Automatização taxada

[dropcap style≠‘circle’]R[/dropcap]ecentemente, o canal noticioso HKTVB difundiu uma notícia algo peculiar. É possível que futuramente o trabalho robotizado venha a ser taxado.

Realmente a questão coloca-se; se os robots substituírem os trabalhadores quem vai pagar os impostos ao Governo? Por enquanto, esta pergunta continua sem resposta.

Mas, é provável, que de futuro a utilização de robots venha a ser taxada. Este imposto servirá para contrabalançar os custos sociais derivados da automatização. Já que os robots não pagam impostos salariais, os seus proprietários deverão suportar uma taxa pela substituição de trabalhadores por andróides. O “Imposto de automatização” pode vir a ser uma nova fonte de rendimento para o Governo.

A CNBC anunciou que numa entrevista recente à Quartz, Bill Gates, co-fundador da Microsoft, afirmou defender a aplicação de taxas sobre o uso de robots na produção. A afirmação de Bill Gates surgiu na sequência das declarações de Jane Kim, membro da Câmara de Supervisores de São Francisco. Jane Kim tinha-se declarado a favor da automatização. Mas esta evolução tem obviamente um senão; a dispensa do trabalho humano.

Jane Kim prevê a multiplicação do trabalho robotizado e para tal criou o “Fundo para o Trabalho do Futuro”. As empresas deverão contribuir para este fundo, que se destina à reeducação dos trabalhadores. Será uma forma de suavizar a transição para o futuro e para a automatização que se adivinha.

Kim afirmou que este fundo pode apoiar a formação de trabalhadores para funções difíceis de automatizar, como por exemplo tomar conta de crianças.

Neste contexto, Bill Gates advoga que a criação de uma taxa sobre o trabalho robotizado obrigará os patrões a pagar a restruturação da força de trabalho, actualmente empregue em funções que estão a ficar obsoletas.

Mas esta ideia foi objectada pelo Comissário da UE, Andrus Ansip, que defende a entrada da Europa na era digital. O Comissário adiantou que, a criação de uma taxa de automatização irá deixar a Europa para trás em termos competitivos. Para resumir, parece ser ridículo desincentivar o esforço de empresas que adoptam tecnologias de ponta na produção.

O website “telegraph .co.uk” já tinha anunciado, em Agosto último, que a Coreia do Sul vai ser o primeiro país a implementar a taxa de automatização. A nova proposta de lei sul-coreana prevê a limitação dos incentivos fiscais para empresas com trabalho automatizado. Estas políticas pretendem compensar a perda do retorno contributivo decorrente da automatização. Na altura, era esperado que a lei entrasse em vigor no final deste ano.

O trabalho automatizado tem consequências e pode criar mais desigualdade entre os seres humanos. Potencialmente gera mais desemprego porque, em certas funções menos especializadas, dispensa a acção do Homem. O fosso entre os rendimentos de quem tem uma especialização e de quem não tem, deve vir a aumentar exponencialmente devido à automatização da produção.

É óbvio que a grande desigualdade de rendimentos será consequência do desemprego. A automatização reduz os custos de produção. O Homem não pode competir com a máquina.

De momento, o uso de andróides na produção ainda está a dar os primeiros passos e alguns economistas propõem a criação de impostos sobre a aquisição destes equipamentos. Ao mesmo tempo o Governo terá de aumentar as taxas sobre os salários mais elevados. Estas políticas fiscais poderão reduzir a introdução de andróides nas cadeias de produção. Podem também vir a minimizar as diferenças entre aqueles que ganham mais e os que ganham menos.

A automatização irá mudar para sempre a natureza do trabalho. Num futuro próximo, parte do trabalho de rotina será desempenhado por robots. Os empresários e os políticos devem unir esforços para suavizar esta transição. Mutos trabalhadores não especializados vão perder o emprego. De futuro, as pessoas devem preparar-se para posições que envolvam a tomada de decisões. É a melhor forma de evitar o desemprego.

19 Dez 2017

Feliz Ano Novo

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]screvi este artigo precisamente no primeiro dia do ano, é tempo de dizermos adeus a 2016 e de darmos as boas vindas a 2017.

Por esse mundo fora as pessoas celebram de maneiras diferentes a chegada do novo ano. O website “https://abcnews.go.com/US/wireStory/years-revelers-ring-2017-times-square-44495056” informa,

“Cai uma chuva de papelinhos e lança-se o fogo de artificio enquanto as câmaras de televisão cobrem a imensa multidão que em Times Square se despede de um ano estonteante, marcado por umas eleições presidenciais azedadas, e grita a plenos pulmões votos para um 2017 melhor.

Um mar de participantes abraçou-se e beijou-se, depois de descida de uma bola de cristal gigante enquanto soavam as doze badaladas da meia-noite.

“Vai começar tudo de novo. Este ano só quero encontrar a felicidade e deixar as coisas más para trás,” disse Maria Raimilla, de Richfield Park, New Jersey, logo após a meia-noite.”

Uma multidão a comemorar a chegada do novo ano em Times Square, não é propriamente uma novidade. No entanto, os votos de cada pessoa para o Ano Novo são sem dúvida únicos. O website revelava os desejos de um casal de namorados,

“Enquanto se faziam ouvir as doze badaladas da meia noite e a chuva de papelinhos se derramava sobre a multidão, Jason Magee beijou a namorada e disse, “Vamos começar do zero. ‘Bora lá!””

O beijo é uma das melhores formas de demonstrar afecto e é presença indispensável sempre que um par de namorados celebra em conjunto a chegada de um novo ano.

As expectativas de um outro casal para 2017 são um pouco diferentes.

“Lori Haan, de Tucson, Arizona, e o marido visitaram Nova Iorque pela primeira vez nesta ocasião. Lori confidenciou-nos que está ansiosa por 2017.”

Encontrar a felicidade em 2017 e deixar para trás tudo o que é negativo deverá ser o desejo de toda a gente. No entanto, como é que isso se concretiza? Há alguns dias atrás a estação televisiva de Hong Kong TVB, passou uma peça de um canal americano que mostra como é que as pessoas na prática “deixam para trás as coisas negativas”. É engraçado. Têm de escrever num papel todas as coisas más que lhes aconteceram, verificá-las, e deitar os papeis no lixo. Depois o caixote do lixo será limpo da forma habitual. As pessoas que se juntam para este ritual partilham uma sensação de alegria. Acreditam que vale a pena despender duas ou três horas do seu tempo para se verem livres das “coisas más”, e garantir que a “limpeza” foi feita antes da chegada do novo ano, e a seguir festejarem a sua vinda. O mais interessante é que algumas pessoas escreveram “Donald John Trump” nas suas listas, dando a entender que o novo Presidente não é bem-vindo. Pelos vistos querem “apagá-lo” das suas vidas.

Na China o primeiro de Janeiro não assinala propriamente o início do novo ano, porque se rege por um calendário diferente. O primeiro dia do novo ano lunar chinês chega a 28 deste mês. Daqui a quatro semanas. Por esta razão, as comemorações na China continental não foram tão efusivas. Os chineses mais velhos não celebram de todo este dia, mas os mais novos já fazem a festa. Os jovens começam por limpar as suas casas. Deitam fora todo o lixo e também qualquer coisa de que já não venham a precisar em 2017. Deitam fora não só o lixo como as coisas que já não querem. O princípio é o mesmo dos americanos que deitam fora os papeis onde escreveram as listas de coisas negativas. Têm em comum o desejo de esquecer o que foi mau e as expectativas de um 2017 melhor. Depois da limpeza, os jovens juntam-se para irem a um local onde se celebre a chegada do ano novo. Tradicionalmente na China a limpeza das casas deverá ser feita no terceiro dia do ano. Os novos hábitos da juventude demonstram a simbiose cultural entre o Oriente e o Ocidente.

Nesta época em Macau podemos assistir a celebrações de boas-vindas ao ano novo, já que esta cidade é fruto da união da cultura chinesa com a cultura portuguesa. Em Hong Kong também se celebra em grande estilo a chegada do novo ano. As pessoas juntaram-se na Praça Golden Bauhinia, para fazerem a contagem decrescente para 2017. Lança-se fogo de artificio e as celebridades actuam num mega-espectáculo. Desta forma se vê que Macau e Hong Kong são representantes de uma miscigenação cultural.

Seja qual for a nossa nacionalidade, todos desejamos deixar para trás o mau e acolher o bom em 2017. Aproveito também eu esta ocasião para desejar aos meus leitores tudo de bom para o novo ano. Esqueçamos as coisas más, demos as boas vindas a 2017 e aos novos começos.

Feliz Ano Novo para todos vós.       

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
3 Jan 2017

O Reino Unido e o exemplar respeito da lei

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o passado dia 19 de Julho, o Tribunal de Primeira Instância do Reino Unido deu início à análise do caso apresentado por Gina Miller e outros. O réu era o Governo do Reino Unido. Esta sessão foi constituída para se proceder a um exame judicial

Ao contrário de Portugal, no Reino Unido não existe um corpo legal administrativo. A “lei administrativa” está incluída na lei civil. O exame judicial é um procedimento legal indexado ao Tribunal de Primeira Instância do Reino Unido. Por norma, analisa queixas contra o Governo apresentadas por cidadãos comuns. Tem por objectivo rever actos administrativos efectuados pelo Executivo. Aqui não se trata de julgar a capacidade do Governo para realizar os actos. O Tribunal vai focar-se nos actos em si, e determinar se são ou não legais. Por exemplo, existe um requisito estatutário que determina que no caso de o Governo desejar reclamar um terreno para construção, digamos de um Centro Comercial, terá de pedir um relatório a uma agência de protecção ambiental. Se não o fizer, qualquer pessoa afectada por essa decisão pode processar o Governo e solicitar um exame judicial, alegando que houve quebra do requisito estatutário. Se houver provas suficientes que determinem a violação do requisito o Governo perde o caso.   

Na presente situação, os queixosos alegaram que o Governo do Reino Unido deveria ter apresentado notificação da sua intenção de abandonar a União Europeia, ao abrigo do artigo 50 do Tratado da União Europeia, apresentando essa decisão a voto no Parlamento, com debate deliberativo em profundidade sobre as suas implicações e objectivos. O Secretário de Estado para os Assuntos do Brexit defendeu que a activação do artigo 50 era uma prerrogativa Real e que dispensava a consulta dos membros do Parlamento.

