Catalunya

[dropcap]T[/dropcap]odas as gramáticas resultam da pressão da realidade e são, por isso mesmo, efémeras. Não é a lei que dita a realidade, é esta que a vai moldando. Sejam dispositivos contingentes ou constituições pensadas para um arco temporal mais vasto, a lei é sempre matéria sujeita a erosão e não o contrário. É o mar que constrói as arribas e não as arribas que moldam as ondas. Como diria o poeta Jaime Rocha, ao relembrar a sua infância na Nazaré, “é o mar e só o mar que nunca pára”.

Eu tinha 13 anos na promissora primavera de 1968, quando Joan Manuel Serrat declarou que apenas iria ao festival da eurovisão se cantasse em Catalão. Para Franco e para a sua ditadura, foi um ultraje, uma verdadeira afronta, pois a língua catalã estava proibida. Repito: estava proibida. Massiel, um moçoila de bochechas largas e mini-saia rendada, substituiu Serrat e venceu o festival, com o seu “La, la, la” cantado em Castelhano (obteve mais um ponto do que ‘Congratulations’ de Cliff Richard).

Já se vê que proibir uma língua não é o mesmo que testemunhar a sua morte lenta. Uma lei que interdita e uma gramática que deixa de fazer sentido são coisas radicalmente diversas. Recuemos, pois, 12 séculos. No ano de 842, dois exércitos encontraram-se perto de Estrasburgo, no coração da Europa. Os contendores eram netos de Carlos Magno e filhos de Luís, o Piedoso. De um lado, os irmãos Carlos, o Calvo, e Luís, o Germânico; do outro lado, um terceiro irmão chamado Lotário.

O objectivo dos primeiros passava pela partilha do império carolíngeo, afastando da contenda as ervas daninhas.

Antes da batalha, Carlos e Luís leram em voz alta um juramento. Embora não fosse nada habitual na época, as palavras acabaram por ficar registadas por escrito. Pode assim hoje constatar-se que a língua a que ainda chamavam “Latim” estava já muito longe de o ser na prática. Não vou aqui transcrever o texto, mas, seguindo o raciocínio do linguista Tore Janson*, bastará referir que as flexões verbais e as terminações se encontravam muitíssimo simplificadas. Ainda que existissem vocábulos reconhecíveis em Latim, a língua já era claramente outra, razão por que, dois séculos e meio depois, viria a ser baptizada com o nome de Roman e, por vezes, de François.

O facto decisivo, segundo Janson, prende-se com a tomada de consciência. Ou seja (citando): “O Latim deixou de existir como língua falada, quando as pessoas deixaram de considerar o que falavam como Latim”. Em 1530, o “Lesclarcissement”, a primeira gramática francesa, pôde já respirar à vontade e vincar as suas regras sobre a língua que então se falava na região parisiense, embora só um século e meio depois o Francês se viesse a uniformizar na sua forma actual. O que parece estático, reergue-se sempre numa direcção por vezes inesperada.

No século XVI, Montaigne recorreu à língua de uso comum, mas não deixou de elogiar a pujança e o fulgor dos dialectos locais, recorrendo, de modo fortuito, ao latim apenas para citar os clássicos. Petrarca e Dante escreveram em Florentino, embora se reconheça ao segundo uma maior imersão no “prezioso volgare” que respirou e viveu por dentro. Camões saltitou entre o Português e o Castelhano e, tal como referiu Fernando Venâncio, nunca pareceu realmente “acreditar num Português castiço, autónomo e irredutível”; apesar de se comprometer com a “modernização do Português culto”, fê-lo “com recurso a criações castelhanas e ao Latim do castelhano”. O que parece estático, está, de facto, sempre a reerguer-se numa direcção inesperada.

É óbvio que a realidade é muito mais complexa do que mil ditames e versículos. Explode facilmente enquanto os deuses, as constituições e as gramáticas fazem as suas contas. Não é por acaso que Nietzsche deixou escrito no Crepúsculo dos deuses: “Receio que não nos livraremos de deus, pois ainda cremos na gramática…”.

