O mês do orgulho tingido pela LGBTQI-fobia húngara

Para os mais distraídos, a Hungria passou uma lei que criminaliza conteúdos homo e transsexuais a menores de 18 anos. A razão, dizem eles, é que as crianças são supostamente influenciadas e motivadas para desfazer os valores da sociedade tradicional húngara ao serem expostos a esses conteúdos. E eles, os governantes populistas da extrema-direita, não querem isso. Se se atreverem a ler os comentários à notícia, apanham os protectores da lei a emitir pérolas como “porque é que os pervertidos acham que têm direitos?”. Desde quando é que uma sexualidade bem informada e saudável é perversão?

Uma notícia muito triste para comunidade LGBTQI+ húngara e do mundo, uma notícia triste para a humanidade. Um movimento legislativo muito semelhante ao russo e ao polaco que acontece no mês em que se celebra o orgulho da diversidade sexual e de género. A comissão europeia prontamente avalia se pode fazer alguma coisa em relação a isto – a presidente já veio a público criticar a medida. Os seus apoiantes, contudo, governamentais e não governamentais protegem-se com valores liberais. Os pais das crianças “devem” ter o direito de decidir o que as suas crianças aprendem e como, principalmente em relação ao sexo.

As consequências de tais tentativas por legitimidade são problemáticas. Há coisas que simplesmente não deveriam estar disponíveis à discussão. Lamento se soa autoritário. Ainda falta um longo caminho para transformar os valores de uma sexualidade verdadeiramente livre como um direito humano universal. Por exemplo, ninguém põe em causa que as crianças devem ser protegidas e que devem ter uma infância digna. É um direito inscrito nas legislações nacionais e internacionais. Há uns 200 anos atrás a ideia de criança não era nada assim. As crianças eram pessoas em ponto pequeno – pobre rei D. Sebastião que começou a reinar aos 14 anos. Mas hoje em dia ninguém dúvida de que as crianças precisam do tempo e espaço para o serem. O mesmo não aconteceu com os direitos sexuais. Ainda não estão suficientemente normalizados como direitos humanos – muito menos que estes não são exclusivos da maioridade. O Freud não foi totalmente parvo ao perceber o desenvolvimento psico-social como um desenvolvimento sexual também. Esta não integração, infelizmente, continua a fazer sentido a muitos. O Freud, e os a seguir a ele, não conseguiram silenciar a tradição judaico-cristã – ou a confucionista na China – que envergonha qualquer conversa sobre sexualidade. O sexo e o prazer são tabus nas sociedades que continuam a fomentar o ethos do sofrimento completo. Não é para isso que as sociedades patriarcais e heteronormativas servem? Parece-me que sim.

A sexualidade é central ao desenvolvimento do ser humano. A educação sexual centrada no prazer deveria ser obrigatória, e ajustada a várias idades. Como é que se incute essa ideia, especialmente, num mês tão importante como este? Já não faço ideia. Muito se faz e ainda pouco acontece. Tenta-se marchar em tempos de Covid-19 e em que a colectividade é obrigada a distanciamento social – e onde muitas marchas tiveram que ser canceladas.

Partilha-se nas redes sociais. Tenta-se criar uma consciência global de que há direitos universais sexuais (ainda que precisem de adaptação e sensibilidade cultural). O que é preciso é tornar os direitos LGBTQI+ a norma explícita e implícita. Já muito me queixei do conceito de “ideologia de género”. Um termo que confere flexibilidade de se ser contra ou a favor. Não pode ser o caso. A ciência é clara, as crianças, adolescentes e adultos que não conseguem desenvolver a sua sexualidade alinhada com os seus desejos, as que são constrangidas e limitadas por representações tradicionais e retrógrada de se ser, são mais infelizes, sofrem de depressões e têm maior probabilidade de cometer suicídio. Não tenho dúvidas que a solução é fomentar uma consciência global para estes assuntos, mas como, é que me deixa dúvidas. Faz-se o que se pode com a zanga e a angústia que estas facadas húngaras, e tantas outras, provocam.