Gina Miller ainda alegou que, como as notificações ao abrigo do artigo 50 não podem ser revogadas, na prática acabam por ser anulados uma série de Actos Parlamentares. A Constituição consagra que os Actos Parlamentares não podem ser alterados sem o consentimento do Parlamento.

A audiência ficou concluída a 18 de Outubro. O Tribunal deliberou e publicou a sua decisão a 3 de Novembro. Os juízes não deram razão ao Governo quanto à prerrogativa Real sobre o artigo 50 do Tratado da União Europeia. Mais tarde será decidida a forma como tal disposição deveria ter sido tomada. Os juízes descreveram o Acto 1972 da Comunidade Europeia como o mais eficaz para “compreender o efeito directo da lei da EU no sistema legal nacional”, e defendem que não é plausível que a intenção do Parlamento tenha sido defender a capacidade da Coroa para, de forma unilateral, alterar o sentido do artigo através do exercício das suas prerrogativas.

Simultaneamente, na Irlanda do Norte, outros processos legais contra o Governo ficaram concluídos a 28 de Outubro, mas o Tribunal permitiu que quatro dos cinco queixosos pudessem apelar para instâncias superiores.

O resultado final do exame judicial não é conhecido por enquanto. Mas os princípios legais e o estado de direito implantado no Reino Unido são exemplares. O Tribunal determinou que o Governo tinha falhado porque na altura da adesão do Reino Unido à União Europeia, a aprovação foi dada pelo Parlamento. Portanto, quando o Reino Unido quis sair, o Parlamento deveria ter aprovado essa decisão. E porquê? Porque a vontade do Parlamento é soberana. A legislação proposta pela Coroa tem de obter o consentimento das Câmaras Parlamentares. Esta é a famosa doutrina da “soberania Parlamentar”. O Parlamento pode alterar uma lei sempre que quiser. No entanto, a Coroa não pode fazê-lo apenas através do exercício das suas prerrogativas, a menos que a própria lei o permita. Na Proclamação 1610, a Coroa declara solenemente não interferir na lei comum, na lei estatutária nem nos costumes. Na medida em que a lei da UE afecta directamente a lei do Reino Unido, o parlamento deve autorizar as alterações que forem feitas. Consequentemente, o exercício das prerrogativas Reais, por si só, não basta.

Esta foi a decisão do Tribunal de Primeira Instância, quer se concorde com ela ou não. O julgamento reflecte claramente que a Coroa não tem poder para alterar a lei. Este impedimento é o símbolo do “estado de direito”, demonstrando que todos são iguais perante a lei, mesmo estando na posse do mais alto poder administrativo. Se até a Rainha, a pessoa mais importante do Reino Unido, obedece à lei, não há motivo para que as outras pessoas não obedeçam. Porque a Rainha obedece à lei, o Tribunal tem o poder de julgar o Governo. Porque o Governo obedece à lei, a decisão tomada pelo Tribunal pode ser aplicada. A aplicação da lei não se faz pela força, mas através do poder da palavra. Estes procedimentos baseados no respeito da lei – são um exemplo a seguir por todos, e um modelo para a resolução de qualquer contenda. Este caso permite-nos compreender claramente os alicerces do sistema jurídico-legal britânico.    

O Supremo Tribunal do Reino Unido já agendou para Dezembro uma audiência para analisar o recurso do Governo da decisão do Tribunal de Primeira Instância. A audiência terá lugar entre 5 e 8 de Dezembro, mas a decisão só deverá ser divulgada no início de Janeiro de 2017. Nicola Sturgeon, Primeiro Ministro escocês pediu que o Director Jurídico do seu Governo (Scottish Lord Advocate) esteja presente no Tribunal. Espera-se uma nova batalha legal. Estejamos atentos aos próximos desenvolvimentos.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
15 Nov 2016

Abusos sexuais e dúvidas razoáveis

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á cerca de duas semanas, foi notícia em Hong Kong um caso de abuso sexual envolvendo Cheung Kin Wah, ex-presidente da sucursal de Kwai Chung, dos Lares de Assistência (para pessoas com deficiência). O caso ocorreu em 2013. Cheung terá tido relações sexuais com uma pessoa com deficiência mental, aqui designada por X.

Segundo a Associação Americana da Deficiência Cognitiva e do Desenvolvimento, o termo “deficiência cognitiva” aplica-se quando o coeficiente de inteligência é significativamente inferior à média do escalão etário do individuo.

O artigo fazia saber que fora encontrado no escritório de Cheung um lenço de papel com vestígios do seu sêmen e com ADN de X. Cheung alegou em sua defesa que o sêmen encontrado no lenço de papel tinha sido resultado de um sonho erótico que, pelos vistos, terá tido no escritório. Quando X chegou ao escritório, mexeu no cesto dos papéis quando deitou fora um pacote de leite de soja e, por isso, o seu ADN foi parar ao tal lenço de papel. Afirma que todo este processo durou apenas dois minutos.

Inicialmente o Ministério Público de Hong Kong tinha decidido processar Cheung, mas as acusações acabaram por ser retiradas pelo Secretário para a Justiça. O Secretário para a Justiça é o chefe do Departamento Legal do Governo da RAEHK. De acordo com o artigo 63 da Lei Básica de Hong Kong, ao detentor deste cargo cabe, em exclusivo, a decisão de levantar um processo crime.

Desta forma, Cheung ficou ilibado de qualquer processo criminal. E porque é que o Governo agiu desta forma? Porque a vítima sofre de “Síndrome de Stress Pós-Traumático” (SSPT). Devido ao SSPT e ao défice cognitivo de X, o Governo não conseguiu reunir provas acusatórias. Ou seja, a polícia encontrou no mesmo lenço de papel, sêmen de Cheung e ADN de X, mas não conseguiu estabelecer de forma irrefutável o motivo da descoberta. Se a polícia não consegue apontar um motivo, então o modelo legal que suporta um caso criminal – prova sustentada para além de toda a dúvida razoável –não se configura.

“Para além de toda a dúvida razoável” é a fronteira que marca a abertura de um processo criminal em Hong Kong. É como num exame, se o estudante conseguir uma nota 10, passa. Se as provas que se reuniram contra o réu provarem ser verdadeiras “para além de toda a dúvida razoável”, o réu será condenado, e vice-versa. Na medida em que os meios do Governo da RAEHK são muito superiores aos do vulgar cidadão, a lei impõe critérios muito elevados para que seja estabelecida prova num processo criminal. Estabelecer prova “para além de toda a dúvida razoável”, como o seu nome indica, quer dizer que a prova deve resistir a todas as dúvidas razoáveis apresentadas, e só assim o réu será considerado culpado. Esmiuçando um pouco mais; conclui-se que o réu só pode ser condenado, quando e se, a Acusação conseguir responder a todas as perguntas, razoáveis, bem entendido, que lhe tenham sido colocadas. É óbvio que, como neste caso, não se conseguiu estabelecer o motivo do aparecimento no mesmo lenço de papel, de vestígios de sêmen de Cheung e de ADN de X, “para além de toda a dúvida razoável”. Desta forma, o processo criminal não resistiria à prova do Tribunal.

Segundo a opinião de seis médicos, X foi considerada totalmente incapacitada para depor em Tribunal. Sem alternativas, o Secretário para a Justiça abdicou de acusar Cheung.

A lei criminal de Hong Kong é diferente da de Macau. Se o réu ganhar o caso, pode pedir uma indemnização ao Governo. Como Cheung não foi acusado, pôde pedir o reembolso das custas legais. Mas o juiz rejeitou a petição, afirmando,

“Não o vamos reembolsar das custas legais e, além disso, teve o senhor muita sorte por o Governo da RAEHK não ter podido estabelecer prova suficiente para o levar a Tribunal.”

O caso voltou a dar que falar quando o pedido de reembolso foi rejeitado.

A decisão de retirar a acusação criou grande celeuma em Hong Kong. Em geral as pessoas consideram que não se fez justiça a X, que não se cuidou dos seus direitos, particularmente no que à Justiça diz respeito. Em resposta a estas inquietações, o Secretário para a Justiça apresentou, no seu website, as suas razões para não levar por diante o caso contra Cheung. A principal é a, já bastamente citada, incapacidade de X de depor em Tribunal, de forma a poder explicar-nos como é que o sêmen de Cheung e o seu ADN se encontraram no tal lenço de papel. O Secretário para a Justiça ainda adiantou que vai considerar a revisão dos procedimentos legais em casos que envolvam pessoas com deficiência cognitiva.

Quer o Secretário para a Justiça venha um dia a acusar Cheung, ou não venha, o certo é que não se livra das críticas populares. Se decidir não acusar, como decidiu, as pessoas reclamam de injustiça contra X. Mas se decidir acusar Cheung, a reclamação tomará outra forma, passará a ser acusado de obrigar uma deficiente a depor em Tribunal. Vão dizer que obrigou X a reviver aqueles momentos terríveis, e obrigá-la a expor-se publicamente. Que não teve em conta os seus sentimentos, etc. Ao tomar uma decisão, o Secretário para a Justiça terá de estabelecer um equilíbrio entre o interesse de X e o que a sociedade de Hong Kong considera justo. É sem dúvida uma decisão difícil.

Quer se seja a favor ou contra a presença de X em Tribunal para depor, a decisão do Secretário para a Justiça está tomada. Em Hong Kong, ninguém tem o direito de desafiar uma decisão tomada pelo detentor deste cargo.

No entanto é bom saber que pode estar a ser considerada a revisão dos procedimentos legais em casos criminais que envolvam pessoas com défice cognitivo. É a única solução para estas situações. De alguma forma, nas suas declarações, o juiz que recusou o reembolso das custas legais a Cheung, salientou o essencial. Cheung pode considerar-se feliz por não ter sido acusado. Esperamos sinceramente que casos destes não se voltem a repetir em Hong Kong.   

