Mulheres| Ho Iat Seng quer “harmonia familiar”

Ho Iat Seng espera que as mulheres contribuam para a “harmonia familiar”. Foi esta a mensagem deixada pelo Chefe do Executivo durante a cerimónia da Associação Geral das Mulheres, que antecipou as comemorações do Dia Internacional das Mulher.

Segundo o Gabinete de Comunicação Social (GCS), o Chefe do Executivo “disse esperar que as mulheres continuem a desempenhar o seu papel importante na sociedade e na família e contribuam para a harmonia familiar, a prosperidade, a estabilidade e o desenvolvimento de alta qualidade da RAEM”.

Ho citou ainda as palavras de Mao Tse Tung, ao indicar que “em Macau, as mulheres representam cerca de 53 por cento da população total” e que “ao longo dos tempos, as mulheres de Macau mostraram, e mostram, a sua vivacidade e o seu empenho em todos os sectores, ‘sustentando a metade do céu’ na sociedade”.

Por outro lado, o líder do Executivo prometeu que o Governo da RAEM vai “salvaguardar os direitos e interesses legítimos das mulheres em múltiplas vertentes”.

Apesar de Ho Iat Seng não ter nomeado nenhuma mulher como deputada na Assembleia Legislativa, em sete escolhas escolheu sete homens, o governante não deixou de afirmar que “espera, sinceramente, que todos os sectores sociais trabalhem em conjunto para impulsionar o desenvolvimento contínuo das causas das mulheres”.

26 Fev 2024

Universidade cria curso para melhorar as competências parentais

Uma universidade de Xangai, a maior e mais cosmopolita cidade da China, lançou ontem um “mini mestrado” em educação familiar para ajudar os pais a exercerem melhor a sua função num ambiente social em “constante mudança”. O programa oferecido pela Universidade Normal do Leste da China consiste em 100 horas de ensino ao longo de quatro meses, combinando o estudo presencial e ‘online’ para a obtenção de um diploma, informou o jornal oficial em língua inglesa China Daily.

O curso aborda questões como a pressão psicológica e a dependência da Internet, segundo a mesma fonte. Até agora, 120 pais com filhos de diferentes idades inscreveram-se no curso, o primeiro programa do género no país asiático.

“A ansiedade dos pais em relação ao estudo dos seus filhos é hoje mais intensa do que nunca”, disse Yan Hanbing, director da Escola de Ensino Aberto e Educação da universidade. “Integramos conhecimentos científicos e baseados na investigação para dizer aos pais como manter a calma e evitar serem apanhados pela maré social em constante evolução”, acrescentou.

Dos 7 aos 77

O programa inclui três cursos básicos sobre relações familiares, psicologia e formação de carácter, bem como mais de 20 disciplinas opcionais para os pais escolherem com base na idade dos seus filhos e nas questões que desejam abordar. “Os pais desempenham diferentes papéis à medida que os seus filhos crescem. São cuidadores, treinadores e conselheiros quando os seus filhos são bebés, alunos e adolescentes”, afirmou o director.

De acordo com os organizadores do curso, os pais não só aprenderão “conceitos de ponta e conhecimentos básicos”, como também terão a oportunidade de “treinar os seus ensinamentos práticos”. “Nunca é demais sublinhar a importância de os pais criarem uma forte ligação emocional com os filhos antes da idade escolar”, afirmou o Professor He Lingfeng, responsável pelo curso de educação do carácter.

Este curso para pais faz parte de um esforço para “promover a aprendizagem ao longo da vida” da população chinesa, tal como foi sublinhado pela imprensa oficial em Março passado, aquando da abertura da Universidade Sénior da China (SUC), uma universidade exclusivamente destinada a pessoas com mais de 50 anos.

“A China exige que as universidades e os centros de formação ofereçam cursos especializados para os idosos”, declarou o ministro da Educação, Huai Jinpeng, durante a inauguração da SUC, acrescentando que o país “incentiva as escolas do ensino básico e secundário a apoiarem estes projectos, cedendo as suas instalações desportivas e culturais”.

30 Nov 2023

Associação das Mulheres pede medidas para ajudar pais

A Associação das Mulheres apela ao Governo que interceda junto das empresas do território para que sejam adoptadas medidas de apoio às famílias. Foi desta forma que a associação reagiu à situação de uma criança de cinco anos que ficou sozinha em casa e abriu a porta as duas funcionárias públicas, que roubaram parte do recheio da habitação.

Num comunicado emitido pela associação, a vice-presidente Loi I Weng apontou que as famílias atravessam uma situação difícil para cuidar dos filhos, porque é frequente que ambos os pais trabalhem e não tenham com quem deixar as crianças.

Face ao cenário traçado, a também vice-presidente da Escola da Associação Geral das Mulheres pediu ao Governo para dialogar com o sector empresarial no sentido de serem encontradas soluções para os pais que têm dificuldades em cuidar dos filhos. Contudo, a dirigente associativa não avançou com nenhum medida concreta a ser adoptada, nem fez sugestões.

Por outro lado, a associação tradicional considerou ainda ser necessário que mais creches locais disponibilizem um serviço para ficar com as crianças, durante o período laboral dos pais e, principalmente, quando têm de trabalhar horas extra.
Loi pede assim ao Executivo que reforce a cooperação com as associações não governamentais, para que sejam disponibilizados mais serviços de creches às famílias com pais empregados.

Punir e punir

Por um lado, Loi justificou a situação actual com o facto de nem todas as famílias terem a possibilidade de contratar empregadas domésticas para tomar conta das crianças, o que faz com que para muitos não haja outra solução que não passe por deixar as crianças sozinhas.

Por outro, a dirigente alertou os pais que deixam as crianças em casa sozinhas que podem estar a violar a lei.
Finalmente, Loi I Weng recordou um inquérito de 2009, que concluiu que 85 por cento dos pais no território deixavam os filhos sozinhos em casa. E entre todas as crianças que ficavam em casa, cerca de 27 por cento, ou seja, uma em cada quatro, sofriam ou causavam acidentes.

Neste aspecto, a dirigente associativa reconheceu que é cada vez mais frequente as crianças passarem longas horas nas suas residências sem acompanhamento de adultos, estimando que a proporção actual de crianças sozinhas em casa deve ultrapassar os 85 por cento do estudo de 2009.

13 Out 2023

Família | Estudo defende incentivos a empresas para colmatar falta de apoios

Dois académicos da UPM entendem que o Governo pode incentivar as empresas “a conceder subsídios e inovar o regime de férias” relativamente às medidas de apoio às famílias, que não estão ainda generalizadas na sociedade. O estudo de Chong Leng Leng e Yin Yifen sugere a diferenciação entre os conceitos de políticas destinadas à família e políticas sociais

 

Um estudo recentemente publicado na revista “Administração”, publicação da Direcção dos Serviços de Administração Pública, conclui que não cabe apenas ao Governo desenvolver as políticas de apoio à família, mas que este tem um “papel predominante” que “pode traduzir-se em incentivos às empresas para conceder subsídios e inovar o regime de férias”.

A ideia é deixada pelos autores do estudo, Chong Leng Leng, doutoranda pela Universidade Politécnica de Macau (UPM) e vice-presidente da Associação Geral das Mulheres de Macau, e Yin Yifen, professor da UPM, no estudo intitulado “Compreensão das Políticas de Macau Favoráveis à Família”, um “resultado intercalar” de outro trabalho, o “Estudo sobre a Inovação do Sistema de Gestão da Região Metropolitana de Nível Mundial da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”, projecto desenvolvido com o apoio do Fundo Nacional para as Ciências Sociais.

Os autores da análise frisam que “a concretização das políticas favoráveis à família não depende só do Governo”, mas sim “das relações de cooperação com o mercado e a sociedade”, permitindo a formação de um “quadro institucional em que o Governo, as organizações a comunidade e as associações sociais” trabalham em conjunto.

Ao Governo compete ainda estabelecer condições para “mobilizar plenamente o entusiasmo da sociedade e das empresas” em prol do “desenvolvimento das políticas de Macau favoráveis à família”.

Os académicos entendem ainda que, neste contexto, é fundamental ter em atenção que, hoje em dia, as mulheres trabalham cada vez mais fora de casa, contam no currículo com habilitações de estudos superiores, e não se dedicam apenas à família. Assim, “a promoção do desenvolvimento das mulheres e a igualdade de género devem ser nucleares para a futura implementação das políticas de Macau favoráveis à família”, contribuindo “para promover de forma eficaz a sua optimização e implementação”.

Licença para ser mãe

O estudo aponta também que “com o aumento da proporção de mulheres e mães na força laboral que as políticas favoráveis à família têm vindo a ganhar cada vez mais atenção”. Do rol de medidas destacam-se a licença de maternidade e o tempo de amamentação.

Enquanto a amamentação tem sido alvo de debate na sociedade, os autores destacam que a licença de maternidade aumentou nos últimos anos, sendo hoje de 70 dias pagos, e que foi estabelecida a licença de paternidade de cinco dias.

Outra medida destacada no estudo é o aumento do subsídio de nascimento, por filho, no valor de 5418 patacas.

São ainda apresentados vários exemplos do prazo da licença de maternidade noutros países, nomeadamente a Dinamarca, onde o casal usufrui, no total, de 52 semanas de licença parental, sendo que, destas, 18 são de licença de maternidade. No Reino Unido a licença parental legal é de 54 semanas, incluindo 39 semanas de licença de maternidade remunerada, duas semanas de licença de paternidade remunerada e 13 semanas de licença parental legal e não remunerada.

Na Alemanha são atribuídas, por exemplo, 14 semanas de licença de maternidade para mães solteiras, enquanto as mães que estão num relacionamento têm direito a 12 semanas.

No caso da China, os autores do artigo citam outros académicos quanto ao facto de as políticas do sistema de segurança social chinês não chegarem a todos. “Com a excepção do seguro de maternidade, as medidas favoráveis à família apenas beneficiam algumas famílias e grupos especiais”, além de que “a protecção é bastante limitada”. Desta forma, “um tal sistema de segurança social necessita de uma reforma à luz da nova política populacional”.

Políticas não generalizadas

Uma crítica deixada pelos autores do estudo publicado na revista Administração aponta para a falta de generalização deste tipo de políticas, tendo em conta os resultados do “Inquérito sobre a situação actual das políticas favoráveis à família na sociedade de Macau”, lançado em 2021. Ou seja, os autores entendem que “embora as políticas de Macau favoráveis à família tenham conhecido um certo desenvolvimento nos últimos anos, as medidas de harmonia familiar ainda não foram generalizadas na sociedade”, existindo ainda “muito espaço para melhoria” destas medidas.

O referido inquérito, citado pelos autores do estudo, revela que mais de 84 por cento dos trabalhadores entrevistados afirmaram sofrer de “limitações físicas e psicológicas devido ao desequilíbrio na vida profissional”, algo que “afecta os cuidados da família”.

Por sua vez, “cerca de 70 por cento dos trabalhadores entrevistados afirmaram que a empresa não implementou medidas favoráveis à família”. Apenas 35 por cento dos inquiridos disseram que a empresa onde trabalham implementou “opções flexíveis” em matéria de férias.

Clarificações por fazer

Chong Leng Leng e Yin Yifen destacam no seu trabalho que as autoridades desenvolveram, nos últimos anos, diversas políticas de apoio às famílias, destacando também a implementação da nova lei de prevenção e combate à violência doméstica, em 2016. Ainda assim, entendem que devem ser promovidas “medidas eficazes de harmonia familiar”, lembrando que não é ainda clara a definição de medida social e medida do âmbito familiar.

