Rui Flores VozesRien ne vas plus [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] fazer fé nas sondagens eleitorais – e desde Junho que a credibilidade das sondagens foi posta em causa, devido à surpresa que constituiu o anúncio do resultado do referendo no Reino Unido sobre a continuidade do país na União Europeia –, Hillary Clinton estará à beira de se tornar a primeira mulher presidente dos Estados Unidos da América. Para que a coisa se torne realidade “basta” que a antiga Secretária de Estado vença na Florida, estado flutuante, que tem sido o centro das atenções em vários momentos importantes das eleições norte-americanas, como em 2004, quando George W. Bush conseguiu ser reeleito. É claro que a questão de as sondagens não conseguirem ver a fundo o que pensam as populações é premente. Não porque os métodos se tenham tornado cada vez mais falíveis, mas sim porque as sondagens não conseguem entrar na mente das pessoas. Por mais que o mundo se pareça com o ambiente controlado do livro “1984” de George Orwell, as pessoas continuam a ter total soberania no seu pensamento. Por mais científico que seja o método, por mais representativa que seja a amostra, as sondagens não ultrapassam o drama interior dos eleitores que se preparam para ir votar no candidato A ou B, mas que não têm coragem de o admitir. São eleitores que não exteriorizam o sentido do seu voto, porque optaram por uma atitude de resistência passiva à narrativa que foi sendo construída à sua volta. O que lêem nos jornais, o que vêem nos canais de televisão, como que coincide num só ponto: um dos candidatos é absolutamente incompetente, misógino, intolerante, anti-imigrantes, anti-China, anti tanta coisa. Envolvidos numa narrativa absolutamente negativa contra um dos candidatos, sobretudo quando se toma em consideração os jornais americanos que tomaram posição e anunciaram o apoio a um dos candidatos, os eleitores têm vergonha de admitir que afinal se preparam para votar naquele que a imprensa do mainstream qualifica como o “patinho feio”. A narrativa está construída. Na mesma linha do anúncio de alguns militantes do Partido Republicano que iriam votar Hillary Clinton em 2016, também os jornais mais conservadores, que durante anos apoiaram candidatos republicanos, optaram nestas eleições por sugerir o voto na candidata democrata ou simplesmente declararam que não apoiavam Donald Trump. Segundo uma compilação dada à estampa pela revista britânica The Economist na semana passada, de todos os jornais norte-americanos com maior circulação, apenas um declarou apoio a Donald Trump, o Las Vegas Review-Journal. Outros, tradicionalmente conservadores, que nas últimas nove eleições presidenciais (nos últimos 32 anos!) estiveram sempre do lado dos candidatos republicanos, optaram este ano por apoiar Hillary Clinton. São os casos do Columbus Dispatch, do Arizona Republic e do Richmond Times-Dispatch. A candidata democrata tem uma considerável almofada de apoio, com 53 jornais do seu lado, 13 sem opinião e outros três aconselhando o voto num dos dois outros candidatos. Com este “enquadramento” jornalístico, com claras consequências na opinião pública, é pois difícil dizer-se que se está contra a maioria. E a maioria, segundo as várias sondagens conhecidas, parece estar mais do lado de Hillary Clinton do que Donald Trump. Isto apesar de o candidato republicano ter conseguido reduzir distâncias nesta última semana de campanha eleitoral, à boleia da ajuda que lhe deu o director do FBI, que reordenou a abertura do inquérito a Clinton, por causa dos e-mails apagados. O mesmo FBI que, em Julho, decidiu-se pelo arquivamento do processo, por não ter conseguido provar intenção criminal. A média das sondagens nacionais vai dando uma pequena vantagem a Clinton, de 45.5 por cento contra 43.1 por cento. A diferença ainda que mínima pode ser importante em termos de voto popular. Apenas em quatro eleições o candidato que mais votos expressos pelos eleitores obteve nas urnas não foi eleito presidente. Assim aconteceu em 1824, 1876, 1888 e em 2000, quando George W. Bush foi eleito para o seu primeiro mandato com menos votos do que Al Gore. Nos Estados Unidos funciona um sistema indirecto na eleição do presidente, em que a cada um dos estados da União, tendo em conta o número de habitantes, é atribuído um número definido de votos eleitorais de um colégio que elege então o presidente. Para ser eleito, o candidato precisa de recolher um mínimo de 270 votos eleitorais. O estado que mais representantes elege para o colégio eleitoral é a Califórnia, com 55 votos. Outros, como o Alasca ou o Delaware, contribuem com apenas três votos. A diferença eleitoral é pois feita ao nível dos estados. À entrada para os dois últimos dias de campanha, havia, de acordo com a média das sondagens publicadas nos Estados Unidos, 23 estados que iriam tombar para Clinton e 22 para Trump. Mesmo à beira da eleição, após uma semana de desgaste político-judicial, a candidata democrata, com os votos eleitorais dos estados que iriam com alguma segurança – de acordo com as sondagens – cair para o lado democrata, estaria à beira da eleição, pois teria garantidos 268 votos eleitorais dos 270 necessários para ser eleita. Vários dos estados mais populosos, como a Califórnia, Illinois, Nova Iorque ou Pensilvânia estão do lado democrata (só nestes quatro estados Clinton deverá obter 119 votos do colégio eleitoral). Já Trump tem como principal base de apoio as mais que prováveis vitórias no Texas, no Tennessee, Indiana e Missouri, quatro estados que lhe garantem apenas 70 votos eleitorais, de um total de 157 votos eleitorais que estarão certos do lado republicano. As eleições vão pois – como sempre – decidir-se nos estados “swing”, os estados que tanto votam num ou noutro candidato. São estados “too close to call”, em que a diferença entre os dois candidatos nas sondagens é inferior à margem de erro, e relativamente aos quaise o melhor é atirar a moeda ao ar para dizer quem vai vencer. A dois dias do fim da campanha, havia nessas circunstâncias 11 estados, que representam 113 votos do colégio eleitoral. O prémio mais apetecido é pois a Florida, com os seus 29 votos eleitorais. E o Ohio, o estado em que todos os candidatos querem vencer, pois tem desde 1964 sempre votado no candidato que se muda para a Casa Branca. Para Trump poder ganhar, teria de conseguir sair vencedor neles todos, o que parece ser uma tarefa assaz complicada. Por tudo isto, por ter de vencer o mainstream, por ter de vencer a opinião pública, a vitória de Trump seria a todos os níveis mais espectacular. Ainda assim, se nos aproximássemos de uma mesa de jogo imaginária, em que teríamos de apostar no azul ou no encarnado, democrata ou republicano, a probabilidade de recebermos alguma coisa pelo nosso investimento parece, a esta distância tão curta da meta eleitoral, ser muito maior se colocarmos as nossas fichas no azul.
Fa Seong A Canhota VozesSomos todos assassinos [dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]á pensou em quanta água, madeira e electricidade, cereais, carnes e peixes iremos consumir ao longo da nossa vida, sem esquecer o combustível? Será que esses recursos irão durar até à geração dos nossos netos e bisnetos? Se nunca pensou nesta questão, ou se pensa que os recursos do planeta são inesgotáveis, é melhor ler o que vem a seguir. Os seres humanos dominam o mundo, através da sua alta inteligência, controlam o ambiente e exploram o que desejam. Contudo, com ou sem conhecimento de causa, têm destruído outras espécies de animais que também habitam no mesmo planeta. O relatório anual recentemente divulgado – o Living Planet Report, publicado pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF) e pela Sociedade Zoológica de Londres – diz-nos que, entre os anos de 1970 e 2012, o número de animais selvagens diminuiu cerca de 58%. Isto quer dizer que nos últimos 42 anos metade dos animais já desapareceu deste mundo. O relatório diz-nos ainda que, nos próximos 50 anos, o nosso planeta vai perder mais dois terços de animais selvagens. Se leu até aqui, consegue perceber quais são as razões e os problemas? Sim, nós humanos (ou pelo menos alguns) destroem e poluem o habitat natural desses animais, ao pescarem e caçarem animais selvagens de forma não sustentável. Tudo isso faz com que elefantes, gorilas e outras 300 espécies estejam perto da extinção, apenas com o intuito de satisfazer os nossos desejos, encher as nossas barrigas, desenvolver as cidades e ganhar dinheiro. Enquanto todos não considerarem que esse é um problema, os animais não poderão queixar-se, pois serão comidos e usados: o destino deles será apenas um, a morte. Outra razão da diminuição de um grande número de animais selvagens prende-se com a expansão da agricultura e o corte de árvores. Os humanos invadiram ou exploraram a maior parte dos terrenos existentes no planeta, e actualmente apenas 15% dos solos existentes estão protegidos. O problema atinge ainda os recursos hídricos, ao nível dos rios e lagos. Devido ao excesso de extracção de água, à poluição e à construção de barragens, a possibilidade de sobrevivência de alguns animais piorou. Apesar dos graves resultados que o relatório revela, é previsível que a maioria da população continue a fazer o que é mau para o ambiente, considerando até que é um problema que nada tem a ver consigo. Isto é que é verdadeiramente preocupante. Não estou apenas a mostrar simpatia para com os animais, mas também os seres humanos vão sofrer, um dia, ameaças devido à escassez de recursos naturais tão básicos como água e alimentos. Sem outros animais os seres humanos também não vão conseguir viver num ambiente equilibrado. Uma mudança de hábitos é a única solução, sobretudo ao nível da produção e do consumo. Um de nós não pode com certeza mudar todo o mundo, mas tudo pode começar com uma única mudança. Comer menos carne poderia ser uma solução, enquanto que as próprias empresas devem assegurar que a sua cadeia de fornecimento é sustentável e não destrói a origem dos recursos. Também os governos devem assegurar que as políticas são sustentáveis. Se um começar a mudar, os restantes também vão mudar, e aí far-se-á um caminho em prol de um melhor planeta.
Isabel Castro VozesCoisas à Macau [dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]ais um relatório, mais um puxão de orelhas, mais umas resmas de papel – do Comissariado contra a Corrupção e dos jornais – para deitar ao lixo um dia destes. A gente já se habituou a que este tipo de coisas dê em nada, porque Macau é assim e pronto. A malta resmunga, os apanhados em falta pedem desculpa, dão rapidamente a mão à palmatória e prometem fazer tudo direitinho. O assunto passa ao esquecimento. Até à próxima. Desta vez, os parques de estacionamento, assunto que já deu um processo em tribunal. Entre outros aspectos censurados, o Comissariado contra a Corrupção lamenta o facto de os Serviços para os Assuntos de Tráfego não terem fiscalizado de forma devida a cobrança das tarifas dos parques de estacionamento. Algumas empresas atrasaram-se na entrega das receitas provenientes das tarifas, mas os serviços nada fizeram. Assobiaram para o lado e ficaram à espera, que a terra é rica e, pelos vistos, não há pressa com acertos de contas. Somos todos amigos, irmãos e primos uns dos outros. Os parques de estacionamento. Se pudesse, não os frequentava com esta assiduidade diária que me desgasta a paciência e o orçamento. Sucede que faço parte do grupo de pessoas a quem é, por razões profissionais e pessoais, impossível prescindir de uma coisa com quatro rodas e cinco portas que transporte gente de várias idades lá dentro. Sucede assim e, enquanto aqui viver e enquanto Macau não tiver transportes públicos decentes, não há volta a dar. Precisamente porque Macau tem transportes públicos de duvidosa qualidade – com motoristas que fecham portas ainda os utentes não acabaram de sair, com motoristas que transportam gente saudável, gente doente, velhos e crianças como se fossem cimento em betoneiras –, quem tem poder para decidir deve deixar de encarar esta coisa dos parques públicos como um luxo para alguns, uma coisa que está entregue a umas empresas que fazem o que bem entendem, uma coisa que é para ir deixando estar. Auto-silos em autogestão. Os parques de estacionamento. São do mais miserável que há e a experiência, em muitos deles, é quase tão má quanto andar de autocarro às quatro e meia da tarde com um bebé ao colo e uma criança de três anos pela mão. A maioria não tem ventilação, não tem sistemas inteligentes que ajudem na tarefa de encontrar um lugar para estacionar. A maioria tem lugares tão apertadinhos que mesmo aqueles que optam por carros pequenos têm uma certa dificuldade em abrir as portas. A maioria cheira mal. A maioria tem acessos sujos, mal cuidados, assim como caixas sujas, mal cuidadas. Ir pagar o parque pode ser um sofrimento. Cada um faz o que quer, mi casa es mi casa, o silo é deles e eles é que sabem, o Governo ainda por cima não chateia, não há cá critérios, os clientes pagam e é se querem, se não quiserem que andem nos autocarros à pinha e aos solavancos, com motoristas que fazem rotundas como se corressem na Guia, mas só em duas rodas. Os parques de estacionamento. As irregularidades de que não sabíamos e aquelas que são públicas, mas ninguém quer saber. Os Serviços para os Assuntos de Tráfego, essa estranha direcção cujas tarefas ainda não consegui perceber exactamente quais são: Macau tem má sinalização nos dias normais, tem ainda pior sinalização quando há obras, tem rotundas mal feitas, enfeitadas com verduras e bonecos que não deixam ver quem lá vem, tem soluções de trânsito impensáveis, tem parques mal geridos. E tem – se o Comissariado contra a Corrupção lê os jornais, que se acuse, que ando há mais de uma década a falar disto e começo a ficar cansada – milhares de parquímetros que não dão recibo, em claríssima violação do Código Civil e do que dispõe sobre a quitação. Enfim, tudo pequenas coisas com que os Serviços de Tráfego se poderiam entreter, para que Macau tivesse alguma ordem. As coisas do trânsito chateiam, chateiam muito. Chateiam quem anda a pé, de carro e de autocarro. Chateiam porque o trânsito rouba-nos tempo e o tempo são horas de vida que nos tiram. O trânsito aumenta a poluição e a poluição tira-nos vida, em qualidade e em quantidade. As coisas do trânsito chateiam e há muito que se poderia já ter pensado numa direcção de serviços com os melhores dirigentes, os melhores consultores e as melhores soluções. É que os nossos problemas, vendo bem, são coisas de junta de freguesia, mais ou menos fáceis de resolver como são todas as coisas das juntas de freguesia.
