Feira do Livro de Lisboa | Arnaldo Gonçalves apresenta obras de ciência política

“Norberto Bobbio – A Tradição Europeia da Liberdade” e “Macau, Depois do Adeus” foram os livros apresentados no domingo por Arnaldo Gonçalves na Feira do Livro de Lisboa. O académico, especialista em ciência política e relações internacionais e ex-residente de Macau, está a preparar um novo livro sobre a China

 

Arnaldo Gonçalves, ex-residente de Macau, onde viveu 26 anos, e especialista em ciência política e relações internacionais, esteve no domingo na Feira do Livro de Lisboa a apresentar duas obras antigas de sua autoria. Uma delas, lançada pela COD em 2014, intitula-se “Norberto Bobbio – A Tradição Europeia da Liberdade”, um livro que mais condiz com a sua essência política, e “Macau, Depois do Adeus”, uma edição IpsisVerbis, onde é traçado um olhar sobre o período da RAEM pós-transição.

A residir em Portugal há três anos, Arnaldo Gonçalves começou por contar ao HM que a presença informal na Feira do Livro, onde deu autógrafos e conversou com leitores, aconteceu devido ao contacto com a Essência do Livro, tendo em conta o fecho da representação do Turismo de Macau em Lisboa.

Com o fim da entidade terminou a presença habitual da livraria na Feira do Livro, onde se revelavam algumas obras sobre Macau e a China. “Continuei a publicar depois disso. Há um problema de ligação entre os editores de Macau e de Portugal, não existindo distribuição das obras editadas. Descobri a Essência do Livro, localizada no Porto, e enviei-lhe um email a propor a apresentação”, disse.

Os dois livros “marcam perspectivas complementares da minha identidade”, ligadas à vivência de 26 anos em Macau e o trabalho desenvolvido na Administração portuguesa e chinesa. Sobre o encerramento da livraria e o fim da representação do Turismo de Macau em Lisboa, o autor considerou natural.

“O Governo de Macau tem uma vocação chinesa muito grande e há um alinhamento com a República Popular da China. Não privilegiam uma relação com a Europa e Portugal, e esse é um capitulo que está encerrado. Para eles é algo que faz parte da história. Agora olham para a fronteira, para a Grande Baía e para o que acontece na China. Talvez, no lugar deles, fizéssemos a mesma coisa.”

Arnaldo Gonçalves estabelece mesmo um paralelismo entre o desligamento de Macau em relação a Portugal e à Europa com o que aconteceu após a descolonização portuguesa. “Dei por mim a pensar que o processo de Macau, na última década, não é assim tão diferente do das colónias portuguesas em África, em que houve um desligamento da elite local em relação ao passado português.”

O livro sobre a China

Apesar de aposentado, Arnaldo Gonçalves não deixa de reflectir e escrever. O último livro lançado intitula-se “Por quem os sinos não dobram: A Maçonaria e a Igreja Católica”, um tema recorrente para o autor. Mas a China está também sempre presente, e será tema central da sua próxima obra, já em preparação.

“Estou a escrever um livro sobre a China, porque estou a chegar ao fim de mais uma década de vida que, ao mesmo tempo, são três décadas de Macau e China, e é tempo de eu escrever um livro sobre o país. Vou analisar a ligação da China com o mundo, a política externa chinesa, a análise do período de Deng [Xiaoping] e Hu Jintao”, contou.

A obra não deixa de lado um olhar sobre o perfil político de Xi Jinping, Presidente chinês, que Arnaldo Gonçalves considera ser alguém “muito contraditório”. Pedindo uma “relação adulta” entre a China e os EUA em prol da paz mundial, o analista entende que a China se está a aproximar da Rússia, embora haja diferenças entre os seus líderes. “Se acertarem [a China e EUA] uma relação adulta, isso é fundamental para a paz e segurança no mundo. Essa relação é necessária para a paz no mundo e para a paz regional”, rematou.

6 Set 2022

Centro cultural é na Feira do Livro

Em Lisboa e no Porto regressou a feira. Chamam-lhe a Feira do Livro. O livro é um património universal que merecia mais respeito. Em Lisboa estão patentes na 92ª edição, mais uma vez no Parque Eduardo VII, 340 pavilhões distribuídos por 140 participantes. Nunca fui simpatizante de feiras porque cheiram-me a sobras.