Isto porque não existe, no território, “um critério absoluto correcto inerente ao desenvolvimento das políticas de Macau favoráveis à família”. Desta forma, e tendo em conta diversos factores interligados com as políticas familiares, estas devem definir-se consoante “a situação real da cidade”.

“De acordo com a situação actual, o mais importante é identificar a fase e os problemas em que se encontram as políticas de Macau favoráveis à família, a fim de definir o rumo de aperfeiçoamento das políticas.” Os autores descrevem, ser “necessário proceder a uma investigação profunda e a uma análise sobre a situação actual e as necessidades das políticas favoráveis à família”, a fim de ajudar “as famílias em que ambos os elementos do casal tenham empregos a aliviarem a pressão sentida tanto no trabalho como na família”.

Além disso, os académicos não esquecem o contexto demográfico e o facto de Macau estar a enfrentar uma situação de envelhecimento populacional com tendência crescente, associada “ao aumento da taxa de emprego feminino e a uma diminuição da taxa de fertilidade”.

Dados da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC) mostram que Macau tinha, em 2017, 74.100 idosos com idade igual ou superior a 65 anos, representando 12,8 por cento da população local. Em 2020 havia já 88.300 idosos com 65 ou mais anos, representando 15,7 por cento da sociedade.

Relativamente, à mão-de-obra feminina, esta constituía, em 2017, 66,3 por cento de toda a força laboral, com 191,4 mil mulheres no activo, número que passou para as 202,3 mil mulheres no mercado de trabalho local em 2020. Os autores destacam também que, “nos últimos anos, a taxa de natalidade em Macau tem vindo a diminuir de ano para ano”, de 11 por cento em 2016 para 8,1 por cento em 2020.

16 Ago 2023

Family office

No passado dia 23, Li Jiachao, Chefe do Executivo de Hong Kong, visitou Singapura, a Indonésia e a Malásia em busca de oportunidades de negócio. Li Jiachao declarou que espera atrair mais family offices para Hong Kong. Na apresentação das Linhas de Acção Governativa para 2023, Li Jiachao mencionou que o objectivo é vir a ter 200 family offices em Hong Kong em 2025.

Family office é uma empresa privada de consultoria e gestão das fortunas de famílias muito ricas, com activos superiores a 100 milhões de dólares. Quantos mais family offices se estabelecerem em Hong Kong, mais famílias bilionárias farão negócios e investimentos em Hong Kong, promovendo a continuação do desenvolvimento económico da cidade. Além disso, as actividades económicas das famílias super-ricas não se limitam, obviamente, aos negócios e ao investimento. Dedicam-se frequentemente a leilões e a acções de caridade. Estas actividades também se desenvolvem com a presença de family offices, pelo que a sociedade de Hong Kong pode beneficiar de várias maneiras.

Family offices são criados por indivíduos e famílias, ou por instituições profissionais. O seu âmbito de serviços não envolve apenas investimentos e negócios, mas também inclui planeamento patrimonial, gestão pessoal, gestão patrimonial, educação dos membros da família, etc. Do ponto de vista dos investimentos, estas empresas formulam planos de gestão financeira para as famílias de acordo com as suas necessidades, de forma a aumentar os seus patrimónios. Do ponto de vista pessoal, gerem a logística relacionada com heranças, educação dos jovens, ajudando o crescimento e o desenvolvimento da próxima geração.

Como o âmbito dos serviços dos family office envolvem todos os aspectos da vida familiar e não se limitam à gestão das fortunas e dos investimentos, à semelhança do que é feito pelos tradicionais Bancos comerciais, os family offices surgem no mercado à medida que as necessidades assim o exigem. Os family offices são muitas vezes constituídos como «corporações colectivas» independentes e são totalmente detidos por administradores fiduciários ou empresas que detêm o património familiar. Por outras palavras, uma «corporação colectiva» independente é uma sociedade anónima. Um family office é propriedade de uma família, administrado por familiares ou por gestores externos, que promove os investimentos e gere os assuntos da vida familiar.

A legislação dos vários países e regiões têm regulamentações diferentes no que respeita aos family offices e diferentes incentivos fiscais. Os family offices têm geralmente de obedecer a três normas: sobre a forma como se estabelecem, a forma como operam, e os impostos que pagam sobre o património familiar. No passado dia 10 de Maio, o Conselho Legislativo de Hong Kong aprovou a ‘Inland Revenue (Alteração) da Lei de 2022 (Desagravamento fiscal para os instrumentos de controlo do investimento familiar’), que contém regulamentos claros sobre o estabelecimento e o funcionamento dos family offices. Em resumo, O capital mínimo de um family office é de 240 milhões de dólares americanos. Pode ou não ser estabelecido em Hong Kong, mas muitas das operações comerciais só podem ser feitas a partir desta região. Desde que os regulamentos sejam respeitados, os lucros do family office podem ficar isentos de 5 por cento dos impostos.

Para além de oferecer bonificação das taxas sobre a actividade comercial, Hong Kong também tem vantagens sobre o imposto sucessório. Desde 11 de Fevereiro de 2006, o imposto sucessório foi abolido na região, pelo que os herdeiros deixaram de pagar este imposto ao Governo. Estas medidas ajudam o estabelecimento dos family offices em Hong Kong.

Hong Kong é um centro financeiro internacional, e a livre circulação de fundos é garantida pela Lei Básica. Actualmente, existem cerca de 80 bancos e 70 sociedades de gestão de activos a operar em Hong Kong. No final de 2021, os family offices estabelecidos em Hong Kong administravam activos no valor de 4,6 biliões. Hong Kong é apoiado pela China Continental, tem um sistema de impostos simples, um sistema jurídico bem estabelecido e um sólido sistema financeiro, tudo excelentes condições que fomentaram o desenvolvimento financeiro da cidade. Por conseguinte, o meu país apoia Hong Kong no reforço do seu estatuto de centro internacional de gestão de activos no “Esboço do 14º Plano Quinquenal”.

Hong Kong está empenhado em ter pelo menos 200 family offices até 2025, o que significa que mais família super-ricas vão passar a operar e a investir na região. A isenção de 5 por cento dos impostos é apenas uma das condições favoráveis que aqui vão encontrar. Se se esperar a vinda de mais family offices para a cidade, o Governo de Hong Kong deve investir mais no desenvolvimento e na divulgação da Área da Grande Baía, salientando as oportunidades de negócio que esta pode trazer para o futuro desenvolvimento de Hong Kong. O facto de Hong Kong ser apoiado pela mãe pátria não está ao alcance de outros países ou regiões, e é insubstituível. Este factor insubstituível é o incentivo mais importante para atrair family offices para Hong Kong.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

25 Jul 2023

Ensino | FAOM questiona Governo sobre relação entre escolas e famílias

Os deputados Lam Lon Wai e Lei Chan U interpelaram o Executivo sobre o planeamento futuro das escolas públicas e o aperfeiçoamento da ligação entre o ensino e as famílias, respectivamente. Lam Lon Wai teme problemas de adaptação aquando da mudança de localização de algumas escolas

 

As políticas ligadas ao planeamento da escola pública e a relação da escola com a família foram os temas escolhidos pelos deputados Lam Lon Wai e Lei Chan U, da Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM), para questionarem o Executivo. Numa interpelação escrita, o deputado Lam Lon Wai quer saber como será garantida a qualidade do ensino tendo em conta que algumas escolas mudaram de localização, mas o novo espaço não dá resposta ao aumento do número de alunos. Esta situação terá gerado preocupações junto das famílias, apontou.

Lam Lon Wai, que é também subdirector da Escola Secundária para Filhos e Irmãos dos Operários, defendeu que as autoridades devem elaborar, de forma mais detalhada, o planeamento das escolas públicas para os próximos anos, tendo em conta a construção de infra-estruturas na zona A dos novos aterros e na zona de cooperação aprofundada de Hengqin.

E a família?

Já o deputado Lei Chan U apresentou uma interpelação oral ao Governo sobre o fomento das relações entre a escola e as famílias. “Já se passaram 20 anos desde que foi lançada a ideia de cooperação entre a família e a escola. A eficácia do funcionamento desse mecanismo e o seu desenvolvimento no futuro devem ser alvo de uma revisão e balanço”, defendeu.

Lei Chan U considera ainda que as associações de pais “são pontes para a comunicação entre a escola e os encarregados de educação”, pelo que “desempenham um papel indispensável na promoção da cooperação entre a família e a escola”.

“Qual o ponto de situação da criação das associações de pais em Macau? Quais foram os efeitos concretos das associações de pais na promoção da cooperação entre a família e a escola? O Governo já procedeu a alguma avaliação e revisão?”, inquiriu.

O deputado chama também a atenção para o facto de, segundo o estatuto das escolas particulares do ensino não superior, “os encarregados de educação deverem fazer parte do conselho de administração das escolas”.

O deputado acredita que uma ligação entre a escola e família é importante para incutir nos jovens bons valores cívicos. “No processo de abertura e desenvolvimento contínuo de Macau, é inevitável que alguns jovens se percam sob a influência de vários factores, podendo enveredar por maus caminhos. Pais, escola, Governo e sociedade não podem negligenciar a educação moral e cívica da juventude”, lê-se ainda.

12 Jan 2022

Uma fotografia

[dropcap]A[/dropcap] fotografia enquanto objecto mudou irremediavelmente desde a aparição dos telemóveis com câmara. Deixou de ter custos. Deixou de ser uma actividade que exige equipamento ou disposição específicos. Transformou-se num acto trivial radicado num dispositivo cada vez mais presente.

Toda a gente tem um telemóvel com câmara, toda a gente tira selfies, toda a gente regista – com mais ou menos frequência – os seus dias. Existem até pessoas cuja profissão é documentar fotograficamente as suas vidas, numa espécie de matrioska auto-referencial em que se perde o norte magnético do que é real e do que é encenado, ficando o sujeito do registo inadvertidamente reduzido a actor de si mesmo na maior parte do tempo. Daqui a uns anos, quando o foco da atenção recair noutro epifenómeno mediático qualquer e as criaturas influenciadoras deixarem de ter palco suficiente para acomodar os seus egos, teremos pelo menos como consequência catita a ampliação do manual de diagnóstico de doenças psiquiátricas.

A consequência deste fenómeno de sublimação do objecto fotográfico é a de já ninguém ou praticamente ninguém tirar fotografias analógicas (exceptuando porventura alguns fotógrafos apostados em provar que o filme não esgotou as suas potencialidades e hipsters de toda a sorte dispostos a fazer tudo pela medalha do vintage). Além disso, e embora não faltem impressoras fotográficas, muito pouca gente imprime as fotos que tirou com o telemóvel, pelo que a arte de aborrecer pessoas ao jantar com as fotos ou os diapositivos de férias se perdeu definitivamente algures a meio da segunda década deste século.

Há uns dias descobri em arrumações umas fotos antigas do meu filho, de quando ele devia ter uns três ou quatro anos de idade. Para mim, que tenho uma memória de peixinho de aquário, encontrar fortuitamente uma fotografia em papel equivale a abrir uma fresta arqueológica sobre a vida. Aquela criança é o meu filho, não tenho dúvidas; mas é também outra coisa: é a evocação de um nexo de possibilidades que a vida se encarregou – bem ou mal – de afunilar.

O meu filho é autista. Naquela fotografia o autismo era ainda um diagnóstico a prazo. Com intervenção precoce, suplementos de toda a espécie e dedicação monástica, tudo se resolveria a tempo de ele entrar para a escola e de ser apenas mais uma criança estupidamente irritante ao lado das outras. Era nisso que eu, a mãe e a maior parte dos médicos e terapeutas acreditávamos. O autismo era um percalço desafortunado que poderíamos converter numa monótona normalidade.