Olhamos hoje para as ruas de Barcelona e percebemos que tudo pode ser uma ilusão. Uns dirão que é a parte mais rica de Espanha a querer ‘abandonar o barco’; outros dirão que se trata da sublimação do 1640 que foi de revés nas terras do levante. Outros ainda, nos resguardos de Madrid, gritarão que a constituição é o estado de direito e que o estado de direito é a constituição e que daqui não se sai, mesmo se o mar nos disser (em voz ainda mais alta) que nunca pára, que nunca parará. Mas a verdade é que tudo aquilo que parece estático, se reergue inevitavelmente noutras direcções. A uma tomada de consciência que já resistiu a tantos ditadores ‘generalíssimos’ ao longo de séculos, só se pode ser alheio por pura hipocrisia.


Janson, Tore. História das línguas. Através Editora, Lisboa (2012) 2018, pp. 151-153.
– Salema, Isabel. O português como língua de Camões é um mito [Em linha]. 20 Abr. 2016. Disponível aqui. [Consult. 18 Out. 2019].

24 Out 2019

Catalunha | Políticos independentistas condenados a penas exemplares

O Tribunal Supremo espanhol condenou ontem em Madrid os principais dirigentes políticos envolvidos na tentativa de independência da Catalunha a penas que vão até um máximo de 13 anos de prisão, no caso do ex-vice-presidente do governo catalão. No total, o grupo de dirigentes foram condenados a mais de um século de prisão

 

[dropcap]O[/dropcap] veredicto foi conhecido ontem e as penas são exemplares. O Tribunal Supremo espanhol condenou os principais políticos que lideraram a campanha independentista da Catalunha a penas de prisão que se situaram entre 9 e 13 anos de prisão. Os independentistas são na sua maioria condenados por crime de sedição e desvio de fundos públicos, uma decisão esperada que afasta o crime de rebelião defendido pelo Ministério Público, que tinha penas de prisão maiores.

A decisão era esperada com grande expectativa, principalmente na Catalunha para onde o Governo espanhol enviou nos últimos dias centenas de agentes para garantir a segurança da região, temendo-se as consequências para a ordem pública da esperada condenação dos líderes políticos independentistas.

O Tribunal Supremo condenou o ex-vice-presidente do Executivo catalão Oriol Junqueras, que aguarda a sentença em prisão, a 13 anos de prisão e o mesmo número de anos de “inabilitação absoluta”.

Três outros membros do Governo regional no poder aquando da tentativa de autodeterminação, Raul Romeva, Jordi Turull e Dolors Bassa, foram condenados a 12 anos de prisão e de inabilitação.

As quatro maiores penas são dadas por delito de sedição de grau médio e o delito de desvio de fundos públicos agravado em razão da quantia elevada dos mesmos.

Por outro lado, o tribunal condenou a ex-presidente do parlamento regional Carme Forcadell pelo delito de sedição à pena de 11,5 anos de prisão e de inabilitação, os conselheiros regionais Joaquim Forn e Josep Rull a 10,5 anos de prisão e de inabilitação, e os líderes de associações independentistas Jordi Sánchez e Jordi Cuixart a nove anos de prisão e de inabilitação.

Os três últimos, os únicos que aguardavam a leitura da sentença em liberdade, Santiago Vila, Meritxell Borràs e Carles Mundó, são condenados, cada um deles, como autores de um delito de desobediência a penas de 10 meses de multa, com o pagamento diário de 200 euros, e um ano e oito meses de “inabilitação especial”.

A sentença absolve os acusados Joaquim Forn, Josep Rull, Santiago Vila, Meritxell Borràs e Carles Mundó do delito de peculato.

A monte

Os magistrados acataram assim o que foi pedido pelo Advogado do Estado, sustentando que o ocorrido na Catalunha em 2017 não teve a violência suficiente para ser considerado rebelião, o que era defendido pelo Ministério Público. Enquanto esta instituição defendeu na audiência pública que decorreu no primeiro semestre do ano que o processo independentista devia ser equiparado a um “golpe de Estado” que procurou alterar a Constituição espanhola com “violência suficiente”, o advogado do Estado admitiu ter havido alguma violência, mas contrapôs que esse não foi o “elemento estrutural” do ocorrido.

Os actuais dirigentes regionais, também independentistas, fizeram apelos à “desobediência” caso o Tribunal Supremo condenasse os líderes do processo de independência falhado, embora não tenham especificado quais as acções ponderadas.

