

Arranque com dose dupla

A 21.ª edição do festival Fringe começa hoje com duas iniciativas. Uma delas chama-se “OAR” (zero AR), com direcção artística da dupla AΦE (Aoi Nakamura e Esteban Lecoq), que faz a sua estreia asiática. Este espectáculo, de apenas dez minutos de duração, apresenta uma experiência de realidade aumentada com grupos de cinco pessoas.

A iniciativa acontece até sexta-feira, entre as 16h e as 18h, no Parque Central da Taipa, no pavilhão situado junto ao campo de basquetebol. No sábado e domingo, o mesmo evento acontece entre as 10h e as 12h, as 13h e as 15h e as 16h e as 18h. Na segunda-feira há uma nova sessão entre as 16h e as 18h. “OAR” volta a ter lugar no fim-de-semana de 22 e 23 de Janeiro na zona de lazer da Praça das Orquídeas. 

A performance “Sound Theatre Back Home” também pode ser vista hoje entre as 19h e as 21h na antiga residência do general Ye Ting, na rua do Almirante Costa Cabral. O espectáculo repete no mesmo horário até sexta-feira, estando também programadas sessões para sábado e domingo. 

12 Jan 2022

Teatro | Comuna de Pedra apresenta peça que explora medos nascidos da pandemia

Jenny Mok é autora e intérprete de um dos três monólogos que compõem o espectáculo “A Doomsday Memorandum”, peça com o selo da Comuna de Pedra, em exibição amanhã e domingo nas Oficinas Navais nº 2. O espectáculo espelha medos e sentimentos num mundo em profundas mudanças sócio-económicas e políticas devido à pandemia

 

A pandemia e os seus efeitos psicológicos são temas centrais do novo espectáculo que a Comuna de Pedra começou a escrever em 2020 e que desenvolveu com o aclamado artista de Hong Kong Dick Wong. “A Doomsday Memorandum”, integrado na série de espectáculos intitulada “De-corps-struction” é apresentado este fim-de-semana nas Oficinas Navais nº 2, às 20h, apenas em chinês. A peça é composta pela entrega em palco de três actrizes que são autoras e intérpretes dos seus monólogos. Em termos conceptuais, “A Doomsday Memorandum” não tem personagens no sentido clássico, mas a apresentação de ideias e emoções das actrizes.

Jenny Mok, directora da Comuna de Pedra, traz ao palco a sua própria pessoa através de um monólogo “muito diferente” dos restantes. “Decidi focar-me no facto de, no meio de uma crise económica, ter uma opinião diferente em relação à maioria das pessoas, sobretudo a nível político ou social”, contou ao HM. “Poderemos falar sobre esta nossa ideia ou será que estamos sozinhos? É sobre este sentimento de solidão, quando sentimos que a nossa opinião não é defendida pelos outros”, acrescenta.

Helen Ko, outra das actrizes em palco, dará uma espécie de TED Talk “a apresentar sugestões ao público sobre a melhor forma de vencerem os seus medos”. Inês Kuan é outro elemento do trio que apresenta esta peça.

“É um espectáculo que envolve ecos de como reagimos às situações que enfrentamos”, adiantou. “Centralizamos os nossos sentimentos em relação a estas mudanças e sobre o conceito do apocalipse, e essencialmente como os seres humanos estão a enfrentar os seus medos nesta situação.”

Dick Wong “levou muito tempo” a preparar os textos com as suas intérpretes, por se tratarem de escritos “muito pessoais, quase auto-biográficos”. Trabalhar com Dick Wong à distância, devido às restrições da pandemia, foi um dos grandes desafios que a equipa teve de enfrentar.

“Esta é a terceira vez que trabalhamos com ele. Escrevemos este projecto ainda em 2020 e as coisas nunca voltaram ao normal como nós pensávamos. As autoridades foram alterando as regras, mas mantiveram sempre a quarentena obrigatória, e esse foi o maior desafio para fazermos este espectáculo.”