O meu filho continua a ser autista. Tem dezasseis anos e está praticamente da minha altura. O autismo nele nota-se mais, luz mais. Quando ele tinha três anos o autismo era apenas uma nota de rodapé de uma criança que ainda podia ser tudo. Agora as pessoas vêem primeiro o autismo e só depois, a virar a esquina, o adolescente. Pelo que quando olho para aquela foto do Gui, a sorrir um sorriso que o futuro ainda não desbotara, a custo contenho as lágrimas. Entre o meu filho aqui e agora e aquela criança pluripotencial há um mundo de batalhas e de derrotas. Um mundo que só eu conheço na sua imensidão de percalços e de caminho às escuras, um mundo que se impõe repentinamente e que, cabendo dentro daquela fotografia, o transcende como a paisagem transcende a janela. Um mundo que já não existe e do qual sou portador para todo o sempre.

28 Fev 2020

Uma vida simples

[dropcap]A[/dropcap] despeito de tudo quanto penso ter aprendido ao longo do titubeante percurso a que chamo “a minha vida até agora” – de certa forma bastante privilegiado por contraste com a vida dos meus pais, por exemplo – há coisas que me descubro a fazer nas quais as figuras de pai e de mãe se intersectam em mim, pequena roda dentada movendo a intemporal engrenagem do cuidado e da preocupação que em cada geração e sob diferentes roupagens transforma um ser humano banalmente autocentrado em mãe, e, com alguma sorte e mais trabalho, em pai.

Ao contrário do que imaginava na adolescência, ser mãe ou pai não é de todo fácil. E a dificuldade não reside “nas grandes questões” mediante as quais os adolescentes fazem questão de ridicularizar a geração que lhes precede. O problema, como quase sempre, não são os grandes ideais, o abstracto ou as questões morais da época. O problema é mesmo o dia-a-dia, as pequeninas coisas que conformam a teia mais ou menos segura da quotidianidade: o lugar da pasta de dentes, a conta da luz, o facto de ninguém se parecer importar com a forma como o tapete fica geometricamente desalinhado em relação à cómoda quando se passa por ele sem ter o cuidado de o endireitar depois.

Apesar dos inegáveis avanços técnicos, sociais e culturais que o império a prazo a que chamamos humanidade tem produzido, ainda ninguém nasce herdando qualquer tipo de conhecimento. A enormíssima vantagem do humano – a sua indeterminação cognoscente originária – implica, por outra parte, que cada um tem de aprender tudo outra vez: a andar, a falar, a comer com talheres, a namorar, álgebra e metafísica, a mudar uma fralda, a fazer o luto. Somos todos repetidamente principiantes. E isso nota-se quando se tem um filho: aqueles que nos precederam sentiram aquilo que estamos a sentir em cada fase do processo pelo qual se consolida paternidade ou maternidade. As mesmas inseguranças, as mesmas dúvidas, a mesma incapacidade de confessar a ocasional vontade de desistir de tudo.

É quando muito cedo pela manhã e em modo automático preparo o meu filho para o deixar na escola que mais sinto o quanto cresci enquanto pai (há outras ocasiões em que sinto precisamente o oposto, pelo que o saldo oscila entre neutro e suficiente menos, não dando lugar a qualquer assomo de orgulho). A necessidade acaba por instalar alguma disciplina nos lugares das coisas, nos gestos, na sequência dos actos. A pobre criança, que outrora tinha de acordar muito mais cedo para parecer vagamente humana ao passar pelo portão da escola tem agora a oportunidade de, acordando uma hora mais tarde, sair de casa mais compostinha. Deve ser a isso que os economistas da nossa praça chamam eficiência. Talvez me tenha tornado alemão na questão da paternidade.

Há um conto do Tolstói, chamado Padre Sérgio, no qual um clérigo tomado pelas dúvidas em relação ao comportamento adequado em terra para chegar ao céu acaba, depois de muitas atribulações particularmente gráficas, por compreender a simplicidade e a sua necessidade, a segurança da rotina, os pequenos passos indispensáveis para percorrer um caminho que ele queria atalhar num salto grandioso. A vida é muitas vezes isso mesmo: uma difícil e demorada tensão para a simplicidade.

21 Fev 2020

Preconceito

[dropcap]S[/dropcap]oube-se há pouco tempo, que o ministro do Ambiente japonês, Shinjiro Koizumi, tirou uma licença de paternidade de duas semanas, para ajudar a mulher a tomar do bebé que está prestes a nascer, facto que deu muito que falar na sociedade nipónica. Embora este direito esteja previsto na lei, muito poucos homens recorrem a ele, e a notícia ainda teve mais impacto porque Koizumi é encarado como o futuro primeiro-ministro do país.

Mas algumas pessoas apoiaram a decisão de Koizumi, entre elas encontra-se um pai solteiro canadiano, Wood, que vive há 30 anos no Japão. Wood pediu uma licença quando o seu bebé nasceu. A licença foi-lhe concedida e quando acabou voltou ao trabalho. No entanto, no regresso foi discriminado pelos colegas, ofendido pela entidade patronal e finalmente forçado a demitir-se. Posteriormente Wood moveu uma acção num tribunal japonês contra a empresa. Por causa desta atitude discriminatória, é possível que a empresa perca o processo.

O principal motivo para as empresas se oporem a estas licenças é o receio de que o trabalho venha a ser prejudicado. No entanto, as licenças de paternidade no Japão não são pagas. Como tal, as empresas não têm nenhum prejuízo financeiro e durante a ausência do funcionário o seu trabalho será certamente executado pelos colegas. Haverá alguma necessidade de discriminar um trabalhador nesta situação, se a empresa não suporta os custos e se, de uma forma ou de outra, o trabalho será feito? É justo que as mulheres suportem sozinhas o fardo de tomar conta de um bebé recém-nascido?

No Japão existem muitas empresas familiares. A maioria das pessoas deveria compreender, sejam elas homens ou mulheres, que tomar conta das crianças é uma responsabilidade do casal, que deve ser partilhada. Os homens não devem ser discriminados quando querem tomar conta dos filhos.

No Japão, a ideia de que cabe à mulher a responsabilidade de tomar conta das crianças ainda está muito enraizada. Para ultrapassar este preconceito, é necessário educar as pessoas. Mesmo que o Governo nipónico tenha intenção de legislar sobre esta matéria no futuro, penso que a hipótese de mudar mentalidades por processos legais é muito baixa. Hoje em dia, em Hong Kong e em Macau, as pessoas aceitam a ideia da responsabilidade parental partilhada. Não se vê com maus olhos, como no Japão, que um homem queira ajudar a mulher a tomar conta dos filhos. Um homem e uma mulher formam uma família. Após o nascimento dos bebés, a prestação de cuidados é responsabilidade de ambos. Porque criar uma criança é um projecto a longo prazo, o esforço e a dedicação dos pais não podem ser mensuráveis em termos financeiros. Numa família normal existe muito amor entre os pais e os filhos. Os pais não esperam ser remunerados pelos cuidados que prestam à sua descendência. O amor é a única recompensa esperada.

Este artigo é o último que escrevo antes dos feriados do Ano Novo chinês. Aproveito a oportunidade para desejar a todos os meus leitores “Feliz ano Novo e que tudo corra pelo melhor”.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau

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Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

21 Jan 2020

Miúdos especiais

[dropcap]O[/dropcap] meu filho Guilherme é autista. Autistas e autismos há muitos. É provavelmente a primeira coisa que me ocorre e digo quando falo com alguém acerca de autismo.

Embora a compreensão social da condição seja francamente melhor do que há 20 anos, ainda estamos algo reféns do modelo Rain man caricatural do autismo. Mesmo os profissionais de saúde têm pontos de vista muito pouco esclarecidos sobre o que é o autismo e como este se manifesta, partilhando não raras vezes a opinião infundada de que a carência de certas capacidades deve corresponder, numa proporção inversa, uma espécie de maximização das restantes competências ou mesmo a existência de competências tão metafísicas como indetectáveis. Na realidade, o autismo é muito menos romântico do que aquilo que aparenta ser no imaginário social. Quase tudo se faz de modo diferente no autismo. No caso do Guilherme, diria que tudo, desde ter a preocupação de deixar um copo limpo perto da torneira da cozinha para que ele não beba de um copo sujo como tirar um dente.

E é pelo dente que chegamos ao assunto desta crónica. O Guilherme tem um dente do siso ocluso com tendência para inflamar e infectar. Tem de ser extraído. O que implica uma anestesia geral (não há como persuadir um autista não verbal de que a dor pela qual está a passar é na verdade inevitável e o melhor para ele; aliás, esqueçam: não há como convencê-lo a estar de boca aberta uma hora ou mais enquanto desconhecidos de bata lhe escarafuncham os dentes). Tivemos portanto uma consulta de anestesiologia pré-operatória na semana passada – com duas horas de atraso sobre a hora marcada, o que não deixa de confirmar aquilo que penso sobre o SNS: bom para urgências de vida ou morte e doenças muito graves, mau para quase tudo o resto – na qual a médica, para além de passar aborrecidamente os olhos pelas análises ao sangue do Guilherme – “excelente nível de plaquetas, por aqui não vamos ter problemas” – não se coibiu de tecer alguns comentários acerca do quanto desconhecemos do autismo, não se refreando no entanto de ter imensas certezas acerca do quão especiais os autistas são.

A modorra de parte a parte foi apenas interrompida pelo esgar de surpresa da médica ao olhar para a radiografia torácica do Guilherme: “você sabia que o seu filho tem dextrocardia?” Uma pessoa nunca sabe muito bem responder a uma pergunta de que desconhece os termos enunciados. Que não, respondi, que nem sequer sabia a que corresponde o termo dextrocardia. A senhora lá me explicou numa vagareza de quem se dirige a pessoas com algum atraso que o coração do Guilherme estava ao contrário, e eu tão surpreso como admirado perguntei-lhe se tal era comum, se causava alguma complicação, ou se pelo contrário era apenas uma anomalia anatómica sem grande relevância. Que era assaz raro, garantiu-me, que na carreira dela de trinta anos só tinha visto dois casos, sendo o meu filho o segundo, e que em princípio nada de preocupante adviria da situação, mas que tínhamos de fazer exames suplementares, sublinhava, até para termos a certeza de que não se tratava de um erro do técnico de radiologia.

Eu fui para casa a pensar na dextrocardia, e consultando o Google percebi tratar-se de uma condição não tão inócua quanto me tinha sido descrita pela médica. Falei com a mãe do Guilherme, que entre reuniões recebeu a notícia como se de uma notificação de multa de estacionamento se tratasse. Mais tarde, quando conseguimos quinze minutos para falar com calma, ela entre perguntas e planos de usar o seguro de saúde dele para apressar exames e consultas, desfaz-se numa risada: “ele estava de frente quando tiraram a radiografia quando devia estar de costas, devia ter tirado de costas mas como ficava com a cara esborrachada contra a parede não aguentou e tiveram de tirar de frente…” Eu acompanhei-a na risada, claro, não sem me perguntar como era possível não existir uma anotação no exame em que se referisse esse facto. O meu filho, esse, mesmo sem dextrocardia continua a ser muito especial.