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
8 Nov 2016

As intenções de Duterte – parte III

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] “The Guardian” publicou no passado dia 30 de Setembro um artigo, do qual passo a citar o seguinte excerto:

“Na manhã de 30 de Setembro, logo após ter aterrado, no regresso de uma visita oficial ao Vietname, o Presidente filipino Rodrigo Duterte proferiu um discurso, à saída de um dos terminais do aeroporto internacional Davao. Nesta elocução, Duterte estabeleceu um paralelismo entre a sua guerra sangrenta e o massacre de Hitler aos Judeus, dizendo que ficaria feliz se matasse milhões de toxicodependentes.”

No seu website, a “BBC News” referia-se ao mesmo acontecimento. Segue um fragmento:

“Para a maior parte dos lideres políticos seria inconcebível tecer elogios a Adolf Hitler. Mas não é o caso do sr. Duterte, que comparou a sua campanha contra os traficantes de droga e toxicodependentes ao Holocausto, afirmando que iria matar tantos drogados quantos Judeus Hitler matou.”

Hitler massacrou três milhões de Judeus. Hoje em dia temos três milhões de toxicodependentes. Fico feliz se os matar a todos,” afirmou.”

“Pelo menos a Alemanha teve Hitler. As Filipinas não.”

O motivo destas declarações continuadas prende-se com a determinação de Duterte em acabar com o tráfico de droga nas Filipinas. Os cidadãos filipinos têm autorização para matar os traficantes. Não é preciso haver julgamento, nem sentença, os traficantes podem ser abatidos.

Nestes últimos dois meses, tenho vindo a escrever sobre a suposta ilegalidade deste procedimento. Os julgamentos relacionados com posse de drogas não apresentam dificuldade de maior, porque o principal critério para determinar a sentença é a quantidade de droga apreendida. Quanto maior for a quantidade de droga encontrada na posse do réu maior será a sentença. Em certos países, onde ainda existe pena de morte, a partir de uma certa quantidade, o réu é executado. Permitir que os cidadãos matem os traficantes implica que não se irá determinar que quantidade tinham em sua posse. Se os cidadãos ou a polícia suspeitarem que alguém é traficante podem abatê-lo. Tanto faz que estejam na posse de uma pequena ou de uma grande quantidade de droga, o fim é o mesmo.

Vejamos agora a questão doutro prisma. Será que a pena de morte leva a que acabem ou diminuam os casos de tráfico de droga? É uma questão que tem sido muito debatida em criminologia. Imagine o leitor que estava a ponderar tornar-se traficante nas Filipinas, qual seria à partida a sua maior preocupação? Sabe que tem duas opções. Na primeira opção terá bastantes hipóteses de ser abatido, independentemente da quantidade de droga que levar consigo. A segunda opção é.… escolher outro caminho, é sem dúvida o melhor a fazer se tiver amor à pele. Mas se mesmo assim enveredar pela opção 1, então o melhor é tentar traficar a maior quantidade de droga que lhe seja possível. Porque, para acabar morto, tanto faz traficar muito como pouco. Então o melhor é tentar maximizar o lucro enquanto pode, já que o risco de a coisa acabar mal é muito elevado. Vista deste ângulo, a opção 1 reduz o número de traficantes, mas não reduz a quantidade de droga traficada nas Filipinas. Então qual vai ser a opção preferencial do traficante? Bem, isso vai depender de cada um, não existe uma escolha certa à partida. E é por isto que não sabemos se estas medidas irão reduzir efectivamente o tráfico de droga nas Filipinas. É preciso tempo para avaliar a situação.

As declarações continuadas de Duterte sobre este assunto merecem ponderação. Não há qualquer dúvida de que o líder de um país é responsável pela manutenção da justiça, da equidade e da consciência nacional. Mas se esse líder optar por métodos dignos da Alemanha nazi, daí resultará apenas crime e guerra. A História mostra-nos que Adolf Hitler não era uma pessoa correcta, e que até começou a II Guerra Mundial. Muitas pessoas e muitos países sofreram as consequências. Pode ser difícil compreender porque é que Duterte compara a sua campanha contra os traficantes ao extermínio dos Judeus promovido por Hitler. É preciso ter presente que tentar acabar com o tráfico de drogas é agir a favor do bem nacional, aqui o problema é a suspeição de que se estão a promover mortes ilegais. Mas os Nazis praticaram crimes de guerra. Cometeram genocídio contra os Judeus. O genocídio ofende todos os seres humanos civilizados porque defende o extermínio de uma determinada raça. E já que os crimes de guerra e o genocídio são ilegais, porque é que o líder de uma nação se vai comparar a quem os cometeu? Será que no fundo ele sabe que a sua campanha é ilegal? E se assim for, porque tomou ele estas medidas? Nos artigos que li não encontrei resposta a estas minhas inquietações.

Alguns comentários às declarações de Duterte são negativos. Passo a citar,

“Deve ser primo do Hitler”

“Declarações irracionais e ridículas”

Como se não bastasse, o Gabinete Alemão dos Negócios Estrangeiros apresentou queixa.

É sabido que o problema do tráfico de droga aflige as Filipinas. A intenção de Duterte é boa porque quer acabar com este problema. Mas é óbvio, que, quer as suas acções quer as suas declarações, são problemáticas, são do âmbito do contencioso. Se com tudo isto o tráfico de droga não diminuir nas Filipinas, as coisas não vão ficar fáceis para Duterte.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

25 Out 2016

Confissões

[dropcap style≠’circle’]R[/dropcap]ecentemente, o website “yahoo” de Hong Kong divulgou uma notícia sobre a exposição “Confissões”, aberta ao público de 10 a 27 de Setembro. A exposição é organizada pela “Sociedade para o Planeamento da Comunidade” (SOCIETY), fundada há 40 anos com o objectivo de preservar os direitos e valores ancestrais da sociedade de Hong Kong.
O website da SOCIETY faz uma apresentação do historial da exposição, da qual extraímos alguns comentários:

“……A exposição é um projecto artístico focado nas declarações de detidos e de ex-detidos sobre o arrependimento”.

Quando pensamos em alguém que está, ou esteve, preso, a primeira coisa que nos ocorre é que essa pessoa cometeu um crime e que, por isso, é um transgressor. É frequente que os julguemos e que sobre eles criemos uma imagem estereotipada. Acabamos por reduzi-los ao crime que cometeram, em vez de os olharmos como seres humanos tão complexos como qualquer um de nós. O sistema de justiça criminal faz o mesmo ao focar-se nas suas, alegadas, más acções. É preciso que confessem os seus pecados; têm de admitir os seus crimes……”
Através destes tópicos, podemos verificar que o propósito da exposição é apresentar as verdadeiras histórias de vida de detidos e ex-detidos, e usar essas experiências para ajudar a reabilitar as pessoas actualmente encarceradas. Mas acima de tudo, lutar para que o público em geral possa ter uma melhor compreensão destas situações e, dessa forma, proporcionar de futuro mais oportunidades a quem se encontra actualmente preso. Pretende-se que a sociedade de Hong Kong possa vir a aceitar as pessoas que estiveram detidas, e que estas possam mais facilmente integrar-se e tornar-se seus membros activos.
De todos estes testemunhos destacam-se dois casos que vale a pena analisar. O primeiro é o de Wong Ting Hin, de 52 anos de idade. Quando tinha 15 anos Wong roubou um cheque de 70.000 HK dólares ao patrão. Foi preso. Na sequência da prisão, acabou por se tornar membro de uma tríade e por vir a cometer uma série de crimes; assaltos, contrabando, tráfico de droga e envolvimento no negócio da pornografia. No decurso destas actividades Wong acumulou 50 milhões de HK dólares, em troca de 10 anos de prisão.
Mais tarde, Wong foi detido e fez amizade com Yip Kai Foon. A alcunha de Yip era “O rei dos ladrões”. Esta alcunha foi-lhe atribuída quando efectou uma série de assaltos em Kwun Tong, Hong Kong. Empunhando uma espingarda “AK47”, conseguiu roubar, em apenas 10 minutos, cinco ourivesarias. O assalto a cada uma das ourivesarias durou em média dois minutos. Quando a polícia chegou ao local houve um tiroteio. Foram disparadas mais de 40 balas neste confronto. Mas, embora Yip tenha conseguido evadir-se na altura, acabou por ser detido em 2003.
Na prisão, Yip tentou convencer Wong a fugir com ele, mas Wong recusou-se porque acreditava que, mesmo que conseguissem evadir-se acabariam por ser apanhados. Não foi um procedimento incorrecto.
Em 2013, Wong cometeu mais um furto e voltou para a prisão. Teve de se separar de novo da mulher e do filho. Como não queria que o filho soubesse que estava preso, disse-lhe que era actor e que tinha vestido as roupas de prisioneiro para um filme. Também nos confessou que chorava todas as noites quando pensava na mulher e no filho. Foi nessa altura que decidiu nunca mais cometer nenhum crime. Wong disse-nos,
“Antigamente era rico, mas era infeliz. Agora sou pobre, mas sou muito feliz.”
O outro caso é o de Raymond, que cometeu um crime em 2001. Raymond era toxicodependente. Durante o julgamento percebeu-se que tinha uma perna infectada devido ao consumo de droga. O médico informou-o que, para lhe salvar a vida, teria de lhe amputar a perna. Raymond recusou-se a fazê-lo, e jurou a si próprio nunca mais se drogar. Acabou por ser bem-sucedido e trabalha actualmente na SOCIETY para ajudar outras pessoas a libertarem-se das drogas.
Raymond conhece bem os serviços de reabilitação das prisões de Hong Kong. Os prisioneiros têm a possibilidade de obter um bacharelato e recebem formação profissional. Também têm acesso a muitas liberdades. Por exemplo, Yip casou na prisão em 2003. Se os meus leitores ainda estão lembrados, em Janeiro de 2014, escrevi sobre Wong Yuk Long, também conhecido por Tony Wong. Tony tinha criado um império no mundo da banda desenhada. Contudo, devido à crise económica de 1987, as acções da sua empresa caíram de 4 HK dólares para apenas 1,18. Tony tinha também contraído enormes dívidas para financiar os seus múltiplos empreendimentos. Acabou por ser acusado de falsificação de documentos e condenado à prisão. Enquanto esteve preso Tony podia desenhar, mas não podia publicar o seu trabalho. Depois de ter sido libertado, voltou a reconstruir o seu império.
Podemos assim concluir que os serviços de reabilitação, as liberdades e as condições dadas aos prisioneiros, são factores vitais para o arrependimento e para a mudança nas suas vidas. Esperamos também que a sociedade de Hong Kong venha a aceitar os ex-detidos e a permitir que possam integrar-se em pleno, encontrando trabalho para o qual tenham qualificações.
Quando este artigo for publicado, o Festival do Meio do Outono já terá passado. Espero, pois, que os meus leitores tenham tido um bom Festival do Meio do Outono.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
19 Set 2016