Mudanças rápidas

O apocalipse é “parte do conceito” da performance, uma vez que, para existir de verdade, pressupõe que todos os humanos morrem após uma catástrofe. Isso não aconteceu, mas não significa que as alterações profundas à vida que se conhecia até aqui não tenham acontecido. “O tema remete para o que está a acontecer em todo o mundo há dois anos, e são mudanças muito rápidas a nível social, económico e político. Há sempre este sentimento de medo perante isto.”

Jenny Mok recorda que o mundo já vinha mudando, devido ao desenvolvimento tecnológico, mas “com a pandemia as mudanças foram ainda mais evidentes”. “Este espectáculo pretende ser um eco daquilo que está a acontecer actualmente”, rematou.

7 Jan 2022

Teatro | “We Are (Q)Here” quer dar voz a minorias

Histórias reais de quem pertence a minorias foram adaptadas para serem contadas ao público, a partir de hoje, através do espectáculo “We Are (Q)Here”. Diferentes actuações vão passar por três locais distintos da cidade

 

[dropcap]O[/dropcap] espectáculo “We Are (Q)Here”, em que ganha voz a adaptação de histórias verídicas de minorias da sociedade, como membros da comunidade LGBT, pode ser visto entre hoje e domingo em diversas partes da cidade. Narrativas que saem da sala de teatro e tornam três locais diferentes de Macau no seu palco, cada um com uma actuação diferente. Acontecem no Mico (às 19h30), no Terra Drip Bar (às 20h30) e na Live Music Association (às 21h30).

Múltiplas histórias e actuações que pretendem dar a conhecer vozes de grupos “sem reconhecimento” e “rotulados negativamente”, explica a descrição do evento divulgado no facebook. “Com o desenvolvimento da sociedade, temos a oportunidade de ouvir mais histórias destas minorias. No entanto, devido ao excesso de informação no mundo moderno, as pessoas não têm tempo suficiente para a digerir e só vêem a superfície, o que leva a mais rotulagem”, pode ler-se.

O objectivo do espectáculo passa por criar um espaço em que a maioria ouça e compreenda histórias das minorias. “Estes jovens passaram todos por tempos difíceis. Por serem diferentes e não cumprirem a norma e as expectativas da maioria, são negativamente rotulados e rejeitados pela sociedade e até pelas suas famílias”, alerta a descrição.

“Com o teatro, com a arte, não devemos evitar nada”, respondeu ao HM a produtora, Jenny Mok, quando questionada sobre a aceitação do espectáculo. É organizado pela Comuna de Pedra.

Diferenças geográficas

Jenny Mok indicou que as histórias reais são transformadas em monólogos, e que os artistas se deslocam entre os três locais para as contar. Além disso, o espectáculo conta com outros elementos – cada local vai ter uma drag queen como anfitriã. “O local que se escolhe determina o espectáculo que se vai ver”, disse.

Apesar de haver algumas partes comuns, quem quiser ver todos os monólogos precisa de assistir a pelo menos duas actuações. Ainda assim, a produtora indica que a sensação de cada espaço vai ser única.

“É complicado no sentido de que não está a acontecer num teatro. No teatro há regras, mas vamos para a comunidade. E estamos a fazer três espectáculos numa noite, e a actuar quatro noites. Temos muito trabalho técnico e logístico pela cidade”, descreveu Jenny Mok. As actuações são em cantonense. Apesar de não estar a ser pensada a sua produção noutras línguas, a produtora disse que “tudo é possível”. A entrada é limitada a quem tem idade igual ou superior a 16 anos, e o bilhete custa 200 patacas.

7 Out 2020

Teatro físico | Jenny Mok regressa a solo para reflectir sobre uma sociedade em mudança 

A Comuna de Pedra regressa aos palcos com o espectáculo “Nothing and Everything”, que acontece este fim-de-semana no Black Box Theatre do edifício do antigo tribunal. Jenny Mok é a protagonista de um espectáculo de teatro físico contemporâneo onde as mudanças na sociedade são o mote. As metáforas utilizadas revelam como essas mudanças e restrições afectam o corpo e a mente humana

 

[dropcap]“N[/dropcap]othing and Everything” [Nada e Tudo] é o novo espectáculo da companhia Comuna de Pedra e sobe ao palco este fim-de-semana, sábado e domingo, no espaço Black Box Theatre do edifício do antigo tribunal. Jenny Mok, directora da companhia, assume também o papel de protagonista neste espectáculo a solo de teatro físico contemporâneo, além de ser coreógrafa do projecto.