24 Mai 2019

Como se fazem os bebés

[dropcap]U[/dropcap]ma amiga comentou que fazer sexo e fazer bebés poderão ser encarados como actividades diferentes. Uma coisa é o sexo, outra coisa é fazer um filho. Uma coisa é ter prazer, outra coisa é criar uma família. Há momentos de intercepção também. Mas quem faz sexo porque quer um bom orgasmo, pode ser um depravado. Quem tem filhos é decente. Mas o sexo nunca desaparece dos nossos mundos de significado.

Os pais que procriam em decência, terão que encarar a dura realidade de uma criança que se tornará adolescente e adulto. É preciso falar de sexo em algum momento e de como se quer incluir o sexo na parentalidade. Falar da intimidade é um dever cívico que não se resume a uma conversa do que são pipis ou pilinhas. Nas nuances do sexo e do comportamento sexual existem conceitos confusos. Há necessidade de clarificar emoções e direitos para que certas situações deixem de ser assustadoras ou estranhas. Estes são conteúdos que vão muito além dos métodos contraceptivos que existem e de ‘como se fazem os bebés’. Os conteúdos programáticos das escolas são inflexíveis, simples e de contrastes distintos e limitados. Estes carregam também uma fraca noção do direito à auto-determinação pessoal das crianças e jovens. Como se eles não tivessem nada a dizer, como se eles não pudessem participar na conversa.

Devemos falar de intimidade, consentimento, contracepção e prazer. Mas não há fórmulas perfeitas. Só abrindo espaços seguros e sem julgamento é que é possível explorar a curiosidade natural do sexo. Julgar que se pode controlar os conteúdos sexualizados a que as crianças e jovens têm acesso é pateta. Mais vale oferecer-lhes ferramentas onde eles próprios possam dar sentido às imagens e aos conceitos. Falar sobre sexo pode ajudar, mas impõem-se certos desafios.

Primeiro porque pensar na sexualização infantil/juvenil é difícil. Há um medo premente que conversas sobre sexo motivem a iniciação sexual. Segundo, há demasiada imaturidade sexual por este mundo fora para pensar que a solução passa por simples conversas. Poucos relacionam a obrigatoriedade do sexo – para a propagação genética e perpetuação da vida familiar com o bem último da vida humana – ao prazer dos corpos nus. A parte dos bebés é pragmática, a parte do prazer é polémica. A tensão cai obrigatoriamente na premissa que o sexo fora da procriação é crime – um exemplo bem contemporâneo é o caso do Brunei onde agora o sexo homossexual e o adultério são punidos com pena de morte. Portanto – estamos preparados para falar sobre sexo?

Não. Podemos não falar sobre sexo com os mais jovens? Também não. Falamos como podemos disto de ‘como fazer bebés’ e de como não tê-los. Esticamos os conteúdos para uma conversa sobre sexo cada vez mais informativa para depois percebermos que falar sobre sexo (e género também) é agora visto pelos mais melindrados como uma escolha ideológica. Sexo não é ideologia, sexo é um facto. Este facto de consequências reais precisa de ser apresentado da forma que melhor inclui a diversidade. Porque o sexo não é só sobre fazer bebés, é sobre percebermo-nos a nós próprios e à nossa sexualidade.

10 Abr 2019

Ay, Carmela! Ay, Carmela!

[dropcap]T[/dropcap]odos sabemos que a experiência do mito é a experiência do indubitável. Não lhe atribuir sentido seria insensato e atribuir-lho – como se atribui geralmente às coisas simples – seria redundante. Digo isto porque o mito não é apenas a memória invisível das sociedades, é-o também das comunidades e existências mais insignificantes. Uma evocação familiar como a que se segue (e que teve a sua origem em relatos que me foram amiúde contados durante a infância) partilha o mesmo excesso de sentido que povoa o mito: cria também o seu firmamento próprio por cima do horizonte, deixando em frente um lugar de ouro para que o olhar o possa daí observar e nele infinitamente crer. Passemos então ao coração da história que teve lugar há um século:

Estou a vê-lo já cansado da poeira e do selim da bicicleta, pois há quase uma hora que segue de Évora na direcção da vila do Redondo, corre o ano de 1918 e o armistício de Compiègne que porá fim à Primeira Grande Guerra Mundial ainda está por vir. Traz consigo alguma bagagem e um remoinho de memórias difícil de contar e de conter. Ao fim e ao cabo, antes mesmo de chegar são e salvo a casa, já foi rezada missa pela sua alma e, apenas por sensatez, é que não terá levado a cabo o sonho de fazer uma grande surpresa e… aparecer, sem mais, perante os seus, quando estes já o consideravam a viver noutro mundo.

A aventura tinha começado meses antes, no próprio cais de embarque dessa Lisboa ainda a cheirar a Odes pessoanas e ao fado castiço dos Boqueirões. Por ordens superiores, afastara-se durante algum tempo da azáfama dos dois grandes navios, já de vapores ao rubro e com escadas quase içadas, para ir cambiar dinheiro. De regresso, verificou que apenas o barco reservado à cavalaria permanecia ainda encostado ao cais. O outro, onde devia viajar, deslocara-se, entretanto, na direcção da barra para evitar uma iminente revolta a bordo. Seguir-se-ia a travessia no barco errado, embora, segundo ditam as crónicas, tivesse sido calma e muito mais rápida do que o previsto.

No porto de Brest, descontraído e ao sabor do vento, é ele quem acaba por receber no quebra-mar o barco que transporta o contingente português com destino à fatídica região da Flandres. As altas patentes já o davam, a essa hora, como desertor, mas também como actor de possível sumiço. Afinal, compreendidos os factos, tudo se compõe e ele acaba por cumprir, como previsto, no árduo corrupio das transmissões, um serviço vital para aquela longa faixa que ia do sul de Lille, ocupada pelos alemães, até Laventie e à Boulogne marítima. É nesse teatro de guerra que os gases entram subitamente em acção, lesando-o de forma irremediável.

Na galeria dos feridos, por artes de sortilégio, o destino troca o código das macas e ele acaba por seguir, na sua mudez involuntária, para o hospital dos ingleses. É muito bem tratado nesse território onde o ‘não dito’ supera tudo aquilo que se poderia augurar, ou tão-só dizer. E é apenas quando recupera a lucidez da voz que, finalmente esclarecido o novo sentido dos acasos, ele acaba por regressar aos cuidados, aliás escassos, do exército luso. Durante este tempo todo, em Portugal, é dado como desaparecido, mas, num fim-de-semana de sortilégios (que nunca me foram revelados totalmente), com a preciosa ajuda de um general, consegue finalmente obter a autorização de regresso a casa.

Anda pela Paris de Abel Gance e de Louis Delluc, galanteia uma loura de echarpes magrebinas no consulado português, provavelmente amiga de Colette, desce no Sud Express até à terra que Buñuel ainda não havia trocado pela França e, por fim, reentra no país pobre e sidonista que é o seu. Em Lisboa, decide enviar um telegrama para o Redondo a anunciar que está de volta (ou seja: da morte imaginária para a vida). E de vez. Parte do Terreiro do Paço para Évora e daí, numa bicicleta de que desconheço a origem, atinge, entre negrumes e solilóquios perdidos, a sua vila natal. O feitiço de pródigo andarilho levá-lo-á, não muito tempo depois, a Vila-Viçosa. E é aí que começa parte de uma outra história que é, hoje em dia, também a minha.

Diga-se que este foi – e é ainda – um dos mil enleios aventurosos do único avô que não cheguei a conhecer em vida, de seu nome José Carmelo, primo, entre outros, do tenor e também viajante Tomás Aquino Carmelo Alcaide que, três anos mais tarde, poria igualmente fim à vida militar para abraçar uma singular carreira no mundo da ópera.

21 Fev 2019

Inserir nome de família

– Diz à Gisela o que disseste ainda agora.
– Que se dormisse lá em casa ficávamos em família.
– E que mais?
– Como antigamente.

*

[dropcap]E[/dropcap]les falam ao mesmo tempo, um por cima do outro, completam as frases um do outro, refilam um com o outro, confundem-se um com o outro, e ora competem sobre quem vai contar uma história, ora pedem ao outro que a conte. Servem-me café, sumo, tosta mista com manteiga, bolo-rei. Não lhes posso recusar nada e eles oferecem-me tudo. A televisão ligada nalgum programa da tarde. São os mesmos sofás verdes, mas a casa já não é a de antes. Já não é comprada e já não é aquela onde viram filhos e netos crescer nos últimos quarenta anos, e onde estive à mesa do almoço tantas vezes, terminando refeições com um licor caseiro. Estão muito magrinhos, digo. Mas eles sabem. Poderia ter dito: estão muito velhinhos, afinal ele está a uns dias de fazer oitenta anos. Mas eles sabem. Eles sabem tantas coisas.

Ela vai buscar-me à estação e, num regresso lento e cuidadoso, sempre a pé, fala-me dos últimos problemas e da vida nova, umas ruas abaixo da morada anterior. Reparo na igreja onde também já estivémos. Faz-me uma visita guiada à casa antes mesmo de o marido se levantar da sala e vir abraçar-me no corredor. Um abraço como só alguém que pensou que nunca mais nos veria pode dar. Brinco com ele: digo, as coisas que faz para ter atenção e histórias para contar. E se há alguém que tem histórias para contar, são estes dois.

O meu filho dizia, porque é que arranjaste uma rapariga, foi só para me chatear? Mas tu querias uma mana. Queria, mas uma coisa destas não. Na escola ele sentia-se infeliz, porque era o único que não tinha irmãos. Só que a irmã era um terror. Dez anos de diferença. No entanto, as fotografias de ambos mostram somente o amor entre eles.

Escusas de estar a enganar-me. Foi mesmo assim, o mais novo foi buscar o tablet e disse, A internet mostra como é estar nos cuidados intensivos, e se é assim que ele está, tenho de ir vê-lo. Mas claro que não podia e, quando ele finalmente pôde, eu já estava na enfermaria. É o que dá deixarem os miúdos ir à escola, aprendem a ler e a escrever e a navegar na internet, não podemos mentir-lhes. Já o mais velho, a primeira vez que foi visitar o avô, foi logo lá para fora chorar. Foi ele que me tirou do fundo do poço, quando nasceu. Tomei conta dele. Ele lembra-me muito o meu filho.

Tive uma tuberculose pulmonar aos onze anos. E depois voltou quando eu estava grávida, afectou-me os ossos. Estás a ver a tartaruga dentro da carapaça? Era ela mas num tabuleiro de gesso, numa gaiola, diz o marido. Só pensava no meu filho. Ele nunca me tratou por mãe. Perguntava: “Mãezinha, quando é que vais para casa?” E eu deixava-o com a ama ou com familiares e ele detestava porque não o tratavam bem. Os outros miúdos eram maus para ele. À sexta-feira, depois de deixar esta, ele vinha passar o fim-de-semana comigo. Foi praticamente um ano deitada, paralisada, um ano de visitas diárias ao hospital. À minha filha, agora, o médico disse, Despeça-se do seu pai porque ele não vai sobreviver. Mas o colega dele visitava-me todos os dias, nem ia para casa, queria cuidar de mim a toda a hora. E sobrevivi. O pai chora.

Ele sobreviveu melhor porque trabalhava, saía de manhã, vinha à noite. Eu estava em casa. Já me tinha reformado, cedo, por causa do problema nos ossos e das operações. Ao fim de tanto tempo de baixa, foi automático. Quando ele tinha de ir para algum lado por causa do trabalho, eu ia com ele. Havia dias em que eu não podia ouvir nada, dias em que eu não podia levantar-me para vesti-la, para ela poder ir para a escola. Eu dizia, espera só um pouco que a mãe já levanta a cabeça e já te ajuda. E ela dizia que não precisava de ajuda, que já sabia escolher. E eu dizia, então veste o que quiseres e depois a mãezinha já vê. Ela virava costas e ia a casa da vizinha pedir que a vestisse. Outro dia ela disse-me, Eu sei que preferias que tivesse ido eu em vez do meu irmão, eu sei que não fui planeada; fiquei tão triste, aquilo magoou-me muito. A mãe chora.