No entanto, nestas feiras do livro no Porto e em Lisboa, lá estão algumas obras novas de autores conhecidos e desconhecidos, os editores, os livreiros e algumas palhaçadas para distrair as criancinhas. As pessoas correm para a feira como se fossem comprar churros ou lâmpadas. Na maior parte dos casos os livros que são vendidos ou oferecidos, mesmo com o autógrafo do autor, não são lidos. Há gente que anda com o livro que comprou na mão para o trabalho, para o café, para o barbeiro ou para a pedicura. É gente que pensa ser intelectual tendo um livro.

Alguns autores aparecem na feira, autografam as suas obras e até tiram uma selfie com o comprador. Os editores pensam que a feira do livro é a salvação económica do ano. Não creio que assim seja, porque na volta que dei pela feira vi muitas sobras e a propósito permitam que vos saliente o que escreveu António Guerreiro numa das suas crónicas: “Quem visite a actual Feira do Livro e não sinta repulsa pelo populismo editorial dominante, ou tem um enorme poder de atravessar, imune, uma paisagem de destroços, ou perdeu a capacidade de reconhecer a violência que sobre ele é exercida. Aquele é um pasmado e gritante espaço onde os livros são atirados a uma simpática e contente fossa. E, depois de tanta farra, tanto barulho e tanta luz, todo esse espectáculo que parece ter-se tornado necessário para que um livro nos chegue às mãos, a sensação que dá, quando chega a hora de ler, é que se tornou já escuro demais”.

Os interessados por livros visitam a feira e a escolha é variada: ficção, romance, poesia, biografia, infantil e uma vasta gama de obras literárias onde, por vezes, os autores não estudaram literatura, mas a vontade de serem famosos fala mais alto.

Nas descrições que por estes dias vão aparecendo na imprensa, não parece gerar qualquer desconcerto este regime de enfartamento que a cada ano nos é tão pomposamente servido. E isto talvez se deva à eficácia desse efeito de colonização que a cultura popular gerou, neutralizando todos os antagonismos a essa nova mitologia que, segundo a escritora Dubravka Ugrešić, ajuda os consumidores a digerir a indigesta realidade, e, deste modo, a fazerem as pazes com ela.

É isto o que faz de qualquer denúncia do azucrinante ambiente de festa que tomou conta do comércio dos livros algo que é encarado como uma mera afectação de gente snob. Não consigo compreender estas feiras de livros quando me habituei a investigar as mais diferentes matérias onde estão os mais diversos livros que nos fornecem o conhecimento: as bibliotecas. Ou quando posso financeiramente adquirir um livro e me dirijo aos locais onde os livros novos e velhos me dão qualquer preferência de leitura: as livrarias.

Na feira de Lisboa vi autores angolanos, moçambicanos, cabo-verdianos mas, sabendo que Macau tem excelentes autores de literatura como Carlos Morais José ou de poesia como a obra do saudoso António Correia, não consigo compreender por que razão não existe um expositor exclusivamente dedicado aos muitos autores que escreveram a história de 500 anos de Macau e romances apelativos como os de Henrique Senna Fernandes.

Já esqueceram Macau? Talvez, porque nem fazem ideia que naquela região hoje administrada por chineses vivem artistas e literatos de alto nível cultural. Resta dizer-vos que nesta edição de 2022 fiz uma escolha. Não procurei os nomes sonantes. Como eu, muita gente deste povo que passa dificuldades vivenciais, levaram para casa algumas obras de cujo preço era o mais barato. Uma feira do livro pode ser considerada por uns dias o nosso centro cultural, já que em Portugal os vários ministros da Cultura nunca souberam edificar um Centro Cultural que não fosse uma feira…

30 Ago 2022

Turismo de Macau sem representação na Feira do Livro de Lisboa

Ao contrário do que é habitual, a delegação do Turismo de Macau em Lisboa não participa este ano na 90ª Feira do Livro de Lisboa, que decorre no parque Eduardo VII. No entanto, a delegação prepara-se para lançar a campanha “Setembro: Mês do Livro. Leia Macau” que visa atrair mais leitores à livraria do Turismo de Macau

 

[dropcap]A[/dropcap]rrancou na quinta-feira, dia 27, mais uma edição da Feira do Livro de Lisboa, um dos maiores eventos literários em Portugal. No entanto, devido à pandemia da covid-19, a delegação do Turismo de Macau em Lisboa não estará representada na 90.ª edição do evento como é habitual, tal como aponta a delegação em comunicado.