Ao HM, a responsável adiantou que “Nothing and Everything” não é mais do que uma série de metáforas sobre as mudanças profundas que as sociedades dos tempos modernos enfrentam, sobretudo em Macau e Hong Kong. Jenny Mok não constrói metáforas apenas sobre a pandemia e o confinamento, mas também sobre os acontecimentos políticos em Hong Kong. Nada é literal, mas a ideia é reflectir sobre os efeitos de tudo isto no corpo e na mente humana.

“Este é um espectáculo sobre a vida e a morte e a forma como se altera a idade natural dos nossos corpos. Há uma metáfora sobre a morte e o nosso espírito e todas as mudanças que ocorrem. Hoje em dia a sociedade enfrenta muitas mudanças e isso tem um grande impacto na existência”, contou.
Jenny Mok assume reflectir, sobretudo, na liberdade “que ainda nos resta”. “[Penso] na nossa liberdade de expressão e de pensamento e até quando a teremos. Estamos a viver com cada vez mais restrições. Como seres humanos, como nos vamos enquadrar em tudo isto? O tempo passa e como vamos viver com todas estas restrições? Como é que isso vai afectar os nossos corpos?”, questiona.

Os medos

Jenny Mok está satisfeita por poder voltar aos palcos depois do período de confinamento, esperando que, com “Nothing and Everything”, o público “possa fazer uma reflexão sobre aquilo que vai ver”.

“O que podemos fazer enquanto artistas é provocar. Não sei que reacções o público terá, mas pelo menos terá a capacidade de pensar sobre estas coisas. Há muitos medos na sociedade de Macau e as pessoas têm receio de falar. Têm medo de expressar as suas ideias sobre determinadas coisas, e penso que isso se deve também devido a essas restrições. Mas será que nos vamos calar? Como vamos viver desta forma?”, frisou.

Para Jenny Mok, acabamos por assistir quase a uma mudança de mentalidade, o que faz com que a população se adapte às novas restrições, algo que “é triste”.

“Este será um espectáculo muito poético. Vou ficar no palco sozinha e vou dançar. É a história de uma rapariga que está restrita num quarto. Penso que se não olharmos para essa conotação [política e social], podemos continuar a ver o lado poético do espectáculo”, rematou. “Nothing and Everything” acontece às 20h e os bilhetes têm o custo de 180 patacas.

16 Set 2020

Festival Fringe | Performance de Jenny Mok nos Três Candeeiros vai durar cinco dias

O espectáculo da companhia Comuna de Pedra “100 horas” vai colocar Jenny Mok a viver durante cinco dias na Rotunda de Carlos da Maia. A ideia é interagir com os moradores e registar a experiência pessoal e de quem por ali passa de modo a perceber a reacção das pessoas a novos acontecimentos, à sua presença e depois ao seu desaparecimento

 

[dropcap]A[/dropcap] artista Jenny Mok vai mudar de casa precisamente durante 100 horas e escolheu a Rotunda de Carlos da Maia para viver ao longo deste período. O objectivo é dar corpo ao projecto “100 horas”, uma performance da companhia Comuna de Pedra, que integra o festival Fringe e que vai ter lugar de 22 a 26 de Janeiro.

Para o efeito, Mok vai acampar no meio da rotunda, fazer dali a sua casa e abri-la a quem quiser. “Não é propriamente aquilo a que as pessoas poderiam chamar de espectáculo em que os intervenientes produzem uma cena que dura no máximo algumas horas”, explicou a responsável pela Comuna de Pedra. Aqui, a performance dura cinco dias, ininterruptamente e não contempla as tradicionais “representações artísticas”.