30 Jun 2021

Diplomacia | Ho Iat Seng encontrou-se com ministro da Hungria

[dropcap]O[/dropcap] Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, esteve ontem reunido em Santa Sancha com o ministro dos Negócios Estrangeiros e do Comércio da Hungria, Péter Szijjártó, a debater o reforço da cooperação entre os dois territórios nas áreas da economia, comércio, cultura, educação e desporto.

Em declarações ao portal Hungary Today, Péter Szijjártó afirmou que Ho Iat Seng elogiou a postura do Governo da Hungria por não interferir nos assuntos internos chineses. Por outro lado, o Ho Iat Seng terá mencionado as oportunidades de alargar laços comerciais em produtos alimentícios de alta qualidades, como a carne de vaca, de porco e galinha. Outras possibilidades em cima da mesa são os intercâmbios académicos, com bolsas de estudo, e ainda o convite de artistas do país europeu para actuarem em Macau.

15 Jan 2020

Diplomacia | Ho Iat Seng encontrou-se com ministro da Hungria

[dropcap]O[/dropcap] Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, esteve ontem reunido em Santa Sancha com o ministro dos Negócios Estrangeiros e do Comércio da Hungria, Péter Szijjártó, a debater o reforço da cooperação entre os dois territórios nas áreas da economia, comércio, cultura, educação e desporto.
Em declarações ao portal Hungary Today, Péter Szijjártó afirmou que Ho Iat Seng elogiou a postura do Governo da Hungria por não interferir nos assuntos internos chineses. Por outro lado, o Ho Iat Seng terá mencionado as oportunidades de alargar laços comerciais em produtos alimentícios de alta qualidades, como a carne de vaca, de porco e galinha. Outras possibilidades em cima da mesa são os intercâmbios académicos, com bolsas de estudo, e ainda o convite de artistas do país europeu para actuarem em Macau.

15 Jan 2020

Xi Jinping encontra-se com primeiro-ministro da Hungria

[dropcap]O[/dropcap] Presidente chinês, Xi Jinping, reuniu-se na segunda-feira em Xangai com o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, que veio participar na primeira Exposição Internacional de Importação da China (CIIE, em inglês).

A China e a Hungria devem aprofundar mutuamente o apoio político e a confiança, continuar com o entendimento mútuo e apoiarem-se nos assuntos relacionados com seus respectivos interesses essenciais e principais preocupações, além de aumentar a coordenação e a cooperação nos assuntos internacionais, disse o Presidente chinês, segundo o Diário do Povo.

Xi pediu que os dois países promovam o alinhamento político da Iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” com a política húngara de Abertura ao Oriente, realizem um planeamento saudável de alto nível para a cooperação em diversas áreas e impulsionem a construção de uma nova linha ferroviária entre a Hungria e a Sérvia, um importante projecto de cooperação.

Os dois países devem também intensificar a cooperação em negócios, investimento, finanças, agricultura, turismo e inovação, entre outros, acrescentou Xi.

Ao mencionar que o ano 2019 se comemorará o 70º aniversário das relações diplomáticas entre os dois países, o primeiro-ministro húngaro disse que esta será uma oportunidade importante para promover o desenvolvimento das relações Hungria-China sob as novas circunstâncias.

A parte húngara está disposta a trabalhar com a China para aumentar os intercâmbios de alto nível, participar activamente do desenvolvimento da Iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” e expandir a cooperação nas diversas áreas, indicou Orban.

7 Nov 2018

Portugal 3 – Hungria 3 | O jogo que não quisemos vencer

As decisões de Fernando Santos impediram Portugal de vencer, quando estava por cima. Mas o sonho continua

Cristiano Ronaldo faz o 3-3 para Portugal | FOTO: EPA/CJ GUNTHER
Cristiano Ronaldo faz o 3-3 para Portugal | FOTO: EPA / CJ GUNTHER
[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Hungria-Portugal foi o jogo mais espectacular do Euro 2016 até ao momento e terminou com uma igualdade a três golos e o consequente apuramento português (e dos húngaros, em primeiro, a que se juntaram os islandeses, em segundos) para os oitavos-de-final da competição.