“A situação atípica que se vive e as restrições e condicionalismos que esta pandemia impôs, levou a que o Turismo de Macau cancelasse a sua participação neste grande evento literário”, pode ler-se. Ao HM, Paula Machado, coordenadora do Centro de Promoção e Informação Turística de Macau em Portugal, adiantou que a pandemia fez com que fosse impossível cumprir prazos. “Com a pandemia e o adiamento das datas acabou por ser complicado comprometermo-nos em Abril, mês das inscrições”, disse, pelo que a campanha de Setembro surge como uma “compensação” para os habituais visitantes do espaço do Turismo de Macau na Feira do Livro, que fecha portas a 13 de Setembro.

Ler em Setembro

A campanha levada a cabo pela livraria do Turismo de Macau surge dada “a importância que os livros têm para o enriquecimento cultural e disseminação do conhecimento”. Desta forma, até ao dia 30 de Setembro, “serão apresentadas diferentes sugestões de leitura, dando a conhecer diferentes títulos, autores e temas, relacionados com Macau e com o Oriente”. A campanha inclui ainda vários descontos e ofertas.

Numa entrevista concedida ao HM em Maio, Paula Machado revelou a vontade de apostar na venda de livros online. “Esta livraria visa promover o legado cultural de Macau e o espólio é constituído essencialmente por livros escritos por autores de Macau ou relacionados com Macau. Acaba por ser um importante complemento às nossas actividades promocionais, pois participamos na Feira do Livro de Lisboa e na Festa do Livro de Belém.”

Paula Machado falou também da importância que estes eventos têm para a actividade da delegação do Turismo de Macau. “Nestas feiras acabamos por vender mais livros do que em nos outros meses do ano. Ainda assim, penso que ainda há muito a fazer para atrair mais pessoas às nossas instalações.” O objectivo, segundo Paula Machado, é que a livraria online entre em funcionamento ainda este ano.

31 Ago 2020

O feirante acidental

Galeria do 11, Setúbal, 1 Junho

 
[dropcap]C[/dropcap]ontinua por fazer uma história da ilustração portuguesa. Os contributos do Jorge [Silva] acabarão, tenho esperança, por erguer esse pano de fundo. E nele quantas figuras, de súbito, brilharão como Manuel Lapa (1914-1979), que tem nesta a sua primeira exposição? Que sabemos nós dele, sem uma única entrevista, depoimento, enfim, nada mais que vestígios?

Saberes instáveis e disciplinas discretas, como a ilustração, prestam-se a passarem entre os pingos de chuva da nossa comum atenção, mas convenhamos: tratamos mal a nossa memória. E perdemos com isso. Este autor, ainda assim notado como pintor, assina um enorme contributo para a nossa história visual, pela quantidade do trabalho, muito dele ao serviço das várias vertentes, educativas e outras, da propaganda do Estado Novo, mas sobretudo por um expressionismo riquíssimo em meios e assente no combate «Da Luz e das Sombras». As dicotomias sobre as quais o Jorge desenhou a exposição prolongam essa ideia revelando os vários rostos do artista, do livro ao cenário, das revistas às tapeçarias, do folclore à santidade, da espada à lebre: das sombras do mundo, do sal da terra, do sonho e da ilusão, do riso e das lágrimas, do céu e do inferno, da espada e do trono, da presa e do caçador (algures na página momento muito meu, assinado por Manuel Lapa). Acontece bastante cor, ainda que em tons baços, mas a força essencial exprime-se a preto e branco. Mesmo nos retratos, algo parece estar a acontecer, só o movimento nos traz o real perseguido. As massas servem de contraste para a figura, anunciam a peripécia, sugerem ambientes. E tantas nuvens passam por estes céus, estas decorativas, aquelas significantes, outras apenas correndo ininterruptamente. São sinal da elegância que habita este lugar. O equilíbrio entre originais, publicações e reproduções faz ainda desta exposição caso exemplar. E contém até o pormenor de um caderno de desenhos que não escapou incólume aos acidentes do tempo. Parece vociferar, no meio do dinamismo e da celebração de uma obra, que o comum descuido tem um preço: arde e até a água queima.

Largo José Saramago, Lisboa, 4 Junho

Ninguém pergunta: qual o gesto mais comum na vida de um editor? Talvez por se dar por adquirido que a óbvia resposta seria a leitura. Não: carregar com livros, eis o que mais fazemos.