“Não vou dançar, não vou representar, vou apenas viver ali e no processo vou também tentar conviver com a comunidade que ali habita e que ali vai passando”, acrescentou.

A diferença vai também ser notada no público, sendo que quando um espectáculo é feito num palco, “as pessoas vão com o intuito de ver uma coisa preparada e ensaiada”. Mas aqui tudo acontece “enquanto as pessoas têm a sua vida do dia a dia, no sítio onde vivem e onde têm o seu negócio. Elas vivem ali e de repente algo de novo acontece nas suas vidas”, aponta Mok.

Na agenda

O quotidiano da artista vai ser na sua maioria preenchido com o imprevisto que resulta destas interacções, mas há diariamente três actividades marcadas.

“Uma é a venda de comida, em que eu vou cozinhar e partilhar o que faço, sendo que quem quiser pode fazer as refeições comigo”, referiu.

No entanto, não se trata de uma oferta, “as pessoas têm que dar algo em troca, o que quer que seja, uma garrafa de cerveja, algum objecto, ou ajudar em alguma coisa”. A ideia é promover a interacção com os frequentadores daquela área.

Outra das actividades que tem agenda marcada para todos os dias é um programa de rádio, criado ali mesmo e “que vai estar no ar diariamente, pelo menos durante uma hora”. Também aqui o público pode participar através de uma espécie de discos pedidos. “As pessoas podem escrever uma carta a dedicar uma canção a alguém e quem estiver responsável pelo funcionamento da rádio vai ler essa carta e passar a essa canção”, explica Jenny Mok. Ao mesmo tempo, este programa vai estar disponível na internet de modo a chegar ao público em geral.

A terceira actividade é também de livre participação e é um convite às pessoas a fazerem o que quiserem na “casa” da artista. “Podem apresentar espectáculos de rua, pequenas performances, podem estar apenas ali a conversar” aponta Mok. “A minha sala de estar é na rua e é aberta a todos os que quiserem ali apresentar qualquer coisa. Não interessa o que tenham para apresentar, mas podem fazê-lo”, sublinhou.

Em directo

Para Jenny Mok a realização desta performance vai muito além do lado artístico. Aliás, o objectivo é que seja uma experiência social. Por isso, escolheu a zona dos Três Candeeiros. “É uma espécie de bairro, não é uma área económica ou financeira. É uma zona residencial com algum pequeno comércio, onde as pessoas vivem e fazem o seu quotidiano”.

Para concretizar a experiência, a artista vai registar tudo em vídeo e fazer o registo escrito no momento. Jenny Mok vai ter um quadro branco onde vai anotar todos os acontecimentos destas 100 horas de residência nos Três Candeeiros. “Vou ter um quadro em que anoto de cinco em cinco minutos, ou de dez em dez, o que se está a passar. Por exemplo, se alguém fala comigo sobre um assunto, se alguém tem uma atitude, o que quer que seja, vai ficar registado”, disse. Estas anotações são também abertas aos transeuntes que por ali forem passando e “se as pessoas quiserem podem também escrever neste quadro o que entenderem e mesmo os seus pensamentos ou sentimentos acerca do que estão a ver”. No final dos cinco dias, o quadro com as anotações também estará disponível online.

Desta forma a artista pretende ainda chegar a duas camadas de público: aquele que ali vive e que vai conviver com ela e os que podem assistir à performance à distância, através da internet.

O tempo das coisas

Em última análise “100 horas” pretende ser uma reflexão acerca da duração das coisas, apontou Mok. “Estamos numa cidade em que tudo tem uma duração e nem nos lembramos disso. Algumas vezes a nosso conceito de duração das coisas também é muito individual. Aliás a duração de uma vida nem é assim tão longa e por isso o tempo que as pessoas dedicam às coisas é muito relativo”, apontou Jenny Mok.