Na partida que, por enquanto, rendeu mais golos na prova, Portugal esteve sempre em desvantagem. Primeiro, num remate à entrada da área portuguesa, Gera inaugurou o marcador (19’) para os húngaros, mas Nani, bem junto ao intervalo, repôs a igualdade.

No início do segundo tempo, a Hungria recolocou-se em vantagem, aproveitando um livre que sofreu um desvio na barreira nacional, mas Cristiano Ronaldo surgiu no jogo ao marcar um golaço, de calcanhar (50’), que recolocava o marcador numa igualdade – o internacional português passou a ser o primeiro futebolista a marcar em quatro fases finais consecutivas de Europeus.

Só que aquele resultado durou cinco minutos, já que em mais um remate que sofreu um desvio, Dzsudzsák voltaria a colocar a Hungria na frente do marcador.

Novamente desqualificado, face à conjugação de resultados, Portugal foi capaz de repor a igualdade (62’), num cabeceamento de Cristiano Ronaldo, que assim “bisou” na partida e recolocou a selecção no lote das qualificadas para a fase seguinte do Euro 2016, apesar de ter terminado a fase de grupos com três empates.

Islândia em primeiro

Entretanto, a Islândia venceu a Aústria por 2-1 na última jornada do Grupo F e assegurou assim o 1º lugar com cinco pontos. Esta vitória dos nórdicos permitiu a Portugal ser terceiro e assim evitar o lote dos ‘tubarões’ do Euro 2016. Com vontade de ser primeira no grupo, a Islândia começou a todo o gás. E logo aos dois minutos atirou uma bola ao ferro por Gudmundsson num pontapé do meio da rua. Com tanto domínio inicial, foi sem surpresa que a equipa nórdica chegou ao golo por intermédio de Bodvarsson. Depois de um lançamento longo, a bola sobrou para o 15 que não falhou na hora h.

Com vontade de inverter o rumo dos acontecimentos e com esperança ainda na qualificação para a próxima fase do Euro, a Áustria tentou responder ao golo. Arnautovic em excelente posição cabeceou por cima. Aos 36 minutos, a Áustria teve uma soberana ocasião para marcar. Skulason travou Alaba na área, e o árbitro não teve dúvidas para assinalar o castigo máximo. Na transformação Dragovic atirou ao poste.

No segundo tempo, à passagem dos 60 minutos, o pendor ofensivo austríaco deu os seus frutos. Schöpf tirou um adversário da frente e rematou para o fundo da baliza. A Áustria foi à procura da vantagem e quase o conseguiu, mas permitiu a intervenção do guardião nórdico. Quando nada o fazia prever, a Islândia marcou ao cair do pano. Arnor Ingvi Traustason fez o tento da vitória e permitiu à sua seleção acabar em primeiro lugar do grupo.

Com este triunfo, Portugal qualificou-se em terceiro lugar. Já a Islândia ao ficar em primeiro lugar do grupo vai medir forças com o segundo classificado do Grupo E.

Ronaldo fica a um golo de Platini

Cristiano Ronaldo isolou-se ontem no segundo lugar dos melhores marcadores da história do Europeu de futebol, a um tento de Michel Platini, ao ‘bisar’ face à Hungria, em encontro da terceira jornada do Grupo F, em Lyon. O ‘capitão’ da seleção lusa, que é agora o melhor marcador luso em Europeus, Mundiais e, naturalmente, no somatório das duas competições, passou a contar oito golos em campeonatos da Europa, com os tentos aos 50 e 62 minutos. Ronaldo, que havia marcado dois golos no Euro2004, um no Euro2008 e três no Euro2012, superou os sete tentos do inglês Alan Shearer e ficou a um dos nove do francês Michel Platini, todos marcados na edição de 1984. O ‘7’ luso, que também reforçou o estatuto de melhor marcador do Europeu, juntando qualificação e fase final (28 golos), tornou-se também o primeiro jogador da história a marcar em quatro Europeus, sendo que, juntando os Mundiais, também é o único com golos em sete fases finais.