Ao todo são 12 os independentistas que aguardavam a leitura da sentença pelo seu envolvimento nos acontecimentos que levaram ao referendo ilegal sobre a autodeterminação da Catalunha realizado em 1 de Outubro de 2017 e à declaração de independência feita no final do mesmo mês.

Nove deles estão presos, mas o ex-presidente do executivo regional Carles Puigdemont faz parte de um grupo de separatistas que continuam no estrangeiro e que não foram julgados, porque o país não julga pessoas à revelia.

Aberratio Juris

Os líderes independentistas catalães classificaram como aberração e vingança as condenações anunciadas, prometendo reagir e continuar a lutar.

Numa carta aberta, Oriol Junqueras reafirmou ontem as suas “convicções democráticas e republicanas” e acusou o Estado de “actuar por vingança”.

Numa carta dirigida aos militantes do seu partido, a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), Oriol Junqueras afirmou que “hoje a independência é mais do que nunca uma necessidade para poder viver numa sociedade mais livre, mais justa e democrática”. “Hoje, quiseram acabar connosco, com toda uma geração de catalães que lutam pela liberdade”, declarou Junqueras, que deixa ainda uma promessa: “Nós voltaremos e voltaremos ainda mais fortes. Não tenham qualquer dúvida, nós voltaremos e ganharemos”.

O ex-presidente do Governo catalão Carles Puigdemont denunciou a “aberração” que foi a condenação dos independentistas catalães, dizendo que é “hora de reagir”. “Cem anos de prisão no total, uma aberração. Agora, mais do que nunca, ao vosso lado e das vossas famílias, é hora de reagir como nunca antes, pelo futuro dos nossos filhos e filhas. Pela Europa: pela Catalunha”, publicou na rede social Twitter o independentista, que vive na Bélgica após a tentativa fracassada de independência da Catalunha em 2017.

A ex-presidente do Parlamento catalão Carme Forcadell, depois de ouvir as sentenças que a condenam a 11 anos e meio de prisão, declarou que “a injustiça foi consumada” e lamentou que a democracia viva “um dia sombrio”. “A injustiça foi consumada. O debate parlamentar livre não é um crime, é um direito de exercê-lo e um dever de defendê-lo. Não nos cansaremos de dizê-lo o quanto necessário”, escreveu Forcadell na rede social Twitter.

A ex-presidente do Parlamento catalão alertou que “hoje a democracia vive um dia sombrio”, mas em momentos como esse pediu para não se deixarem abater pelo “derrotismo”. “Vamos avançar!”, disse ainda Carme Forcadell.

Por seu lado, o ex-conselheiro da Acção Externa Raül Romeva, condenado a 12 anos, denunciou que querem sentenciar “todo um movimento”, mas alertou que “estão errados”. Romeva ressaltou a esse respeito que “nenhuma sentença mudará as aspirações políticas de milhões de cidadãos”, enquanto pede para permanecerem “de pé, combativos e dignos”.

Acção e reacção

A resposta não se fez esperar. Centenas de independentistas catalães cortaram algumas avenidas de Barcelona e concentram-se em diversas zonas da cidade em protesto contra as condenações de ex-membros da administração autónoma por crimes de sedição e má gestão de fundos públicos.

Após serem conhecidas as sentenças, os grupos independentistas cortaram as artérias Ronda del Dat, Diagonal e Via Laietena, em Barcelona, e concentram-se neste momento frente à sede do organismo Òmnium Cultural e à sede do gabinete do conselheiro para as questões territoriais do Governo regional. Também a circulação ferroviária foi cortada cerca das 10h30 (16:30 em Macau) nas linhas R11 e RG1 por cerca de uma centena de pessoas que acedeu às linhas na estação de Celrà, em Girona.

O aumento da tensão na Catalunha poderá ter um efeito desestabilizador em Espanha, numa altura em que o país está politicamente bloqueado, depois de as eleições legislativas realizadas em 28 de Abril último e do fracasso em formar um novo Governo. O país está em plena pré-campanha eleitoral para as novas eleições legislativas antecipadas que se vão realizar a 10 de Novembro próximo.

Em Espanha a Advocacia do Estado está separada do Ministério Público, ao contrário do que acontece em países como Portugal.