Leocardo VozesIndagando os indignados [dropcap style≠’circle’]1[/dropcap] Ng Kuok Cheong, veterano deputado à AL da RAEM, e o mais antigo representante da ala pró-democrática, voltou a ser notícia na passada semana devido a certas declarações que proferiu. Qualquer coisa a ver com um eventual cerco aos trabalhadores ilegais, e de como os cidadãos deveriam “cercar” um estaleiro onde tivessem conhecimento de existir trabalhadores não-residentes nessa situação, sei lá – passou-me completamente ao lado, tamanha é a importância que confiro a este tipo de retórica oca e inconsequente. No entanto não faltou quem fizesse outra leitura mais “séria” das declarações do deputado, acusando-o de mil e uma coisas, desde “populismo” – não está errado, mas já lá vamos – até “estar a bater no ceguinho”, que é como quem diz, os tais trabalhadores ilegais, que “coitados, andam a juntar uns tostões para mandar à família no continente” – e muitos deles ao serviço de alguns dos colegas de hemiciclo de Ng Kuok Cheong. Em relação ao teor populista das declarações do deputado, pois bem, respondam a isto se forem capazes: o que vai ele dizer num território onde não existe qualquer cultura democrática, e as eleições compram-se com “lai-sis”, jantaradas e uma versão local da “cesta básica”, só que numa versão para os mais gulosos? Longe de mim corroborar as declarações do deputado democrata, mas é curioso como não vejo a mesma “intelligenzia” local que a condena com duas pedras em cada mão fazê-lo em relação a outro tipo de populismo, esse sim com contornos bastante mais sérios, e que começa a grassar um pouco por toda a Europa. Permitam-me o desabafo, mas nesse aspecto o silêncio dos opinadores locais chega a ser confrangedor. [dropcap]2[/dropcap]Um bom exemplo de como a “vox populi” muito atira mas pouco acerta. Em Portugal foi assaz comentado nas redes sociais um caso que envolveu a agressão de um indivíduo de etnia cigana pela polícia no Bairro da Ameixoeira, nos arredores de Lisboa. O cidadão, referido pelo nome de “Zezinho”, alega ter sido interpelado por agentes da autoridade, que o acusaram de “estar a fazer troça deles”, e de seguida brindaram-no com um arraial de porrada cujas marcas são bem visíveis no vídeo do YouTube que foi posto a circular na net. O maior argumento para quem viu neste incidente “o fim dos dias” teve a ver com as declarações do próprio Zezinho, que afirmou “estar a enrolar uma ganza” no momento em que foi abordado pela polícia. Agora pergunto eu: que crime estava ele a cometer, uma vez que “enrolar uma ganza” deixou de constituir um ilícito criminal em 2001, conforme a lei 30/2000, que descriminaliza o consumo de TODAS as drogas consideradas ilícitas. Ah, mas “transportava com ele uma faca”, que conforme o próprio “foi adquirida na feira da ladra”, algo que nunca seria do conhecimento dos srs. agentes caso não o tivessem abordado inicialmente pelo simples facto de pertencer à etnia cigana – não vejo outra justificação, nem foi prestado qualquer esclarecimento da parte das autoridades noutro sentido. Para quem acha “imensa piada” a tudo isto, recomendo que se olhe ao espelho. Se não for parecido com o Brad Pitt, e um dia lhe calhar na sorte grande ser feito gato-sapato por uns homenzinhos vestidos de azul, não espere grande coisa de toda a indignação que daí advir. De todas as certezas só pode ter uma: vai haver muita gente para fazer de juiz, júri e carrasco, todos num só. E depois é…como dizem? Ah pois, “bem feito; quem o mandou”?
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO sexo dos pandas [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s pandas são muito preguiçosos para se envolverem numa actividade sexual. Eles só dormem, comem e julgam qualquer outra actividade para além das suas possibilidades. Julgam-nos assexuados, detentores de uma libido baixíssima. O recorde de envolvimento sexual vai nos 7 minutos e 45 segundos, quando a média é normalmente de 1 minuto. Quando é que eles vão conseguir finalmente procriar? Ninguém sabe. Já é difícil o suficiente saber quando é que uma panda fêmea está a ovular, que normalmente dura uns 3 dias por ano. Uma janela de possibilidade estreitíssima para podermos garantir a continuação da espécie. Como o habitat natural do panda está em risco, os preocupados na matéria viram-se obrigados a levar pandas para serem tratados em cativeiro. A partir do momento que os pandas se viram no ambiente artificial de zoológico, a sua libido caiu ainda mais, sendo por isso muito difícil fazer com que os pandas procriem nestas condições. A criatividade e o desespero dos cientistas e dos seus tratadores fizeram com que aparecessem soluções verdadeiramente originais, uma delas é a pornografia – pornografia de pandas. Com o auxílio de uma televisãozita, obrigam os pandas a verem outros pandas na sua performance sexual. Como devem calcular a eficácia deste tratamento é duvidosa, mas há quem julgue o contrário. Os pandas, como fofos e amorosos que são, têm todo o planeta a torcer pelo seu sexo, custe o que custar. Nós queremos mais pandas bebés! Mas prova-se uma tarefa difícil. Os estudos recentes começam a perceber que, porque estes animais estão em cativeiro, há certos processos naturais de ‘corte’ e namoro que se tornam impossíveis. No habitat natural eles têm a possibilidade de deixar dicas de desejo, através de uns gritos aqui e ali, e de deixar cheiros a sinalizar a chegada do cio. Acima de tudo, os pandas têm mesmo que gostar do parceiro para se envolverem com ele. Sim, sim, há quem o chame de amor ou simplesmente desejo, mas eles precisam de uma ‘ligação’. Quando nós achávamos que os pandas não podiam ser mais adoráveis, eles tornam-se ainda mais adoráveis! Não fossem eles o símbolo da maior instituição de protecção animal e ambiental. O que provavelmente não sabiam é que a China pratica frequentemente a diplomacia do panda – os pandas estão directamente envolvidos na criação de laços internacionais por todo o mundo. Basicamente, desde os anos 50 que os pandas eram usados como oferenda comum a zoológicos de muitos países, contribuindo para o bom relacionamento político. Agora o serviço já não é tão gratuito. Os pandas são ‘emprestados’ por períodos de 10 anos pela módica quantia de 1.000.000 USD por ano. Para além de que todos os bebés que nascem destas aventuras para além fronteiras são indiscutivelmente propriedade chinesa. Mas como já devem ter percebido, ter bebés não é coisa que aconteça muito regularmente. E se acontecer, irá aparecer no telejornal das 8. O sexo dos pandas é como o sexo dos anjos, um mistério ainda por resolver. Na sua tentativa de ser ‘verde’, esta luta pela procriação do panda gigante continua a contribuir às tão generosas oferendas que vêm a fortalecer ligações diplomáticas – mas ainda não sabemos que desenvolvimento terá. A China tem a fama de não ter uma posição clara em relação às estratégias externas utilizadas. Com discursos e acções que contribuem para uma visão múltipla de posições, ficamos na expectativa do que é que vem para aí – muitos mais pandas, provavelmente. Pandas que nos presenteiam com a sua fofura e simpatia, capazes de derreter corações por onde passam, mas que têm muita dificuldade em ter sexo. O que vale é que os pandas são criaturas divertidíssimas. Com uma sexualidade desastrosamente trapalhona, ainda podem deleitar-se com os vídeos que foram apresentados como incentivo ao sexo dos animais algures online. Não é por acaso que este é um animal com fãs por todo o planeta. Nem é por acaso que os pandas são os embaixadores de uma China repleta de fofura.
Hoje Macau VozesDireito de resposta do candidato à presidência da Associação de Pais da EPM [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]xm.º Senhor Director do Jornal Hoje Macau (Att Exm.ª Senhora Sofia Mota) Em nome da lista candidata aos órgãos associativos da Associação de Pais e Encarregados de Educação da Escola Portuguesa de Macau (APEP) agradecia a publicação, ao abrigo do direito de resposta, da seguinte posição da Lista admitida : 1. Saudar a deliberação da Direcção da APEP de admissão da nossa lista, após terem dado prazo para a mesma ser completada e que permitiu, desde já, renovar e aumentar o efectivo de associados da APEP em mais de uma dezena. Revelou boa fé e “fair play democrático”. Sendo certo que já tinham declarado não desejar continuar o possibilitar o aperfeiçoamento da lista está conforme com o principio democrático sendo sempre, em nosso entendimento, preferível esta mera irregularidade do que obrigar quem não tem vontade e/ou força anímica a continuar. 2. Saudar o empenho associativo de quem impugnou o acto eleitoral, na expectativa de que possa aproveitar a oportunidade impar de promover uma lista com propostas alternativas em saudável ambiente democrático. 3. Saudar a douta deliberação da mesa da Assembleia Geral, a qual permite duplamente sanar a irregularidade e promover uma estimulante e genuína eleição, caso se venha a verificar a constituição e admissão de outra lista, com outra equipa e outras prioridades de acção. 4. Exortar todos os associados da APEP a contribuírem com ideias e a participarem na vida associativa, designadamente no acto eleitoral que, previsivelmente, decorrerá no próximo dia 24 de Novembro. Macau, aos 28 de Outubro de 2016 Pela Lista Candidata aos Órgãos Associativos da APEP Manuel Gouveia manuelggouveia@gmail.com Candidato a Presidente da Direcção da APEP
Rui Flores VozesA válvula de escape [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] libra esterlina encontra-se em mínimos históricos. Os bancos internacionais que durante anos tiveram as suas sedes europeias em Londres estão a anunciar a saída do Reino Unido até ao final do ano, não esperando pela invocação do artigo 50.° do Tratado da União Europeia pelo governo britânico. A responsável pelo governo escocês já anunciou que a Escócia vai preparar-se para um novo referendo sobre a independência. As consequências iniciais da recuperação da soberania nacional britânica em relação a Bruxelas parecem ser desastrosas. As perspectivas de dias mais risonhos não parecem convencer muitos. Pelo menos por ora, enquanto as consequências financeiras continuarem a afectar o bolso dos britânicos que estão a ver o seu poder de comprar diminuir ao ritmo da desvalorização da sua divisa. As sondagens mostram que o número de eleitores que se encontram arrependidos por terem votado “leave” no referendo de 23 de Junho seria suficiente para ter dado a vitória ao campo do “remain”. Isto tudo além do “vox populi”, dito por vários britânicos, meio a sério, meio a brincar, de que nunca o termo “União Europeia” foi tão pesquisado quanto na noite em que foram anunciados os resultados do referendo. Que ninguém parece ter alguma vez pensado em todas as consequências do Brexit é um dado adquirido. Havia umas suposições. Supunha-se que a libra pudesse flutuar mais do que quando a Grã-Bretanha estava dentro da União Europeia, embora nunca tenha adoptado o euro como divisa nem tenha aderido ao espaço Schengen, expressão máxima da livre circulação de pessoas no interior das fronteiras da União Europeia. Mas a possibilidade da desvalorização da libra seria algo, pois, que precisaria de ser confirmado pela realidade dos factos. Supunha-se que a União Europeia não aceitaria que um futuro acordo de comércio livre entre o Reino Unido e a União não contemplasse a livre circulação de pessoas. Mas isso poderia ser discutido. Negociado. Em política nada é certo, embora o acordo que existe entre a União e a EFTA (Associação Europeia de Comércio Livre, composto pelo Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça), tenha como uma das suas premissas a livre circulação de pessoas entre os quatro estados e a União. Alias, a intransigência dos suíços em relação à circulação de pessoas levou a que as negociações com a União Europeia se prolongasse por 20 anos. E só foi desbloqueado depois de as autoridades helvéticas terem aberto as portas à entrada de estrangeiros sem restrições. Ainda assim, supunha-se que a Grã-Bretanha conseguiria travar a imigração de europeus. E isso seria um dado positivo, pois os britânicos haveriam de ter recuperado a sua soberania. Quatro meses passados sob o referendo que ditou a saída do Reino Unido da União Europeia, os vários sinais que saem de Londres apontam num só sentido. Ninguém sabe muito bem como se vai processar a retirada do Reino Unido. À cabeça de todos os responsáveis britânicos, Theresa May – para quem Brexit alegadamente “significa Brexit”, como ela disse quando substituiu David Cameron na chefia do governo – não parece estar particularmente empenhada numa solução rápida. Anunciou para Março a invocação do artigo 50.° do Tratado da União Europeia, mas o conteúdo da proposta da futura relação com o bloco europeu não é nada clara. Aliás, caso não cumpra a promessa de iniciar formalmente negociações com Bruxelas até Março qual será a consequência desse incumprimento? Se do ponto de vista politico, tudo indica que Theresa May está longe de ter definido o que será o conteúdo da proposta da futura relação do Reino Unido com a União Europeia, do ponto de vista institucional sucedem-se as vozes que pedem que seja o parlamento britânico a ter a palavra final no conteúdo do novo acordo a estabelecer com Bruxelas. A justiça britânica já foi chamada a tomar posição, determinando qual deverá ser o papel destinado ao parlamento em todo este processo. Enquanto o caso aguarda superior decisão pela justiça britânica, durante este fim-de-semana o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair veio contribuir um pouco mais para a confusão. Segundo Blair, a Grã-Bretanha deve manter as suas opções abertas sobre o Brexit, o que é como quem diz “devemos considerar a possibilidade de não avançar com a saída do bloco europeu”. Como o parlamento britânico deve ser soberano em matéria de relações externas, dizem muitos juristas, estaria encontrada uma porta de saída para o imbróglio do Brexit. Blair veio dizer o que muitos pensam. A angústia sobre a futura relação da Grã-Bretanha agravou-se esta semana com as dificuldades colocadas pela Valónia, região belga com pouco mais de três milhões de habitantes, governo e parlamentos próprios, em aceitar o acordo de comércio livre com o Canadá – um documento com mais de 1600 páginas negociado entre Bruxelas e Otava nos últimos sete anos. As dificuldades colocadas pela Valónia estão a ser interpretadas em Londres como um sinal dos inúmeros trabalhos que o Reino Unido ainda vai ter de superar para consumar o seu divórcio com o clube dos 28. É que a seguir a qualquer acordo estabelecido com Bruxelas, os termos da relação futura entre britânicos e a Europa a 27 vão ter de ser ratificados por pelo menos 38 dos parlamentos nacionais e regionais da Europa. E poderão nessa altura surgir outras Valónias. E depois há outras feridas pelas quais poderá ainda brotar muito sangue. Feridas anunciadas como o novo referendo sobre a independência da Escócia. Tudo consequências muito pesadas para quem queria ver restaurada a sua soberania nacional.