Na história dos Europeus, Ronaldo, que ontem se isolou com o jogador com mais encontros disputados (17, contra 16 de Edwin van der Sar e Lilian Thuram), estreou-se a marcar no primeiro jogo do Euro2004, quando fez o tento de honra da seleção portuguesa frente à Grécia (2-1), no Estádio do Dragão.

Reacções

Fernando Santos | “Fundamental foi passar. Queríamos tê-lo feito como primeiros do grupo, mas foi impossível, depois das incidências nos dois primeiros jogos, em que Portugal foi melhor e não conseguiu vencer, e deste, apanhados três vezes a perder, num jogo contranatura, com Portugal a jogar razoavelmente bem. O adversário três vezes criou perigo e fez golo. A equipa teve uma grande atitude, capacidade de resposta e conseguiu igualar três vezes e tentou o quarto golo, também. No período final, o adversário não quis jogar, tentou que Portugal se adiantasse para atacar. Não adiantava insistir quando estávamos apurados, a três minutos do fim, e correr o risco de sofrer um golo. Nos últimos minutos, a equipa soube pensar no que tinha que fazer. Fizemos tudo para ganhar, queria ganhar, mas é normal que nos últimos seis ou sete minutos os jogadores saberem que o importante é estarmos cá. A Croácia é uma excelente equipa. Viemos para o Euro com uma ambição. Quem vem para o Europeu tem que jogar com todos. Vai ser um grande jogo.”

Danilo Pereira | “[O seleccionador] pediu-me para entrar e segurar o meio-campo. Estamos todos felizes pelo apuramento, não da forma como queríamos, mas é sempre um apuramento. No final, vimos que Hungria não estava a atacar, e também decidimos não fazer. O resultado convinha e não podíamos sofrer golos. Preparados para tudo e as críticas fazem parte do dia a dia.

João Mário | “A Hungria, por estar já apurada, apareceu a encarar o jogo de forma muito aberta e competitiva, mas estávamos preparados e não foi surpresa nenhuma. [Croácia, próximo adversário] É uma selecção muito forte, com excelentes jogadores e muito bem organizada. Há que encarar esse jogo cara-a-cara, com muita tranquilidade. Agora, no ‘mata-mata’, o objetivo é passar. Há que encará-lo com optimismo e corrigir os aspectos menos positivos”.

Nani | “Cumprimos o objectivo, pelo menos um deles, que era passar. Não conseguimos da maneira como queríamos, que era ganhar os jogos, mas o mais importante foi passar. Agora é a fase a eliminar.

Hoje fomos infelizes em dois lances, em que a bola ressaltou nos nossos jogadores. Soubemos responder, mostrámos excelente atitude, bom futebol e que somos uma equipa forte. E marcámos três golos, embora não tenhamos conseguido vencer. Os portugueses podem estar orgulhosos e continuar a acreditar. A Croácia jogou muito bem contra a Espanha. Mas com equipas fortes costumamos responder muito bem. Temos que ser muito competentes, mas temos ainda muito para demonstrar”.

Renato Sanches | “O que interessa é que estamos apurados. Foi um bom jogo, apesar do desfecho. Não está a faltar nada à Selecção. Estamos a jogar bem, apenas falhámos alguns golos. Há que continuar a trabalhar, que as coisas vão aparecer. Contra a Croácia, será um jogo difícil, mas estamos preparados”.

