Amélia Vieira VozesLivro Negro Há cada vez mais cortejos de fétidas tendências desembocando nas agruras da edição, que provocam calafrios, e um mais que hediondo arbitramento autoral à mistura com editoras que não passam de pólos terroristas do conceito literário e, com toda esta superabudância de vacuidade degenerativa, não andamos longe de uma vingança gratuita feita paulatinamente por todos aqueles que em vórtice convocam as Nações para a morte do poeta. Só que ele ficará. Aliás, mais nada restará que a visão do Poeta, esse Felino que olha do cimo da Árvore da Vida, frondosa e alta, toda a existência a passar de um ângulo quase intangível – um gato também não dirige o seu olhar a partir de baixo, mesmo em doméstica convivência irá sempre para o cimo das estantes contemplar a disposição humana na arquitetura da sala. Sabemos muito bem que não somos guindastes, e por mais que transformemos em altura as nossas arquiteturas, fazemo-lo no estrito conceito de casulo, que a vertigem augura sempre na espécie razões de sobra para grandes projeções que se equiparam a Ícaros na ânsia terráquea por se lançarem no sol(o) onde estas agoras gentes não passam de seres paisagísticos, bilhetes-postais para tráfico de venda das suas próprias raízes, onde neste assistir do contrabando auspicioso se espelham ainda com sorrisos triunfalistas que selam o fim de uma civilização por alienação sem paralelo no tempo dos “autores” indutores… Induzimos os seres a sentirem-se estranhos em seus corpos, a procurarem a sua alma, as suas reminiscências, a mudarem, em vez de conservar, corrigir, adaptar. Impulsionamos a desordem biológica, o fim do contributo distributivo da espécie, e há agendas que pagam fortunas para estas manifestações e que esquecem a justiça social de uma outra humanidade explorada nos afãs de um jogo obscuramente propagandístico. Lemos este embuste como nos tirassem a luz das coisas começadas, dos mais belos instantes em que o espírito ganhou aquelas asas prestes a cruzar o Bojador da nossa ignorância, ultrapassando os nossos medos E No Livro Dizemos: Nós somos os povos do Livro. Inadiáveis, traumatizados, confusos, hierárquicos, suspensos, em transe. Ele se fez Negro pela opaca interpretação dos séculos, e nós, transgressivos sem causa, muito embora lembrando as fontes remotas da linguagem – esse sopro – língua escrita, fascinante código: chegámos ao atoleiro das frágeis reservas individuais ao serviço de pontos de vista, sentimentos, especulações e engrenagens. Estamos quase a dizer adeus ao primeiro parágrafo do Livro, e numa incongruente, demagógica e infernal tendência do culto da personalidade, ele é agora, e mais que nunca, inundado por pragas bem à porta de um outro patamar onde deve começar a sua acção: a linguagem telepática! O Livro vai mudar. Esta nossa etapa tão escapatória, escatológica, improvável, vulnerável, não será inscrita na sua proeza, a dos registrados. Para trás, lindos seres, belas fontes, e grandes, todas as experiências… Mas o Livro é apenas um. Nós achamos que ele é Negro como todos os buracos que engolem galáxias inteiras por este universo fora, mas também há homens que têm medo da penetração tal como qualquer estrela que não deseja dissipar-se, que o ser que penetra entrará para sempre na combustão do desaparecimento. E há ainda no Livro esse insidioso pecado de Onã.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO uso ilimitado da força (II) “Proportionality is a core legal principle that exists at all levels of international and domestic law. It provides that the legality of an action is determined by the respect of the balance between the objective and the means and methods used as well as the consequences of the action”. Jeroen Van Den Boogaard, Proportionality in International Humanitarian Law: Refocusing the Balance in Practice Em vez de nos induzir à modéstia, ao estudo da realidade e à procura de compromissos, convida à proliferação de conflitos sem fim (no duplo sentido). A guerra transforma-se em massacre. Sangue por sangue. Segundo duas tipologias dominantes, prelúdios possíveis da III guerra mundial pretendida; o conflito mais ou menos indirecto, através de clientes (proxies), ver Ucrânia; e a guerra ao terror, à maneira de Israel contra o Irão. Sobre a utilização de clientes ou mercenários para poupar forças, a primeira e última palavra foi escrita “ante litteram” por Hegel na “Fenomenologia do Espírito”, descrevendo a dialética servo/mestre. O patrão encontra-se dependente do trabalho do servo, de modo que tende a abandoná-lo antes de ser consumido por ele. A chamada guerra contra o terrorismo oferece a vantagem da revogação a qualquer momento, enviando o terrorista emancipado para Oslo, onde receberá o Prémio Nobel da Paz, a não ser que seja redemonizado quando necessário. Pode, no entanto, ter o efeito de rebaixar o Estado antiterrorista à categoria de terrorista, porque o objectivo declarado de ambos é matar todos os inimigos. Os Estados Unidos experimentaram choques entre as duas tipologias, por exemplo, ao mobilizarem parceiros atlânticos ou ocasionais contra a Al-Qaeda e o regime talibã, a quintessência do terror jihadista, apenas para se desgastarem e fugirem de Cabul. Na síntese lúcida de Osama bin Laden, referindo-se a Bush filho diria que “Foi