Duterte, das “boas” intenções às más respostas

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] semana passada Rodrigo Duterte, Presidente das Filipinas, fez notícia quando chamou a Obama “filho da p…” a Barack Obama. Esta “intervenção” de Duterte levou ao cancelamento do encontro agendado entre os dois Chefes de Estado.
Como expliquei no artigo publicado há duas semanas (ver “De boas intenções está o inferno cheio”), desde que Duterte assumiu a Presidência das Filipinas tem vindo a incentivar a população a matar os traficantes de droga de forma sumária. Até ao momento, cerca de 2.400 pessoas foram mortas. Estes acontecimentos chamaram a atenção de diversos países, entre eles os EUA, e das Nações Unidas. Antes da cimeira da ANSEA, em declarações aos jornalistas, Duterte afirmou ser o chefe de um País soberano que só prestava contas ao seu próprio povo.
Adiantou que Obama o deveria respeitar e parar com as perguntas sobre estas mortes, e acrescentou:
“filho da p…, vou-te amaldiçoar na reunião.”
Mais tarde, o governo filipino apresentou desculpas a Obama e dois dos seus representantes deram uma conferência de imprensa.
Mas recapitulemos, a quantidade de droga que se encontra na posse de um traficante e de um consumidor é necessariamente diferente. Uma das funções do julgamento é determinar com precisão a quantidade de droga apreendida, e a partir daí decidir se o réu é traficante ou um simples consumidor. Consoante o caso a sentença deverá divergir, sendo obviamente mais pesada para tráfico do que para consumo. Sabemos que existem casos de traficantes de droga condenados à pena capital, mas é raro ouvir-se falar de consumidores condenados à morte.
Sem julgamento é impossível determinar com precisão se estamos perante um ou outro caso. Donde resulta que os filipinos ficam a depender apenas do julgamento feito pela polícia. Seja o julgamento objectivo ou subjectivo, a população não tem outro remédio senão acatá-lo. Se a polícia tiver razão será morto um traficante. Mas se não for o caso? Então será apenas uma execução ilegal. Para além disso, mesmo os traficantes podem ter em sua posse quantidades de droga muito diferentes. Deverá também um pequeno traficante ser condenado à pena de morte? Não existirá diferença entre alguém que é apanhado com uma pequena quantidade de droga e quem é apanhado com uma enorme quantidade? As pistolas da polícia não podem ser a resposta a estas perguntas.
Podemos ler na “Wikipedia” que Duterte era advogado. Não deve um advogado tomar medidas para que não ocorram execuções ilegais ou suspeitas?
A posição de Obama e das Nações Unidas reflecte as preocupações internacionais sobre esta matéria. Defendem que se deve esclarecer, e mesmo parar, estas execuções suspeitas nas Filipinas. As declarações exaltadas de Duterte provam que não tem intenção de obedecer. Recorre ainda à defesa da soberania para apoiar a sua decisão.
Ao abrigo da lei internacional, cujo órgão máximo é as Nações Unidas, um País não tem permissão de interferir nos assuntos internos de outro. Mas execuções ilegais continuadas, podem extravasar os limites dos assuntos internos.
Existem muitos canais diplomáticos entre os EUA e as Filipinas. Se efectivamente Duterte não quiser discutir os assuntos internos das Filipinas com Obama, pode recusar-se por via diplomática. Gritar e insultar o Presidente de outro País é um procedimento incorrecto. É o suficiente para criar perturbações no relacionamento entre dois países. Em resposta aos insultos, Obama cancelou o encontro que estava agendado para breve entre os dois. Mas se Obama interpretar estas declarações como uma ofensa à América, Duterte acaba de dar início a confusões desnecessárias.
E é evidente que a opinião pública internacional apoia Obama e condena Duterte.
Lembremo-nos que em Agosto Duterte tinha afirmado,
“É possível que venhamos a sair das Nações Unidas.”
Se isto se vier a verificar as Filipinas ficarão isoladas, entregues a si próprias. Será uma boa escolha? A resposta é óbvia. Sem a cooperação de outros países, as perspectivas das Filipinas serão muito fracas. Se esta medida for por diante o País vai sofrer.
De qualquer forma, foi bom saber que Duterte acabou por pedir desculpa a Obama. Depois disso tiveram uma reunião informal. A discussão entre os dois países está suspensa e, para já, as Filipinas não enfrentam o isolamento internacional. Mas Duterte tem de se esforçar bastante para melhorar a sua imagem.

Consultor Jurídico da Associação Para a Promoção do Jazz em Macau
12 Set 2016

Amor e adversidade

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stou a escrever este artigo sexta-feira, 26 de Agosto. Há pouco mais de duas semanas, mais precisamente a 10 de Agosto – 7 de Julho, segundo o calendário chinês – comemorámos o “Dia dos Namorados” na China. Existem, como é sabido, diferenças entre os dois calendários e 2016 é o Ano do Macaco.
O Dia dos Namorados na China celebra-se nesta data, por causa de uma história que se passou há 2.600 anos atrás. Mas vejamos o que a Wikipédia tem a dizer sobre o assunto:
“A lenda é sobre a paixão de Zhin (織女) e de Niulang (牛郎). Era um amor proibido e, por isso, foram separados e enviados para margens diferentes do Rio da Prata. Uma vez por ano, no sétimo dia do sétimo mês lunar, um bando de gansos formava uma ponte e os dois amantes podiam reunir-se por um dia.”
Zhin era deusa e fiandeira. Niuland era humano e guardador de gado. O amor entre deuses e humanos não é permitido. Quando se apaixonaram, o rei dos deuses castigou-os. Como tivessem persistido e não temessem o castigo, o rei divino acabou por consentir no casamento.
Mas a tragédia ocorre depois do casamento. Zhin e Niuland, entregues à paixão, acabaram por descurar as suas obrigações. A qualidade dos tecidos fabricados por Zhin decaiu grandemente e o gado à responsabilidade de Niuland fugia. Perante esta situação o rei decidiu que só se veriam uma vez por ano, a 7 de Julho.
Este foi sem dúvida um castigo cruel que lhes trouxe infelicidade. Mas existem outros casais que podem estar juntos todos os dias e que mesmo assim são infelizes.
Chu Chun Kwok era agente da polícia. Há alguns anos atrás, no dia 19 de Julho de 2005, patrulhava a Po On Road, em Cheung Sha Wan, Hong Kong, quando foi atacado com uma faca que lhe cortou uma artéria do pescoço. O ataque aconteceu na sequência do controlo de identidade de Liu Chi Yung, suspeito de tentativa de roubo. Chu caiu de imediato, a esvair-se em sangue. Uma pessoa que ia a passar conseguiu dar o alerta que lhe salvou a vida. Mas Chu entrou em coma, devido à perda massiva de sangue, e está em estado vegetativo desde essa altura. Não pode falar, nem se pode mover, resta-lhe jazer na cama do hospital. Segundo os médicos as possibilidades de recuperação são ínfimas.
Após o acidente, Choi Yin Ping, a mulher de Chu, vai todos os dias ao hospital cuidar do marido. Ajuda na higiene, na alimentação e na fisioterapia a que Chu é submetido para evitar atrofia muscular. Este caso voltou a ser notícia porque Choi chegou finalmente a acordo com o Governo de Hong Kong. Choi tinha processado o governo regional bem como o atacante. Exigia uma indeminização, mas o governo recusava-se a conceder-lha, à semelhança de Liu Chi Yung que alegou falência. Quando finalmente se chegou a um acordo, Choi declarou,
“Posso voltar à minha vida normal. Já não tenho de travar esta batalha.”
Embora Chu tenha sofrido ferimentos muitos graves, o Tribunal só o condenou Liu a 10 anos de prisão. Independentemente da justeza da sentença, há outro aspecto a salientar. Liu foi posto em liberdade condicional em 2011. Ou seja, só cumpriu seis anos de prisão, tendo ficado em regime de liberdade condicionada desde 2011.
A questão é simples, mas vale a pena analisar o contexto. O objectivo da lei criminal é manter a justiça. Assim que o réu é condenado o caso fica encerrado. Nem a vítima, nem os seus familiares, devem procurar vingança contra o réu. A lei previne o ajuste de contas.
A liberdade condicional é um instrumento do sistema legal. Permite que o condenado saia da prisão, sob certas condições, e ajuda a impedir a sobrelotação das prisões. É também um incentivo para que o prisioneiro tenha um bom comportamento enquanto está detido. Ajuda a diminuir o grau de dificuldade na gestão das prisões. Do ponto de vista social, é uma boa medida.
Liu nunca mais cometeu nenhum crime depois de ser libertado. Mas não tem dinheiro para indemnizar Chu. No entanto, desde o ataque Chu tem permanecido no hospital. As hipóteses de recuperação são praticamente nulas. Parece-vos que uma pena de cinco a seis anos tenha sido justa face à situação que criou a Chu? A resposta é óbvia. Não é de admirar que a mãe e a mulher de Chu afirmem,“nunca o perdoaremos.”
Embora possamos não concordar com o sistema legal, temos de lhe obedecer. Todos os sistemas têm prós e contras, não são perfeitos. Os familiares de Chu continuam muito revoltados, mas não há nada que possam fazer.
Mas podemos olhar para esta história de outro ângulo. Desde que Chu foi atacado Choi nunca o abandonou, continua a amá-lo apesar da sua situação. O grande amor que os liga aquece-nos a alma.
A atitude de Choi faz-me relembrar o verdadeiro significado do casamento. O padre pede que o casal prometa fidelidade e dedicação um ao outro, independentemente das adversidades que possam surgir nas suas vidas, deverão permanecer unidos. Chu e Choi continuam juntos. Mantiveram a sua promessa. E Choi tem permanecido fiel nesta situação tão difícil em que se encontra desde 2005. Embora o Dia dos Namorados na China já tenha passado, congratulemos Chu e Choi, e façamo-los sentir que apreciamos o seu amor.
“Feliz Dia dos Namorados.”
Rezemos por Chu, pedindo a Deus que o abençoe e o ajude a recuperar o mais depressa possível.