23 Jun 2016

A propósito de Magris e da Hungria

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]uma entrevista a Claudio Magris publicada recentemente num jornal português perdeu-se uma boa oportunidade para perceber como o autor de Danubio julga os transportes que se operaram nos últimos anos em algumas das regiões sobre que o seu livro paradigmático se debruça.
Se a importância que atribui aos espaços públicos onde se pratica a preguiça e a reflexão não deixa de ter lugar na conversa que se reproduz, uma preguiça e um exercício de reflexão que se terá transformado nas cidades contemporâneas em que se instalaram hábitos mais utilitários, menos presente está a reflexão sobre o que aconteceu às cidades ou vilas onde se passou de um regime de ditadura a um de democracia.
Lembre-se que Danubio foi publicado em Milão, pela primeira vez, em 1986, poucos anos antes das transformações que libertaram vários países do que se chamava a Europa de Leste da forte influência soviética que se impôs após a Segunda Grande Guerra. Ler Danubio hoje, no que respeita às páginas que se debruçam sobre a Eslováquia, a Hungria, a Roménia e a Bulgária (que correspondem a cerca de metade do livro, seguintes às que falam da Alemanha e da Áustria) levam-nos a um universo ao mesmo tempo muito longínquo e muito próximo.
Também se fala, e bem, da periferia como o lugar da “separação, mas também do encontro. Na periferia, há um conhecimento do centro maior do que o que existe no centro sobre a periferia” – afirma Magris durante a entrevista, reflexão que se pode aplicar também a países, como Portugal ou a Finlândia, onde existe um interesse pelo centro que não é necessariamente recíproco. Ou mesmo – acrescenta – “um conhecimento e um sentimento dos valores comuns mais fortes do que no centro. Por outro lado, o grande perigo da periferia é o de se considerar o mais autêntico da nação, por serem zonas onde se pensa que esse sentimento nacional está ameaçado. É nesse contexto que nascem os nacionalismos das zonas periféricas”.
Esta resposta poderia ter sido tomada como plataforma de partida para perceber melhor e aprofundar o que se passa hoje em países como a Hungria ou a Polónia (que por razões geográficas não entra na discussão danubiana) onde o nacionalismo e a opção pelo isolamento são cada vez mais fortes. Começa por se fazer – mas não se explora suficientemente esta linha – ao referir a obsessão de alguns destes países em escolher o isolamento e a protecção insegura da sua identidade em detrimento da abertura e da tolerância, um processo com raiz na tentativa de preservar a identidade própria em face da hegemonização imposta durante o período de influência soviética. Magris refere o fosso existente entre a Constituição húngara e a dos países da U.E.
É precisamente a Hungria que me interessa, como exemplo de fechamento e, mais interessante ainda, como exemplo de um país onde a um período de abertura que se seguiu a um de extremo enclausuramento que durou várias décadas, entrou numa fase de apetência por uma nova face de autoritarismo (como na Polónia) – algo que se não deu nos países do sul, Portugal, Grécia e Espanha, que nos anos 70 (74 e 75) rejeitaram regimes autoritários para nunca mais voltar a desejá-los. Não existem sequer em Portugal ou Espanha significativos grupos de direita que mostrem uma propensão nostálgica pelo autoritarismo.
O primeiro texto do capítulo que Magris dedica, em Danubio, à Hungria, chama-se At the Gates of Asia?, o que demonstra a condição periférica que o autor lhe confere, uma que se acentua num país onde a língua tem poucos pontos de contacto (ou nenhuns) com as dos países do centro ou as dos países circundantes. Esta é uma terra em que nos inícios do século XX existe um sentimento de despertença do Ocidente Europeu: “The West has rejected us, so we turn to the East”, uma terra cuja história demonstra um fervoroso nacionalismo que se funda, ironicamente, a partir da sobreposição de inúmeras camadas de invasão e mistura, matrizes formativas do particularismo magiar em que se inclui o elemento asiático – tatar, turco (mais de 150 anos de ocupação), cumano ou pechenegue.