Por outro lado, considera, “as pessoas dão valor às coisas quando as perdem e quando alguma coisa acaba, de repente ganha valor e sente-se a sua falta”. Do lado oposto à nostalgia do que acaba, está a resistência à novidade, sendo que aqui as pessoas tendem a reagir com reservas e mesmo repúdio, apontou.

Nesta performance vai existir um princípio, uma duração e um fim, Mok pretende perceber a reacção de quem vive naquela zona de Macau a esta situação que, sendo nova, de alguma forma dura no tempo, vai integrar a vida das pessoas e vai terminar. “É uma espécie de experiência em que pretendo colher informação colectiva acerca da forma como as pessoas percepcionam um acontecimento que entra na sua vida, como é que interagem com ele e que, passado pouco tempo, desaparece”, acrescentou.

Além de ser uma experiência para si, trata-se ainda de um acontecimento que vai afectar quem vive nos Três Candeeiros. “Muitos dos residentes não vão gostar de me ver ali, e isso pode acontecer porque é um bairro já com a sua dinâmica própria e eu vou destabilizar esta dinâmica”, justificou.

Por fim, “também vai ser interessante perceber as percepções da fronteira entre espaço pessoal e público, visto estar a viver ali, um espaço que é pessoal, mas que ao mesmo tempo está aberto a todos” rematou a artista.

14 Jan 2019

Teatro | Comuna de Pedra estreia em Setembro “The World and I” 

“The World and I” é a performance que conta com a participação de pessoas com necessidades especiais. O projecto com a chancela da companhia Comuna de Pedra marca o início de uma nova componente de educação artística. Jenny Mok acredita que este é o primeiro passo de um longo caminho em que a arte ajuda pessoas com deficiências a desenvolver competências

 

[dropcap style≠’circle’]“T[/dropcap]he World and I” é a última produção da companhia de teatro Comuna de Pedra que vai estar em cena nos próximos dias 8 e 9 de Setembro. A encenação do grupo dirigido por Jenny Mok resulta do trabalho do projecto artístico comunitário em que a companhia participa.

“The World and I” traz ao público o mundo das pessoas portadoras de deficiência, desde a sua concepção. “A performance nasceu de um trabalho conjunto entre oito actores com necessidades especiais e a equipa da Comuna de Pedra. Ao contrário das peças tradicionais, não pedíamos para fazer determinada coisa, dizer um texto ou fazer um gesto, pensávamos em conjunto as histórias que queríamos contar e a forma como o fazer. O produto final tem a suma das contribuições de todos”, esclarece ao HM Jenny Mok, directora da companhia.

O resultado é um conjunto de histórias sobre o mundo de quem as protagoniza, contadas e interpretadas artisticamente. “São a forma como estas pessoas constroem o seu mundo, como o veem e as suas experiências. Tentámos encontrar uma forma poética e teatral para as expressar”, aponta a responsável.

Fim maior

O projecto insere-se numa ambição maior por parte de Mok e da Comuna de Pedra: a introdução da educação artística nos programas de desenvolvimento das pessoas com necessidades especiais. A intervenção junto desta população não é nova para Jenny Mok. “Tenho trabalhado muito com pessoas com necessidades especiais que na sua maioria são estudantes do ensino secundário. Já o faço há cerca de oito anos”, refere.

Além da apresentação cultural, a Comuna de Pedra tem trilhado caminho em termos de educação artística para os mais novos. “Há três anos decidimos que iríamos desenvolver a componente artística do trabalho junto de deficientes,” revela.

Para concretizar a ideia juntaram-se a uma ONG local que há mais de 20 anos intervém nesta área da acção social. A organização, inicialmente criada por pais de crianças com necessidades especiais, tem vindo a desenvolver-se e autonomizar-se, conta a coreógrafa. Actualmente, esta ONG é responsável por cinco instituições de apoio social no território, cada uma dirigida a uma deficiência específica.

Quando se deu o primeiro encontro entre Jenny Mok e os responsáveis pela ONG, a instituição mostrou interesse em desenvolver uma componente ligada às artes. A razão, aponta Mok, é a escassez de ofertas neste sector que integrem pessoas com algum tipo de deficiência ou que as tenham como público alvo.