Consultor Jurídico da Associação Para a Promoção do Jazz em Macau
5 Set 2016

A “evasão” dos bombeiros

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o passado dia 13 o “Yahoo” publicou uma notícia sobre a evasão de 12 estudantes da Academia dos Serviços de Ambulâncias e Incêndios (uma escola sob a alçada do Departamento dos Serviços de Incêndios de Hong Kong, organismo dependente do Governo da RAEHK, responsável pela formação de bombeiros). A surtida deu-se durante a cerimónia de formatura e, aparentemente, aconteceu porque os estudantes quiseram sair para entregar convites aos familiares. Inicialmente a Academia apenas entregava três bilhetes a cada estudante. Mas no dia 11, por volta das 16:30, decidiu entregar mais dois a cada um deles.
Os estudantes estavam divididos em dois grupos para a cerimónia de formatura, que se realizou no dia 12. Na véspera, um dos grupos ficou na Academia até às 22:30 e o outro passou lá a noite. O problema aconteceu com este último grupo. Cerca de 50 estudantes evadiram-se e passaram ingressos para a cerimónia a familiares.
Por volta das 20:30, os responsáveis da Academia convocaram de surpresa todos os estudantes, para verificar as presenças. O artigo referia que apenas 20 se apresentaram de imediato. Cerca de 18 estudantes pediram a outros colegas que se apresentassem na vez deles e 11, ou 12, não compareceram à chamada. Existem rumores de que estes últimos serão expulsos após processo disciplinar. Mas há quem diga que serão eles a apresentar a demissão, para não “manchar” o seu cadastro escolar e não virem a prejudicar uma carreira ao serviço do Governo de Hong Kong.
E porque é que os estudantes se “evadiram”? O artigo do “Yahoo” explicava que antigamente não existia limite de bilhetes para as cerimónias de formatura, os estudantes podiam convidar quantas pessoas quisessem. Mas este ano a Academia anunciou inicialmente que cada estudante só tinha direito a três convites. Posteriormente esse número foi alargado para cinco.
O “Yahoo” também ventilava que no momento em que os estudantes receberam os convites lhes terá sido dito para os entregarem como melhor entendessem.
A partir destas declarações os estudantes assumiram que tinham consentimento da administração para se ausentarem. Foi talvez este facto que determinou a sua saída.
O desaparecimento dos jovens foi reportado por um dos funcionários, cujo filho também frequenta a Academia. Por ter acesso privilegiado às camaratas este funcionário costumava visitar o filho, o que desagradava aos outros estudantes pois sentiam que ele tinha um tratamento diferenciado.
Até ao momento, não existe mais informação sobre o assunto.
Esta história serve de lição para todos os estudantes que se preparem para servir as forças da ordem. É evidente que não se pode justificar uma evasão com o desejo de entregar convites a familiares. Alguns bombeiros seniores defenderam este ponto de vista, explicando a necessidade de os estudantes compreenderem que não se pode abandonar o posto sem autorização, sob risco de poder colocar as populações em perigo em caso de emergência.
Mas temos de tentar perceber o lado dos estudantes. Num outro site de Hong Kong, o “orientaldaily.on.cc”, escrevia-se que esta cerimónia era a última oportunidade de a Academia poder contar com a presença do Comissário dos Serviços de Incêndios, o Sr. Lai Man Hin. Para não perturbar a ocasião, os alunos que se tinham evadido deveriam estar presentes. Os estudantes não concordaram com este procedimento.
No entanto, devemos interpretar o caso de duas maneiras. Os preparativos de uma cerimónia deste género podem necessitar de ser melhorados. O alargamento dos convites à última hora, de três para cinco, pode ter sido inapropriado. Não é tanto a questão de se dar mais dois convites a cada estudante, mais sim, do tempo que precisaram para os passar aos convidados, e da disponibilidade destes para estarem presentes. A maior parte das pessoas não dá atenção a estes pormenores.
Devem também ser consideradas as declarações da administração da Academia. A ser verdade que foi dito aos estudantes que “entregassem os convites como melhor entendessem”, o facto de terem muito pouco tempo para os passarem à família poderá ter criado um mal-entendido. Se estes estudantes forem sujeitos a uma acção disciplinar, estas declarações e a própria organização da cerimónia de formatura devem ser debatidas. De outra forma, será injusto para os estudantes.
Independentemente do que se vier a decidir sobre o destino destes 12 jovens, do ponto de vista social, Hong Kong sai sempre a perder. Para formar um bombeiro, o Governo de Hong Kong tem de investir 400.000 HK dólares. Se forem expulsos 12 estudantes, desperdiçaram-se cerca de 5 milhões de HK dólares. Será que vale a pena? Quem tiver de lidar com este caso deve ter em consideração os interesses dos alunos evadidos, a deficiente organização da cerimónia de formatura, a veracidade da declaração que provocou o mal-entendido e, finalmente, o interesse público. Não vai ser tarefa fácil.

22 Ago 2016

Médicos de Hong Kong enfrentam mudanças

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o passado dia 8, o website “www.scmp.com” anunciou a conclusão da discussão da adenda à proposta de lei sobre o “Registo de Médicos”. Foi resultado de uma Segunda Leitura, que teve lugar no Conselho Legislativo de Hong Kong. Está concluída mais uma etapa do processo inerente à aprovação da proposta de lei. Mas, de facto, não são notícias por aí além, porque apenas 32 horas separam este elenco legislativo do final do seu mandato. No caso de não se conseguir concluir todos os procedimentos necessários à aprovação da proposta de lei, o novo Conselho Legislativo, que tomará posse em Setembro, terá de pegar no processo a partir da estaca zero. Todo o trabalho desenvolvido pelo actual Conselho terá sido em feito em vão.
Uma das razões que justifica a lentidão da discussão da proposta de lei, assenta numa campanha de obstrução desencadeada pelo Dr. Leung Ka-lau, o delegado responsável pelo sector da saúde. Leung pediu constantes adiamentos à discussão.
“O processo vai ser demorado. O debate continuará na próxima reunião do Conselho Legislativo, a realizar quarta-feira” declarou o Ministro da Saúde, Dr. Ko Wing-man.
A proposta pretende atrair mais leigos para o Conselho Médico de Hong Kong, que passará a ter um total de 32 membros. O Governo espera que esta proposta de lei aumente a credibilidade deste Conselho, sobretudo no que respeita à capacidade de gerir e dar resposta às queixas de mau atendimento médico. Os grupos que defendem os direitos dos utentes também estão a favor de uma maior transparência.
Um dos casos que provocou mais celeuma foi a morte do filho do conhecido cantor Peter Cheung e da famosíssima Eugina Lau. Este caso data de 2005. O bebé morreu 24 horas após o nascimento. O casal apresentou queixa ao Conselho Médico, acusando o médico assistente de negligência. O julgamento só teve lugar em Maio de 2014, nove anos após o sucedido.

O resultado da Segunda Leitura da proposta de lei expressou-se da seguinte forma, 53 votos a favor, 8 contra e 4 abstenções. Este resultado indica que existe uma forte probabilidade de a proposta ser aprovada durante a sessão da próxima semana.
Actualmente existem cerca de 13.000 médicos em Hong Kong. O Conselho Médico é composto por 28 membros, metade dos quais são eleitos pela classe médica, sendo os restantes indigitados pelo Governo. A proposta de lei pretende a criação de mais quatro membros, a serem indigitados pelo Governo e provenientes de áreas não relacionadas com a saúde, ficando assim em minoria os membros eleitos pela classe.
Todos sabemos que para se ser médico é preciso estudar imenso. Não é qualquer um que o consegue. Em Hong Kong, são necessários pelo menos seis anos para formar um médico e durante este período os estudantes desfrutam apenas de um mês de férias anuais. Para além disso os médicos estão sujeitos a uma enorme quantidade de normas que regulam as suas condutas profissionais. Ficando em minoria no Conselho Médico, a autonomia da classe será afectada. É, pois, compreensível o seu mal-estar.
Um dos deveres do Conselho Médico é a definição de modelos processuais. Estes modelos não são apenas académicos, estendem-se às competências profissionais. Este corpo de conhecimentos e capacidades não será facilmente entendido por um homem de leis. É por este motivo que o melhor regulador de qualquer classe profissional é um organismo constituído pelos seus próprios membros. Neste sentido, a indigitação de quatro elementos oriundos da área do Direito, não será útil ao Conselho Médico.
Agora analisemos o ponto de vista do público em geral. O vulgar cidadão está alheio às dificuldades e exigências da profissão médica. Mas o senso comum diz-lhe que não é normal um caso como o de Peter Cheung arrastar-se durante nove anos. Talvez este caso tenha sido uma excepção, no entanto o website “www.hk.on.cc” publicou mais números no dia 29 do mês passado. Estes números demonstram que é preciso esperar pelo menos 17 meses para dar início a uma investigação por negligência médica. Se a situação envolve procedimento disciplinar contra o médico, então será preciso esperar mais 41 meses. Por outras palavras, vão ser necessários 58 meses para concluir uma queixa contra um médico. Será este tempo aceitável para o público em geral?
Se a proposta de lei for aprovada, mais de metade dos membros do Conselho Médico passará a ser indigitada pelo Governo. O medo de que o Governo passe a controlar o Conselho é compreensível. Alguns comentadores também sugerem que o objectivo deste controlo é diminuir a exigência nos exames de admissão, de forma a que médicos vindos de outros lugares, especialmente da China continental, pudessem vir a ser admitidos em Hong Kong. Com esta entrada de médicos vindos do exterior, o número destes profissionais aumentaria bastante em pouco tempo e a falta de médicos nos Hospitais de Hong Kong poderia ser resolvida rapidamente.