15 Out 2019

Catalunha | Políticos independentistas condenados a penas exemplares

O Tribunal Supremo espanhol condenou ontem em Madrid os principais dirigentes políticos envolvidos na tentativa de independência da Catalunha a penas que vão até um máximo de 13 anos de prisão, no caso do ex-vice-presidente do governo catalão. No total, o grupo de dirigentes foram condenados a mais de um século de prisão

 
[dropcap]O[/dropcap] veredicto foi conhecido ontem e as penas são exemplares. O Tribunal Supremo espanhol condenou os principais políticos que lideraram a campanha independentista da Catalunha a penas de prisão que se situaram entre 9 e 13 anos de prisão. Os independentistas são na sua maioria condenados por crime de sedição e desvio de fundos públicos, uma decisão esperada que afasta o crime de rebelião defendido pelo Ministério Público, que tinha penas de prisão maiores.
A decisão era esperada com grande expectativa, principalmente na Catalunha para onde o Governo espanhol enviou nos últimos dias centenas de agentes para garantir a segurança da região, temendo-se as consequências para a ordem pública da esperada condenação dos líderes políticos independentistas.
O Tribunal Supremo condenou o ex-vice-presidente do Executivo catalão Oriol Junqueras, que aguarda a sentença em prisão, a 13 anos de prisão e o mesmo número de anos de “inabilitação absoluta”.
Três outros membros do Governo regional no poder aquando da tentativa de autodeterminação, Raul Romeva, Jordi Turull e Dolors Bassa, foram condenados a 12 anos de prisão e de inabilitação.
As quatro maiores penas são dadas por delito de sedição de grau médio e o delito de desvio de fundos públicos agravado em razão da quantia elevada dos mesmos.
Por outro lado, o tribunal condenou a ex-presidente do parlamento regional Carme Forcadell pelo delito de sedição à pena de 11,5 anos de prisão e de inabilitação, os conselheiros regionais Joaquim Forn e Josep Rull a 10,5 anos de prisão e de inabilitação, e os líderes de associações independentistas Jordi Sánchez e Jordi Cuixart a nove anos de prisão e de inabilitação.
Os três últimos, os únicos que aguardavam a leitura da sentença em liberdade, Santiago Vila, Meritxell Borràs e Carles Mundó, são condenados, cada um deles, como autores de um delito de desobediência a penas de 10 meses de multa, com o pagamento diário de 200 euros, e um ano e oito meses de “inabilitação especial”.
A sentença absolve os acusados Joaquim Forn, Josep Rull, Santiago Vila, Meritxell Borràs e Carles Mundó do delito de peculato.

A monte

Os magistrados acataram assim o que foi pedido pelo Advogado do Estado, sustentando que o ocorrido na Catalunha em 2017 não teve a violência suficiente para ser considerado rebelião, o que era defendido pelo Ministério Público. Enquanto esta instituição defendeu na audiência pública que decorreu no primeiro semestre do ano que o processo independentista devia ser equiparado a um “golpe de Estado” que procurou alterar a Constituição espanhola com “violência suficiente”, o advogado do Estado admitiu ter havido alguma violência, mas contrapôs que esse não foi o “elemento estrutural” do ocorrido.
Os actuais dirigentes regionais, também independentistas, fizeram apelos à “desobediência” caso o Tribunal Supremo condenasse os líderes do processo de independência falhado, embora não tenham especificado quais as acções ponderadas.
Ao todo são 12 os independentistas que aguardavam a leitura da sentença pelo seu envolvimento nos acontecimentos que levaram ao referendo ilegal sobre a autodeterminação da Catalunha realizado em 1 de Outubro de 2017 e à declaração de independência feita no final do mesmo mês.
Nove deles estão presos, mas o ex-presidente do executivo regional Carles Puigdemont faz parte de um grupo de separatistas que continuam no estrangeiro e que não foram julgados, porque o país não julga pessoas à revelia.