“Parece que a formação dirigida a pessoas com necessidades especiais tem de ter um objectivo funcional na sociedade, e a arte não é considerada desta forma”, lamenta a directora da Comuna de Pedra. “Daí o investimento em educação artística para este tipo de população ser muito reduzido”, acrescenta.

Para Jenny Mok, “a arte pode efectivamente ajudar nos processos terapêuticos das pessoas com deficiências”. Actividades de expressão artística, como o teatro, podem desenvolver competências sociais e ajudar na promoção da expressão oral e física.

Obstáculos ultrapassados

Apesar das resistências, Jenny Mok não desistiu do projecto. “Acreditamos que é uma área muito importante e que deve ser uma das opções disponíveis para este tipo de população”, aponta. Prova disso foi o caminho que levou ao projecto “The World and I”. Os participantes estiveram muito envolvidos num processo que, por vezes, é lento. Segundo Mok, “este tipo de actividade e de inter-acção não é uma coisa a que estejam habituados”, explica. “Não estão habituados a ensaiar, a criar ou  a expressar-se artisticamente”, diz.

Por outro lado, é também um trabalho que exige disciplina o que muitas vezes é mais difícil de encaixar quando se trata com pessoas com determinado tipo de deficiência. Mas, ao mesmo tempo, é um processo “maravilhoso”, aponta a responsável. “Para já, temos oito participantes, mas queremos ter muitos mais. Este foi um projecto com recursos muito limitados mas queremos alargar a todos os que possam estar interessados”, aponta.

De acordo com a directora da companhia este é apenas o início de um longo caminho que pretende desenvolver. O objectivo é que o projecto se estenda e venha a ser permanente.

16 Ago 2018

Jenny Mok, directora da Associação de Arte e Cultura Comuna de Pedra: “Somos, felizmente, uma alternativa”

Já com 21 anos de actividade, a Comuna de Pedra continua a afirmar-se pela criação “fora da caixa”. A abordagem de temas sociais, e a opção por espaços alternativos e mais perto da comunidade são apenas alguns dos aspectos que distinguem a companhia. Para a directora, Jenny Mok, Macau precisa de uma verdadeira educação para arte e a Comuna está a dar uma ajuda

Antes de mais, porquê o nome Comuna de Pedra?

Não sou a fundadora mas, pelo que sei, na altura da formação da companhia, em 1996, tratava-se de um grupo de artistas que faziam coisas mais alternativas. No início, a Comuna de Pedra não era um grupo artístico, mas sim uma congregação que juntava artistas de várias áreas. A ideia era formar uma comunidade de artistas diferentes e daí o nome comuna. A pedra surge dada a sua importância. As pedras estão em todo lado: nos lugares, cidades e no planeta. As pedras são também únicas, são todas diferentes e são básicas. Muitas vezes nem se dá conta delas quando andamos nas ruas, mas são elas que estão no pavimento. São fundamentais. É sobre elas que andamos. Ao mesmo tempo são materiais duros e difíceis de moldar. Conseguem resistir a intempéries e assim é a arte também. Penso que foi com esta ideia que surgiu o nome do grupo.

A Comuna de Pedra começou por ser alternativa, mas ainda hoje o é. 

Sim. É ainda uma companhia alternativa, no bom sentido. Juntei-me ao grupo em 2000 ainda andava no liceu. Fui a uma audição para um espectáculo que ia ser encenado no exterior, ao lado do Centro Cultural de Macau. Até essa altura, ninguém tinha usado esse espaço para representar. Depois a Comuna de Pedra tornou-se, cada vez mais, uma companhia de artes performativas. No que respeita a este sector em Macau, o teatro físico, com dança e feito para determinados espaços, tem ocupado grande parte das actividades da Comuna. Se calhar, por isso, tem acabado por permanecer uma companhia chamada alternativa. As peças tidas como comerciais e que são do chamado “mainstream” focam-se muito em textos e em disciplinas mais tradicionais. Nesse sentido, somos, felizmente, uma alternativa. 