Mais uma vez todas estas preocupações são compreensíveis, mas parece que até ao momento, não existem provas claras de que seja este o objectivo do Governo.
Colocar mais quatro homens de leis no Conselho Médico poderá fazer aumentar a confiança do público, mas acabará com a “confiança mútua” entre o Governo de Hong Kong e a classe médica. As próximas duas semanas vão ser determinantes para o Governo fazer um balanço entre os interesses da classe médica e a confiança do público.
Como Macau vai criar em breve a sua própria Faculdade de Medicina e um Conselho Médico, este caso pode servir de exemplo para ponderar as diversas questões com antecedência.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

11 Jul 2016

Desastres e habitação precária

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] website “scmp.com” publicou, no passado dia 27, um artigo sobre um incêndio de grandes dimensões que deflagrou num edifício empresarial em Ngau Tau Kok, Hong Kong. O incêndio esteve activo durante 108 horas e só foi extinto dia 26. Dois bombeiros pereceram no local.
O fogo começou no 3º andar do edifício, numa zona alugada em segmentos para depósitos individuais.
Segundo a Wikipédia, o negócio que gere os depósitos individuais, também designados por “unidades de armazenamento” dedica-se ao aluguer de espaços (salas, cacifos, contentores e zonas exteriores), por regra, durante curtos períodos de tempo (contratos mensais). Os utilizadores deste serviço tanto podem ser empresas como pessoas individuais.”
O desastre acabou por atingir proporções tremendas porque, devido à antiguidade do prédio, não existiam aspersores de água de combate a incêndios. Além disso, havia demasiado material acumulado, evidentemente porque o senhorio tentou rentabilizar o espaço ao máximo. O 3º andar estava inteiramente destinado ao negócio de aluguer de espaços para armazenamento. A área foi dividida em mais de 100 “pequenas unidades”. Pesou ainda a dificuldade criada por uma série de acessos complicados a este piso e que também não permitiam uma saída fácil.
Mas se no local só existissem materiais armazenados o problema não teria sido tão grave. O pior é que quando o fogo começou foram vistas neste preciso local algumas crianças ocupadas com os trabalhos escolares e adultos a cozinhar. Foi também vista uma outra mulher em trajes de trazer por casa. Tudo indica que havia pessoas a viver no armazém. Portanto, o depósito estava a ser utilizado como habitação por algumas pessoas. Os contratos de arrendamento deste espaço proibiam os inquilinos de viver no local. Mas depois da hora de expediente, digamos depois das 18.00, o pessoal do armazém sai, ficando o local sem vigilância. Por isso é fácil a partir dessa hora a quem tiver acesso instalar-se no armazém. O que faz com que a condição expressa no contrato, de não habitar o local, não sirva para nada.
Os bens armazenados neste tipo de depósitos representam também outro problema. Ninguém conhece a natureza dos pertences que aí são guardados. Podem ser materiais perigosos. No momento da assinatura do contrato o senhorio não tem forma de saber que tipo de objectos vão ser armazenados. É usual mencionar-se no contrato a não permissão de guardar materiais perigosos, no entanto, na prática, verifica-se que posteriormente não existe qualquer inspecção. Os termos do contrato valem o mesmo que um papel em branco. São inúteis.
A polícia de Hong Kong já deu início à investigação. Compete-lhes apurar as causas do incêndio e determinar se efectivamente havia pessoas a viver no armazém.
Este negócio de aluguer de pequenas unidades de espaço para depósito tem vindo a desenvolver-se nos últimos 10 anos. Como os preços dos alugueres de casas em Hong Kong sobem constantemente, a maior parte das pessoas deixa de ter capacidade de os pagar. Uma família de quatro pessoas que viva num apartamento minúsculo não consegue guardar a maior parte dos seus pertences.
E é evidente que estes apartamentos minúsculos passam a ser a única opção para a maior parte das pessoas sem dinheiro para pagar uma casa em condições. Antigamente existia em Hong Kong o sistema de “apartamentos subdivididos”, ou seja, um apartamento de tamanho normal subdividido em partes mais pequenas que se alugavam individualmente. Mas mesmo assim estas rendas ainda eram altas e, por causa disso, quem não as podia pagar começou a mudar-se para estes espaços de depósito individuais. Não é de admirar que actualmente haja pessoas a viver nesses sítios.
É de salientar que este incêndio não só matou duas pessoas como serviu para pôr a nu um grave problema de habitação. O Governo de Hong Kong já anunciou que vai proceder a inspecções nestes locais para impedir que de futuro ocorram casos semelhantes. Parece ser uma boa medida enquanto se espera pela regulamentação do sector. No entanto, já se divisa um outro problema. Como este negócio de aluguer de unidades de armazenamento não está oficialmente registado, não é possível determinar o número exacto de locais deste género existentes em Hong Kong. E deste modo como é que se pode assegurar uma inspecção completa?
Os conteúdos do enquadramento legal serão também outro problema. Como foi dito, de momento não existe registo oficial deste actividade em Hong Kong. Será melhor que passe a haver? E qual o significado legal dos registos? Serão estes registos renovados anualmente? Será obrigatória a instalação de aspersores de água? De que forma se vai assegurar que os materiais armazenados não são perigosos nem existem explosivos? Estas são algumas das questões com que o Governo de Hong Kong terá de lidar.
Como sabemos, em Macau também existe este negócio. Como as rendas, também são muito altas em Macau, compreende-se que os senhorios tentem rentabilizar os espaços que têm disponíveis até ao seu limite. Aqui, também por vezes é difícil encontrar a saída de cada andar. As questões que foram atrás colocadas também se aplicam em Macau. Existem aspersores de água em cada andar? Existem pessoas a viver nestes depósitos individuais de mercadorias? Que tipo de materiais é que aí estão guardados? São questões em que, quer o Governo, quer os inquilinos, devem reflectir.
Este caso que se deu em Hong Kong é uma grande lição para Macau. A prevenção é sempre o melhor remédio. O que há a fazer é tirar ensinamentos desta situação para impedir que o mesmo suceda em Macau.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

4 Jul 2016

Direito ao sossego

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o passado dia 11, o website “money.cnn.com” publicou um artigo sobre a proposta de um novo direito a implementar em França. Designado por “direito a desligar”, assegura que os funcionários não serão obrigados a responder a emails de serviço, durante os períodos de descanso. Se a proposta for aprovada entrará em vigor em Julho de 2017.
A norma prevê que uma empresa com mais de 50 funcionários não poderá enviar emails ao pessoal fora do horário de serviço. Aos empregados é assegurado o direito a não responder. O intuito desta norma é reforçar a ideia das 35 horas de trabalho semanais que se quer levar à prática.
Os franceses acham que os patrões mantêm os empregados a trabalhar para lá do horário normal através do mail. A pressão continua fora das horas de serviço. Os emails funcionam como um laço que prende os trabalhadores às preocupações laborais e invadem as suas vidas privadas. A casa deixa de se distinguir do escritório.
Um dos pontos interessantes deste direito é não implicar qualquer sanção. Funciona mais como um incentivo e o governo espera que o empregador implemente a regra voluntariamente, não estando prevista qualquer penalização em caso de infracção.
O “direito a desligar” confere obviamente protecção aos empregados. Mas, digamos, existem alguns princípios fundamentais que sustentam este direito. Os franceses acreditam em dois conceitos de tempo, “Chronos” e “Keiros”. Consultemos as respectivas definições na “Wikipedia”,
“Chronos é a personificação do tempo na filosofia pré-socrática, sendo mencionado em obras literárias posteriores.”

Keiros é outro deus grego. Representa a ocorrência de um acontecimento especial num determinado período de tempo. O “tempo K” é o tempo de produção, o tempo criativo. Por isso, quanto mais prolongado for o tempo de trabalho menor será o “tempo K”, e a capacidade de produção e criação diminuirá.
Este direito permite a liberdade depois do horário laboral e garante que as pessoas deixem de ser incomodadas pelos emails dos patrões. Reforça também a ideia das 35 horas de trabalho semanal, que se quer ver respeitada em França. Mas será esta história é assim tão simples?
O “direito a desligar” traz consigo algumas implicações. Em primeiro lugar, se a empresa for francesa e não precisar de estabelecer comunicações para outros fusos horários, não haverá consequências de maior para ninguém. Mas se a empresa for estrangeira e, ou, tiver de lidar com clientes que se encontrem noutros fusos horários, pode causar várias perturbações. A empresa terá nesse caso de indigitar os responsáveis pelas relações internacionais, sobretudo nos casos que impliquem diferença de horários.
O trabalho por turnos, com horários nocturnos, poderá ser uma solução para o problema. Mas implicará certamente um aumento das despesas empresariais, na medida em que estes horários rotativos implicam um pagamento extra.
Em segundo lugar, nos tempos que correm, os emails fazem parte das comunicações electrónicas. O Whatsapp, o Wechat, o Facebook e etc. são todos ferramentas de comunicação electrónica. E se a lei que regulamenta a recepção dos emails não se estender a outras plataformas de comunicação? Por exemplo, se um empregador enviar uma mensagem a um funcionário via Whatsapp, após o horário laboral, para o avisar que na manhã seguinte tem de efectuar determinada tarefa. O empregado só vai ter de se ocupar desse serviço posteriormente, dentro do seu horário de trabalho e não tem de responder à mensagem logo a seguir. Mas se o “direito a desligar” não cobrir outras plataformas, como por exemplo o Whatsapp, então o empregado poderá arranjar problemas, se não responder de imediato ao patrão. Neste sentido, a protecção oferecida por este direito pode não ser suficiente.
Em terceiro lugar, por vezes os emails são identificados como lixo, e nesse caso, não aparecem no “Correio Recebido”. Noutros casos, por qualquer motivo, podem extraviar-se. Em ambas as situações os emails foram enviados, mas não foram recebidos. O “direito a desligar” garante ao empregado a possibilidade de não responder fora do horário de trabalho, mas se o email se perder, nunca mais poderá responder. Nesse caso quem será responsabilizado pela perda do email? É obviamente uma questão que não é abrangida por este direito, mas na nossa vida de todos os dias a perda de emails é um problema que não conseguimos evitar.