Aberratio Juris

Os líderes independentistas catalães classificaram como aberração e vingança as condenações anunciadas, prometendo reagir e continuar a lutar.
Numa carta aberta, Oriol Junqueras reafirmou ontem as suas “convicções democráticas e republicanas” e acusou o Estado de “actuar por vingança”.
Numa carta dirigida aos militantes do seu partido, a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), Oriol Junqueras afirmou que “hoje a independência é mais do que nunca uma necessidade para poder viver numa sociedade mais livre, mais justa e democrática”. “Hoje, quiseram acabar connosco, com toda uma geração de catalães que lutam pela liberdade”, declarou Junqueras, que deixa ainda uma promessa: “Nós voltaremos e voltaremos ainda mais fortes. Não tenham qualquer dúvida, nós voltaremos e ganharemos”.
O ex-presidente do Governo catalão Carles Puigdemont denunciou a “aberração” que foi a condenação dos independentistas catalães, dizendo que é “hora de reagir”. “Cem anos de prisão no total, uma aberração. Agora, mais do que nunca, ao vosso lado e das vossas famílias, é hora de reagir como nunca antes, pelo futuro dos nossos filhos e filhas. Pela Europa: pela Catalunha”, publicou na rede social Twitter o independentista, que vive na Bélgica após a tentativa fracassada de independência da Catalunha em 2017.
A ex-presidente do Parlamento catalão Carme Forcadell, depois de ouvir as sentenças que a condenam a 11 anos e meio de prisão, declarou que “a injustiça foi consumada” e lamentou que a democracia viva “um dia sombrio”. “A injustiça foi consumada. O debate parlamentar livre não é um crime, é um direito de exercê-lo e um dever de defendê-lo. Não nos cansaremos de dizê-lo o quanto necessário”, escreveu Forcadell na rede social Twitter.
A ex-presidente do Parlamento catalão alertou que “hoje a democracia vive um dia sombrio”, mas em momentos como esse pediu para não se deixarem abater pelo “derrotismo”. “Vamos avançar!”, disse ainda Carme Forcadell.
Por seu lado, o ex-conselheiro da Acção Externa Raül Romeva, condenado a 12 anos, denunciou que querem sentenciar “todo um movimento”, mas alertou que “estão errados”. Romeva ressaltou a esse respeito que “nenhuma sentença mudará as aspirações políticas de milhões de cidadãos”, enquanto pede para permanecerem “de pé, combativos e dignos”.

Acção e reacção

A resposta não se fez esperar. Centenas de independentistas catalães cortaram algumas avenidas de Barcelona e concentram-se em diversas zonas da cidade em protesto contra as condenações de ex-membros da administração autónoma por crimes de sedição e má gestão de fundos públicos.
Após serem conhecidas as sentenças, os grupos independentistas cortaram as artérias Ronda del Dat, Diagonal e Via Laietena, em Barcelona, e concentram-se neste momento frente à sede do organismo Òmnium Cultural e à sede do gabinete do conselheiro para as questões territoriais do Governo regional. Também a circulação ferroviária foi cortada cerca das 10h30 (16:30 em Macau) nas linhas R11 e RG1 por cerca de uma centena de pessoas que acedeu às linhas na estação de Celrà, em Girona.
O aumento da tensão na Catalunha poderá ter um efeito desestabilizador em Espanha, numa altura em que o país está politicamente bloqueado, depois de as eleições legislativas realizadas em 28 de Abril último e do fracasso em formar um novo Governo. O país está em plena pré-campanha eleitoral para as novas eleições legislativas antecipadas que se vão realizar a 10 de Novembro próximo.
Em Espanha a Advocacia do Estado está separada do Ministério Público, ao contrário do que acontece em países como Portugal.

15 Out 2019

Catalunha | Divisão prossegue enquanto se aguarda pelas eleições regionais

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]pós a destituição do Presidente catalão, Carles Puigdemont, a população que está contra a independência saiu à rua em números consideráveis, para gáudio das autoridades de Madrid. Entretanto, as primeiras sondagens referentes às eleições regionais não dão maioria às forças politicas separatistas que suportavam o anterior Governo exonerado por Mariano Rajoy.

Por vezes a realidade parece imitar a ficção. Com as devidas diferenças de intensidade dramática e, felizmente, muito menos sangue derramado, a situação política na Catalunha parece imitar a série “Game of Thrones”.

Antes da entrada para o fim-de-semana, o Executivo liderado por Mariano Rajoy destituiu o presidente do governo catalão, Carles Puidgemont e anunciou eleições regionais para o dia 21 de Dezembro.