São conhecidos pelas vossas apresentações em espaços inesperados, nomeadamente nas ruas. Porquê esta escolha? 

Há vários factores que têm levado a esta opção. Em primeiro lugar, penso que, quando falamos de teatros, as opções disponíveis em Macau são muito limitadas. Antes do edifício do antigo tribunal ter sido transformado num, basicamente tínhamos os dois auditórios do Centro Cultural e tínhamos a black box do Teatro Experimental. O facto de não termos muitos espaços mais tradicionais disponíveis fez com que os meus antecessores na direcção da Comuna de Pedra pensassem em criar espaços para ter os espectáculos. Sempre houve esta intenção de considerar o espaço performativo e de reflectir sobre o que poderia ser. Será que uma peça tem de acontecer num teatro? Por outro lado, o aparecimento do Festival Fringe, no início dos anos 2000, também ajudou a ver a rua como um lugar que deveria ser aproveitado. Foi uma iniciativa que encorajou a ideia de ver a própria cidade como um palco. Com a ajuda do Governo, visto o Fringe ser um festival oficial, pudemos descobrir vários lugares diferentes para explorar. De acordo com a minha antecessora, às vezes um teatro tradicional é bom, mas há momentos em que esse tipo de espaço não nos traz grande inspiração, pelo menos não aquela que podemos encontrar em sítios mais reais: numa ponte, numa biblioteca antiga ou num parque.

Têm feito um trabalho comunitário de relevo no que respeita à educação artística. Como é que aconteceu este envolvimento com a comunidade?

Começámos na educação. Foi em 2005, com uma turma de crianças no Centro Cultural. O que constatámos foi basicamente o que sabíamos até por experiência própria. O sistema de educação de Macau não contempla a educação artística. Atenção que isto não quer dizer que não ensine música ou teatro. Mesmo que as crianças frequentem o conservatório, por exemplo, e o que é bom, parece que, no geral, não há muito espaço para que se envolvam realmente com a arte. Se calhar, também é por isso que continuamos a ser a alternativa. Qualquer coisa que não seja texto e que envolva a participação da audiência é mais desafiante. Mas, voltando às crianças e à arte, o ensino tradicional é bom, mas não chega. Quando tentamos avançar para alguma coisa mais abstracta parece que as pessoas se perdem. Queremos ajudar as crianças a terem mais opções dentro da área artística. A arte às vezes é ambígua. O que vemos é que, se apresentarmos uma coisa diferente que não possa ser classificada como boa ou má, é muito difícil de se mostrar interessante para os mais novos. Posso dar o meu exemplo pessoal. Estudei em Macau e durante todo o meu processo escolar nunca me senti próxima de qualquer arte. Tive artesanato, mas o que nos era dado era um conjunto de materiais que tínhamos de juntar para replicar um objecto. Era muito aborrecido. Eram kits. Não tem mal darem-nos este tipo de coisas mas não remetem, de forma alguma, para a criatividade. Mesmo na música ou no teatro, as aulas acabam por não nos envolver nos processos artísticos. Penso que é uma grande falha. Por isso, o que quisemos fazer desde o início foi tentar colmatar esta falha. Queremos que as crianças se expressem, que abram os olhos e vejam o mundo. Vamos para a comunidade, levamos histórias e aulas às escolas. Recentemente estamos também envolvidos com as pessoas com necessidades especiais para que tenham acesso a mais do que actividades ocupacionais.

Da sua experiência, acha que a comunidade está cada vez mais aberta a este tipo de ensino?

Sim, penso que lentamente se vai abrindo e mostrando mais receptiva. Mas é um processo muito lento. As escolas ainda se baseiam muito em actividades tradicionais. Actualmente apresentam mais disciplinas fora do currículo, mas não passam de mais aulas. As crianças estão sobrelotadas de aulas e de trabalhos para fazer. Por outro lado, estas actividades extracurriculares estão sempre ligadas à competição. Mesmo nas artes, a motivação é sempre dada com a promessa de se ganhar algum prémio e recompensa. Depois, com as competições e com os prémios, a escola também faz publicidade do seu sucesso. No fundo, não é nada para o real interesse das crianças. As crianças continuam sem tempo livre. Têm mais alternativas, mas com tantas aulas de tanta coisa não têm tempo para fazerem somente o que lhes possa apetecer.