Feitios diferentes, apazigua o marido. Eu sei porque é que ela diz aquilo. Porque ela estava sempre sozinha. E já o meu filho tinha ficado sozinho. E depois nós ficámos todos sem ele. Eu fiquei desorientada, fiquei de cama, só eu e Deus sabemos o que passei. Ela diz que nos esquecemos dela.

Em Tenerife achei que ia voltar para Portugal num saco-cama. Olha, não terias passado por esta de agora. Pois não. Eles entendem-se mesmo no humor negro. Tenho passado bons momentos na vida, conclui. Passeei bastante, gozei bastante enquanto tive saúde. Se voltar a ter, gostava de ainda fazer algumas coisas. Ir à Madeira. Falam-me de todas as viagens que fizeram, em férias ou em trabalho. Contam as últimas dos netos, do genro, da filha. Mais tarde ela liga-me, diz, Os meus pais adoraram a tua visita. Eu não deixei de pensar neles desde então.

Acompanhamos pessoas a uma missa pela alma do filho, do irmão morto ao dezasseis por um colega mais velho, com uma faca de ponta e mola, sem nunca se saber o motivo. Vamos buscar os miúdos à escola com elas. Vamos juntos para a piscina. Telefonamos de vez em quando ou eles a nós. Partilhamos histórias de cirurgias, exames e sintomas que os médicos nunca chegam realmente a saber o que são, apenas o que não são. Vamos com elas ao supermercado, rimos com elas, pensamos em como sobrevivem com tanta dor e durante tanto tempo. Sabemos dos comprimidos para dormir, das mudanças, das avarias, dos tribunais, dos dias em que pensaram tirar a própria vida. Das coisas ditas sem querer. Da generosidade imensa, do cuidado.

Sabemos que houve alguém que se assumiu culpado de um crime sem testemunhas e depois se enforcou, vinte anos depois, sem que se soubesse porquê. E há quem tenha de continuar, quem carregue um corpo consigo, apenas com algumas pausas pelo caminho, a vida toda. O peso de uma vida que mal começara a ser, e que poderia ter sido tanto para tanta gente. Uma memória como uma ferida em constante reabertura. Talvez só um filho seja mesmo insubstituível. Talvez o corpo, o karma ou a necessidade de punição por se estar vivo e o outro não, atraiam tantas outras situações de sofrimento. Talvez se busque uma dor que possa ser maior. E se falhe constantemente. Estas pessoas, que são tão reais, tornam-se parte de nós, tornam-se as nossas pessoas, mesmo se com outro nome de família.

Não sei quando se esclarecerão todos os equívocos e nem sempre a redenção chega antes da morte. Duas pessoas raramente contarão a mesma história da mesma maneira, e o que recordamos uns dos outros dependerá sempre do lugar sombrio ou mágico onde nos tiverem tocado. Mas gostaria de acreditar que sim, que há algo de luminoso que une as famílias, mesmo as que tantas vezes não se entendem, mas nunca deixam de estar lá uns para os outros.

*

– Lembras-te de quando dormiste lá?
– Lembro.
– Eu também gostei. (Dá-me dois beijos)
– Ó puto, eu não te disse se gostei ou não…

10 Jan 2019

Família, sexo e outros afazeres domésticos

[dropcap]É[/dropcap] cedo, é verdade, mas ainda assim esta é a minha última crónica anterior à consoada e só estarei de volta ao Hoje Macau depois de devidamente celebrada a chegada de novo ano, pelo menos de acordo com o calendário a que nos habituámos na Europa. Não é que a quadra natalícia seja assunto especialmente relevante em para a população japonesa, de larguíssima maioria budista ou shinto (uma variante local largamente tributária do budismo mais tradicional), mas ainda assim não escapo às promoções e decorações comerciais natalícias e às respetivas musiquinhas com que se faz questão de irritar os frequentadores de cafés e espaços comerciais um pouco por todo o mundo.

Por estas paragens é outra a festa em que se reúne a família, assinalada por três convenientes feriados consecutivos a meio de Agosto, ocasião para intenso tráfego turístico interno no Japão. Celebram-se os antepassados já falecidos, cujo espírito visita os familiares por estes dias. Lanternas iluminadas em templos e altares domésticos assinalam a ocasião e a mesa das refeições inclui lugares para os vivos e para os mortos de cada família.

São notoriamente diferentes as relações familiares no Japão em relação ao que nos habituamos a ver em Portugal ou na Europa, por muito diversos que sejam os padrões e comportamentos nas sociedades contemporâneas. Deixo de lado as minhas impressões pessoais, necessariamente enviesadas pela circunstâncias que o acaso faz com que me rodeiem, e recorro aos resultados mais recentes (publicados em 2017) do inquérito que a Associação de Planeamento Familiar do Japão (APFJ) publica a cada dois anos, com base em milhares de entrevistas supostamente representativas da população japonesa.

Escusado será dizer que este é assunto de particular importância num país com acelerado envelhecimento populacional (mais de 60.000 pessoas acima dos 100 anos) e tendência para o decréscimo da população, mesmo em áreas metropolitanas como Tóquio, que um pouco por todo o mundo tendem a concentrar uma proporção cada vez maior dos residentes. Mostram as estatísticas demográficas que nas sociedades atuais já não se verifica apenas um processo sistemático de urbanização, com deslocação crescente das áreas rurais para as urbanas, mas também um movimento cada vez mais significativo da população de pequenas cidades em direção às grandes metrópoles.

Um dos resultados que mais preocupa os autores do referido estudo é a escassa atividade sexual da população japonesa, uma tendência que já se notava em inquéritos anteriores e que se vem intensificando: os dados mostram que 47% dos casais não teve relações sexuais no mês anterior à entrevista – um aumento de 2,6 pontos percentuais em relação ao inquérito anterior (publicado em 2015) e de 15,3 pontos percentuais em relação ao primeiro inquérito (publicado em 2005). Doze anos de redução “dramática” (segundo o diretor da APFJ) das práticas sexuais de uma população cujos problemas demográficos têm naturalmente importantes implicações económicas (disponibilidade de força de trabalho ou sustentabilidade da segurança social).

Entre as causas desta sistemática abstinência destaca a tradicional fadiga pelo excesso de trabalho (referida por 35% dos homens) mas também uma perspectiva do casamento em que a esposa é vista como “um familiar próximo” e não como uma parceira de romance. Talvez por isso, do lado das mulheres a “inconveniência” é a causa maioritariamente apontada, referida em 22% dos casos. Na realidade, esta perspetiva do casamento – em que o homem procura uma mulher que tome conta de si e do lar, é ainda comum numa sociedade altamente patriarcal, onde é frequente as mulheres abandonarem as carreiras profissionais depois de casar, mesmo quando têm muito elevadas qualificações (só 30% das mulheres japonesas trabalham). Também não é raro encontrar homens que sentem como uma “desonra” que a mulher trabalhe, porque isso de alguma forma representa a sua incapacidade de sustentar a família. Pelo contrário, são cada vez mais frequentes os casos de mulheres que viajam sozinhas ou com os filhos, enquanto os respetivos maridos trabalham e pagam a conta.

O estudo também refere que esta generalizada ausência de vida sexual não se limita a pessoas casadas: entre a população solteira com idades entre os 18 e os 34 anos, 42% dos homens e 46% das mulheres nunca tiveram relações sexuais. De resto, 40% das mulheres adultas solteiras no Japão são virgens, segundo revelam os dados do estudo. Talvez estes comportamentos sejam também o reflexo de práticas culturais profundamente enraizadas, onde o contato físico – e até visual – entre pessoas é altamente restringido (até à inexistência, na realidade). Mas estes relatórios também mostram que a tendência para uma vida assexuada tem vindo a aumentar com o tempo, não se explicando apenas pela tradição histórica.

Talvez a celebração do Natal não seja uma urgência num país de fraca tradição cristã. Mas já a recuperação natalidade parece ter uma urgência crítica para a viabilidade demográfica, económica e social do país. Não será o Japão caso único, ainda assim: na realidade, Portugal é o país europeu onde a evolução demográfica mais se assemelha à japonesa. Tende então um bom Natal e procriai, se vos aprouver.

21 Dez 2018

Deputados pedem rapidez no alargamento de licenças de maternidade

Lei Chan U e Wong Kit Cheng apelaram ao Governo que se apresse na revisão legislativa que irá estabelecer o aumento das licenças de maternidade e de paternidade. Ambos dão como exemplo Hong Kong, que já anunciou a intenção de alargar estes benefícios sociais

[dropcap]L[/dropcap]ei Chan U e Wong Kit Cheng insistem no aumento das licenças de maternidade tendo em conta o exemplo de Hong Kong, onde a Chefe do Executivo Carrie Lam anunciou a intenção de aumentar o período de licença de 10 para 14 semanas.

De acordo com o deputado ligado à FAOM, as trabalhadoras da função pública locais têm direito a 90 dias de licença de maternidade, “o que tem sido invejável para as trabalhadoras em geral, e mais favorável do que os 70 dias de licença de maternidade das funcionárias públicas de Hong Kong”, começou por dizer durante o período de intervenções antes da ordem do dia que marcaram a abertura da sessão legislativa, na passada terça-feira. No entanto, a região vizinha está a mudar: além do aumento de 10 para 14 semanas, previstas na apresentação das Linhas de Acção Governativa, o Governo de Hong Kong propõe pagar às empresas as quatro semanas adicionais da licença de maternidade, acrescentou o legislador eleito por sufrágio indirecto.

Para Lei Chan U, “a revisão da lei das relações laborais de Macau parece ter como objectivo corresponder ao definido no diploma similar de Hong Kong, mas em Hong Kong já se deu um passo firme na defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores, o que não só faz com que Macau fique para trás nesta matéria como aumenta, mais uma vez, a diferença entre os dois territórios em termos destes direitos”.

O legislador reconhece que a revisão da lei das relações de trabalho não agrada a todas as partes envolvida. Ainda assim, a legislação deve ter em conta as necessidades da população.

Rédeas nas mãos

A opinião foi partilhada por Wong Kit Cheng, que apontou a obrigação do Executivo em liderar a reforma da lei das relações laborais, até porque “está em causa, acima de tudo acelerar a revisão das licenças de maternidade e de paternidade”.

Wong recorda que o Governo está a recolher opiniões da população e dos diversos sectores sociais para o Relatório das LAG para 2019, e dá igualmente o exemplo da região vizinha, sendo que “ao saber desta medida a população local tem se questionado: Em Macau, quando aumentam as licenças de maternidade e paternidade remuneradas?”, perguntou.

Por outro lado, quanto à revisão da lei, “em 2016, o secretário para a Economia e Finanças já afirmou ter uma calendarização, mas passaram-se quase dois anos e isso ainda não aconteceu”, disse.

A deputada teme também que os desequilíbrios entre as regiões aumentem e apela a uma “rápida e eficiente acção do Governo”.

Wong Kit Cheng deu como exemplo a seguir o que tem sido feito pelas concessionárias do jogo, que aumentaram os dias da licença de maternidade remunerada e criaram a licença de paternidade no presente ano.

18 Out 2018

Balanço | Wong Kit Cheng quer mais políticas que protejam famílias

[dropcap style≠‘circle’]W[/dropcap]ong Kit Cheng considera que os trabalhos da passada sessão legislativa foram insuficientes no que respeita à produção de leis, em particular as que dizem respeito à protecção da família.