A pressão laboral em Hong Kong é enorme. É comum receber-se emails e mensagens dos patrões fora das horas de serviço. Podem ser 11.00 h da noite, sendo que a pessoa tem de estar no escritório às 9.00h da manhã, mas mesmo assim, tem de responder às mensagens do patrão, se não quiser arranjar lenha para se queimar. A injustiça nas relações laborais pode ser facilmente demonstrada.
Em Macau a pressão talvez não seja tanta como em Hong Kong. Mas ainda assim não impede os patrões de enviarem mensagens às 11.00h da noite. O empregado talvez possa não responder, mas uma coisa é certa; no dia seguinte vai ter de apresentar explicações.
O “direito a desligar” é uma boa ideia. Mas, na prática, levanta algumas questões. Para o concretizar será necessário encontrar respostas antecipadamente. A implementação desta norma pode assegurar que os trabalhadores de Hong Kong e Macau deixem de sofrer a interferência dos patrões fora das horas de serviço e garantir-lhes o direito ao sossego

 
Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

27 Jun 2016

Chovem benesses

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 5 o website “Yahoo, Hong Kong” anunciou que na Suíça tinha sido apresentada uma proposta para distribuição de 2.500 USD mensais aos cidadãos. Este valor seria atribuído a todos os maiores de 18 anos. Aos menores caberia a quantia mensal de 625 dólares. Mesmo as pessoas com emprego teriam direito ao subsídio.
A proposta data de 2013. A legislação suíça prevê que no caso de uma proposta de lei ter sido assinada por um mínimo de100.000 pessoas, deverá ser submetida a sufrágio nacional.
Os apoiantes da proposta defendiam que este valor poderia garantir a manutenção dos direitos básicos e da dignidade dos cidadãos. A partir do momento em que recebessem este valor, as pessoas poderiam deixar de trabalhar e passar a dedicar-se a qualquer actividade que desejassem; como por exemplo, o estudo, o empresariado ou, simplesmente, usufruir da companhia dos familiares. Os defensores da ideia acreditavam ainda que a proposta poderia reduzir a carga de responsabilidades do Governo no que concerne à gestão do fundo de aposentações, seguros laborais e Segurança Social.
O ano passado, os adeptos da moção organizaram um sorteio para promover a ideia e Carole foi a vencedora. O prémio consistia na atribuição mensal de 2.500 dólares, ao longo de 12 meses. Logo após receber esta benesse Carole voltou a estudar.
Actualmente, o subsídio de sobrevivência na Suíça é de 2.219 dólares mensais e abrange cerca de um oitavo da população.
Mas os opositores da ideia argumentaram que a distribuição desta soma aumentaria muito a carga financeira do Governo, avaliada para 2016 em 660 biliões de dólares. Se a proposta tivesse sido aprovada a despesa teria aumentado para 2.080 biliões.
Sabem qual foi o veredicto final? “Rejeitada”. Mais de 70% dos cidadãos opôs-se à proposta de distribuição de dinheiro.
Mas a história não se fica por aqui. Na Finlândia será apresentada uma proposta semelhante em 2017, mas a quantia a distribuir será inferior e a atribuição condicional. Por outras palavras, a distribuição ficará dependente de certas condições.
Não é surpreendente que este projecto de lei tenha sido rejeitado. O resultado indica claramente que a maior parte dos cidadãos é consciente. É fácil perceber que se toda a gente tiver dinheiro sem precisar de trabalhar, o Governo não vai conseguir angariar impostos.
Imaginemos que depois de descontar os impostos o contribuinte fica apenas com 25% dos seus ganhos, os outros 75% vão para o Estado. Se você estivesse na pele deste contribuinte teria motivação para continuar a trabalhar? Perante esta situação toda a economia do País colapsaria.
É sabido que em Macau todos os residentes recebem anualmente uma certa quantia. Nos últimos anos o valor tem rondado as 9.000 patacas per capita. No entanto este valor não se compara aos 2.500 dólares mensais da proposta suíça. Em primeiro lugar, o valor distribuído em Macau é encarado como um bónus, ou subsídio. Não é um pagamento mensal e não permite que as pessoas deixem de trabalhar. A distribuição desta verba aos residentes não aumenta a despesa do Governo de Macau.
Em segundo lugar, ninguém está à espera das 9.000 patacas anuais para sobreviver, é um valor que os residentes podem poupar ou gastar, como melhor entenderem. Esta distribuição é um acto benéfico para os habitantes de Macau.
Contudo, é necessário voltarmos um pouco atrás. Este tipo de pagamento proporciona felicidade aos residentes individualmente, mas não beneficia de forma significativa a sociedade em geral. Por exemplo, se colocássemos o total destas verbas na Segurança Social, garantiríamos melhor qualidade de vida aos cidadãos com mais de 65 anos. Nessa altura as 9.000 patacas darão provavelmente mais jeito.
Independentemente da forma como é feita, a distribuição de dinheiro é sempre boa para os residentes. Mas se se transformar num pagamento regular a longo prazo, passa a ser negativa. E se este pagamento acarretar um grande aumento da despesa do Governo, então será muito mau para a sociedade em geral.
A ideia de distribuição de dinheiro na Suíça é boa, mas dá origem a muitos problemas. É o tipo de distribuição que não pode ser facilmente implementado.

20 Jun 2016

Turno da noite

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 27 de Maio o website de Hong Kong “orientaldaily.on.cc” fez saber que a Autoridade Hospitalar de Hong Kong passou a permitir que as enfermeiras grávidas, a partir das 32 semanas, sejam dispensadas dos turnos da noite. A medida entra em vigor a partir deste mês. Acrescente-se ainda que, enfermeiras grávidas de 28 semanas também poderão ficar isentas do serviço nocturno. No entanto esta medida não será adoptada em todos os hospitais, ficando dependente das necessidades das profissionais e dos recursos de cada estabelecimento.
Estas políticas foram implementadas na sequência do desmaio de uma enfermeira grávida de oito meses. a cumprir horário nocturno no Queen Mary Hospital, em Pok Fu Lam, Hong Kong. O presidente da Autoridade Hospitalar de Hong Kong, John Leung Chi-yan, declarou que os obstetras consultados tinham sido unânimes em afirmar que, uma gravidez a partir das 32 semanas comporta mais riscos para as mães.
A implementação destas políticas deverá beneficiar de imediato 950 enfermeiras. No entanto existe um deficit geral de 700 enfermeiros. Nos hospitais públicos o deficit ascende aos 250.
Do ponto de vista das enfermeiras esta medida só peca por tardia. A partir deste momento todas as enfermeiras grávidas de 32, ou mais, semanas serão dispensadas dos turnos da noite. Mas já existiria antes alguma lei de protecção às grávidas no que respeita ao trabalho nocturno?
Em Hong Kong, o artigo 15AA(1) da Lei do Trabalho, específica:
“Uma funcionária grávida pode, mediante apresentação de certificado médico, pedir dispensa de trabalhar com materiais pesados, de trabalhar em instalações que produzam gás, potencialmente prejudicial à saúde do bebé, ou ainda, de realizar qualquer trabalho prejudicial ao normal desenvolvimento da gravidez.”
Através da leitura deste artigo, podemos observar que as trabalhadoras grávidas podem ser dispensadas de serviços que prejudiquem a sua saúde e a do bebé. Acresce ainda que a grávida pode recusar certos serviços, desde que considere que podem lesar a gravidez.
No entanto, neste artigo da Lei do Trabalho de Hong Kong, podemos ler que se exige um certificado médico para sustentar os pedidos de dispensa. Se o patrão não concordar com o pedido de dispensa em relação a certos serviços, feito pelo médico da grávida, tem direito a requisitar uma segunda opinião.
Obviamente, que o alcance da secção 15AA(1) é a regulamentação da atribuição de tarefas, não a regulamentação de horários. Os turnos nocturnos são uma questão relacionada com os horários e, como tal, fora da alçada da secção 15AA(1). Não parece provável que as trabalhadoras grávidas possam evocar este artigo para pedir dispensa dos turnos nocturnos.
Em Macau, o artigo 56(1) da Lei do Trabalho (7/2008) específica:
“Durante a gravidez e nos três meses após o parto, a trabalhadora não pode ser incumbida de desempenhar tarefas desaconselháveis ao seu estado.”
Este artigo é suficientemente claro e não deixa margem para dúvidas quanto à obrigação de dispensa de serviços prejudiciais a grávida, estendendo-se essa protecção aos três meses pós-parto. Este postulado não exige qualquer certificação médica. No entanto, em caso de conflito, é sempre preferível que a trabalhadora apresente prova médica para sustentar as suas alegações.
Comparando os dois artigos de lei, o de Hong Kong e o de Macau, verificamos que são bastante semelhantes. Mas a Lei do Trabalho de Hong Kong especifica as tarefas que não devem ser atribuídas às grávidas: lidar com materiais pesados e trabalhar em instalações que produzam gás, potencialmente prejudicial à saúde do bebé. No entanto, a legislação de Hong Kong prevê a necessidade de um certificado médico para sustentar a dispensa de serviços, ao passo que a legislação de Macau não a estipula.
Como vemos, ambas as legislações regulam apenas a atribuição de tarefas a grávidas, a questão dos turnos nocturnos é matéria que se prende com a regulamentação de horários e não de funções. Assim, podemos concluir, que não existe legislação específica em Hong Kong sobre a isenção de horários nocturnos durante a gravidez. A Lei do Trabalho de Macau é semelhante (7/2008).
A actual medida da Autoridade Hospitalar de Hong Kong, tomada na sequência do desmaio da enfermeira, é sem dúvida favorável a todas as enfermeiras grávidas. É mais uma medida de protecção à gravidez. Deverão outros departamentos governamentais seguir o exemplo? Como esta medida não é uma lei, o seu efeito não abrange todas as áreas. É preferível que cada departamento oficial tome as suas próprias decisões. O balanço deve ser feito entre a necessidade de protecção às grávidas e as capacidades do sector.
A situação em Macau é mais complicada. Os casinos têm necessariamente turnos nocturnos, estão abertos 24 horas por dia. As mulheres também têm de trabalhar à noite. Será que os Casinos podem dispensar as trabalhadoras grávidas dos turnos nocturnos? Como não existe legislação sobre esta matéria, é conveniente deixar cada empresa decidir o que melhor achar. No entanto, o desmaio da enfermeira grávida demonstra claramente o desajuste da actual legislação do trabalho.