O homem que tem encabeçado o movimento independentista não aceitou o afastamento e pediu aos catalães uma “oposição democrática”.

“Numa sociedade democrática são os parlamentos que escolhem os seus presidentes”, disse Carles Puigdemont numa declaração oficial gravada previamente e transmitida pelas televisões espanholas.

Entretanto, a discussão política subiu de tom com o ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol, Alfonso Dastis, admitindo que o líder catalão demitido por Madrid pode mesmo ser preso por participar no movimento independentista. A cereja em cima do bolo político foi a declaração unilateral de independência feita pelo parlamento da Catalunha, posição na qual Puidgemont terá tido papel preponderante e que pode resultar em acusações criminais. Se for acusado de rebelião, o ex-presidente Puigdemont pode ser condenado a uma pena que vai até 30 anos de prisão.

Mantendo o forte simbolismo que tem atravessado todo o processo, a votação parlamentar fez-se sem a presença dos deputados da oposição que abandonaram o hemiciclo deixando bandeiras espanholas nos lugares vazios.

Rei Rajoy

Após a destituição de Carles Puigdemont, e até serem apurados os resultados das eleições regionais, Madrid teve luz verde do Senado espanhol que autorizou o Governo a aplicar o artigo 155º da Constituição de forma a restituir a legalidade na região autónoma. Até haver Governo catalão, a autonomia da região fica suspensa.

Rajoy concluiu a sua intervenção no plenário do Senado sublinhando que, perante o desafio independentista, “não é a Catalunha”, mas sim a “Espanha inteira que está em cima da mesa”, pedindo solidariedade e responsabilidade a todas as forças políticas para lidar com a situação catalã.

A completar esta esgrima entre Madrid e Barcelona, que torna minúscula a rivalidade futebolística, no domingo as ruas da capital catalã encheram-se de apoiantes da unidade espanhola.

A polícia municipal de Barcelona estimou que os manifestantes contra a independência tenham chegado aos 300.000, um número que em muito se distancia dos indicados pela Sociedade Civil Catalã que apontaram para cerca de 1,3 milhões.

Entre cânticos do conhecido “Y Viva España”, os manifestantes pediram a prisão dos dirigentes separatistas chefiados pelo presidente do Governo regional, Carles Puigdemont, nas ruas de Barcelona.

Na cabeça da manifestação estiveram a ministra da Saúde espanhola, a catalã Dolors Montserrat, em representação do Governo de Madrid, e os líderes regionais dos principais partidos que lutam contra a divisão de Espanha.

Nos cartazes empunhados pela multidão liam-se slogans como “Espanha unida”, “despertar de um povo silenciado”, “pela reconciliação entre os catalães divididos”, e “todos somos catalães”. Além disso, os organizadores da manifestação demonstraram o desejo de que as próximas eleições regionais decorram num espírito de convivência e diálogo, dentro da lei, e que o sufrágio conduza a uma “Catalunha unida”.

Primeiras sondagens

Os partidos independentistas actuais não vão conseguir ter a maioria necessária para formar Governo na Catalunha nas próximas eleições regionais, em 21 de Dezembro próximo, segundo a primeira sondagem publicada no diário El Mundo.

De acordo com o estudo de opinião, os partidos separatistas que suportavam o executivo regional exonerado teriam 65 deputados (42,5 por cento) num total de 135 deputados, três menos do que os necessários para governar.

A Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) seria o mais votado, com 26,4 pontos percentuais das intenções de voto, o Partido Democrático Europeu Catalão (PDeCAT, direita) de Carles Puigdemont teria 9,8 por cento e a Candidatura de Unidade Popular (CUP, extrema-esquerda) 6,3 por cento.

Os partidos constitucionalistas (não independentistas) somariam 43,4 pontos, sendo o mais votado o Cidadãos (centro) com 19,6 por cento, seguido pelo Partido dos Socialistas da Catalunha (PSC, socialistas agregados ao PSOE) com 15,1 e o Partido Popular (PP, direita) com 8,7 por cento.

O Catalunha Sim Se Pode (CSQP, extrema-esquerda, próxima do Podemos) obteria 11 por cento dos votos.