O estado comunista impõs-se de modo paternal, reservando-se o direito de controlar todos os níveis da sociedade e suprimindo liberdades políticas, mesmo que a Hungria tenha sido (eu ainda me lembro) um dos regimes mais distantes de Moscovo de entre os que a U.R.S.S. controlava, constantemente alternando entre períodos de maior e menor autoritarismo.
Ao ler Danubio sentimos como este mundo (que forneceu ilimitado material ficcional), que parece distante, está, afinal, tão próximo de nós.
Na prática o período comunista sucedeu-se a um regime igualmente autoritário (que se inicia, como em Portugal, nos anos 20), o do período de Horthy, Almirante dum país sem mar, aliado de Hitler mas de um nacionalismo rigoroso que não poupou dissabores também à comunidade alemã húngara (que depois de 1945 foi violentamente perseguida).
De fins da Primeira Grande Guerra até 1989 são mais de 60 anos de regime musculado, primeira como ligado à União Soviética, depois como regime de direita e de novo sob domínio soviético após o Segundo Conflito Mundial, uma sucessão de Terror Vermelho-Terror Branco-Terror Vermelho.
A Hungria hoje, a Hungria de Orbán, é um país onde se tenta re-escrever a história de acordo com uma agenda nacionalista (um sinal de extremo perigo), um país membro da O.T.A.N. (assim como a Turquia e a Polónia) e da U.E. onde a xenofobia e a concentração de poderes se exibem sem vergonha, onde o primeiro-ministro, mais uma vez sem pruridos, proclama o desejo de construção de uma democracia iliberal non-Western e admira abertamente Vladimir Putin, onde a imprensa não é livre, onde a lei eleitoral foi alterada de modo a favorecer o seu partido, onde os tribunais têm cada vez menos independência e onde o primeiro ministro faz o que lhe apetece.
Se Viktor Orbán não tem mostrado hostilidade directa contra os judeus e os ciganos, a necessária condenação dos grupos que o têm feito não tem sido devidamente convincente. Paralelamente, o Primeiro-Ministro parece mostrar simpatia por alturas da história da Hungria em que se esta dominava território hoje pertencente a países vizinhos. Tudo isto num país que se revelou como um dos mais abertamente adversos ao domínio soviético durante a época da Cortina de Ferro.
Se Orbán, Erdogan, Netanyahu ou Kaczynski estão no poder é porque há uma vasta base conservadora popular que se identifica com as suas propostas. Tem sido difícil ao eleitor urbano supostamente mais sofisticado e educado entender esta gigantesca força silenciosa que não faz barulho na rua mas apoia em massa (basta votar) propostas políticas musculadas e rejeita liberalismos modernaços.
É aqui que se coloca a questão de saber se existe neste poderoso grupo uma força conservadora nostálgica ou uma força fraca que necessita de um poder forte que não questiona, que olhe por eles e que garanta um modelo de ordem que parece – a este complexo mental – não existir nas sociedades ocidentais liberais. Assim, como li algures num artigo cuja proveniência não recordo, o novo autoritarismo nasce também daquilo que no Ocidente parece ser uma falta de autoridade e um excesso de liberdades. O que em Portugal se chama: ela-havia-de-ser-minha-filha-a-ver-se andava-assim-na-rua.
Pensar na falta de tradições democráticas não ajuda a explicar as histórias de sucesso de Portugal, Espanha e da Grécia onde estas não sofrem (ou sofreram nestas últimas 4 décadas) qualquer ameaça significativa.
Acrescenta-se a esta parcela a da exportação de modelos autoritários bem planeados. Os países poderosos que hoje se auto-propagandeiam sem receio como crescentemente autoritários, a China ou a Rússia, têm vindo a criar um modelo que legitima, aos olhos de outros, como a Turquia, muitos países africanos ou os países da Ásia Central antigamente sob o domínio soviético, uma opção que limita as liberdades e a independência do sistema judiciário e se afirma paternalisticamente como dura mas necessária.
A esta necessidade cola-se um poderoso aparelho de propaganda nacionalista que ao liberalismo ocidental pode parecer bacoco e provinciano. Orbán tem elogiado a China, a Rússia, Singapura e a Turquia como modelos.
Falar do modo sistemático e obviamente muito bem planeado como a China tem tentado exportar o seu modelo (sedutor porque inclui crescimento económico e afirmação internacional) seria matéria para outras linhas.

7 Jun 2016