Fui, portanto, carregado de exemplares, que queria exemplares, para a conversa com a Carla Oliveira, da Orfeu Negro, a convite do Jorge [Silva], no âmbito do «Faz-me Um Livro», ciclo dedicado ao design, edição e ilustração, comissariado pela Silvadesigners para a Fundação José Saramago. Tal como com outros deveres, estou atrasadíssimo com o primeiro catálogo da casa, com o qual pretendo fazer avaliação, mapa movediço do que foi sendo feito, aventando meia dúzia de porquês, enumerando episódios, falando dos modos, assumindo falhas e colhendo logotipos desta horta de abysmos, tão rica já. Estou atrasado, ia dizer, por carregar livros, o que não deixa de ser verdade. Dá muito trabalho sobreviver, nem sempre roubamos o tempo que nos permita pensar. E o catálogo há-de resultar de pensamento. E de tempo. Apesar das diferenças, reconhecemo-nos, a Carla e eu, em muitas das dificuldades da profissão neste momento concreto.

Não vos cansarei com a enumeração, mas os livros que levei eram dos que nos são devolvidos cansados e maltratados pelas livrarias. Apenas um sinal da irracionalidade deste processo que faz com que um livro não vendido possa acabar massacrado pelo hábito de o (mal)tratar como mercadoria. E não será? A mística arreigada ao objecto afirma que não, que se trata de um mudador de vidas, um abridor de horizontes, um «amigo». Fomos, espero, muito para além do fado habitual, dissemos das ânsias e desejos dos autores, da interferência do editor no processo criativo e da importância dos títulos e das capas. Acabámos falando, antes do mais, da paixão de continuar a esticar o objecto-livro em todas as direcções. Falámos sempre de livro na mão.

Feira do Livro, Lisboa, 8 Junho

Temo tê-lo repetido de mais: estreámo-nos na Feira do Livro com pavilhão próprio, partilhado com a Livros do Meio, editora que mora em assoalhada destas páginas. Havíamos participado antes de modos diferentes, sem grande intensidade, estou em crer que por não arranjarmos maneira de nos relacionarmos com o modelo. O ano passado tivemos até resposta entre o absurdo e o irritante a propostas solicitadas de animação, que nos permitiu anotar o interesse mínimo, para dizer o mínimo, que os organizadores devotam à poesia. A Feira evoluiu afastando-se do livro e da cultura em direcção ao comércio e entretenimento de massas. Passa pelo Parque muita gente, mas a pensar mais no passeio do que nos livros. Estes merecem a atenção de um olhar se os preços se agacharem tanto que rastejem pelos cêntimos, dando razões aos génios do marquetingue que dizem ser tudo igual, desde que com capa e páginas. Toda a lógica sopra a favor das grandes superfícies, digo, grupos editoriais que aqui copiam as ditas, com a sua lógica suicidária de descontos e neutralização. A programação da Feira não consegue apresentar-se com uma ideia forte, integrada e assente no essencial: o livro, o autor, a literatura. No concreto, o investimento revelou-se imenso, nos maravedis e no trabalho, sobretudo com o que se estraga e desperdiça. Ainda assim, pela primeira vez expusemos ao vento, à chuva e ao calor, mas também a alguns olhares interessados, o catálogo completo. A localização que nos calhou em azar afastou-nos das rotas, mas ainda assim demos um ar da nossa graça.

Horta Seca, Lisboa, 10 Junho

Um dos melhores jornais do mundo, The New York Times, cedeu à sanha moralista que envenena a opinião pública e, na sequência de críticas a um desenho de opinião do António [Antunes], que se “atrevia” a criticar as relações caninas entre a política norte-americana e israelita, anunciou o fim dos cartoons políticos. O principal visado, Chappatte, escreveu um texto que desafia os editores a não baixarem os braços. Só um sábio coquetel de resistência e inteligência nos poderá trazer oxigénio a estes tempos em que os gases das massas em fúria cega nos impedem de respirar horizontes. E também Martin Rowson, no The Guardian, disse o óbvio, lembrando as ameaças crescentes aos canários dos fundos da mina: «the New York Times’ decision is particularly irksome in its intoxicating combination of cowardice, pomposity, over-reaction and hypocrisy. » O NYT ofendeu-nos muito e merece castigo.

Feira do Livro, Lisboa, 13 Junho

Ficará da experiência adulta no Parque duas dezenas de páginas de certa edição especial que se atreveu a pensar, através do poema, do ensaio, do desenho e da pintura, que sentidos se colecionam nas massas difusas do etéreo em movimento. O jornal «Nuvens» teve, à sombra do pavilhão nefelibata, singelo lançamento, regado a duas versões da Trevo, a mais literária das cervejas do burgo. Foi um ar que se lhe deu, um corpus nubilum nascido de cadáver esquisito. «E se fosse a terra um modo movediço, reflexo chão do movimento acima? Como assentar escada na canção? Nuvem feita canção, verso que foge, cão.”