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA nova ordem económica internacional (II) “In the course of dynamic economic taking-off, both China and India are taking active measures to establish and modernize their competition regimes as an important institution to support the national development. Although the two developing giants share in some aspects common concerns and face similar challenges, the different political, legal and market conditions seem to reflect more disparities in their breaking paths, which will be valuable experiences to the world.” China, India and the International Economic Order Muthucumaraswamy Sornarajah and Jiangyu Wang [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] criação de uma nova ordem económica global apresentada como inevitável, obriga à consideração de diversos elementos fundamentais, como a tecnologia que sempre foi uma força de ruptura. Após 1945, os países investiram fortemente na investigação militar e espacial, surgindo a “Internet” e a navegação por satélite, ambas produto dessas investigações. Estão a aparecer um grande número de novas tecnologias, algumas com capacidade para mudar drasticamente muitas situações, especialmente na área da robótica, nanotecnologia e medicina, afectando a sociedade e os negócios. A partir da perspectiva da influência económica é de destacar três desenvolvimentos. Não são tecnologias propriamente ditas, mas reacções comerciais e políticas à ruptura tecnológica. O primeiro, envolve a segurança cibernética, que é necessária, pois os “hackers” continuam a ter acesso à propriedade intelectual, intimidam adversários e alteram conteúdos públicos e privados. O número de ataques a sistemas industriais de controlo em todo o mundo quadruplicou, entre 2013 e 2014. É provável que não se consiga uma defesa global contra os ataques cibernéticos, porque requerem um indispensável nível de cooperação internacional. Se os países intervierem, para controlar o problema, podem afectar o uso da “Internet” por parte da população e das empresas. Essas acções também podem limitar o crescimento económico. Os países devem aferir as suas acções, tal como no passado o fizeram, com os mercados de câmbio, para equilibrar os seus objectivos de intervenção, não afectando o crescimento económico. O segundo elemento relaciona-se com o desenvolvimento da tecnologia e a mudança geopolítica da energia. O poder dos países produtores de petróleo foi notável, pelo menos, desde a crise do petróleo de 1973. As tecnologias destinadas à recuperação de fontes não convencionais de petróleo têm perturbado o equilíbrio da oferta e da procura. A Agência de Informação sobre Energia americana prevê que os Estados Unidos poderiam tornar-se em um exportador líquido de energia, em 2019, graças à revolução de fracturamento hidráulico, também conhecido com “Fracking”. Mesmo que os preços do petróleo recuperem, o crescente uso de energias renováveis, vai reduzir a importância geopolítica dos produtores de petróleo. Não deve constituir surpresa, que os grandes países consumidores de petróleo, como os Estados Unidos e a China, sejam também os que mais investem em energias renováveis. A “Breakthrough Energy Coalition”, que tem como membros fundadores Mark Zuckerberg, Richard Branson, George Soros, Jack Ma e a Universidade da Califórnia, entre muitas outras individualidades de prestígio, liderada por Bill Gates, é outro sinal de mudança de fortuna. Trata-se de uma sociedade multimilionária de investigação, baseada na cooperação entre os sectores público e privado, que tem por objectivo não apenas combater as alterações climáticas, mas também, ocupar uma posição de influência na oferta energética destinada à indústria tecnológica. O terceiro elemento, relaciona-se com a tecnologia e a distribuição geográfica dos desenvolvimentos tecnológicos, que não está limitada às economias desenvolvidas. Os inovadores de tecnologia estão espalhados pelo mundo e o capital procura-os, onde quer que se encontrem. As tecnologias importantes aparecem onde são mais necessárias. Os pagamentos móveis têm um campo fértil de desenvolvimento em África, onde milhões de pessoas não têm acesso a bancos ou ao sistema básico de telecomunicações por rede telefónica fixa. As instituições financeiras, no mundo industrializado anseiam por estudar o “blockchain”, que é uma tecnologia para verificação automática, que admite moedas digitais como a “bitcoin’. Se surgir à escala global, a combinação adequada de novas tecnologias financeiras, poderia alterar significativamente a estrutura do negócio dos serviços financeiros. As tecnologias revolucionárias podem aparecer em qualquer ponto geográfico do globo, criando incerteza e sendo mais difícil confiar nas fontes sólidas de poder e estabilidade. As tendências não existem no vazio, pois interactuam entre si para criar padrões de mudança. Sendo certo que é impossível saber a forma como se irão combinar, é possível preparar-nos para os tipos de incerteza que nos esperam. O novo ambiente não é conhecido, até mesmo para os mais experientes. Quem deve tomar decisões importantes para as empresas, terá de abordar seis áreas fundamentais, tais como, desenvolver um centro de excelência para evitar ataques cibernéticos. Tal como todos os riscos, esses ataques exigem que sejam estudados os processos de negócios para minimizar o seu impacto, e adaptar as infra-estruturas e equipamentos aos desafios que estão em jogo. No mínimo exige-se capacidade para responder com eficiência aos ataques. A debilidade económica nos Estados Unidos e na Europa, combinada com o crescimento económico da China têm legitimado o uso do RMB, quer como moeda comercial, quer como reserva. Uma fonte de vantagem competitiva nos próximos amos será o acesso ao RMB, e outra serão os eficientes correspondentes bancários, e os acordos de compensação financeira que permitem aos bancos realizar transacções internacionais. O poder será transferido para escalas locais, nacionais e regionais, os acordos comerciais regionalizam-se e a capacidade de influenciar legitimamente os intervenientes do governo, fará a diferença entre o sucesso e fracasso, pelo que reconhecer as relações do governo como uma competência fundamental, será importante, não sendo apenas uma mais-valia para os sectores regulados como os bancos e os serviços públicos, mas também para todas as organizações. A gestão do risco geopolítico, as relações com os intervenientes do governo e a capacidade para dominar as parcerias público-privadas será um requisito para as empresas prosperarem globalmente. A organização da avaliação da forma como os seus objectivos e negócios serão afectados com a mudança para um mundo multipolar, particularmente, na Ásia, onde a China competirá cada vez pelo domínio e a Índia cresce rapidamente, será de crucial importância. As empresas, terão também, de preparar as suas capacidades logísticas para poder mover provisões, bens, serviços, capital e pessoas pelas esferas de influência. O conhecimento local e a aptidão linguística da força laboral, especialmente dos gestores, serão fundamentais para as oportunidades de negócios a nível global. As diferenças entre os mercados vão necessitar de maior desenvolvimento de pessoas com aptidões especiais a nível local e regional. Os modelos de governança deverão adaptar-se para equilibrar cuidadosamente as tomadas de decisões locais, com considerações e exigências globais e regionais. Assim, devem ser aproveitadas as pessoas com aptidões especiais, nos locais onde se fazem os negócios. A dinâmica competitiva em um mundo em rápida mudança poderia ser perturbada por empresas novas cujos líderes antecipam tendências e as dirigem. A fim de fazer face a tal situação, todas as organizações deverão estabelecer uma cultura de inovação a nível global. As de maior capacidade devem instalar centros de inovação. Tais esforços irão mais além que a questão tecnológica, pois as empresas deverão trabalhar em conjunto para o desenvolvimento de novos ecossistemas complexos.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesBalbúrdia no parlamento [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]ias antes do tufão Haima ter varrido Hong Kong e Macau, as duas cidades emitiram, em diferentes alturas do dia, um alerta de sinal 8 porque ambas sofreram as mesmas condições climatéricas. Por outro lado, as reacções de dois dos políticos pró-independência no Conselho Legislativo de Hong Kong, e os insultos que proferiram, pouco têm a ver com o que se passa em Macau. Este caso deverá ficar resolvido quando o resultado das perícias judiciais for revelado a 3 de Novembro. Mas o descontentamento político da geração mais jovem e o seu desafio às autoridades não irá necessariamente diminuir. Neste aspecto, tanto Hong Kong como Macau irão enfrentar a mesma situação e vale a pena analisá-la. Os residentes de Macau que seguem o desempenho dos deputados da Assembleia Legislativa, só precisam de assistir às transmissões televisivas em directo das sessões do plenário. A estrutura da Assembleia Legislativa de Macau é diferente da do Conselho Legislativo de Hong Kong. O número de deputados indigitados e eleitos indirectamente, no seu conjunto, representa mais de metade dos assentos. Esta característica fez com que a política parlamentar de Macau se tenha tornado durante muito tempo “híper estável”. À primeira vista, a situação da legislatura de Macau parece ser completamente diferente da de Hong Kong, mas, de facto, a balbúrdia é a mesma. Uma híper estabilidade, sem disputas nem conflitos, não é sinónimo de verdadeira harmonia. Em Macau existem todos os tipos de conflitos sociais e os casos de corrupção sucedem-se dia após dia. Apesar da nova “Lei do Enquadramento Orçamental”, recentemente aprovada na generalidade, a Assembleia Legislativa não recebeu inicialmente um maior poder regulamentar efectivo sobre os seus conteúdos. No que respeita à revisão da “Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da RAEM”, também acredito que não promove o progresso gradual e ordeiro do sistema político de Macau. Quanto às eleições para a Assembleia em 2017, receio que os eleitores venham a ser comprados pelos diversos candidatos com pequenos favores. Este cenário preconiza a longo prazo mais malefícios em termos sociais. O episódio da confusão e dos insultos no Conselho Legislativo de Hong Kong resume-se, numa primeira análise, à condenação de dois legisladores “fora do comum” que estavam prestes a tomar posse. Mas, de facto, representou um desafio ao estado de direito de Hong Kong. A partir do momento em que este valor fundamental é subestimado, o “politicamente correcto” passará a ser a estrela que tudo guia. Nesse caso, Hong Kong não ficará muito longe de uma ditadura autoritária. Além disso, a dilatação da importância deste episódio é uma jogada intencional por parte de quem lucra pessoalmente com o caos político. Na China, foi uma prática comum durante a Revolução Cultural. Durante 2016, último ano da 5ª Assembleia Legislativa, os deputados eleitos directamente trabalharam de forma consistente para consolidar os seus próprios interesses. O jornal Observatório de Macau promoveu um seminário sobre as eleições para o Conselho Legislativo de Hong Kong em meados de Outubro. Um dos oradores, o Dr. Ricardo Reis da Camões Tam, fez uma análise preliminar das eleições de 2017 para a Assembleia Legislativa, afirmando que a proporção de deputados representativos dos diferentes sectores vai permanecer inalterada. Por aqui se vê a diferença para Hong Kong, que viu emergir grupos a favor da independência. O resultado previsível das eleições pode ficar-se a dever à imaturidade política e à apatia de longa data da sociedade macaense. Se os jovens que vão votar pela primeira vez não o fizerem de forma sensata, é muito provável que as previsões do Dr. Ricardo Reis de Camões Tam se tornem realidade. Os distúrbios no Conselho Legislativo de Hong Kong nunca se repetirão em Macau. Um parlamento que não conhece a controvérsia, torna-se no Senado da antiga Pompeia… depois do vulcão!
Isabel Castro VozesOs cobardes [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]erdi a conta aos textos que já escrevi sobre o assunto, mas aqui vai mais um, apesar de saber que a expressão da minha indignação é um exercício completamente inútil. Ainda assim. Há coisas que são difíceis de aceitar. O desprezo pelos mais fracos, por aqueles que não têm sequer a possibilidade de se defenderem, é uma delas. Ng Kuok Cheong sugeriu esta semana, na Assembleia Legislativa, a criação de mecanismos de caça aos ilegais. O deputado teve uma ideia: vamos lá fazer, todos juntos, cercos aos locais onde trabalha gente sem os papéis que a lei manda. De acordo com o esquema do auto-intitulado democrata, quando houvesse a suspeita de um trabalhador ilegal em determinado sítio, convocavam-se os residentes para cercar o espaço em questão. Só depois de se garantir que dali ninguém saía ou entrava é que se comunicava o facto às autoridades. Tudo isto em nome da defesa do operariado de Macau, o grupo de pessoas que tem a sorte – a sorte grande – de ter um BIR na mão. Não vale a pena sequer discutir a legalidade da proposta. A um ano das eleições legislativas, não espanta que comecem a surgir ideias peregrinas e, sobretudo, perigosas. Quem acompanha a retórica de alguns deputados à Assembleia Legislativa já se habituou aos disparates que por ali se dizem; daqui para a frente, há que aguentar, em dose dupla ou tripla, o registo da parvoíce. Sabemos bem que há um certo eleitorado que alinha neste tipo de pensamento porque, infelizmente, há uma certa Macau que continua com palas nos olhos que toldam a visão e outros sentidos. Ng Kuok Cheong está a fazer pela vida. Da pior maneira. O ilustre tribuno, com anos de Assembleia Legislativa suficientes para ter decorado, várias vezes, de cima para baixo e de baixo para cima, a Lei Básica de Macau, não é um homem valente. Não propôs cercos para outros tipos de crime. Não vai encabeçar um grupo de bons e legais homens que suspeitam que, num certo quarto de hotel, vivem duas ou três miúdas obrigadas a prostituírem-se. Não vai andar atrás do alegado agiota para descobrir se, no quarto de hotel ao lado do das miúdas, está um apostador caído em desgraça que dava tudo para voltar para casa, mas perdeu tudo numa mesa de um casino. Não, Ng Kuok Cheong não é um homem valente. Ou então há certos tipos de crimes que não o incomodam, porque não vendem. Afinal, os crimes relacionados com prostituição ou com dívidas de jogo raramente têm como vítimas residentes de Macau, com a sorte grande do BIR na mão. São crimes que não contam para efeitos eleitorais. Ng Kuok Cheong dispara, assim, sobre quem não tem modo de se defender: aqueles que não conseguem sequer obter autorização de trabalho. São tão miseráveis que nem sequer sabem que Ng Kuok Cheong fala deles na Assembleia, porque nem sequer sabem quem é Ng Kuok Cheong. Não vieram para Macau para roubar, explorar, matar. Andam por aí nas obras, às vezes caem de andaimes e partem pernas e o coração, a hipótese de uma vida menos miserável sai cara às viúvas e aos filhos e ao resto da família que deixaram para trás. Os trabalhadores ilegais são só trabalhadores – e ilegais porque o destino não teve mais para lhes dar. Acho muito bem que se combata o trabalho ilegal, porque resulta, a maioria das vezes, em situações de exploração. Mas o trabalho ilegal combate-se de outra forma, pelo castigo de quem, para pagar menos, emprega sem garantir as condições exigidas pela lei. O combate deve ser contra os mais fortes e não através do cerco aos mais fracos. Escrevi há uns anos que falta a pró-democratas e Operários – os dois grupos que perdem horas de sono com a mão-de-obra importada, ilegal e legal também – a capacidade de perceber que os trabalhadores que vêm de fora só deixarão de ser uma ameaça no dia em que se garantir que têm as mesmas condições que são dadas aos locais. Só quando estes dois grupos estiverem em pé de igualdade é que um empregador deixará de despedir um residente para dar trabalho a um não-residente que, neste momento, lhe sai mais barato. Inocência a minha. Pró-democratas e Operários sabem bem que é melhor continuar a disparar no alvo errado, naquele que não se mexe porque nem sequer sabe que está na mira. É um alvo fácil. O exercício não requer perícia e vai dando votos. Muitos votos.