13 Jun 2016

Acordo de extradição

[dropstyle=’circle’]D[/dropstyle]urante este fim de semana, o website de Hong Kong “https://the-sun.on.cc” publicou uma notícia relacionada com o caso que envolveu Steven Lo Kit Sing, (Lo) e Joseph Lau Luen Hung, (Lau). O recurso apresentado por ambos foi finalmente recusado pelo Tribunal de Macau, de acordo com o website “macaonews.com.mo”, num artigo publicado a 22 de Janeiro.
“Os dois arguidos foram condenados à revelia, por um tribunal local, a cinco anos e três meses cada, por terem, alegadamente, pago 20 milhões de HK dólares ao então Secretário dos Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long, actualmente a cumprir uma pena de 29 anos de prisão por corrupção, abuso de poder, lavagem de dinheiro e outros crimes.”
A recusa do apelo significa que o caso está encerrado. Se não for apresentado mais nenhum recurso, ambas as condenações serão definitivas. Deverão cumprir pena de prisão em Macau.
A questão do cumprimento da pena também foi abordada no artigo. Como não existe entre Hong Kong e Macau um acordo de extradição (Pacto), a decisão do Tribunal de Macau poderá não ser validada em Hong Kong. Se os arguidos permanecerem em Hong Kong, a sentença decretada em Macau pode nunca vir a ser cumprida.
No entanto o Macaonews (https://www.macaunews.com.mo/images/stories/macaunews/20150122p.jpg) adiantava que “A Secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan Hoi Fan, declarou quarta-feira, que o governo local vai tentar, por todos os meios firmar um acordo legal de assistência mútua com Hong Kong, ainda este ano.”
Alguns dias antes, em entrevista à estação televisiva de Hong Kong TVB, o Secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, informou que o acordo está a avançar e que será aplicado a todos os casos, independentemente da data das ocorrências.
Por estas afirmações poderemos deduzir que o acordo terá efeitos retroactivos.
E o que são efeitos retroactivos? Voltemos ao artigo do Macaunews, onde se pode ler,
“Retroactividade significa que o acordo abrangerá casos anteriores à sua entrada em vigor, desta forma, quem fugir para uma das cidades para escapar a uma sentença aplicada na outra, poderá ser extraditado e levado perante a Justiça.”
Devemos, pois, concluir que, ao abrigo do acordo, tanto Lau como Lo podem ser reenviados para Macau para cumprir a pena a que foram condenados.
No entanto, neste caso, há alguns pontos a salientar.
Em primeiro lugar, o Pacto é um acordo de extradição, que pretende reenviar o arguido para o local onde o crime foi cometido. No caso de que temos vindo a falar, isso implicará a extradição de Lau e de Lo para Macau. Tradicionalmente, estes Pactos são de natureza internacional e celebram-se entre dois países. Nem Hong Kong, nem Macau são países, são apenas regiões administrativas especiais da China. Só podemos afirmar que o Pacto que regula a extradição entre Hong Kong e Macau, é um “acordo legal de assistência mútua” e não deve ser encarado como um acordo internacional.
Se existir um Pacto, os fugitivos podem ser extraditados. E se não houver, podemos na mesma fazê-lo? A resposta é afirmativa. Em termos internacionais, os Estados costumam celebrar pactos para assegurar a extradição. E isto porque cada um tem as suas regras. Por exemplo, alguns Estados têm sentença de morte. Não é desejável reenviar uma pessoa em fuga para um país onde vá ser executada. Outro exemplo é o caso dos refugiados. Alguns países revelam grande preocupação com os refugiados. A partir do momento em que o estatuto de refugiado é atribuído, é complicado proceder à repatriação. O acordo formal entre dois países pode evitar questões delicadas. O acordo é o resultado final das negociações entre dois Estados, mas, em alguns casos excepcionais, mesmo que não exista pacto, a extradição continua a ser possível.
Em segundo lugar, o Pacto impedirá a fuga de uma cidade para a outra, para escapar a um castigo. Futuramente as duas cidades deixarão de ser esconderijo uma da outra.
Em terceiro lugar, este Pacto com Hong Kong talvez pode ser o primeiro de outros que venham a ser celebrados com outras regiões. Macau é actualmente uma cidade cosmopolita. Se uma pessoa de fora cometer um crime na nossa cidade, e fugir para a sua terra, teremos mais um caso igual ao de Lau e de Lo. Se tentarmos estabelecer, o mais rápido possível, acordos com outras regiões, poderemos evitar estes casos de fuga bem sucedidos. Esta vai ser, seguramente, uma das tarefas que mais desafios irá apresentar ao governo de Macau.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

1 Fev 2016

Avaliação de inglês na China

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]a última sexta-feira, dia 16, o jornal de Hong Kong “South China Morning Post” publicou uma notícia sobre o sistema internacional de avaliação da língua inglesa, conhecido por IELTS exam, abreviatura de International English Language Testing System Examination. Este exame é reconhecido a nível internacional. Actualmente, quem desejar estudar no estrangeiro (especialmente na Europa ou nos Estados Unidos) terá que, na maioria dos casos, ser sujeito a um destes testes para avaliar o domínio da língua inglesa.
O artigo avançava que 350 estudantes chineses, que nos últimos três meses tinham sido submetidos ao IELTS exam, viram as suas provas “definitivamente retidas” porque os avaliadores responsáveis concluíram que as regras do exame tinham sido violadas.
Os responsáveis não indicaram claramente que regras tinham sido quebradas. Informaram apenas que encaravam de forma muito séria a responsabilidade de avaliar as provas e divulgar a sua classificação. Os resultados dos exames só são retidos caso haja fortes indícios de desrespeito do regulamento do IELTS exam por parte dos candidatos.
Por obrigação de confidencialidade, os avaliadores responsáveis recusaram-se a fazer mais esclarecimentos. No entanto, era referido no artigo que no continente se adquirem facilmente manuais que contêm as perguntas e as respostas dos testes, o que permite que os estudantes menos honestos façam batota.
Os avaliadores responsáveis afirmaram:
“Nestes casos não podemos garantir que os resultados reflictam fielmente os conhecimentos dos candidatos.”
Nos últimos meses muitos estudantes em Xangai, Nanjing, Changsha e em Chengdu queixaram-se que a divulgação dos resultados dos seus exames de inglês estava a ser deliberadamente atrasada por verificações de rotina. Estes atrasos prejudicaram os estudantes que procuravam obter vistos a fim de se deslocarem para os destinos onde pretendiam prosseguir com os seus estudos.
Um agente chinês, cujo nome não foi divulgado na notícia, afirmou que um grande número de candidatos que se submeteram ao IELTS exam no passado dia 25 de Julho, foram seleccionados para estas verificações mais detalhadas. Os critérios para esta escolha terão sido um aumento significativo de resultados num curto espaço de tempo, ou ainda, um grande desequilíbrio de desempenho nas quatro secções que compõem o teste.
Com base nesta notícia podemos afirmar que os resultados do IELTS exam são, até certo ponto, fiáveis. Pelo menos existe um sistema que permite monitorizar o desempenho dos estudantes nos testes. No caso dos resultados sofrerem alterações súbitas, a autoridade competente pode proceder a uma verificação. Além disso, se existirem fortes indícios de violação das regras, os resultados dos exames serão permanentemente retidos. O sistema de monitorização pode ajudar a estabelecer a confiança da população neste processo.
O artigo referia, como foi dito, a existência de manuais que contêm as perguntas e as respostas certas dos testes do IELTS exam na China continental. Estes manuais podem permitir uma boa preparação para os exames. Mas de onde vêm estes manuais? Quem é o autor? Quanto é que custa cada exemplar? Estas perguntas são relevantes, no entanto o artigo não as esclarecia.
É certamente muito pouco provável que um autor escreva um manual que apenas contenha as perguntas e as respostas exactas dos testes do IELTS exam. O que acontece verdadeiramente é uma venda de cópias das perguntas e respostas dos testes. A maioria dos compradores são os candidatos a estes exames.
Na China existe uma disposição legal que se poderia aplicar nestes casos, a “Norma para Lidar com a Perversão nos Exames”. No entanto, se verificarmos esta Norma, não existe qualquer ponto sobre a compra e venda de soluções de testes, por isso não pode ser evocada para castigar quem tiver este tipo de comportamento.
E o vendedor, quem será? O vendedor poderá ser a pessoa que compilou o manual, ou qualquer outra. Não sabemos. E como é que esta pessoa tem acesso aos testes? Mais uma vez o artigo não esclarece. O pessoal administrativo, por cujas mãos passam os testes, pode ser uma das hipóteses, pois tem acesso privilegiado às perguntas e às respostas exactas do IELTS exam. Estará correcta esta dedução? Ninguém pode saber.
De qualquer forma voltemos à Norma. A secção 13(4) proíbe as pessoas que manuseiam provas de exame de passá-las a terceiros. A secção 14 (3) proíbe as pessoas que supervisionam os exames de criarem um ambiente propício a situações desonestas. Nenhuma destas secções fala directamente sobre a venda de perguntas e respostas de exames. Por outras palavras, mesmo que soubéssemos que o funcionário João vende as provas de exame à candidata Maria, não podemos castigar o João porque a Norma não proíbe directamente a venda de perguntas e respostas de exames.
Além destas duas secções, a secção 2 aponta para um problema mais preocupante. Esta secção estabelece que a Norma só se aplica a:
– Exames de Ensino Geral e Superior,
– Exames de Admissão a Mestrado,
– Exames Ad Hoc ao Ensino Superior
O IELTS exam não cabe em nenhuma destas categorias, pelo que a Norma não pode regulamentar estas provas. Assim, quer o vendedor, quer o comprador, das respostas dos testes podem ignorá-la à vontade.
Para ultrapassar o problema da “compra e venda” das respostas de exames, a Norma deveria sofrer uma Emenda. É, contudo, importante alertar os candidatos para a incorrecção deste comportamento. A Maria poderá comprar as respostas ao João e, portanto, ter um bom resultado no exame. Mas a Maria nunca terá um domínio do Inglês que lhe permita estudar e viver no estrangeiro. Como é que a Maria poderá obter um visto para estudar num País estrangeiro junto da respectiva Embaixada? O resultado do exame é só um certificado que pode ser facilmente alterado, mas a língua que se sabe é aquela que efectivamente se fala. Assim que a Maria falar, toda a gente fica a saber o nível do seu inglês.

19 Out 2015