A deputada ligada à Associação Geral das Mulheres de Macau (AGMM) recordou que, desde que foi reeleita, tem feito esforços para promover políticas favoráveis à família, aos direitos e interesses das mulheres e das crianças, nomeadamente no acesso aos serviços de saúde e educação. No entanto, os trabalhos legislativos a este respeito não têm sido desenvolvidos, refere em comunicado.

De acordo com Wong, foram alcançados alguns avanços com o aumento dos dias de licença de paternidade e maternidade e melhorias nas condições de amamentação, mas ainda há muito a fazer. A deputada garante que vai continuar a impulsionar a lei de bases da política familiar, esperando que se juntem elementos que beneficiem as famílias.

A legisladora refere ainda os dados divulgados pelo Comissariado da Auditoria (CA) e pelo Comissariado contra a Corrupção (CCAC) que revelaram as insuficiências dos serviços públicos. Para Wong Kit Cheng, os dados reflectem a ineficácia do mecanismo da fiscalização interno e a continuidade da desresponsabilização do próprio Governo pelas falhas que comete. Para resolver este problema, a deputada sugere que se dê seguimento aos relatórios de investigação e que as questões dos deputados sejam respondidas no âmbito das comissões de acompanhamento da Assembleia Legislativa.

21 Set 2018

Família de Zeca Afonso rejeita trasladação para Panteão Nacional

 

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]família do compositor José Afonso rejeitou a proposta da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) de trasladação dos restos mortais do músico para o Panteão Nacional.
“José Afonso rejeitou em vida as condecorações oficiais que lhe haviam sido propostas. Foi, a seu pedido, enterrado em campa rasa e sem cerimónias oficiais, em total coerência com a sua vida e pensamento. Por isso, apesar da meritória intenção que inspira a proposta, é a sua vontade que deve ser respeitada” refere uma nota divulgada pela família do criador de “Grândola, Vila Morena”. A nota, assinada por Pedro Afonso, um dos quatro filhos do músico, adianta que “a família considera fundamental a salvaguarda e fruição da obra de José Afonso e a defesa dos seus direitos de autor, contando para tal com o superior envolvimento do Estado Português e da SPA, nomeadamente para que se garanta a recuperação e preservação das gravações originais”.
Em comunicado divulgado na terça-feira, a SPA defendeu a trasladação dos restos mortais de José Afonso para o Panteão Nacional, em Lisboa considerando que “é este o tributo e é esta homenagem que Portugal deve a quem como mais ninguém o soube cantar em nome dos valores da liberdade, da democracia, da cultura e da cidadania”.
Em Maio de 1983, o músico foi homenageado pelo município de Coimbra, tendo recebido a Medalha de Ouro da cidade. Na ocasião o então presidente da câmara, Mendes Silva, agradeceu a José Afonso a quem se dirigiu tendo afirmado: “Volta sempre, a casa é tua”. O compositor retorquiu: “Não quero converter-me numa instituição, embora me sinta muito comovido e grato pela homenagem”. Também nesse ano, o então Presidente da República, António Ramalho Eanes, atribuiu a José Afonso a Ordem da Liberdade, mas o cantor recusou-se a preencher o formulário.
Em 1994, o Presidente da República, Mário Soares, tentou condecorar postumamente José Afonso com a Ordem da Liberdade, mas Zélia Afonso recusou, alegando que o músico não desejou a distinção em vida e também não seria condecorado após a sua morte.

24 Ago 2018

Família | Tribunais tentam travar divórcios com “período de reflexão”

 

[dropcap style=’circle’]T[/dropcap]ribunais em toda a China estão a começar a impor aos casais que se querem divorciar um período de espera, de entre duas semanas e três meses, visando travar o aumento no número de separações.
Segundo o jornal oficial China Daily, mais de uma centena de tribunais do país estão a impor aquele “período de reflexão”, num programa piloto para resolver disputas domésticas, lançado pelo Supremo Tribunal Popular do país. O programa é sobretudo dirigido a casais jovens que, segundo os juízes, são mais propensos a “rupturas impulsivas”, comparativamente às gerações anteriores.
Durante aquele período, o casal receberá aconselhamento matrimonial e, em alguns casos, psicológico, enquanto o juiz explica aos casais as dificuldades de um divórcio, como a negociação da custódia dos filhos ou a partilha de propriedades comuns. Segundo o China Daily, aquelas conversas decorrem fora dos tribunais, em espaços mais ligeiros, com sofás, televisões e outros confortos.
A taxa de divórcios tem aumentado na China, nos últimos anos, numa tendência que preocupa o Partido Comunista Chinês, que considera a unidade tradicional da família fundamental para manter a estabilidade social.
Segundo o Ministério dos Assuntos Civis, o número de casais divorciados aumentou 40 por cento, na última década, para 4,2 milhões.
A maioria dos divórcios ocorre entre os casais nascidos na década de 1980, quando o Governo chinês impôs à população urbana do país a política de “um casal, um filho”, criando uma geração de filhos únicos conhecidos como “xiao huangdi” (pequenos imperadores).
Em cidades como Xangai, a “capital” económica do país, a taxa de divórcios já supera a dos novos matrimónios. Os juízes chineses asseguram que aquele “período de reflexão” não se aplicará em casos que envolvem violência doméstica.

14 Ago 2018

Família | Aldeia estabelece limite para dotes de casamento

Uma aldeia no norte da China estabeleceu um limite para o dote de casamento, pré-requisito essencial para selar o matrimónio na China rural, ameaçando julgar os infractores por tráfico humano, informou a imprensa local

 

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]egundo o portal noticioso sixth tone, um aviso afixado pelas autoridades nas casas da aldeia de Da’anliu, província de Hebei, refere que dotes acima dos 20.000 yuan (cerca de 2.500 euros) serão considerados tráfico humano.
A falta de mulheres na aldeia levou a uma escalada do ‘preço’ a pagar para garantir uma esposa, descreve o portal. A ‘vantagem negocial’ das mulheres resulta de persistentes “tradições feudais” e três décadas da política de filho único, que geraram um excedente de 33 milhões de homens na China.
Segundo a tradição chinesa, são os pais que transmitem o nome da família à geração seguinte, enquanto o apelido das mães não passa para os filhos. Como resultado, a maioria dos abortos feitos no país – 336 milhões desde 1971, segundo dados oficiais chineses – ocorreram com fetos do sexo feminino.
O desequilíbrio causou ainda um “tráfico de esposas” do Vietname para a China. A dificuldade em encontrar noivas chinesas leva homens do interior da China a procurar mulheres no país vizinho, alimentando uma rede de tráfico humano. Em 2014, cem vietnamitas fugiram depois de se casarem com chineses da cidade de Quzhou, na província de Hebei, incluindo a mulher que tinha arranjado os casamentos, arrecadando assim centenas de milhares de yuan.

Copo de água

Outra das situações que as autoridades estão a tentar controlar são os banquetes de casamento, que não podem exceder em custos 260 yuan por pessoa, assim como estabelecer um tecto máximo para os preços de bebidas alcoólicas e tabaco, de acordo com informação veiculada pelo Hebei Youth Daily.
As autoridades locais entendem que a medida é urgente de forma a responder à crescente dívida das famílias.
“A maioria das pessoas sobrevivem graças ao trabalho em pomares de pêras. Devido aos elevados preços das noivas, há quem na comunidade gaste todas as suas economias e se endivide”, refere ao Hebei Youth Daily o secretário do PCC da aldeia de Da’anliu , Liang Huabing

9 Ago 2018

Trabalho | Governo afasta hipótese de 1 de Junho ser feriado

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, garantiu que não há planos para instituir o dia 1 de Junho, Dia Mundial da Criança, como feriado em Macau. “Relativamente à sugestão apresentada pelo deputado Lei Chan U sobre a instituição legal do feriado obrigatório a 1 de Junho, para o estreitamento das relações entre pais e filhos, é de referir, por enquanto, que o Governo não possui um plano concreto para o efeito.” Alexis Tam, secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, lembrou os dias em que passava tempo de qualidade com a sua mãe, nas visitas ao Mercado Vermelho, para afirmar que “se temos filhos não basta um só dia para estarmos em família, são todos os dias”.

Os deputados aproveitaram o debate para lembrar que ainda há muito a fazer para melhorar o regime de trabalho por turnos nos casinos, sem esquecer a licença de maternidade e paternidade.

“Eu também acompanhei a minha mãe ao mercado, mas essa não é a questão”, respondeu José Pereira Coutinho. “Disse que o Governo não vai considerar o feriado, então vai considerar este difícil regime de turnos? Temos uma economia próspera mas por detrás é tudo muito negro e é preciso uma mudança na lei laboral. Espero que possa continuar no Governo, independentemente de continuar como Chefe do Executivo ou outro cargo, mas deve dar atenção à revisão da lei laboral.”

Já Agnes Lam frisou que “esta matéria tem a ver com a lei laboral mas há também as questões da licença de paternidade e maternidade”. “Fala-se de faltas justificadas e o marido pode acompanhar a mulher para ir a consultas, mas sabemos que muitas responsabilidades são empurradas para as mulheres porque para elas é mais fácil tirar dias do trabalho”, rematou.

Família | Governo afasta ideia de criar comissão especializada

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, garantiu ontem que não é necessário criar uma comissão especializada, com carácter consultivo, para os assuntos das famílias. “Estamos a rever a lei de bases da política familiar e alguns especialistas já estão a analisar se é preciso fazer a revisão. Depois de efectuarmos estudos achamos que não é preciso alterar a lei. Também não é preciso criar uma comissão para os assuntos da família, já temos uma destinada às mulheres e crianças e outra para idosos”, disse o secretário no hemiciclo.

23 Jul 2018

A serra

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s meus avós maternos moravam numa localidade com uma dúzia de casas, no algarve profundo, um sítio chamado Vale de Ebros (que sempre achei que se escrevia Vale de Zebros – porque era assim que o pronunciavam – até erguerem uma tabuleta à entrada). Não tinham electricidade, não tinham água canalizada, não tinham carro. De cada vez que lá ia, era como se regressasse a um passado de que só ouvira falar em livros de história.

O meu avô, um homem muito magro, tremelico de mãos, tomou um comprimido pela primeira vez aos 73 anos. A minha avó, também ela magríssima, movia-se com uma velocidade surpreendente para a idade. Nunca conhecera ninguém tão duro e frio. A minha família mais próxima é toda ela muito emotiva, muito italiana. A minha avó, pelo contrário, era um rochedo. Quando a minha mãe, depois de uma série de mortes na família, lhe perguntou: “mas como é que mãe aguenta?”, ela respondeu: “filha, alguém tem de tomar conta desta gente”. Alguém tinha de tomar conta daquela gente.

O algarve profundo é a antítese do litoral. Em paisagem e em costumes. O litoral é dos pescadores, a serra é dos agricultores e dos criadores cabras, ovelhas e galinhas. São, no fundo, dois algarves. O algarve do peixe e da pesca, das procissões da Senhora da Orada, do turismo em massa espelhando vidros e euros noite fora; e o algarve das viúvas perenemente de negro, das mulheres transportando pesados cântaros de água sobre a cabeça, o algarve das vendas – as tascas à beira da estrada onde se compra desde minis geladas a gel de duche.

A minha avó ia comigo ao quarto e fazia-me a cama, amontando colchas sobre colchas para fazer face ao frio que até em Agosto se instalava assim que o sol se punha. Antes de apagar a lamparina, dizia “drome, filho”. E eu corrigia, invariavelmente: “dorme, avó, dorme”. “Sim, filho, a avó também vai dromir”.