Leocardo VozesCom o “36” sempre no bolso [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]ntes de mais nada, talvez fosse melhor explicar o significado do título do artigo desta semana. Diz-se de quem toma posições extremas, ou que peca ora por exagero, ora por omissão, que é “8 ou 80”. Sem falsas modéstias, toda a minha vida tentei pautar-me pelo meio termo, que na dialéctica numeral do “8 e 80”, é o número que se encontra exactamente entre estes dois, o 44. Posto isto, quando me deparo com uma situação que é “8”, tiro do bolso o 36, faz-se a adição e temos o meio-termo perfeito. Quando me aparece pela frente um nítido excesso ou exagero, recorro novamente ao meu 36 de bolso, e desta vez aplico-o numa subtracção, fazendo do indigesto 80 um mais prazenteiro 44. E não é raro depararmo-nos com no dia a dia com situações em que os extremos parecem justificar os fins, deixando completamente de lado o meio…termo. Temos o caso das presidenciais norte-americanas, onde pela primeira vez não há um candidato que eu me importasse menos que ganhasse: ambos são terríveis. Contudo, se a eleição fosse para determinar qual deles é o pior, o candidato Donald Trump ganharia por uma larga margem contra a candidata Hillary Clinton, e diria mesmo por um 80 contra 8. Contudo os apoiantes do candidato republicano, que terão feito a sua opção com base em critérios que terão a ver com tudo menos a aptidão de Trump para o cargo a que concorre, alegam “jogo sujo” da parte do seu adversário político, que veio “trazer à praça pública afirmações de Trump que dão conta da suas posições misogenistas” ou “testemunhos de mulheres que dizem ter sido assediadas sexualmente por ele”. Nada disto parece ser inventado, note-se, mas a legião dos indignados esquece-se que o próprio tempo reagiu de imediato a essas mesmas acusações fazendo exactamente a mesma coisa, tendo por alvo o ex-presidente e marido da sua adversária, Bill Clinton, que não sendo candidato a nada, fica numa posição em que nem pode sair em defesa do seu bom nome. Era preciso um grande “36” a bater em cheio da tola desta gente, para ver se acordavam. Já na actualidade local, tivemos um sinal 8 de tufão na última sexta-feira, o que valeu a funcionários públicos, estudantes e outros (poucos) afortunados um fim-de-semana antecipado. Os Serviços de Meteorologia e Geofísica da RAEM, responsáveis por içar o sinal que vale o tal diazito extra de férias, foram assaz criticados há cerca dois meses, aquando da passagem de outra tempestade pela região, por não terem decretado o recolher obrigatório. Desta vez, diz quem presenciou as duas situações (eu estava ausente do território aquando da primeira) “nem se justificava”. Mais do equipamento com tecnologia de ponta para prever a intensidade das tempestades tropicais, parece que os SMG precisam de adquirir um “36” topo de gama, para evitar que se repitam situações desta natureza. E você, já tem o seu 36? PS: Queria despedir-me desejando aos leitores um “feliz festival da Lusofonia”, que na medida local do “programa das festas”, reveste-se de uma sacrossantidade quase maior que o Natal. Divirtam-se!
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesAs intenções de Duterte – parte III [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] “The Guardian” publicou no passado dia 30 de Setembro um artigo, do qual passo a citar o seguinte excerto: “Na manhã de 30 de Setembro, logo após ter aterrado, no regresso de uma visita oficial ao Vietname, o Presidente filipino Rodrigo Duterte proferiu um discurso, à saída de um dos terminais do aeroporto internacional Davao. Nesta elocução, Duterte estabeleceu um paralelismo entre a sua guerra sangrenta e o massacre de Hitler aos Judeus, dizendo que ficaria feliz se matasse milhões de toxicodependentes.” No seu website, a “BBC News” referia-se ao mesmo acontecimento. Segue um fragmento: “Para a maior parte dos lideres políticos seria inconcebível tecer elogios a Adolf Hitler. Mas não é o caso do sr. Duterte, que comparou a sua campanha contra os traficantes de droga e toxicodependentes ao Holocausto, afirmando que iria matar tantos drogados quantos Judeus Hitler matou.” “Hitler massacrou três milhões de Judeus. Hoje em dia temos três milhões de toxicodependentes. Fico feliz se os matar a todos,” afirmou.” “Pelo menos a Alemanha teve Hitler. As Filipinas não.” O motivo destas declarações continuadas prende-se com a determinação de Duterte em acabar com o tráfico de droga nas Filipinas. Os cidadãos filipinos têm autorização para matar os traficantes. Não é preciso haver julgamento, nem sentença, os traficantes podem ser abatidos. Nestes últimos dois meses, tenho vindo a escrever sobre a suposta ilegalidade deste procedimento. Os julgamentos relacionados com posse de drogas não apresentam dificuldade de maior, porque o principal critério para determinar a sentença é a quantidade de droga apreendida. Quanto maior for a quantidade de droga encontrada na posse do réu maior será a sentença. Em certos países, onde ainda existe pena de morte, a partir de uma certa quantidade, o réu é executado. Permitir que os cidadãos matem os traficantes implica que não se irá determinar que quantidade tinham em sua posse. Se os cidadãos ou a polícia suspeitarem que alguém é traficante podem abatê-lo. Tanto faz que estejam na posse de uma pequena ou de uma grande quantidade de droga, o fim é o mesmo. Vejamos agora a questão doutro prisma. Será que a pena de morte leva a que acabem ou diminuam os casos de tráfico de droga? É uma questão que tem sido muito debatida em criminologia. Imagine o leitor que estava a ponderar tornar-se traficante nas Filipinas, qual seria à partida a sua maior preocupação? Sabe que tem duas opções. Na primeira opção terá bastantes hipóteses de ser abatido, independentemente da quantidade de droga que levar consigo. A segunda opção é.… escolher outro caminho, é sem dúvida o melhor a fazer se tiver amor à pele. Mas se mesmo assim enveredar pela opção 1, então o melhor é tentar traficar a maior quantidade de droga que lhe seja possível. Porque, para acabar morto, tanto faz traficar muito como pouco. Então o melhor é tentar maximizar o lucro enquanto pode, já que o risco de a coisa acabar mal é muito elevado. Vista deste ângulo, a opção 1 reduz o número de traficantes, mas não reduz a quantidade de droga traficada nas Filipinas. Então qual vai ser a opção preferencial do traficante? Bem, isso vai depender de cada um, não existe uma escolha certa à partida. E é por isto que não sabemos se estas medidas irão reduzir efectivamente o tráfico de droga nas Filipinas. É preciso tempo para avaliar a situação. As declarações continuadas de Duterte sobre este assunto merecem ponderação. Não há qualquer dúvida de que o líder de um país é responsável pela manutenção da justiça, da equidade e da consciência nacional. Mas se esse líder optar por métodos dignos da Alemanha nazi, daí resultará apenas crime e guerra. A História mostra-nos que Adolf Hitler não era uma pessoa correcta, e que até começou a II Guerra Mundial. Muitas pessoas e muitos países sofreram as consequências. Pode ser difícil compreender porque é que Duterte compara a sua campanha contra os traficantes ao extermínio dos Judeus promovido por Hitler. É preciso ter presente que tentar acabar com o tráfico de drogas é agir a favor do bem nacional, aqui o problema é a suspeição de que se estão a promover mortes ilegais. Mas os Nazis praticaram crimes de guerra. Cometeram genocídio contra os Judeus. O genocídio ofende todos os seres humanos civilizados porque defende o extermínio de uma determinada raça. E já que os crimes de guerra e o genocídio são ilegais, porque é que o líder de uma nação se vai comparar a quem os cometeu? Será que no fundo ele sabe que a sua campanha é ilegal? E se assim for, porque tomou ele estas medidas? Nos artigos que li não encontrei resposta a estas minhas inquietações. Alguns comentários às declarações de Duterte são negativos. Passo a citar, “Deve ser primo do Hitler” “Declarações irracionais e ridículas” Como se não bastasse, o Gabinete Alemão dos Negócios Estrangeiros apresentou queixa. É sabido que o problema do tráfico de droga aflige as Filipinas. A intenção de Duterte é boa porque quer acabar com este problema. Mas é óbvio, que, quer as suas acções quer as suas declarações, são problemáticas, são do âmbito do contencioso. Se com tudo isto o tráfico de droga não diminuir nas Filipinas, as coisas não vão ficar fáceis para Duterte. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Tânia dos Santos Sexanálise Vozes-ismos [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á uma tendência para definir o ‘outro’, de um contexto cultural distante, como sofredor do mal machista ou misógeno, com consequências potencialmente dramáticas como o feminicídio (essa palavra tão em voga estes últimos dias). Julga-se que a misoginia é mais comum na Ásia, no Médio Oriente (se quisermos generalizar ao medo muçulmano vigente) ou na América Latina. As secções ocidentais ditas ‘civilizadas’ não sofrerão de forma alguma com preconceito e o ataque contra mulheres. E sim, estou a ser sarcástica. ‘As mulheres têm o poder de fazer tudo o que quiserem’; ‘Já há igualdade de sexos’; e etc. são comentários comuns. Em países ditos desenvolvidos e em contextos urbanos, parece que é normal julgarmos que mais nada há a fazer pela igualdade de género. Mas enquanto nos ocupamos a apontar o dedo a burkas, niqabs e hijabs, esquecemo-nos de olhar para o nosso umbigo ‘civilizado’. Temos como exemplo a brilhante performance do candidato à presidência dos EUA (como é que deixaria passar as presidenciais americanas sem um único comentário?) que nas últimas semanas tem sido acusado de assédio sexual por várias mulheres. Sem nunca esquecer os seus comentários nada tímidos ao facto da sua oponente ser uma mulher – ofensas a rodos para todas aquelas que são detentoras de uma vagina. Há um filme polaco absolutamente brilhante sobre um cenário futurista onde só existem mulheres (e dois homens aparecem para criar o caos no mundo exclusivamente feminino). Muita gente acha que ser feminista é isso mesmo, tornar esse mundo utópico real, e estar numa posição radical de extermínio masculino ou da masculinidade. O pessoal fica preocupado porque se julga pôr em causa uma estrutura que tem sobrevivido milhares de anos – desde a antiguidade clássica. Contudo, estudos recentes revelam que em sociedades mais antigas que as greco-romanas, a igualdade de géneros era algo… natural. Leram bem, a desigualdade parece que não está de todo associada a condições biológicas distintas. A desigualdade aparece com a ajuda de processos de uma complexidade bastante maior: processos bio-psico-sociais. Chego a pensar se o preconceito não estará somente na mulher em si, mas em tudo o que se julga representar a mulher. Se a violência doméstica é um problema sério para as mulheres deste planeta, pode sê-lo para os homens também, mas torna-se muito mais difícil de ser denunciado. Conhecem-se casos de homens que vão à polícia fazer queixa e que em vez de receberem ajuda, são gozados por não serem ‘homens’. O problema, por isso, não é julgarem os homens superiores a tudo, mas por julgarmos a ideia de homem – forte, inteligente, racional, prático – o valor máximo da condição humana. E não permitir, assim, as formas que se julgam exclusivamente femininas (mas que tanto homens como mulheres poderão expressá-las) dignas de respeito – ou encará-las como funcionais para lidar com os vários problemas das nossas vidas. Basta pensar em mulheres em lugares de chefia, somos remetidos automaticamente a uma mulher de características masculinas, porque assim a julgamos capaz de levar com o seu trabalho a bom caminho. Normalmente não há espaço para lamechices ou vulnerabilidades, ou do que normalmente se encara como feminilidade. Esta dicotomia de valores, que mais fazem lembrar o ying e o yang daoista, não deixará de existir se persistirmos nesta luta feminista. Tenta-se, sim, lutar contra uma associação de posicionamentos intrinsecamente positivos ou negativos de uma e outra. Há uma grande diferença entre assumir a diferença e hierarquizar a diferença (e atrevo-me a sugerir uma reflexão sobre a diferença em todas as áreas das nossas vidas, não só as de género). O problema é que este é um exercício mais difícil na acção do que no pensamento – mas o meu optimismo acredita que devagarinho somos capazes de chegar a um lugar melhor. Pelo fim do feminicídio, pelo fim da violência. Nem uma menos. Ni una menos.