26 Jun 2019

Crónicas do Hoje Macau vão ser publicadas pela Abysmo

João Paulo Cotrim, editor da Abysmo, garantiu ao HM que as crónicas que diariamente são publicadas no suplemento H serão editadas em livro ainda este ano. O HM esteve também presente na Feira do Livro de Lisboa graças ao lançamento de um suplemento especial subordinado ao tema das nuvens, que foi distribuído apenas no espaço da feira

 

[dropcap]T[/dropcap]odos os dias autores portugueses como António Cabrita, António de Castro Caeiro ou Valério Romão, entre outros, desfiam palavras e pensamentos para as páginas do HM, no suplemento H que diariamente se publica com o jornal. Mas em breve estas crónicas poderão ser lidas em formato livro, conforme adiantou ao HM João Paulo Cotrim, editor da Abysmo, uma editora portuguesa.

“Essa é a primeira coisa que iremos fazer e que temos previsto para acontecer rapidamente este ano, talvez em Outubro. Iremos publicar uma antologia das crónicas do HM”, referiu.

Este ano, e pela primeira vez, a Abysmo fez-se acompanhar da Livros do Meio, editora de Carlos Morais José, também director do HM, na Feira do Livro de Lisboa, que chegou ontem ao fim. A publicação do livro não será o único projecto que ambas as editoras irão desenvolver.

“Percebemos que havia um conjunto de autores da Abysmo que estavam a colaborar com o HM e às tantas percebemos que não era por acaso, que havia aqui muitas afinidades que interessavam explorar. Há ideias de colaboração para uma série de projectos, tal como a edição de livros em conjunto que reflictam o facto de termos um pedaço de Portugal naquele lugar (Macau).”

Para João Paulo Cotrim, “há-de haver alguma diferença pelo facto de termos esta presença centenária em Macau”, sendo que “já mudou muito do nosso entendimento sobre Camilo Pessanha”. Nesse sentido, “há um conjunto de coisas que podemos fazer, a bem dos livros e da leitura, e de uma certa ideia de Portugal, que acho que vai continuar e vai dar frutos”.

As nuvens

A presença da Abysmo e da Livros do Meio na Feira do Livro de Lisboa ficou também marcada pelo lançamento de um suplemento especial do H dedicado ao tema das nuvens. São várias páginas em que os habituais colaboradores do HM são convidados a escrever textos ou poesia sobre as várias dimensões das nuvens, além da participação de artistas plásticos, como é o caso de Rui Rasquinho, ilustrador.

Carlos Morais José falou ao HM de um projecto que serviu também para mostrar um pouco do HM além fronteiras. “Hoje já não há essa distância, uma vez que temos estes colaboradores de Portugal e acabamos por ser lidos e divulgados na Internet. Apesar disso, a existência física do suplemento é importante. É tão poluente o papel que estamos a usar que as pessoas não o devem deitar fora, devem guardá-lo em casa”, ironizou.

Quanto ao tema escolhido, as nuvens são, para Carlos Morais José, “um tema transversal a várias culturas, nomeadamente à chinesa e portuguesa”. “Todas as culturas se deixaram impressionar, de qualquer das formas, pela questão das nuvens e existem poemas sobre nuvens, desenhos, pinturas. As nuvens são algo que impressiona o ser humano”, acrescentou.

Para João Paulo Cotrim, fazer um suplemento sobre as nuvens não foi apenas um símbolo da parceria entre a Abysmo e a Livros do Meio como também “uma metáfora boa da relação com o oriente”.

Isto porque “o oriente tem um tratamento específico na poesia da nuvem, e nós, além da poesia, temos também uma tradição científica de relacionamento com a nuvem.”

“Parecia-me, portanto, um símbolo bastante interessante desta relação sempre meio fugidia e nunca igual entre o oeste e oriente”, adiantou.

Através do suplemento estabelece-se a ideia de que a nuvem “não é um símbolo, é um bocadinho mais, é o suscitar de uma reflexão e pensamento à sua volta”.

“Fizemos isso com um eixo na entrevista ao Carlos Fiolhais e João Queirós, um cientista e pintor, e à volta disso temos um conjunto de textos dos escritores que são colaboradores do HM. Mesmo no caso dos poemas há bastante pensamento por detrás disto, porque, no fundo, há muito pensamento e filosofia, leitura que conclui que as nuvens são um grande espelho da nossa vida em sociedade, das nossas inquietações.”