O meu avô perdeu a visão de um olho por causa das cataratas. Recusava ser operado. Quando lhe surgiram cataratas no olho que restava, decidiu-se pela operação. Passou o resto da vida a lamentar não ter feito a primeira. Quando o via regressar do pastoreio, gritava-lhe, à distância: “venda-me um borrego desses para o Natal”. Ele, que via muito mal, não me reconhecia. “Não estão para venda”, atirava. Quando percebia que era eu e que os tinha ido visitar, chorava. O meu avô chorava por tudo e por nada. A minha avó não chorava nunca.

O campo de que me recordo era um lugar muito duro. As pessoas levantavam-se quando o sol raiava, todos os dias. Tratavam dos animais – bestas, como chamavam às mulas e cavalos; porcos, que engordavam para a matança e ovelhas e cabras; uma vaca ou outra, para leite; galinhas que acorriam à primeira pessoa que saia de casa de manhã, à espera da ração. Muitos homens e mulheres eram alcoólicos. Durante o dia, bebiam o péssimo vinho que eles próprios faziam. À noite, iam para a venda jogar cartas e beber minis. Um dos meus primos bebia uma grade e meia de minis todas as noites. Tinha os olhos mais azuis que já vi. Em bebé, diziam nunca ter visto uma criança tão linda. Teve poliomielite e ficou entrevado do lado direito do corpo. Pastoreava umas cabras que conduzia graças a uma funda. Tinha uma pontaria exímia. Morreu com trinta e seis anos, de cirrose hepática.

As pessoas enlouqueciam facilmente. Acumulavam raiva de anos e anos de mal-entendidos e de zangas e, num dia pior, com uma enxada ou uma caçadeira, matavam o vizinho de sempre por um palmo de terra. Depois, entregavam-se. “Leve-me, seu guarda, dei cabo da vida desta família, leve-me.” O mal irrompia e submergia com a mesma facilidade. As pessoas desconfiavam umas das outras. Desconfiavam de quem chegava de fora com carros grandes com vidros eléctricos. Não acreditavam que o homem tivesse ido à lua. “Fazer o quê, filho?”, replicava o meu avô às minhas aspirações a ser astronauta.

Passei muito tempo zangado com aquele sítio para onde os meus pais insistiam em levar-me no fim-de-semana, impedindo-me assim de andar de bicicleta ou de jogar à bola com amigos. Não queria ir, fazia birra, era sempre um drama. Percebo agora, muito mais tarde, que levo comigo esta serra para onde quer que vá. A sua aspereza, a sua aridez, a sua pouca paciência para com os fracos. Mas também a sua surpreendente generosidade, o cheiro a esteva e os nomes de algumas árvores. Nenhum dos meus avós está vivo. É a eles que dedico este pequeno texto.

14 Mai 2018

Paisagem e desequilíbrio

[dropcap style≠‘circle’]B[/dropcap]arraca, Lisboa, 23 Março

«Comecemos pela porta de entrada, esse laço incerto que quebra pragas e que quase une o desavindo com que a terra se faz oscilação, ilha, escora de magma, rua, céu, habitação, telhado, enfim: paisagem proscrita para que o poema desequilibre pelo menos uma parte essencial do mundo.» Abre (quase) assim a interpretação do Luís [Carmelo], lida com o fulgor habitual no lisboeta atiramento de de «Rua Antes do Céu», do José Luiz [Tavares]. Paisagem proscrita para que o poema desequilibre pelo menos uma parte essencial do mundo. Paisagem e desequilíbrio. De facto, vejo o Zé Luiz a subir e descer escarpas, tantas vezes em queda, de lugares muito seus, muitos céus, muito de costas para o mar, muita terra de dar gente. Descubro nos seus versos, a cada leitura, aguçada humanidade, que tanto fere como acaricia, feita de linguagem e consciente de uma obra, seja casa sem telhado. «Intentar o voo e estatelar no chão./ Do avesso, recolher de si e do mundo/ a parte perdida — assim se engendra/ um livro, nas sonoridades desajustadas,/ num enfrentamento que reclama/ a mão soberana no domar dos relinchos/ do monstro vivo que é a obra.» Este era um primeiro Umbral, depois substituído pelo publicado que se ouviu na voz gravada do Renato [Filipe Cardoso], chamando os amigos à função de celebrar esta parte essencial do mundo: «E é dos tropeços da vida// dos sonhos que só tinta/ da queda em seco/ a um sol/ sem mais aquelas/ que aos puros nus/ destapa// e como um verão de procelas/ desata/ o rapaz que foras tu/ entre rogos riso e praga». Paisagem, desequilíbrio mas também infância, que a pátria da inocência se desvela nesta epopeia que tropeça. Percorrer caminhos inóspitos ou alcatifados em contínuo estremecimento, recolhendo de si e do mundo partes perdidas, surge-me neste exacto momento como sinónimo do desconchavado trabalho de editor, arado e antena. Recomecemos.

Arquivo, Leiria, 24 Março

Uma sala cheia acolhe o Valério [Romão], cheia não apenas de gente, mas de interesse, com leituras feitas e opiniões por partilhar. Ternura, até. A Susana [Neves] distribuiu jogo com grande habilidade e aquele saber que só desponta em quem gosta e gosta de partilhar. O pretexto era «Cair Para Dentro», pelo que se esticou a família como pano de fundo, além do recorrente refrão da habilidade do autor para esculpir figuras femininas. Ouviram-se também, em toada habitual, aplausos para a capa do Alex [Gozblau], cujo trabalho se celebra e expõe, por este estes dias, em Paris, por iniciativa da Anne Lima, da Chandeigne. Cada capa da trilogia «Paternidades Falhadas» acabou sendo um caso, de acerto, digo eu. A de «Autismo» por nada conter além de brinquedo de pernas para o ar. Muitas desgraças nos foram anunciadas, por causa dessa mudez, e nem a lombada que, de tão grossa, gritava o título em parangonas, as minorava. O leitor, coitado, não seria capaz de perceber… Em «O da Joana» simulava-se um rasgão, com o branco-buraco a causar estranheza e dúvida. Esta mais recente tem rosto a desfazer-se, do mesmo modo que tantos se desfazem em elogios. Destoa, claro, mas não pretendemos outra coisa. (Algures nesta página uma primeira versão, ainda com título provisório.) Também as quatro ilustrações, que abrem sempre os volumes desta colecção, são distintas compondo simples e engenhosa narrativa. Depois de brinquedos e de lugares, temos finalmente figura humana: um rosto feminino que se apaga para deixar surgir outro. Dificilmente se encontraria melhor maneira de dizer ao leitor ao que irá, o ambiente que encontrará, a sugestão das personagens, se não mesmo o essencial do jogo.

Horta Seca, Lisboa, 25 Março

Morreu o Manuel Reis (1947-2018), inventor de noites e cidades. Em jornal seu, escrevi em tempos prosa dedicada a Cesariny, que agora lhe dedico, por ser também ele lugar de lugares. E por me faltar a palavra exacta.

«Algumas figuras crescem de modo assustador até se tornarem lugares. Pode chegar-se a Cesariny de muitas maneiras, mas a mais absorvente e nacional não haja dúvida que será esperar sentado que nos atinja de um golpe. Países há onde mar e mar os fazem ir e voltar, e só isso explica que haja países a dar a volta ao mundo atropelando escolhos e tédio e mortes. […]

Cesariny vem de um tempo em que viver era rasgar possibilidades, Mário, e as contas não foram ainda feitas, de Vasconcelos, pelo que não sabemos quanto lhe devemos em desejo e ventania, em confusão e lucidez, em verticalidade e camisolas de alças, inteireza e veludo com nódoas. Afiou cada âncora como palito, de maneira que os dentes acabaram por se tornar estrelas. Lugares irrequietos onde só se vislumbram regressos, como este, fazem-se difíceis de atracar aos mapas e só com muita sorte e acaso se conseguem indicações capazes de levar o viajante ao encontro da sua perdição, aquela que buscamos com íntimo desespero ao fugir-lhe. […]

Voltemos à paisagem de Cesariny atravessando como funâmbulos o fio do arame da voz por sobre os infernos e os outros. Sei que nada é preciso, nem navegar, nem respirar, menos ainda dançar ou fornicar, pelo que não teria sido necessário ouvir a sua voz como a ouvi escorrer aqui e além: quebradiça e cristalina, embaraçada e embaraçante, pendular e rastejante, áspera e cuspida, esculpindo nuvens ou arrepiando caminho. Não mais que uma palavra, um verso, vá, desde que impresso, no papel húmido ou na cassete pirada, funciona como chave, vá lá, para vencer as cores, as estações, as sombras, as distâncias, os medos. A melodia oscilante das palavras que cobrem o chão de Cesariny soa como gatos, uma pieira que resulta de estar entalada entre o grito e o sussurro, um nó na garganta da alegria como da tristeza. Um nó na garganta, vejo agora e oiço aqui, poderia ser uma pátria gigantesca. Como a língua, uma língua viscosa e vermelha que se agite da boca para fora numa careta kamikaze da vontade mas que cospe desafios ao bem-estar, ao bem-viver e ao bem-pensar. Faz-se desta carne uma rebeldia que bebeu na tradição do brinco e da perna de pau o riso escaninho e a respiração dos prazeres maldosos. Oiçamos bem o que foi recolhendo da vida esta asma conspirativa a ponto de se fazer uma terra. Quero ir passar uns tempos à terra, que sou de Cesariny. Esta altura que não está feita de beijos na boca, a voz cesarínea dizendo ou pintando ou escrevendo serve inutilmente para quebrar algumas nozes do mundo, para detectar o curto-circuito que liga em relâmpago as mãos e as coisas, para interpretar as letras com as quais dizemos uns aos outros a solidão, para trautear as canções-moscas com que alimentamos as plantas carnívoras, para engrossar o mijo com que vamos regando aos esses os cogumelos venenosos da floresta de enganos. Temos que entrar descalços a correr por esta noite escura sangrando os pés no bruto diamante cesaríneo.»

5 Abr 2018

Licença de paternidade | As experiências e dificuldades de quem tem direito a poucos dias

Os dias do pai

A lei laboral vai ser revista e, actualmente, está em consulta pública a proposta de criação de uma licença de paternidade de três a cinco dias para o sector privado. Na Função Pública, os homens que são pais têm direito a cinco dias. Três testemunhos dizem que estes prazos “não dão para nada” e pedem mais tempo para apoiar a família no período pós-parto

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]er pai em Macau significa ter direito a dias que se contam pelos dedos das mãos para estar com o próprio filho recém-nascido. Na prática, não existe licença de paternidade, e os dias que a lei refere são encarados como faltas justificadas, contados até ao último minuto.

Quem trabalha no privado não tem direito a mais do que dois dias, que são considerados faltas ao trabalho, enquanto quem é funcionário público ganha cinco dias para estar em casa.

André Ritchie fez o pleno. Tem dois filhos, que nasceram em períodos diferentes. O seu filho foi o primeiro e veio ao mundo quando o pai ainda estava no Gabinete de Infra-estruturas de Transportes (GIT). Teve direito a apenas cinco dias, enquanto a mulher, também funcionária pública, ficou três meses em casa.

“Posso dizer desde já que esses dias não são suficientes. A minha mulher é funcionária pública e gozou dos seus três meses. A única diferença é que um é pai e o outro é mãe. Acho que isso corresponde a uma mentalidade que, se calhar, não tem muito a ver com a sociedade actual. O legislador na altura formatou as coisas desse modo, mas não tinha em mente que o pai hoje em dia desempenha um papel muito activo na educação das crianças”, contou ao HM.