Rui Flores VozesEm nome do povo [dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi como se o mundo – leia-se a imprensa internacional do “mainstream” – tivesse acordado para o populismo apenas quando Donald Trump atingiu as primeiras páginas dos jornais. Nem todos os eventos, semelhantes na sua essência, são valorados da mesma forma. Naturalmente. Um atentado terrorista que mata uma pessoa na Europa recebe cobertura jornalística mais extensa do que um outro evento no Afeganistão que tenha feito 200 vítimas. O mundo é injusto. Mas esta é a lógica da comunicação social. A atenção que tem sido dada ao primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, e ao seu discurso e políticas contra os imigrantes, ou ao presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, e à sua campanha pela eliminação de traficantes e consumidores de droga, é menor do que a que tem recebido Donald Trump, candidato republicano à presidência dos Estados Unidos da América. Mas a atenção mediática dedicada à campanha presidencial norte-americana tem o mérito de ter posto a academia a reflectir sobre as diferentes dimensões do populismo. A edição de Novembro-Dezembro da Foreign Affairs dedica, por exemplo, um número considerável das suas páginas a explicar o fenómeno. Recorre a vários pesos pesados da ciência política e comunicação, entre os quais Fareed Zakaria, apresentador do programa GPS da CNN, para fazer um ponto da situação sobre o populismo no ocidente. Entre discussões teóricas sobre as principais componentes do populismo – o discurso anti-elite, anti-sistema, a defesa do homem comum contra os poderosos, a invenção de inimigos externos contra os quais nos devemos unir para garantir a nossa sobrevivência – são avançados, também, dados actualizados sobre a chegada ao poder de partidos populistas no continente europeu. Desde os anos 1990 que o populismo ganha terreno na Europa, quer à esquerda quer à direita. Com a queda do Muro de Berlim, o fim da história e uma aproximação ao centro dos principais partidos – que foram implementando uma agenda reformista alegadamente neoliberal, esbatendo alegadas diferenças ideológicas entre centro-esquerda e centro-direita –, o espaço do populismo tem aumentado. Os partidos populistas controlam parlamentos em seis países: Grécia, Hungria, Itália, Polónia, Eslováquia e Suíça. O resultado de todas as eleições na Europa nos últimos cinco anos, 16, no total, dá aos movimentos populistas, de extrema-esquerda e de extrema-direita, uma média de 16.5 por cento dos votos. Pelo menos um partido populista em cada um dos países conseguiu mais do que 10 por cento dos votos. As causas estão identificadas e parecem estar aí para ficar. A globalização tem contribuído para a deslocalização de capital e de empresas, conduzindo a despedimentos de onde saem. Quando as multinacionais se mudam para outras latitudes, onde os salários são mais baixos, mandam para o desemprego milhares de pessoas e levam ao encerramento de outras empresas que não conseguem competir com as transnacionais. A migração que tanto tem preocupado a Europa nos últimos dois anos – devido ao conflito na Síria e à consequente onda de migrantes “maquilhada” somente por a União Europeia ter “comprado” à Turquia a manutenção de refugiados no seu território – é apenas uma consequência da globalização. E é um fenómeno que se repete um pouco por todo o lado. No Reino Unido, diz a narrativa populista, são os polacos que “roubaram” postos de trabalhos, sobretudo indiferenciados, aos britânicos. Noutros países, como em Portugal, sobretudo nos serviços, dominavam os imigrantes do Leste da Europa e do Brasil. O discurso contra a imigração tem estado no centro da campanha política nos Estados Unidos, pela mão de Trump, mas também já esteve no centro da discussão durante a campanha do referendo que, em Junho, decretou a saída do Reino Unido da União Europeia. Mas a globalização fez da imigração a regra. Os avanços tecnológicos têm igualmente contribuído para uma diminuição geral de postos de trabalho. Basta imaginar, por exemplo, o que acontecerá com os motoristas profissionais quando os carros deixarem de ser conduzidos por pessoas – um cenário de ficção científica que a Google e a Uber estão a transformar em realidade. A pressão demográfica que é colocada aos governos dos vários países desenvolvidos – sobretudo na Europa, onde o saldo demográfico, com a esperança de vida a aumentar e a taxa de natalidade a diminuir – põe um travão a políticas expansionistas e faz aumentar a conta da solidariedade social. Os governos sejam do centro-esquerda ou do centro-direita não têm grande margem negocial, sobretudo quando têm de cumprir as regras orçamentais. A dívida pública média dos países europeus está nos 67 por cento do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto nos Estados Unidos se encontra nos 81 por cento. Ou seja, no caso da Europa, apenas um terço do que é produzido poderia ser usado para investir na expansão económica ou para ser redistribuído. Os governos estão pois manietados. Ou, na expressão em língua inglesa, é a política da TINA (“there is no alternative”). Veja-se, por exemplo, a incapacidade negocial do Syriza para com a União Europeia. A grande diferença entre esquerda e direita, salienta, por exemplo, Fareed Zakaria, já não é económica, é cultural. E ela que vai marcando a diferença entre os dois campos. Temas “fracturantes” como o aborto, o casamento homossexual ou a eutanásia são cada vez mais as questões fulcrais nas campanhas políticas. Todos estes factores têm levado ao florescimento do populismo. O voto de milhares de eleitores da classe média, habitualmente do centro político, em partidos de extrema-esquerda e de extrema-direita, radicais, racistas, xenófobos – veja-se por exemplo como em França a Frente Nacional de Marine Le Pen está a crescer –, deveria acima de tudo preocupar os partidos no poder e levá-los a apresentar alternativas sérias, credíveis, de forma a que os populistas, demagogos, não tivessem possibilidade de crescimento. Mas após décadas de apatia política, reforçada pelas similitudes dos principais partidos, a possibilidade de um homem (ou mulher), anti-sistema, anti-político, anti-elite, um homem do “povo” que quer fazer frente aos poderosos, começa a ter um apelo cada vez maior. Tudo em nome do povo, bem entendido.
Fa Seong A Canhota VozesA arte de rua é mal vinda [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]romover as indústrias culturais, criativas e artísticas tem sido recentemente uma meta do Governo de Macau, ou, talvez mais, um “slogan”. Neste sentido, são muitos os festivais, espectáculos e outro tipo de eventos, que acontecem para aumentar o valor artístico da cidade. No entanto e também verdade, é que nem todos os tipos de arte são bem vistos pelas autoridades, sobretudo quando se fala de arte de rua. Vários são os casos em que turistas ou artistas estrangeiros acabaram detidos por estarem a mostrar as suas competências artísticas nas ruas da cidade. Uns dançam, outros cantam, tocam ou pintam, mas, aos olhos das autoridades estão a violar a lei da “obrigatoriedade de notificação ou licença”. É esta execução da lei que tem estado no centro de algumas polémicas, tanto na comunicação social como no mundo virtual. Ao que parece, na base do descontentamento está a incompreensão das detenções e da razoabilidade destas acções. Actualmente, todas as actividades realizadas em espaços públicos devem ser requeridas ao Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM). Só em Abril deste ano é que apareceu a notícia do aparecimento de uma proposta de lei que regulamente os espectáculos de rua. Alexis Tam, por exemplo, considera que Macau pode aprender com os países estrangeiros onde este tipo de espectáculos são comuns. Penso que apesar de Macau ser muito pequeno, atrai turistas estrangeiros que escolhem este território. Ao tocar nas nossas ruas trazem alguma felicidade para a população local enquanto satisfazem o seu espírito artístico. Macau deve aproveitar este encanto o que está para além do brilho do jogo. Contudo, na proposta de lei proposta pelo Governo, os interessados em fazer espectáculos de rua têm que entregar um requerimento a pedir autorização que será avaliado pelas entidades competentes. Paralelamente será também criada uma comissão de apreciação para avaliar o local, a forma e o conteúdo tanto da proposta, da sua “adequação” ao público e da segurança dos equipamentos associados. Não entendo, não concordo e não penso que seja lógico que a arte de rua seja restringida. Como é que é possível um artista viajar para Macau e fazer um pedido ao Governo para cantar uma canção? Como é que um turista que quer mostrar e partilhar os seus dotes na sua passagem pelo território tem possibilidades de fazer de fazer este tipo de pedidos? A regulamentação é sempre boa na perspectiva do Executivo mas, na realidade, não beneficia o desenvolvimento das artes de rua, nem ajuda a quebrar o impasse que os artistas encontram. Talvez a segurança pública tenha que manter as ruas sem qualquer actividade não autorizada, mas não considero que Macau mereça o nome de Centro Mundial de Turismo e Lazer quando não consegue acolher espectáculos ou performances simples, muitas vezes sem fins lucrativos, e que não representam qualquer risco para a população.
Isabel Castro VozesMacau a brincar [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] jornal que tem nas mãos contou esta semana uma história sobre a qual vale a pena reflectir: um licenciado em Macau que pretenda dar aulas, independentemente da formação de base que tenha, garante facilmente o acesso à carreira de docente com uma pós-graduação de apenas um ano. O curso é leccionado na Universidade de São José e fortemente incentivado pelos Serviços de Educação e Juventude, que contribuem com parte substancial das propinas. Não discuto a qualidade da universidade e da pós-graduação, o modo como o programa é dado ou o sentido de oportunidade de quem, não tendo estudado para professor, aproveita para mudar de vida através deste curso. Tenho a certeza de que há pós-graduados com uma indiscutível vocação para o ensino – e por isso mesmo é que voltam aos livros, depois de terem concluído licenciaturas em áreas como o Marketing e o Design, para poderem abandonar os computadores e as reuniões de adultos chatos, e ganharem instrumentos para lidarem com crianças, os únicos seres mais ou menos puros que encontramos por aí. Já as intenções dos Serviços de Educação e Juventude me suscitam dúvidas, das mais profundas. É óbvio que o Governo, ao apoiar de forma tão expressiva a pós-graduação em causa, tentou (e aparentemente conseguiu) uma saída airosa para um problema grave de Macau: a falta de professores. E está a dar a volta a este difícil texto indo ao encontro dos desejos proteccionistas de alguns sectores – formam-se professores à pressão e evita-se, deste modo, a contratação ao exterior. Por melhor que seja o curso, um ano não são quatro nem cinco, o tempo que um professor passa numa universidade. Noventa horas de estágio não são um ano de estágio. Por melhor que seja o aluno da pós-graduação e por muito talento que tenha, é impossível que termine o curso da Universidade de São José com o mesmo nível de preparação de pessoas que passaram vários anos a estudar para depois poderem ensinar. A questão política: ao não exigirem um elevado nível de preparação académica aos docentes de Macau, os Serviços de Educação e Juventude estão a banalizar a profissão. E ao banalizarem a profissão, estão a desvalorizar uma das áreas mais importantes do funcionamento de uma sociedade. A educação é tão importante quanto a medicina, porque um aluno sem uma boa formação jamais poderá salvar vidas; a educação é tão importante quanto o direito, porque um aluno mal formado jamais poderá ser um juiz ponderado; a educação é tão importante quanto a engenharia, porque jamais um aluno com dificuldade em fazer contas será capaz de pensar numa ponte ou num prédio. A educação é importante porque sem ela é difícil termos boas pessoas e bons cidadãos. Eu, jornalista de profissão mas também de formação, posso frequentar uma pós-graduação em Direito. No entanto, este curso não me garante – e ainda bem que assim é – o acesso à advocacia, nem faz de mim jurista. Seria um escândalo se tal acontecesse. Não consigo entender por que razão não é um escândalo que a formação dos nossos filhos e dos filhos dos nossos vizinhos possa estar nas mãos de quem – mais uma vez, independentemente do talento, vocação e conhecimentos – não passou uns bons anos a estudar para ser educador de infância ou professor. A história da pós-graduação da Universidade de São José é, de certo modo, um bom exemplo de como Macau funciona em diversos aspectos: isto é tudo mais ou menos a brincar, que a malta é porreira e não se passa nada. Assobia-se para o lado e para se tapar um buraco destapa-se outro, que a manta é curta. Mas isso depois logo se vê – aqui entre nós que ninguém nos ouve, pode ser que passe entre os pingos da chuva.
