Futuro do carro construído por Eduardo Carvalho continua incerto

O nome Edsbrat não dirá muito até ao mais fervoroso adepto do automobilismo. Contudo, este monolugar de construção local, e cuja história se confunde com o Grande Prémio de Macau, é o único existente de uma era em que o génio de alguns se sobrepunha às dificuldades naturais da época

 

O português Eduardo Carvalho, o vencedor da primeira edição do Grande Prémio em 1954, foi um dos pioneiros na construção de carros de corrida no continente asiático. Logo na segunda edição do Grande Prémio, “Eddie”, como era conhecido à época, trocou o seu Triumph TR2 por um “Femcar Special” – um protótipo monolugar de aspecto muito artesanal construído e tripulado por si em 1955 e por Eduardo Noronha em 1956.

No início dos anos 1960s, quando os carros do Grande Prémio de Macau passaram a ser máquinas construídas propositadamente para as corridas, os fórmulas passaram a ser aceites na corrida principal do programa. Em 1962, “Eddie”, com 44 anos e proibido de correr pela avó, trabalhava na Hong Kong Garage, onde era o gerente da oficina, decidiu voltar a construir um carro de corridas, este de acordo com a pujante regulamentação da Fórmula Junior, que na altura era aceite no Grande Prémio de Macau. Esta foi uma categoria de promoção que pontificou em todo o mundo entre 1958 e 1963 e que, com monolugares leves e eficazes, deu ao automobilismo mundial nomes como Jim Clark, Jochen Rindt ou John Surtees. Em 1964, a Fórmula Junior perderia a preponderância internacional, para dar espaço à Fórmula 3.

O britânico John Kirk, que era amigo de Eddie e precisava de um carro para competir, aceitou de bom grado conduzir o Edsbrat no Grande Prémio de 1962, para além de ter realizado provas com ele na Malásia e Singapura. O piloto-aviador da Japan-Cathay Pacific, Brian Lewis, conduziu-o em 1963, tanto no Grande Prémio, como na única corrida da Fórmula Junior no Circuito da Guia, onde viu a bandeira de xadrez no terceiro lugar. Em 1964, John Tse, um nativo de Hong Kong e um reputado piloto das corridas de carros de Turismo locais, adquiriu este fórmula e participou com ele no segundo Grande Prémio do Japão, onde acabou por desistir ao fim de quatro voltas. O carro nunca mais viria a correr.

No início da década de 1990, o ex-piloto e antigo engenheiro aeronáutico australiano Neville McKay foi encontrá-lo abandonado numa garagem em Hong Kong. Conseguiu comprá-lo e trouxe-o para Macau, onde na oficina da Historic Motor Sports, na Rua Fernão Mendes Pinho, o carro foi restaurado. Não se pense que esta foi uma tarefa fácil, porque não foi.

Um mini Ferrari

Este Fórmula Junior, um exemplar único, tem uma característica muito peculiar que é o bico em forma de nariz de tubarão, inspirado no Ferrari 156 “Sharknose”, o carro com que Phil Hill e a Ferrari venceram o mundial de Fórmula 1, em 1961, e assim quebraram a hegemonia dos carros ingleses. “Em 1961, a Ferrari venceu o Campeonato do Mundo de Fórmula 1 com um monolugar de “sharknose” e o Carvalho queria que o seu carro se parecesse com um Ferrari. Até o pintou de vermelho”, explica McKay ao HM.

O pequeno Edsbrat estava em muito mau estado quando chegou às mãos de Neville McKay, tendo demorado três anos até voltar ao seu estado de glória. O carro voltou a ser visto em público pela primeira vez em 2014, sendo uma das estrelas do “Classic Car and Vintage Festival”, em Hong Kong.

“Restaurar o carro demorou três anos. Tivemos que fazer os moldes e outro tipo de coisas. Em 1962, os carros não tinham cintos de segurança ou arco de segurança”, relembra McKay, ele que chegou a fazer parte da Comissão Internacional de Históricos da FIA, em representação da Associação Geral Automóvel Macau-China (AAMC).

À procura de uma nova vida

Em 2013, durante o 60º aniversário do evento, Neville McKay terá tentado que o Edsbrat voltasse a sentir o asfalto do Circuito da Guia, numa volta de exibição, mas tal não foi deferido. “É um carro único de Macau, representativo do Grande Prémio de Macau. Pesa 400 kg e está equipado com um motor original Ford 1100cc da Fórmula Junior”, recorda McKay.

Guardado numa oficina em Hong Kong, o futuro do carro é incerto. Conversações para um possível ingresso do Edsbrat no Museu do Grande Prémio não deram os frutos esperados. Neville McKay procura uma nova casa e está disposto a deixá-lo partir quando “aparecer uma oferta sensível”.

De todos os carros construídos localmente nos vibrantes anos 1950s e 1960s, este é o único exemplar existente. Nem todos os carros de corrida são peças de museu, mas este, por tudo o representa, possivelmente merecia outro lugar de destaque.

8 Fev 2022