No caso da sua segunda filha, nascida já quando o arquitecto se encontrava a trabalhar no sector privado, André Ritchie teve apenas dois dias de faltas justificadas, mas pensou noutro plano.

“Tive de recorrer aos meus dias de férias, não tive outra hipótese”, contou. “Os pais, no início, estão a tratar do bebé, depois têm de ir à conservatória tratar dos papéis, e esses dias não servem para nada.”

Depois de anos de reivindicações, o Governo parece estar a tentar alterar a situação. A lei laboral vai ser revista e o processo de consulta pública arrancou esta semana. Uma das mudanças prende-se com a instituição de uma licença de paternidade propriamente dita no sector privado.

A proposta que, está, por enquanto, em cima da mesa, estabelece três a cinco dias de licença. Não é certo, portanto, que os trabalhadores do privado venham a ter direito aos mesmos dias de paternidade de que dispõem os funcionários públicos.

André Ritchie considera que a legislação só revela uma mentalidade que já está fora de moda. “Antigamente a mulher não trabalhava, o homem era o chefe de família que trabalhava e punha a comida na mesa. Mas os tempos são outros. O papel do pai é essencial sobretudo para dar um apoio psicológico à mulher, que sofre, normalmente, de depressão pós-parto.”

Criar uma cota

Se no sector público são poucos dias, no privado ainda menos. No caso da Função Pública, André Ritchie considera que deveria ser criado mais um mecanismo para que o casal tenha acesso a um igual número de dias.

“Existe uma discrepância muito grande na Função Pública. Em situações desse género, em que os pais são ambos funcionários públicos, deveria haver uma espécie de cota que depois poderia ser dividida por ambos. Três meses ao dispor do casal, por exemplo.”

A título de exemplo, “quando o casal requer férias, e trabalha no mesmo serviço, podem ter prioridade pelo facto de ser um casal”. “Já existem mecanismos na Função Pública em que, ao casal, é dada uma atenção especial”, lembrou.

O arquitecto considera mesmo que Macau deveria olhar para os melhores exemplos: a Europa do Norte, onde pai e mãe usufruem dos mesmos (longos) dias para estarem em casa com o seu filho recém-nascido, ou outros países do ocidente.

“Podem dizer que estamos na Ásia, mas é preciso olhar em frente. Já tivemos o caso de violência doméstica, que deu o circo que deu na Assembleia Legislativa. Temos é de ver o que se está a fazer em sociedades mais abertas.”

O papel das empregadas

Beto Ritchie é músico nas horas vagas, trabalhador a tempo inteiro e pai de duas filhas pequenas, uma delas nascida há pouco tempo. O facto de trabalhar numa empresa de pequena dimensão deu-lhe mais dias de paternidade que ele, assume, não gozou.

“Trabalho numa agência pequena e temos muita liberdade por isso, mas não aproveitei. Tínhamos muitos projectos quando nasceram as minhas filhas. Mas sinto que os pais que trabalham em empresas pequenas, e em geral, como não há nada na lei que dê dias aos progenitores [enfrentam uma pior situação]”, considerou.

Beto Ritchie defende que os dias destinados aos que acabam de ser pais, na lei laboral “são um insulto”. “É um mau exemplo para as famílias e para as próprias crianças. Os dias de maternidade também são muito poucos.”

Para este pai, os homens deveriam ter direito a 15 dias de licença de paternidade, enquanto as mulheres deveriam estar em casa três meses, tal como determina o estatuto dos funcionários públicos.

Isto porque “em Macau há dinheiro” e o Governo “poderia dar subsídios para os custos não caírem todos em cima das empresas”.

Num território onde a taxa de natalidade não constitui um problema, como é que as famílias lidam com o pouco tempo que têm para estar com os seus bebés? Recorrendo a empregadas domésticas.

“Quem cria as crianças aqui são as empregadas, que acabam por passar a maior parte do tempo com elas, sobretudo nas famílias chinesas.”

Também Beto não consegue escapar a esta balada diária. “Eu e a minha companheira trabalhamos e seria impossível para nós. A creche da minha filha tem horas absurdas e temos de ir buscar as crianças às quatro da tarde. Não conseguimos, e são as empregadas que, na maioria, vão buscar as crianças. Todos têm aqui uma empregada por causa disso, porque os pais trabalham. Se não fossem os imigrantes que vêm para Macau à procura de trabalho, não daria para trabalhar e ter filhos em casa.”

Macau, terra de imigrantes, cheia de idas e vindas, está repleta de núcleos familiares que trouxeram apenas bagagem, mas não a família. Na hora de criar os filhos, essa falta de apoio familiar dificulta ainda mais a situação.

“As famílias chinesas podem ter cá familiares ou não, mas a maioria não tem cá os seus parentes mais próximos para ajudar”, rematou Beto Ritchie.

Um mundo de entraves e tradições

Não basta colocar no papel a licença de paternidade: há que aceitá-la com normalidade. A ideia é defendida por Miguel de Senna Fernandes, advogado especialista em Direito da família.

“A sociedade, se quer ser mais moderna, tem de começar por estas medidas, ainda que à revelia do tradicionalismo que existe em Macau. As pessoas podem não reagir bem, sobretudo o patronato. Este não vai reagir com bons olhos. Para os patrões não se justifica [conceder dias de licença], mas porquê? Hoje em dia já não faz muito sentido.”

“Podem dizer que é um estorvo ao ritmo de produção, progresso económico, mas é uma medida importante em termos de justiça social”, lembrou o advogado.

Se a licença de maternidade “já é aceite como uma necessidade social”, o mesmo não acontece com a licença de paternidade.

“A novidade hoje em dia é a licença de paternidade, ou seja, o pai que dá o apoio à mãe. Só assim é que em Macau se olha para esta situação. A questão é se vai haver alguma resistência. Não é um problema da lei, mas da própria cultura: é necessário que população sinta essa necessidade de o próprio pai dar este apoio.”

Num território caro como Macau, pai e mãe têm de trabalhar para arcar com as despesas da casa e do dia-a-dia. Beto Ritchie considera, no entanto, que há muita gente que pensa que o homem só deve dar alguma ajuda.

“Ainda há muito essa ideia retrógrada, mas isso é em toda a Ásia. Pensa-se que o pai não está envolvido na criação da criança e a mãe é que faz tudo.”

Miguel de Senna Fernandes não tem dúvidas: “Macau, neste aspecto, continua a ser muito reservada”. “A população ainda não aceitou em pleno que haja uma licença concedida ao pai, em pleno.”

Scott Chiang: o pai activista

Scott Chiang, presidente da Associação Novo Macau, teve há pouco tempo do seu primeiro filho, mas considera-se um homem de sorte. “Sou talvez um caso único em Macau, porque tenho o meu próprio horário de trabalho e colegas que me dão apoio quando não estou disponível. Mas precisamos de mais do que uns meros dias de licença.”

Quanto à proposta do Governo de instituir uma licença de paternidade de três a cinco dias, o activista considera que, tanto homens como mulheres precisam de igualdade neste campo.

“Deveria haver uma maior igualdade entre géneros, e a responsabilidade de tomar conta do recém-nascido também deve recair sobre os ombros do pai. Claro que deveríamos fazer esse ajustamento na lei. Se é suficiente ou não, é sempre susceptível de um debate, mas claro que ter mais dias de licença de paternidade é sempre melhor. Teremos, claro, de analisar o impacto junto dos patrões.”

Scott Chiang considera que o meio empresarial deve ser mais flexível em matéria de nascimentos. “Penso que as empresas devem ser mais flexíveis em termos de ajustamentos que são precisos no período pós-parto, para ir com os bebés a consultas, por exemplo. É preciso ver até que ponto a empresa é flexível nesse aspecto e em Macau ainda estamos muito atrás em relação a outros territórios.”

29 Set 2017

O mundo das mulheres

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] meu pai morreu quando eu tinha dezasseis anos. Tenho duas irmãs mais velhas. Na minha família, já de si diminuta, há poucos homens. As excepções são um tio, um cunhado e dois sobrinhos. O resto são mulheres. E são elas, invariavelmente, os esteios de força pelos quais a coesão familiar se mantém a despeito das mortes e outras tragédias semeadas ao acaso nas vidas das pessoas. Tenho alguns amigos homens, mas a maior parte dos meus amigos são mulheres. E apesar de na minha vida ter sempre estado rodeado de mulheres, nem sempre as compreendo ou compreendi.

Quando se produziu, há cerca de ano e meio, a famosa lei do piropo, fui uma das pessoas que achei a medida excessiva, como acho todas as ingerências legislativas que tenham por finalidade regular o comportamento social. Nutro a perspectiva, porventura ingénua, de que o governo não precisa de nem deve de legislar sobre assuntos da ordem privada dos cidadãos, como a quantidade de sal no pão ou sobre as palavras que podem ou não ser proferidas numa conversa. Tenho alguma fé no bom senso. Achava manifestamente exagerado dar um enquadramento legal tão específico como aquele que foi concebido quando já havia um suporte legislativo no qual o assédio já era objecto de penalização. É claro que não sendo mulher, não estou habituado à objectificação do corpo à que estas estão sujeitas desde muito novas. Não sei o que é sentir medo de ser violada, por exemplo. Não sei o que é ter oitocentos pares de olhos a garimparem-me o decote. Não sei nada disso porque, embora tenha vivido e viva no mundo das pessoas que o sabem, estive sempre do outro lado.

Na senda das conversas que foram surgindo um pouco por todo lado no Facebook, aquando da discussão dos prós e dos contra da chamada lei do piropo, fui percebendo que muitas das minhas amigas tinham de munir de uma força e resolução suplementares quando vestiam determinada roupa ou quando tinha de passar por determinados locais. Só por serem mulheres e, por isso, estarem expostas a níveis de cobiça e desejo mais ou menos declarados por parte dos homens. Eu não conhecia esta forma de força como a passei a conhecer. O paralelo mais adequado que encontro, na minha vida, é quando vou ao supermercado com o meu filho e toda a gente fica a olhar para nós porque ele grita sem razão aparente ou porque dá pulos no mesmo lugar enquanto esperamos para pagar. Mas ainda assim, e apesar de constrangedor e de exigir de mim uma resistência acrescida no contacto com os outros, não sinto qualquer tipo de ameaça.

A grande ilusão do conhecimento advém da sua capacidade de se manter absolutamente anónimo e ocluso, mesmo na proximidade do sujeito, até o sujeito decidir orientar a sua atenção para ele. Como num número de magia, estamos ocupados com as mãos do prestigiador quando o truque, de facto, acontece apenas dois metros ao lado deste.

Eu escrevo maioritariamente sobre mulheres. As minhas personagens são quase todas mulheres. As mais fortes são mulheres. No livro “O da Joana”, passe o reclame, o protagonista é uma mulher e as seis horas que esta passa numa sala de partos. Eu pensava que conhecia bem o mundo feminino. Mas não tinha estado atento à força discreta que as mulheres têm de convocar só para fazerem o caminho de casa para o trabalho. Não esperava de todo que fosse um registo continuado. Tinha a ideia – ingénua – de que apenas em situações excepcionais as mulheres eram forçadas a erigir a carapaça. Na verdade, como vim a perceber com mais clareza, a carapaça existe sempre, em maior ou menor espessura. Estava a olhar para as mãos do ilusionista e o truque, esse acontecia apenas dois metros ao lado.

31 Jul 2017