Leocardo VozesQuem não sente, consente [dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]enho andado desde o último fim-de-semana absorto nas notícias do “caso Ched Evans”, que é muito possivelmente o caso mais mediático da justiça britânica dos últimos anos. Ched é um jogador de futebol que há cinco anos foi indiciado de do crime de violação de uma jovem de 19 anos, três mais nova que ele. Não foi uma “violação” no sentido que muita gente entende como tal, não chegando haver um tabefe, um “chega-pra-lá”, ou sequer um palavrão – “nem chegaram a trocar uma palavra”, segundo a alegada vítima. Parece-me grave, sem dúvida, pois nas circunstâncias em que se conheceram, uma pequena introdução era o mínimo que se exijia antes da grande intro…bom, esqueçam, que prometi a mim próprio que tratava o assunto com seriedade, ao contrário de muita gente de quem tenho lido a opinar sobre o assunto. E acreditem que não são piadas parvas como aquelas que tenho encontrado. É algo de assustador, vil, tétrico, e muito preocupante, também. É quase impossível falar do caso sem querer parece estar a desvalorizar o sofrimento das vítimas de violação em geral. Especialmente se for com mulheres, que são normalmente o alvo deste tipo de crime, ou pelo menos quem fica com marcas psicológicas, independente se existem ou não mazelas físicas. Mas a vida é assim; neste mundo há fome, guerra, doenças, corrupção, miséria, em suma, desgraças atrás umas das outras, e não é a “mudar de assunto e falar de qualquer coisa mais agradável” que acabamos com estes problemas. O problema com o crime de violação é o estigma a que as vítimas ficam sujeitas, e não é por culpa de mais nada senão do lado sádico do carácter humano que sabendo que determinada pessoa foi um dia vítima desta humilhação, fica-se com essa imagem associada a ela. Mas alto lá, pois assim como no tango, é preciso um par para dançar, e para que haja uma vítima, é necessário que tenha havido um agressor. E o que consideramos nós por “agressão”, que pode variar conforme a personalidade, experiência, e até a educação de cada indivíduo? No caso do tal futebolista, o que se passou foi mais complexo do que a mera satisfação de um instinto predatório, que a principal motivação do agressor na maior parte destes casos. Sem que se tenha ficado a saber muito bem quem dizia a verdade ou quem estava a mentir, é um dado garantido que Ched Evans e a alegada vítima tiveram um encontro sexual, e num contexto que se convencionou designar por “sexo casual”, que é algo que acontece entre duas pessoas que se acabaram de conhecer, ou que já se conheciam mas acordam em realizar este encontro sem que daí resulte algum compromisso entre ambos. Neste caso em particular os dois não se conheciam, aconteceu, e posteriormente a alegada vítima apresentou queixa do jogador, com base na “falta de consentimento” da sua parte. Parece grave, mas o que ela afirmou foi mais precisamente que “não se recordava de ter dado consentimento”, e de muitas outras coisas, pois encontrava-se “demasiado embriagada”. No estado em que se encontrava, podai ter dado consentimento, como podia ter omitido essa ordem para avançar com as tropas. Peço desculpa, mas não consigo resistir, de tão absurdo que isto é. Quem tem uma noção do que se trata o “sexo casual”, ora por experiência própria, ora sabendo por outros (claro, claro, eu finjo que acredito), deverá estar consciente de que a situação não requer uma autorização expressa para que executem os trâmites: é implícito. No entanto a lei inglesa desenha uma linha muito ténue entre “falta de consentimento” e a violação, pura e simplesmente. Isto vale por dizer que basta a palavra de uma das partes, e nesta caso a mulher, para que o parceiro seja equiparado a um indivíduo que se esconde nos becos à noite esperando que passe uma donzela sozinha, para depois a abordar de forma súbita e violenta, disfruando das suas virtudes indiferente ao seu desespero. Não me quer parecer que seja bem “a mesma coisa”. Resumindo o que se passou a seguir. Foi realizado um julgamento em 2012 que viria a resultar na condenação de Ched Evans a cinco anos de prisão, e com base nos eventos pouco conclusivos daquela única em que se comportou de forma abusiva (ele próprio se retratou desse facto), mas não criminosa, passou a ser conhecido por “violador”. Como na semana passada troquei uma lâmpada do candeeiro da sala daqui de casa, estou a pensar em apresentar-me como “electricista”. Nunca deixando de reafirmar a sua inocência, o jogador recorreu de de todas as formas possíveis, usando todos os meios de que dispunha, e conseguiu a repetição do juglamento, que na semana passada reverteu a sentença para “não culpado”. E o que mudou, entre a condenação e a absolvição? Apareceram novos dados? Novas provas? Testemunhas? Nada disso, pois esses foram sempre os mesmos desde a primeira hora. Ninguém quis levar nada disso em conta,e tenho uma teoria que ajuda a perceber porquê: quem questionar a veracidade da acusação de um crime desta natureza, é tão mau ou pior que o criminoso. Ninguém se atreveu a duvidar da culpa do futebolista, e a mera sugestão de que se deveria olhar bem para o caso provocava um coro de indignação, e no lugar do maestro estavam os suspeitos do costume: associações que combatem males sociais sem os quais a sua razão de ser deixaria de fazer sentido. É uma perspectiva controversa, eu sei, mas o que tenho lido nos últimos dias levam-me a concluir que às vezes o problema das pessoas são elas próprias. Na minha utopia viveríamos numa sociedade harmoniosa, onde reinaria a ordem e a concordância , e os número da criminalidade seriam zero, violação incluida, lógico. Outras cabeças vão pensar que estou a “proteger os agressores”. Vou mesmo assim acabar numa nota positiva, com algum optimismo: pode ser apenas falta de qualque coisa melhor para ocupar o tempo, esta de se falar sem saber e dizer os maiores disparates. Se por acaso se quiserem entreter com outra coisa melhor, e o “sexo casual” for uma opção a considerar, recomendo que levem um notário reconhecido legalmente, de modo a que possa ficar registado o “consentimento”. Ah, e não se esqueçam do preservativo, também, que é a segunda precaução mais importante.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA nova ordem económica internacional (I) “As the Chinese economic transformation is unprecedented in human history, there are no successful models from which the Chinese can learn in order to smoothly and effectively transform their planned economy to a market economy. Nonetheless, the so-called Socialist Market Economy, or Economic Taoism approach, appears to have been remarkably successful. Although there is no agreement in the literature on whether a coherent Chinese model of economic growth exists, it seems clear that the approaches of Taoism, combined with its traditional guanxi relationships, have helped China in “groping for stones to cross the river.” It may be too early to say that the Chinese Economic Taoism paradigm has come of age; however, it is indisputable that China has found a unique way to develop its economy and that this has enabled it to respond effectively to the recent financial crises.” “China in the International Economic Order: New Directions and Changing Paradigms” – Lisa Toohey, Colin B. Picker and Jonathan Greenacre [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s mercados emergentes que cresciam a grande rapidez e a brecha que sempre os tinha separado dos países industrializados, começava a fechar-se no inicio do século XXI. A convergência realizava-se num ambiente de liberalização económica, em que se acreditava, que os sistemas financeiros de todos os países, formariam uma rede uniforme, mas esse período terminou. Os países emergentes já não crescem à velocidade de antes, especialmente, em comparação com os países desenvolvidos, e as fissuras entre os diferentes sistemas tornam-se mais evidentes. A última sondagem anual aos executivos de empresas pela “PricewaterhouseCoopers (PwC)” designado por “19th Annual Global CEO Survey”, mostra que apenas 35 por cento dos inquiridos crêem que o mundo caminha para uma maior unidade económica, e cerca de 59 por cento dos inquiridos acreditam que vários modelos económicos irão coexistir e competir entre si. A confirmar essa análise, apenas basta observar quão diferente é o investimento público e privado nos Estados Unidos, China, Japão e União Europeia (UE). Esses países e região operam com premissas fundamentalmente diferentes, acerca da forma como a economia se deve organizar. A tensão entre esses diferentes pressupostos aumenta de forma gradual, indicando que uma nova ordem económica mundial está a surgir para substituir a que existiu desde o final da II Guerra Mundial. A economia global, num futuro próximo, será definida por um conjunto complexo de relações económicas em permanente mudança. As economias continuarão interligadas, mas com regras em constante mudança no comércio internacional. A forma mais eficaz para o líder de uma empresa gerir esta complexidade, ou atravessar a entrada para a próxima ordem económica com confiança e habilidade, é concentrar a atenção em três tendências base, como a dispersão do poder económico, a contínua evolução de modelos de crescimento dirigidos pelo Estado e a aceleração da ruptura que sofrem as empresas, como consequência da alteração tecnológica. Essas tendências podem parecer evidentes, mas nenhuma à primeira vista é na realidade. Além disso, continuarão a evoluir em direcção incerta. Se forem analisadas cuidadosamente, os empresários poderão ajudar as suas organizações a tomar as medidas necessárias para avançar na nova ordem económica mundial. A dispersão do poder económico está a produzir uma alteração fundamental. O dólar está a perder a sua posição exclusiva como moeda de reserva mundial e nas próximas décadas, nenhum país poderá dominar a balança de pagamentos, como fez os Estados Unidos durante mais de setenta anos. O último acontecimento idêntico foi no final da II Guerra Mundial, e o catalisador foi a Conferência de Bretton Woods, em 1944. Após a Conferência, os Estados Unidos converteram-se no país que negociava os acordos internacionais para que as actividades financeiras fossem realizadas com ordem, adoptando dessa forma, a posição de líder mundial até ao presente. As instituições multilaterais que surgiram então, como o Banco Mundial, a Organização Mundial de Comércio (OMC) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), estavam sujeitas à forte influência dos Estados Unidos e funcionaram bastante bem, durante muito tempo, o que não quer dizer que não tenham existido conflitos. Quando unilateralmente os Estados Unidos abandonaram o padrão ouro, em 1971, por exemplo o “Choque Nixon” provocou dois anos de negociações, até que as grandes economias aceitassem que as suas moedas flutuassem face ao dólar. Os Estados Unidos durante o período do pós-guerra, negociaram com as grandes economias para tomar as decisões mais importantes. A intenção foi quase sempre favorecer países amigos, quase todos com economias democráticas e liberais. Durante as sete décadas após a Conferência de Bretton Woods, a superioridade económica dos Estados Unidos baseou-se em quatro pilares. Os dois primeiros foram a sua possante importância económica em expansão, e as redes comerciais que estabeleceu e dominou e que eram também, os motores do crescimento global. Os outros dois pilares foram o estatuto do dólar como moeda global de reserva e a sua influência nas instituições multilaterais. Assim, trouxe estabilidade à economia global, e uma plataforma para a cooperação internacional. As economias emergentes estão a pôr em causa os quatro pilares. O país desafiador mais notável é a China, cuja influência económica global surgiu rapidamente na última década. A China, em 2014, converteu-se na maior economia do mundo, em termos de poder aquisitivo. Era até então a de maior crescimento entre os países que constituem o G20. A indicação da importante influência económica chinesa é importante, como se pode ver pela sua recente desaceleração, que teve repercussões nos mercados mundiais. Essa influência enfraqueceu o primeiro pilar, ou seja, a força da economia dos Estados Unidos após a II Guerra Mundial. A China é também o maior exportador mundial. A rápida adopção desse papel deu-lhe uma enorme influência nas redes comerciais, enfraquecendo o segundo pilar. Por outro lado, está-se a deteriorar a eficácia dos acordos comerciais multilaterais, sendo substituídos por acordos regionais que começam a preponderar. Os acordos regionais representam uma erosão da capacidade americana para definir as regras a nível global. O progresso da China em estabelecer o renminbi (RMB) como moeda para acordos internacionais, enfraquece o terceiro pilar velozmente. Quanto ao quarto pilar a China está a tentar alargar a sua presença nas actuais instituições multilaterais e a criar novas. A sua contribuição para o orçamento da ONU, duplicou entre 2010 e 2015, e presentemente representa 5 por cento do total das suas contribuições. Tem uma participação cada vez maior nos esforços de paz, controlo das alterações climáticas e redução da pobreza. A criação de uma nova ordem económica global é inevitável. Ainda que a China não vá substituir os Estados Unidos, tornar-se-á cada vez mais difícil a estes, recuperarem a sua posição de domínio económico global, porque existem outras economias a aumentar o seu poder de influência. O FMI prevê que a Índia, terceira economia mundial, seja até ao final de 2016, a de maior crescimento do G20. Surgirá como um actor económico influente com interesses próprios. Em um mundo de poder económico em dispersão, a estabilidade será mais considerada que nunca. Pela natureza dessa estabilidade, não será estabelecida por nenhuma das grandes potências, pois dependerá da qualidade das relações económicas entre os principais países, incluindo aqueles que tenham sistemas económicos diferentes. A actual alteração no poder económico global será distinta da última grande mudança em 1944, pois o poder de influência na economia em termos globais passou do Reino Unido para os Estados Unidos, que são dois países com uma visão do mundo semelhante, mas mesmo assim, o processo de transferência da polaridade de um lado ao outro do Atlântico levou quarenta anos, pois tinha-se dado nos começos do século XX. Actualmente, assistimos a um reequilíbrio muito mais rápido, entre os diferentes sistemas económicos e políticos, cada um, com distintivo nível de confiança nos mercados e no papel do Estado. O modelo de Estado da China tem criado um crescimento significativo na última década. É evidente que este modelo não será suplantado por uma forma tradicional de capitalismo, em um futuro previsível. O modelo de Estado mantém a popularidade porque está associado a um forte crescimento nas economias emergentes. Os governos dos países da América do Sul e Rússia, entre países de outras áreas, mantiveram-no nos últimos anos. A dispersão do poder económico e as incompatibilidades consequentes estiveram mais em evidência nas áreas da logística, telecomunicações, suporte lógico e infra-estrutura. É de considerar que a existência de sistemas paralelos em esferas competitivas de influência, o movimento de provimentos, bens, serviços, capital e talentos de uma esfera de influência a outra é menos alinhado. As empresas não estarão isentas de sofrer interrupções periódicas, como atrasos na obtenção da acreditação dos pagamentos ou nas taxas alfandegárias. Um possível exemplo envolve o sistema global de pagamentos. A denominada de “The Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication (SWIFT)” é uma cooperativa que fornece uma plataforma de comunicação, produtos e serviços para ligar mais de dez mil e oitocentos bancos, distribuidoras de valores e clientes corporativos em mais de duzentos países e territórios. O SWIFT permite aos seus utilizados a troca de informações financeiras de forma automatizada e padronizada, com segurança e confiança total, o que reduz os custos, diminui o risco operacional e elimina as ineficiências operacionais. Além disso, também une a comunidade financeira no sentido de melhorar a colaboração na adaptação das práticas de mercado, definição de normas e debater questões de interesse comum. O seu grande mal é de estar sujeita à influência dos bancos americanos e europeus. A “China International Payment Service (CIPS)” é um sistema de pagamento que oferece serviços de compensação e de liquidação para os seus participantes nos pagamentos RMB, transfronteiriços e de comércio. É uma infra-estrutura do mercado financeiro na China. O CIPS foi planeado para ser desenvolvido em duas fases. A primeira designada por, CIPS (Fase I), teve lugar a 8 de Outubro de 2015. O primeiro grupo de participantes directos é constituído por dezanove bancos chineses e estrangeiros, que foram criados na China e cento e setenta e seis participantes indirectos que abrangem seis continentes e quarenta e sete países e regiões. O CIPS assinou um memorando de entendimento com a SWIFT, para a sua implantação como um canal de comunicação seguro, eficiente e confiável para a ligação do CIPS com os membros da SWIFT, o que proporcionaria uma rede que permite que as instituições financeiras em todo o mundo, possam enviar e receber informações sobre transacções financeiras em um ambiente seguro, padronizado e confiável. O CIPS é por vezes referido como o “Sistema de Pagamentos Internacional da China”. Tendo sido apresentado primeiramente como alternativa ao SWIFT, com vista a processar pagamentos internacionais denominados em RMB, nunca irá substituir o SWIFT, porque 45 por cento das transacções internacionais são denominadas em dólares e todos os bancos internacionais terão a necessidade de aceder ao sistema bancário americano. Todavia, com o CIPS a funcionar bem, alguns bancos internacionais poderiam decidir operar sem a licença da banca americana e os Estados Unidos teriam menor autoridade para impor regras a bancos não americanos.