João Paulo Cotrim destaca o facto de a nuvem recordar a especificidade do trabalho de editar, quer sejam livros ou jornais. “É essa mesma inquietação de perceber o que se passa à nossa volta.

Essa mesma curiosidade em relação ao mundo, e por isso também funcionamos como uma espécie de nuvem, ora de nuvem ora de gente que olha a nuvem”, rematou.

17 Jun 2019

Reedição de “Anastasis”, de Carlos Morais José, apresentada sábado na Feira do Livro de Lisboa

“Anastasis”, livro de poesia de Carlos Morais José, é lançado este sábado em Lisboa na Feira do Livro, pela mão da editora Abysmo. O autor, também director do HM, fala de uma obra que não estava completa sem as suas impressões sobre o Egipto e Jerusalém

[dropcap]D[/dropcap]epois de “O Arquivo das Confissões – Bernardo Vasques e a Inveja” ganhar uma nova vida, eis que surge nas livrarias portuguesas “Anastasis”, um livro de Carlos Morais José, escritor e director do HM. A obra será lançada oficialmente este sábado pela editora Abysmo na Feira do Livro de Lisboa.

Em declarações ao HM, Carlos Morais José falou de uma obra que, apesar de ter sido lançada em 2013, não estava completa sem dois capítulos dedicados ao Egipto e a Jerusalém.

“O livro é agora editado em Portugal e tem outra capacidade de divulgação no espectro da lusofonia”, apontou. “Sempre senti que este livro não estaria completo sem mais dois capítulos, que se referem ao Egipto e à Terra Santa, além de mais uns acrescentos nos capítulos já existentes.”

Para Carlos Morais José, estamos perante “dois lugares muito diferentes”, uma vez que o Egipto “remete-nos para as pré-origens da nossa civilização”. “O Egipto é um mistério ainda. Quando os gregos começaram a aprender a escrever já os egípcios se tinham esquecido de como isso se fazia. O Egipto tem uma grande importância como fonte de uma sabedoria primeira.”

Na “viagem interior” que é “Anastasis”, Carlos Morais José descreve o país como “um reencontro com as origens”, “as mais primárias possível, os desejos mais escondidos”. “Como digo no meu livro, descer o Nilo é quase como uma descida aos sentidos, às delícias, aos sentimentos e emoções mais básicas”, acrescentou.

No que diz respeito a Jerusalém, o autor estabelece uma ligação poética entre o sofrimento de Jesus Cristo e o homem moderno. “Quis perceber que cidade é aquela, que não tem nada, que está no meio do deserto e que é tão disputada por tanta gente. No meu livro encontram-se alguns aspectos do que eu chamo a cidade de um só Deus, porque é o Deus dos judeus e dos árabes, o Deus ciumento.”

Há também a chamada “cartografia da dor, que é um mapa da descrição da paixão de Cristo”, onde o autor encara “Cristo como a emergência do Homem contemporâneo, pois as dores de Cristo serão as nossas dores, de alguma maneira”.

O autor e jornalista descreve Jerusalém como “um dos centros emissores da nossa cultura e um dos mais importantes, pois a cultura europeia divide-se entre Atenas e Jerusalém”.

“O que vou à procura em Jerusalém é isso, mas não só a parte cristã, mas também judaica e muçulmana. A parte comum a tudo isto que faz com que aquela terra seja considerada sagrada por uma série de religiões diferentes, com a mesma origem, mas com uma perspectiva diferente.”

Um privilégio

Com a Abysmo, Carlos Morais José vê, pela segunda vez, um livro seu ser reeditado em Portugal depois de um primeiro lançamento em Macau, e isso faz dele um “super privilegiado”, confessa.

“Nos últimos tempos tenho sido extremamente acarinhado por pessoas de Macau. Os académicos têm feito o favor de reconhecer o meu trabalho e apreciar a minha obra, e tenho tido muito boa recepção.”

O autor acredita que, com esta reedição, possa aumentar o interesse da literatura que é produzida em Macau. “Tenho visto alguns textos académicos e as pessoas começam a olhar de uma forma mais séria para aquilo que se produz em Macau, não apenas como uma curiosidade. Percebe-se que houve nas ultimas décadas alguns escritores de Macau que têm uma postura ou um lugar na literatura portuguesa contemporânea. Penso que isto irá continuar”, concluiu.

6 Jun 2019