É de salientar que actualmente, o partido de Carles Puidgemont é o que mais deputados tem no parlamento catalão.

Contexto europeu

O terramoto catalão poderá ter réplicas na geologia política do País Basco, mas o movimento pode servir de inspiração para outras regiões europeias que também anseiam independência.

Depois do Kosovo ter declarado a independência unilateralmente em 2008, os independentistas da Flandres, a região holandesa da Bélgica, merecem toda a atenção das autoridades europeias. A região tem já alguma autonomia, tendo um parlamento próprio onde a representação do movimento nacionalista conta com 50 assentos num total de 124.

Depois de uma crise política que assolou a Bélgica entre 2010 e 2011, a Aliança Nova Flandres entrou para o Governo federal belga, ficando com a possibilidade de influenciar por dentro os destinos do país e da região.

Em Itália, nas regiões nortenhas de Veneto e Lombardia, onde grande parte da riqueza do país se concentra, pede-se maior autonomia em relação a Roma, em especial em termos financeiros. No entanto, não se discute ainda a questão da independência. Num referendo realizado no passado dia 22 de Outubro, mais de 40 por cento dos eleitores manifestaram vontade de maior autonomia.

Neste caso, os partidos que apoiam um maior poder regional, em particular em termos de receitas com impostos, são do espectro político da direita. Aliás, na Lombardia é quase tradicional a distância cultural e social com o sul do país.

Em França os sentimentos separatistas são insulares, para ser mais específico centram-se na Córsega. Nas últimas eleições legislativas francesas os eleitores da ilha elegeram três candidatos abertamente pró-independência para a Assembleia Nacional, os primeiros do movimento com assento parlamentar. É de salientar que a Córsega já goza de uma relativa autonomia e de um estatuto especial na sua relação com Paris.

Já na assembleia regional os nacionalistas são a maioria e aprovaram uma moção a 22 de Setembro a destacar a “inegável legitimidade do governo da Catalunha”. O presidente do órgão colegial da Córsega, Jean-Guy Talamoni, chegou mesmo a expressar no Twitter o apoio “aos amigos da Catalunha” e condenou “a agressão espanhola contra a democracia”. Para já, a situação na ilha mantem-se calma, sem haver menção a uma palavra que anda a espalhar o terror entre os governos centrais: referendo.    

Eduardo Lourenço comentou que os catalães “têm que pensar duas vezes se querem ser uma ilha ou se querem pertencer realmente a um espaço maior que é um espaço histórico universal”. O ensaísta considera que a luta pela independência da Catalunha pode representar “o princípio de uma fragmentação virtual” da União Europeia.

O próprio presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker alertou que a União Europeia não precisa de “mais fissuras”, enquanto que Donald Tusk reiterou que a Espanha continua a ser o único interlocutor com Bruxelas. O presidente do Conselho Europeu acrescentou ainda que espera que a força dos argumentos se sobreponha aos argumentos da força.

Visão catalã

A viver em Lisboa, Natália Tost, catalã e independentista acompanhou de longe os acontecimentos do fim-de-semana, no entanto, emocionalmente a distância não existiu. “O voto para mim foi algo muito emocionante, vi na televisão e chorei o tempo todo”, conta. Apesar de ser favorável à independência, Natália reconhece o perigo e “as consequências que pode ter para o país”. Casada com um português, Natália Tost identifica-se como uma “mulher republicana, catalã e nascida numa casa humilde, por isso três vezes rebelde”. A questão não se lhe afigura como uma dicotomia entre independência ou integração, destacando que há uma imensa pluralidade entre os que querem mais soberania para a Catalunha. Nesse aspecto, apesar da emoção com que viu o voto do parlamento regional, entende que o processo seguiu moldes fracos. “Acho que as minhas filhas vão ver dentro de uns anos uma Catalunha mais soberana, mas agora vamos entrar num período complicado, acho que vamos andar para trás”. A catalã acrescenta ainda que “a manifestação pró-integração demonstra que há gente chateada e com vontade de sangue”.