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesHong Kong, o futuro para lá de 2047 [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] website de Hong Kong “discuss.com.hk” fez saber, dia 17 do mês passado, que o Chefe do Executivo de Hong Kong, Leung Chun-ying, anunciara a ida a leilão da concessão de terrenos em Shatin, Hong Kong. A concessão é válida por um período de 50 anos, até 2066. É um indicador de que o estilo de vida de Hong Kong não se irá alterar depois de 2047. O artigo adiantava que os pormenores deste acordo seriam revelados numa entrevista exclusiva dada pelo Chefe do Executivo ao jornal de língua inglesa China Daily. O website comentava que as declarações de Leung são uma resposta à mensagem “da segunda negociação para o futuro de Hong Kong após 2047”, já que alguns jovens estão preocupados com o que está para vir depois dessa data. Nestas declarações Leung nunca demonstra preocupação com o futuro. Acredita que o estilo de vida de Hong Kong não vai sofrer alterações depois de 2047. Passo a transcrever extractos da sua entrevista ao China Daily, publicada a 20 de Setembro, “……. Assim, 50 anos após o regresso à soberania chinesa, em 2047, para sermos precisos e em teoria, o estilo de vida, assente no sistema capitalista, poderá vir a mudar. Mas, da forma como eu vejo as coisas, essa mudança não tem de acontecer, porque se o principio “Um País, Dois Sistemas” funciona bem em Hong Kong hoje em dia, vai continuar a funcionar em 2047 e daí em diante. O artigo sobre a transição não indica que em 2046 este principio venha a ser alterado. Por isso, em 2047 manteremos “Um País, Dois Sistemas.” “…. É de salientar que vamos conceder uma exploração por 50 anos, e que essa concessão expira depois de 2047. O Departamento das Terras de Hong Kong concede a exploração dos terrenos de Shatin a quem apresentar a maior oferta. A concessão é válida por 50 anos, expirando em 2066, e não em 2047. Temos aqui um forte indicador de como as coisas se vão passar em Hong Kong para lá de 2047……” Aparentemente esta foi a primeira vez em que o Chefe do Executivo falou publicamente sobre o futuro de Hong Kong após 2047. A publicação desta entrevista no China Daily, é também muito significativa para Hong Kong em vários aspectos. Em primeiro lugar o China Daily é um jornal de língua inglesa publicado na China. Desta forma a entrevista de Leung pode ser partilhada pela China e por Hong Kong. Os quadros seniores na China vão lê-la. Irá ser analisada e pode desencadear comentários oficiais. O futuro de Hong Kong é uma questão sensível e vital. As palavras do Chefe do Executivo de Hong Kong agradaram à população, mas a preocupação não desapareceu completamente, na medida em que estas declarações não foram proferidas por representantes do Governo Central. Em segundo lugar, como parte da entrevista se relaciona com a compra e venda de terrenos, deduz-se que este sistema não vai sofrer alterações de maior depois de 2047. Em Hong Kong o sistema que rege os terrenos levanta situações complicadas. Ultrapassa a mera questão da compra e venda. Analisemos o assunto do ponto de vista do proprietário. Será que alguém quer investir na compra de um terreno, sem saber se o vai conservar depois de 2047? E será que os bancos estão dispostos a conceder empréstimos cuja amortização termine para lá desta data? E os construtores vão investir sem saber exactamente o que os espera? Se não tivermos respostas concretas a estas perguntas, o preço dos terrenos em Hong Kong vai cair, e as consequências para a cidade serão terríveis. Estabelecer concessões que vão para lá de 2047, leiloar os terrenos e incentivar os empresários a construir nesses terrenos é uma boa forma de deixar implícito que a propriedade privada se vai manter em Hong Kong depois de 2047. Mas a manutenção deste sistema requer o apoio de outros elementos. Por exemplo, é necessário um sistema legal que garanta a legitimidade da propriedade privada. Imaginemos que alguém precisa de recorrer a um empréstimo bancário para comprar um apartamento. É necessário que o actual sistema bancário se mantenha depois de 2047. Mas, nas suas declarações, Leung não menciona a Lei, nem o sistema jurídico, nem o sistema bancário, nem as operações comerciais. Será que tudo vai ficar igual depois de 2047? Por enquanto não existe resposta para esta pergunta. É preferível não especularmos a partir de uma única entrevista. Em terceiro lugar, estas declarações de Leung são oficiosas. Reflectem uma opinião pessoal, ou reflectem a política do Governo Central? Será que Hong Kong vai ter uma segunda Lei de Bases ou uma nova Lei, totalmente diferente? As declarações de Leung são validadas pela Lei? É vital que existam respostas a estas perguntas, já que a Lei estabelece as directrizes que guiam os cidadãos. É preciso pensar duas vezes nestas questões. É óbvio que ainda nos separam 30 anos de 2047. Talvez ainda seja cedo demais para discutir o futuro de Hong Kong depois dessa data. Se fizermos uma retrospectiva, verificamos que a questão do futuro de Hong Kong foi levantada pelo Governo Britânico em 1979, e que a Declaração Conjunta Sino-Britânica foi feita em 1984. Em 1979 ainda faltavam quase 20 anos para 1997. Seguindo esta lógica, o timing certo para discutir o futuro de Hong Kong para lá de 2047, viria a ser 20 anos antes, ou seja, em 2027. Pelo que esta discussão poderá ser um pouco prematura. Esta fronteira temporal chegará a Macau em 2049. À semelhança de Hong Kong, o futuro de Macau está nas mãos da China. Ninguém conhece o futuro. Mas a experiência de Hong Kong pode ser uma boa referência para Macau. Não importa se viremos a ter ou não uma segunda Lei de Bases, mas é desejável que venhamos a ter uma “Lei Geral” que oriente a estrutural fulcral do Governo e estabeleça direitos, deveres e estilos de vida para os habitantes porque a Lei é o guia de qualquer governação.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesÀ procura de refúgio [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]ada um de nós, em alguma altura das nossas vidas, precisou de refúgio. O pedido de asilo – o pedido de ajuda – seja por razões socio-políticas, geográficas ou simplesmente emocionais, é um acto de coragem por si só, porque ninguém gosta muito de se mostrar vulnerável. O refúgio dá-nos casa, conforto e segurança, onde podemos ser aquilo que queremos ser – aquilo que verdadeiramente somos. Nestas coisas do sexo, o refúgio é um lugar importante para as múltiplas identidades sexuais. Vivemos em sociedades de conservadorismo sexual com alguns laivos de progresso e onde identidades e práticas ‘diferentes’ são vistas de lado. Se procurarem em humansexmap.com vão ver como cada um de nós tem grupos de pertença de acordo com aquilo que gosta (por mais estranha a actividade vos pareça), criando então um mundo de fantasias onde há espaço para todas e todos, com todas as suas manias. Se no sexo há espaço para tudo, no mundo também deveria haver espaço para todos. A questão dos refugiados que está neste momento tão em voga pode não ter que ver directamente com sexo, mas certamente que tem implicações. Fala-se sobre questões de direitos humanos, de protecção, de cuidado dos que mais necessitam, misturando variáveis como religião, género ou idade. Se a crise dos refugiados que a Europa agora enfrenta (sobre a qual se comporta vergonhosamente) parece um assunto distante e incompreensível, tentem pensar nas vossas vidas, nas vossas necessidades diárias de amor, carinho, sexo ou simplesmente, condições de higiene básicas. Fazem falta a todos. Pior será perceber que esta crise tem alimentado esquemas de tráfico humano que exploram as mulheres e crianças que vieram à procura de um lugar sem guerra – um refúgio. Os testemunhos de quem passou por campos de refugiados contam histórias de mulheres a serem violadas, de partos mal acompanhados ou de cesarianas onde o período de pós-operatório é no chão, ali mesmo, onde têm que dormir todos os dias acompanhadas de terra e às vezes lama. A procura por um refúgio é um direito universal, ainda que teoricamente. Temos uma história onde (em retrospectiva) aprendemos que temos que salvar os justos e castigar os monstros e o refúgio é um lugar de direito, onde algo como a solidariedade pode ser praticada (esse raro acto de altruísmo!). Mas se for verdade o que um grande amigo e professor sugeriu, o sexo é um reflexo de quem verdadeiramente somos. Assim podemos perceber se somos altruístas, possessivos, brincalhões, sérios ou simplesmente aborrecidos em pleno acto, revelando a nossa ‘essência’. Para além do coito ter o potencial de ser um puro acto de amor e o amor estar inerente à condição humana. A ausência do amor, contudo, em assuntos como este, de alta preocupação internacional, continua a deixar-me perplexa (muito porque eu sou o fruto de manias hippies nascidas há 60 anos atrás). Falta amor no dia-a-dia. Decidi, por isso, que esta verborreia semanal teria que vir a exigir um refúgio, pelos refugiados de anos e anos que precisam de espaços de segurança e que insistem em não aparecer. Precisava deste exercício de vocalização pela insatisfação ao mundo, pela ignorância do sexo, pela ignorância do que é experiência do outro e pelo contínuo desentendimento do que é solidariedade ou amor. Um refúgio, caramba, será assim tão difícil de o criar? Refúgios que não sejam tendas encafuadas sem condições, mas um porto seguro de gentes hospitaleiras. Mas nem sempre é claro saber o que podemos nós fazer. Eu vivo no verdadeiro tormento de não perceber como. Contudo, se formos relembrados que as fronteiras são ténues e que quem as reforça somos nós, até pelo comum mortal que vai para o trabalho todos os dias e que se sente despojado de qualquer capacidade de controlo. Sim, somos nós que criamos as fronteiras do sexo, que criamos pré-conceitos sobre o outro e que os confirmamos, cegamente, com as notícias, com o que se fala no café, com o que se fala entre amigos. Temos direito a um refúgio e o dever de o criá-lo.
Rui Flores VozesO estertor de uma candidatura [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] semana horribilis de Donald Trump na campanha eleitoral norte-americana parece não ter fim. Foi apenas no dia 7 de Outubro que o vídeo de 2005 sobre o seu alegado “modus operandi” com as mulheres foi divulgado. Enfraquecido pela divulgação do vídeo, que surgiu na imprensa americana e um pouco por todo o mundo dois dias antes do segundo debate eleitoral com Hillary Clinton, a opinião pública decretou que, mais uma vez, ele havia perdido o embate. A seguir ao debate, surgiram as primeiras alegações de assédio sexual alegadamente perpetradas por Trump. Partem de mulheres, aparentemente insuspeitas, com mais de 60 anos, que nunca se quiseram fazer ouvir e que só saíram do anonimato impulsionadas agora pelo facto de que ele, na discussão com Clinton, ter dito que nunca praticara qualquer comportamento que se assemelhasse a um avanço sexual não consentido. Entre esse momento e este fim-de-semana, o candidato republicano transformou-se numa espécie de saco boxe em que os sucessivos golpes começam a produzir um impacto cada vez mais profundo. No momento em que escrevo estas linhas são já 11 as mulheres que se expuseram publicamente, afirmando que foram vítimas do “predador sexual” Trump. A consequência imediata é a queda nas sondagens. É evidente que numa sociedade como a norte-americana, puritana, conservadora nos costumes (como são frequentes as polémicas sobre casamento homossexual, aborto, adopção por casais homossexuais ou consumo de drogas), a linguagem de Donald Trump seria tudo menos adequada para conseguir convencer o voto decisivo das mulheres. Numa altura em que a igualdade de género foi considerada por António Guterres, futuro secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), como prioridade para o seu mandato e em que vários Estados europeus transpõem a convenção do Conselho da Europa para a prevenção e combate à violência contra mulheres e violência doméstica, que criminalizou, por exemplo, o piropo, a campanha contra Trump não irá parar, tornando irrelevante o debate final entre os dois candidatos marcado para a próxima quarta-feira (quinta em Macau). No entanto, apesar de toda a polémica e da queda nas sondagens, Trump ainda atrai um número considerável de eleitores. A média das sondagens nacionais mais recentes revela que 40 por cento dos americanos registados para votar gostariam de ver o republicano na Casa Branca. A média das sondagens nacionais, dos institutos e das empresas que regularmente actualizam as previsões quanto ao resultado final das eleições de 8 de Novembro, dá conta de que a antiga secretária de Estado tem uma vantagem de cinco pontos percentuais. Apenas numa dessas sondagens Trump aparece à frente de Clinton, com uma vantagem de dois pontos percentuais. Trump chegou até aqui com o discurso típico dos populistas, contra as elites, pela defesa do homem comum, do “nós” contra “eles”. “Eles”, os hispânicos, os muçulmanos; “nós” os brancos, os “verdadeiros” americanos. O realizador Michael Moore, autor de um documentário notável, “Where to invade next” (que deveria ser visto por todos aqueles que estão descrentes no que conseguiu alcançar a Europa da igualdade, da fraternidade, da solidariedade e dos direitos humanos), começou há meses uma campanha contra Trump, apelando à mobilização contra o candidato republicano. Tocando a rebate as campainhas dos riscos que os Estados Unidos correriam caso Trump vencesse, Moore foi dos primeiros a elencar as razões do êxito do discurso o candidato, que aponta particularmente ao homem branco, da classe média, do Upper Midwest, que foi ao longo dos anos mais recentes perdendo postos de trabalhos e poder de compra, por causa do declínio da produção industrial em quatro estados nucleares da economia norte-americana, Michigan, Ohio, Pensilvânia e Wisconsin. Consequência de acordos como o NAFTA, o acordo de comércio livre da América do Norte. Mas, fora o discurso destinado ao homem branco da classe média – muito focado nas questões económicas, afinal a preocupação cimeira dos eleitores – Trump foi perdendo capacidade de atracção e vê-se agora chamuscado pelo seu passado. Trump não foi capaz de agregar. Alienou o voto hispânico com a mensagem da construção de um muro para isolar os Estados Unidos do México; não convenceu os afro-americanos com a pergunta “What the hell do you have to lose?”. E afastou os mais tolerantes com a mensagem de que iria banir a entrada de todo e qualquer muçulmano nos Estados Unidos. Devido ao discurso populista, anti sistema, anti elites, Donald Trump transformou-se num alvo fácil. Apanhou muitos socos, mas o homem branco manteve-o de pé. Agora nem o “verdadeiro” americano nem os líderes republicanos o conseguem conservar à tona da água. As mulheres, que segundo as sondagens têm muitas dúvidas sobre a seriedade de Hillary Clinton, estão agora em massa no campo da candidata democrata. Se as eleições fossem hoje e se apenas as mulheres fossem autorizadas a votar, Hillary seria eleita com 458 votos do colégio eleitoral (contados todos os votos dos 50 estados, nesta eleição indirecta do Presidente norte-americano). Se apenas os homens fossem às urnas, Trump seria eleito com 350 votos do colégio eleitoral. Para se ganhar a Casa Branca é preciso garantir 270 votos. Apesar de irrelevante quanto ao resultado final, o debate desta quinta-feira é imperdível. Não, evidentemente, para esclarecer o que quer que seja. Há muito que os debates políticos não contribuem para esclarecer, adicionar votos ou alargar a base de apoio. São apenas um momento – mais um – de infotainment. Tão apetecido como um qualquer episódio dos fenómenos televisivos “Game of Thrones” ou “Veep”. Acossado, provavelmente ferido de morte (passe a imagem de cariz político), Trump vai disparar em todas as direcções para tentar beliscar Clinton. Mas Hillary, como política experiente que é, vai passar pelo debate como um árbitro da liga inglesa de futebol em dia de dérbi: discretíssima. A 21 dias das eleições, parece que não há volta a dar. Nem o gongo parece poder salvar Trump.