Que projectos tem agora em andamento?

Temos sempre duas vertentes que desenvolvemos de forma paralela. Temos a vertente criativa que se revela nos espectáculos que apresentamos e a educativa em que estamos mais ligados à comunidade. Neste momento estamos a trabalhar num projecto a longo prazo com diferentes faixas etárias de pessoas portadoras de deficiência. A intenção é criar um espectáculo, mas vamos ver. A apresentação não é a parte mais importante neste género de trabalho. Não queremos que esta intervenção acarrete muita pressão. É mais importante a aprendizagem e a experiência. Não queremos forçar ninguém a nada. É um projecto para ser feito em, pelo menos, um ano e meio. Teremos aulas e ensaios e, se tudo correr bem, em Setembro de 2018 mostraremos um espectáculo. No trabalho com pessoas com necessidades especiais, o mais importante é o processo criativo. Estamos a falar de uma comunidade que tem muito menos opções do que a maioria da população. Por outro lado, não é uma população visível. A nossa cidade também não é muito amiga destas pessoas no que respeita a infra-estruturas. O que acontece é que acabam por ficar restritas a centros de actividades ocupacionais. As que têm mais dificuldades nem podem trabalhar e passam a vida de centro em centro. Mais uma vez, a arte tem estado excluída. O que é importante aqui é desenvolver a expressão. Quando começamos a trabalhar com esta população, o que salta primeiro à vista é uma auto-estima muito baixa que tem muito que ver com as dificuldades de expressão. O mundo em que vivemos não lhes dá muito direito à expressão, o que é errado. A educação artística, por si, ajuda na comunicação. Não tem nada que ver com as necessidades especiais. Se virmos bem, todos temos necessidades especiais porque somos todos diferentes. Com o nosso trabalho, vemos que a auto-estima vai melhorando porque são trabalhadas várias formas de comunicação e de expressão.

Foto: Sofia Margarida Mota

Vem aí a nova temporada de espectáculos. Alguma coisa que possa adiantar?
No final do mês teremos a nova temporada de teatro. Este ano temos uma nova iniciativa a que chamámos de “Decorestruction”. Trata-se de uma série de espectáculos que será uma iniciativa anual. A ideia é ter um conjunto de criações que se focam na desconstrução do próprio conceito de espectáculo. É um espaço para se pensar o que é a performance e a representação. O que é o corpo. É uma temporada que vai consistir da apresentação de três ou quatro criações novas. A abertura desta iniciativa vai ser a 25 e 26 de Agosto, com “A Possible Path to Insomnia”. Vem de Hong Kong e mistura música ao vivo, dança, teatro físico, texto e intervenção comunitária. A peça foi criada depois da “revolução dos guarda-chuvas” em Hong Kong. Todo aquele movimento trouxe algumas questões relacionadas com o espaço. Esta abordagem trata da ideia de ocupar um espaço público para fazer alguma coisa. Trata da apropriação. Ao mesmo tempo, estamos também a falar de partilha de lugar. Toda a gente pode ir a um espaço público e, se forem cada vez mais pessoas, o espaço acabava por ser apropriado, mas não deixa de ser partilhado. É uma reflexão acerca do que é o espaço privado e de como uma peça pode dizer alguma coisa acerca de situações sociopolíticas. Nesta versão que vai acontecer em Macau, o espectáculo vai andar nas ruas juntamente com as pessoas. Sai do Armazém do Boi, passa para o Teatro Experimental e vai terminar na Live Music Association (LMA). Ao longo do percurso vai existir interacção com as pessoas da rua. Mais do que um espectáculo, é uma experiência. Depois, e ainda este ano, na mesma série, teremos peças em Outubro e Novembro que são criações novas.

15 Ago 2017