31 Out 2017

(In)Declarados

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]arece ter chegado a um aliviante impasse, a situação na Comunidade Autónoma da Catalunha, depois do seu presidente Carles Puigdemont ter vindo ontem declarar a “independência suspensa” da região, o que em termos práticos significa que se regressa a estaca zero, ao momento antes do anúncio do referendo do último 1 de Outubro. O diferendo entre Madrid e Barcelona já é novidade nenhuma para ninguém, divide as opiniões, por vezes de forma mais apaixonada do que seria normal, mas por enquanto não, não vamos ter a reprise da Guerra Civil espanhola, ninguém vai ser encostado a um paredão e fuzilado, não vão haver terrores brancos, vermelhos ou de outra cor qualquer. E ainda bem, digo eu. A tal independência fica agora “suspensa”, qual “jamon” ibérico num fumeiro da fronteira com a França (pessoalmente prefiro o salmantino). Parece que numa Europa onde as tensões ideológicas parecem subir cada vez mais de tom, este é um refrescante passo atrás no que toca à questão catalã.

De facto a questão da Catalunha é demasiado complexa para se chegar a um consenso. A região pertencia à antiga coroa de Aragão, em conjunto com actual comunidade autónoma com o mesmo nome, a comunidade valenciana, as ilhas Baleares, a Sardenha, a Córsega e o sul de Itália. Com o fim deste reino, em inícios do século XVIII, os chamados “países catalães” foram integrados na coroa de Castela, mas isto nunca foi pacífico. A última vez que a Catalunha declarou a independência foi em 1934, por Lluís Companys, uma espécie de Puigdemont da época, que seria julgado e executado seis anos mais tarde pelo regime franquista, depois do fim da Guerra Civil. A opressão exercida por Franco parece ainda bem presente na memória dos povos que compõem a Espanha actual – e porque não haveria de estar, uma vez que nem passaram 50 anos desde a morte do “caudilho” galego – e a Catalunha não foi excepção. Franco proibiu a língua catalã, entre outras medidas na tentativa de uniformizar a nação espanhola, e só a partir da constituição de 1978 os catalães voltaram a ver reconhecida a sua identidade.

Ao contrário dos bascos, que enveredaram pela luta armada, os independentistas catalães optaram antes pelo endoutrinamento, levando ao aparecimento de uma geração que pouco ou nada quer ter a ver com Madrid. O argumento económico não é também despeciendo, uma vez que a Catalunha contribui com uma boa parte do PIB de Espanha, um argumento que, e sejamos honestos, não é fácil de digerir no contexto de um território debaixo da mesma bandeira, e tão vasto como é a Espanha. O próprio parlamento catalão é o reflexo desta divisão; os independentistas do “Juntos pelo sim” ocupam 62 dos 135 assentos, e precisam da “muleta” do CUP (Candidatura de Unidade Popular), que detém 10 lugares, para formar uma maioria que lhes permita governar. Quanto ao referendo que Madrid proibiu e reprimiu, e cuja adesão e a própria forma como foi realizado não nos deixa saber realmente qual é a vontade do povo catalão, há um dado a reter: o da abstenção. É desonesto afirmar que os catalães que não participaram do referendo não estão interessados na independência, e a tal “maioria silenciosa” da qual uma parte saiu às ruas no início desta semana declarando a sua lealdade a Madrid, pode não ser uma maioria, de todo.

A muitos de nós, portugueses, encanta o romantismo da causa da independência catalã – deve ser a nossa costela da padeira de Aljubarrota a falar mais alto. Chegou-se mesmo a estabelecer um paralelo entre a actual situação na Catalunha e a restauração de 1640, pelo menos no que concerne à legalidade e à constitucionalidade da iniciativa separatista; Portugal também se declarou independente à revelia da vontade de Castela. Outros há ainda que não viam com bons olhos o nascimento de uma terceira nação ibérica, e curiosamente vi gente que esteve do lado do Brexit a manifestar-se contra a “terra lliure” catalã, como se existissem cisões que se justificam mais do que outras (a própria União Europeia opôs-se desde a primeira hora às intenções separatistas da Catalunha). Nas redes sociais as posições extremaram-se, os ânimos exaltaram-se, amigos desamigaram-se, pintaram-se os piores cenários, choveram acusações de parte a parte, enfim, uma indigesta butifarra. Não há necessidade, então? A gente pode trocar ideias e pontos de vista divergentes, sem tornar isto num Real Madrid – Barcelona…

12 Out 2017