Isabel Castro VozesA cidade dos outros [dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau não é fácil. Não é fácil para quem é de cá, não é fácil para quem chega, não é fácil para quem vai contando os anos de vida ao ritmo das edições do Grande Prémio. Ou da apresentação dos relatórios das Linhas de Acção Governativa. Presumo que as outras cidades sejam igualmente difíceis para quem vive nelas, mas acontece que não vivo nas outras cidades: é aqui que sou. Para quem veio de fora e já conta alguns anos disto, houve um momento – ou vários – de dúvida sobre a lógica da continuidade por cá. Mas há um momento – e não vários – em que é preciso decidir, para ser possível viver em paz com quem se foi, com quem se é e com aquilo que se pretende ser. Estar aqui e noutro sítio qualquer ao mesmo tempo não dá jeito e tem efeitos extraordinariamente prejudiciais, sobretudo para a alma, que fica desasada. Que se decida onde se quer estar, hoje, mesmo que a decisão não dure mais do que as vinte e quatro horas do dia e, nas vinte e quatro horas seguintes, se faça a mala e se apanhe um barco para longe, muito longe. As cidades são como as pessoas, porque são feitas de pessoas. E porque são feitas de pessoas, convém que as cidades tomem decisões sobre as pessoas que nelas vivem. Cidades indecisas geram cidadãos confusos, causam situações desagradáveis, porque a incerteza é chata, mói devagarinho. Cidades sem um projecto tornam-se insuportavelmente insulares, arredondam-se e fecham-se. Não têm qualquer serventia. Macau teve um problema grave de indecisão com a transferência de administração – um dilema que, de certo modo, continua por resolver, embora atenuado pelo discurso oficial da harmonia e coisa e tal. Nos anos que se seguiram a 1999, quem cá estava e lidava com a teoria política (e com a prática política) tinha a clara sensação de não saber para onde é que tudo isto ia. A cidade. As pessoas. As pessoas na cidade. Os portugueses daqui e os portugueses que para aqui vieram. Os bois pelos nomes: foi preciso Pequim bater o pé e inventar um desígnio que vários bons rapazes da política local não estavam dispostos a aceitar. Pequim deu um murro na mesa, deu força ao Chefe do Executivo de então e tomou-se uma decisão para a cidade: Macau ia ser um plataforma entre a China e a lusofonia, pelo que a lusofonia da terra e das pessoas era para preservar. Todos nós sabemos que a China não precisa de Macau para chegar ao Brasil, para aterrar em Luanda ou em Cabo Verde. E todos nós sabemos também que é fraco o lado visível de mais de uma década de fórum sino-lusófono. Mas quem cá está e se lembra do quão indecisa andava a cidade no início do milénio sabe que há figuras de estilo que são muito mais do que palavras, apesar de, como figuras de estilo que são, não entrarem na contabilidade dos negócios. Esta semana, Macau voltou a ser uma cidade virada para a lusofonia, com ministros e políticos e empresários e muita gente vinda de fora, dos países onde se fala português e do país onde se fala um chinês com diferente significado do chinês local. Li Keqiang passou por cá para recordar que as dúvidas mal resolvidas na cabeça de certos bons rapazes devem ser resolvidas quanto antes, porque Pequim inventou um projecto para Macau que vai além das fichas de jogo em dólares de Hong Kong que se atiram nos casinos da cidade. De Portugal também veio gente: Lisboa quis trazer um primeiro-ministro para a ocasião. No meio dos discursos de circunstância, entre a retórica politicamente correcta e as intenções de aproximação à China, a ideia que muitas vezes falha a quem parte da Portela e aterra ali em Chek Lap Kok: os portugueses que aqui estão, que aqui vão sendo, interessam. E porque interessam, que se acarinhem. Macau não é fácil e há alturas em que as decisões pessoais não bastam: é bom que quem manda na cidade e que aqueles que, mesmo ao longe, vão olhando para ela nos digam o que querem de nós, porque inventar solitariamente destinos para cidades arredondadas nunca fez bem a ninguém.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesVisita a Macau [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Chefe do Conselho de Estado, Li Keqiang, esteve esta semana de visita a Macau para participar na cerimónia inaugural da 5ª Conferência Ministerial do Fórum de Macau. Apesar da visita ter durado apenas três dias, a cidade foi muito agitada pela sua presença. Todos os locais onde se deslocou foram, literalmente, invadidos por multidões. Mas na realidade estas massas de gente eram “multidões organizadas”. Os veículos foram impedidos de estacionar e circular para deixar as ruas livres. Até o Túnel do Monte da Guia ficou silencioso. Na ópera tradicional chinesa, encontramos histórias sobre imperadores e comissários imperiais que se disfarçavam de pessoas comuns para viajar de forma incógnita pelo País e investigar casos de corrupção entre os altos funcionários. Quando estes altos funcionários eram presos, a audiência aplaudia alegremente por ser esse o seu maior desejo, ou seja, ver os vilões serem apanhados e punidos. No entanto, estes funcionários corruptos nunca são apanhados nem presos na vida real. Encontram-se sempre em posições de liderança e experienciam um sentimento de superioridade, uma herança que lhes ficou da classe burocrática da China feudal. Ninguém tem coragem suficiente para se libertar das regras subentendidas da burocracia, nem mesmo na China continental, que é, como todos sabemos, um País que se pretende socialista. Contas feitas, apenas uma meia dúzia se atreve. Hu Yaobang, foi um deles, mas acabou por ter de se demitir do cargo de Secretário Geral do Partido Comunista. No artigo “Lembrar o Regresso de Yaobang à cidade de Xingyi”, escrito por Wen Jiabao, antigo Chefe do Conselho de Estado, este relata-nos as palavras sentidas que Hu Yaobang um dia lhe dirigiu, “Encarrego-te de uma missão, Jiabao. Mais logo, vais levar contigo alguns camaradas e irão visitar aldeias da periferia para investigarem o que por lá se passa. Mas, não te esqueças, nunca informes os funcionários locais da tua ida”; “os quadros com posições de liderança devem visitar pessoalmente as bases da sociedade para investigar e recolher informações. Devem tentar compreender o sofrimento das massas, ouvir a sua voz e recolher matéria de interesse em primeira mão. Para quem está em posições de chefia, não existe maior perigo do que o divórcio da realidade”. Continuando no artigo, podemos ainda ler, “estas palavras sentidas e cheias de significado do Camarada Hu Yaobang têm ecoado no meu espírito ao longo dos anos”. No entanto, quando Wen Jiabao visitou Macau, há muitos anos atrás, o traçado do seu itinerário esteve muito aquém do que era reclamado por Yaobang. À medida que a data da visita de Li Keqiang se foi aproximando, os pontos de entrada em Macau, quer terrestres quer marítimos, passaram a estar fortemente vigiados para prevenir toda e qualquer ameaça. A 5 de Outubro, um ex-activista de Hong Kong, actualmente realizador independente, quando estava a sair do ferry foi impedido de entrar em Macau, onde se dirigia para participar num workshop sobre produção de video-clips. As autoridades macaenses invocaram o Artigo 17 da Lei de Bases da Segurança Interna da Região Administrativa Especial de Macau, onde se pode ler, “constituam ameaça para a estabilidade da segurança interna” para proibir a sua entrada. Foi informado de que, se quisesse vir a Macau teria de voltar “depois de 13 de Outubro”. A visita de Li Keqiang deixou a administração de Macau “à beira de um ataque de nervos”. Num ambiente tão controlado, o que é que Li Keqiang pode realmente ver e ouvir? Em Macau, existem muitos sítios dignos de ser visitados, nomeadamente o Terminal Marítimo de Pac On, o Sistema de Metro Ligeiro em Taipa, o Mercado Provisório do Patane, o Complexo Municipal de Serviços Comunitários da Praia do Manduco e a Fábrica de Panchões Iec Long. No entanto, nenhum destes locais estava incluído no itinerário de Li Keqiang. Os encontros do Chefe do Conselho de Estado foram também sujeitos a apertado controle, fossem eles com representantes dos diferentes sectores sociais, ou com cidadãos comuns. Alguns órgãos da imprensa independente pediram autorização para cobrir de perto esta visita. Mas as zelosas autoridades governamentais alegaram que “a quota de coberturas já está atribuída” e rejeitaram o pedido. Se Li Keqiang quiser realmente saber como vivem as gentes de Macau, deve considerar seguir o exemplo dos comissários da antiga China, que se disfarçavam de gente vulgar e se misturavam com o povo para ficarem a conhecer o seu modo de vida. É difícil saber se tem vontade, ou suficiente coragem, para o fazer!
Leocardo VozesO “genocídio” linguístico [dropcap style=’circle’]D[/dropcap]e todas as “nove horas” em termos protocolares e de entre todas as juras de amor feitas à RAEM, que marcaram a passagem do primeiro-ministro chinês Li Keqiang por Macau, houve uma declaração que me deixou especialmente enternecido: o futuro de Macau são as crianças. Partindo deste ponto, convém referir que a visita do “premier” se inseriu no âmbito de mais um Fórum Macau de cooperação entre a China e os países lusófonos. A cooperação em causa prende-se mais com factores económicos do que propriamente culturais e linguísticos. Fiquei a pensar nas crianças a que Li se referiu e na sua identidade cultural. Como alguns dos leitores mais atentos (ou os que ainda têm paciência para me aturar) devem saber, fui nestas férias de Verão realizar um sonho antigo: conhecer o Euskadi, ou o País Basco, a comunidade autónoma de Espanha que compreende as províncias de Bizkaia, Alava e Guipozkoa. Historicamente, o Euskadi engloba ainda o antigo reino de Navarra, a região de Baixa Navarra, integrada na actual Comunidade Autónoma com o mesmo nome, e as duas regiões franceses do departamento de Pyrinées Atlantique, Zuberoa e Lapurdi (Soule e Labourd, em francês). Estas sete regiões formam aquilo que os bascos chamam de Euskal Herria, literalmente “País Basco”, e à sua unificação num só país independente deram o nome de “Zazpiak Bat”, ou “sete em um”. Aquilo que os unia desde o tempo anterior às conquistas romanas era a sua língua, o “euskara”, que tem a particularidade de ser uma das cinco línguas ainda faladas no Velho Continente que não deriva da raiz indo-europeia. Factor agregador, e um dos argumentos usados pelos separatistas para exigir a independência de Castela, o “euskara” chegou a ser proibido pelo General Franco, que considerava o idioma uma “traição à Espanha”. Foi durante o franquismo que a ETA deu início à sua luta armada. Formada por um grupo de intelectuais em Donostia (San Sebastian), esta organização tinha como objectivo inicial preservar a língua e a cultura bascas, mas a opressão levada a cabo pelo “caudillo” levou a que optasse por meios menos ortodoxos e com um considerável apoio do povo basco. Foi já com o evento da democracia que a ETA passou a deixar de fazer sentido e os bascos estão relativamente satisfeitos – ou acomodados – com o elevado grau de autonomia de que usufruem. O meu périplo pela parte do Euskadi que se cingiu à parte espanhola foi elucidativo; sediado em Bilbau, tive a oportunidade de conhecer ainda as províncias de Alava e Guipuzkoa, e esta última demasiado bem, mesmo que acidentalmente, durante uma viagem de mais de duas horas de comboio entre Irun e Eibar. Depois disso fiz uma paragem de alguns dias em Madrid e, logo à chegada ao aeroporto de Barajas, tive a oportunidade de trocar impressões com o simpático taxista (bastante mesmo) que nos levou até à nossa residência, perto do Palácio Real. Contei-lhe de onde tinha vindo, e de como achei tudo tão diferente de Madrid, ou da noção que os estrangeiros em geral têm da Espanha, mas que “achei estranho que em Bilbau as pessoas não usassem o Euskara entre elas para comunicar”. Foi aí que o prestável motorista me elucidou para o facto de “cerca de 80% dos residentes de Bilbau não serem naturais do País Basco”. Isto foi algo de que me apercebi enquanto lá estive e, mesmo que o meu interlocutor estivesse a exagerar nos números, certamente que a maioria dos bilbaínos não eram originalmente bascos. Isto foi resultado de uma política de incentivo à migração levada a cabo por Madrid, que levou a que afluíssem à capital económica do Euskadi milhares de famílias do resto da Espanha, especialmente da região de Castela e Leão, com mais incidência para a província de Burgos. A seguir disse-me algo que me deixou completamente sem resposta: “Estás a ver… o catalão, por exemplo, é um língua semelhante à nossa” – isto referindo-se a outro grupo independentista espanhol, a Catalunya – “mas o Euskara… se os meninos forem aprendê-lo como primeira língua, terão muita dificuldade em falar correctamente o castelhano. E olha que somos mais de 400 milhões de falantes”. E não é que o sacana tinha razão? Não pude deixar de estabelecer um paralelo entre o pragmatismo basco, que leva a que os pais prefiram que os seus filhos falem uma língua franca com muito mais penetração à escala global, e a situação de Macau. Não me refiro ao patuá, que durante uma boa parte do século XX foi ostracizado pela administração portuguesa, e hoje é visto como “património imaterial” da região. Nem sequer o português, que talvez pelas mesmas razões que levam os bascos a tomar aquela opção, leva a que muitos falantes do Português em Macau optem por colocar os seus filhos no ensino veicular em língua chinesa. O cantonense, esse sim, é o elo mais forte que confere aos residentes de Macau e Hong Kong, e de um modo mais abrangente de todo o sul da China, uma identidade própria, diferente do resto do país mais populoso do mundo. Em nome do carácter de unicidade de Macau, e já que o resto nos parece dado por perdido, mais cedo ou mais tarde, resta-nos confiar na população de Macau para fazer do cantonense o seu… euskara.