fácil provocar esta administração e levá-la até onde queríamos. Basta-nos enviar dois mujahidin ao Extremo Oriente para levantar um cata-vento da Al-Qaeda para que os generais se precipitem, aumentando assim as perdas humanas, financeiras e políticas, sem fazer nada de extraordinário, excepto obter alguns benefícios para as suas empresas privadas”. As neuroses auto-destrutivas de nós, ocidentais, europeus, americanos e oceânicos, sem considerar japoneses e sul-coreanos, como quer o cliché washingtoniano, encorajam a desordem. E encorajam os rivais. Assim, Xi Jinping observa que “a caraterística mais importante do mundo actual é, numa palavra, o “caos”. E esta tendência parece estar a continuar”. Depois, dirigindo-se às câmaras com Putin ao seu lado que diria “Estamos a viver mudanças que não víamos há cem anos. E estamos a conduzi-las juntos”. Numa lógica de soma zero que contempla a hipótese da astúcia superior do nosso campo, poderíamos entender os nossos próprios objectivos tácticos como máscaras para convencer os nossos concorrentes de que o Ocidente está moribundo, de modo a que eles se aventurem a dar passos que não podem suportar e se prejudiquem a si próprios. Putin a marchar sobre o banco dos réus de Kiev. Mas atribuiríamos os excessos de astúcia aos nossos estrategas sem estratégia. A quem, quando muito, parece aplicar-se a filosofia flippista do Pato Donald, ilustrada por Carl Barks numa célebre banda desenhada, segundo a qual, na vida, é melhor contar com o lançamento de uma moeda ao ar. No globo astronómico, a geopolítica ocidental é a “nottola de Minerva”. Levanta-se ao pôr-do-sol, contempla os fragmentos do cenário planetário conflituoso e, idealmente, volta a juntar as peças, remendando a caixa de Pandora estilhaçada para recomprimir os males do mundo. São três os pontos de vista dos protagonistas; resignados, resistentes e oportunistas. Os primeiros, europeus veteranos acompanhados pela maré crescente de americanos entristecidos, mais intelectuais alienados de todas as cores, sentem o declínio imparável e adoptam o uniforme de Orwell pois estamos envolvidos num jogo que não podemos ganhar; alguns fracassos são melhores do que outros, é tudo. Os outros, os imortais neoconservadores estrelados, os britânicos tardios de olhos arregalados, os franceses educados para parecerem mais do que são, os vanguardistas anti-russos da Europa de Leste que selam os seus cavalos para a investida final sobre Moscovo esperam virar a mesa. Para preservar a sua própria paz relativa e descarregar os custos sobre os chamados “Remain”, a esmagadora maioria dos seres humanos, os sete mil milhões em oito do igualmente chamado Sul Global. Finalmente, as potências intermédias que, na crise do Ocidente, sentem a oportunidade de expandir a sua esfera de influência como turcos, indianos, polacos, japoneses hoje, depois de amanhã talvez brasileiros, nigerianos e coreanos juntos. Há uma constatação que tanto angustia como entusiasma os inteligentes das famílias acima referidas, pois pela primeira vez na história universal, o jogo está realmente a ser jogado à escala mundial. Mas a Grande Guerra ainda não é redutível a uma única equação. A fórmula brilhante do Papa Francisco de que a “terceira guerra mundial em pedaços” não deve ser tomada à letra. As guerras mundiais são conjuntos variáveis mas coerentes. Aqui, as peças do puzzle não são compostas em torno de um centro, pelo que não são periferias, mas potenciais centros regionais em (re)formação devido ao declínio da intencional ecúmena repleta de estrelas. Pedaços de terra e mar que a América em retirada estratégica não pode e/ou não quer manter no seu império. Desglobalização e desamericanização são as duas faces de uma crise anunciada que apanha o “Número Um” desprevenido. No entanto, os primeiros alarmes tinham soado há vinte anos a partir de “Beltway”, quando uma parte do Estado Profundo ainda funcionava e diagnosticava o império mundial como insustentável, uma armadilha para a qual o Soviete suicida o tinha arrastado involuntariamente. O resultado é uma fragmentação geopolítica desgovernada. Inimigos e amigos são categorias provisórias, e as cartas são baralhadas nos vários teatros de tensão onde a América se confronta com os seus maiores concorrentes, a China e a Rússia, um falso casal destinado a rebentar se Washington alguma vez escolher um para combater o outro. Nós, europeus e euro-asiáticos, ainda não terminámos as guerras de sucessão produzidas pela desintegração dos nossos grandes impérios. A Ucrânia e Israel/Palestina são terramotos produzidos, respetivamente, pelo cruzamento das falhas sísmicas russo-alemã-Habsburgo e anglo-otomana. Podemos imaginar a ressecção do império americano a ser produzida em paz? Actualmente, a divisão verdadeiramente relevante à escala global separa aqueles que estão dispostos e são capazes de lutar daqueles que não podem ou não querem. O poder não depende tanto dos arsenais e tecnologias militares, e muito menos do volume de produção auto-certificada através de um PIB improvável, mas sim da vontade de uma comunidade de lutar. Com armas. E em todas as dimensões dos conflitos actuais. Os factores determinantes são a demografia e a identidade partilhada. Ou seja, populações jovens dispostas, em casos extremos, a morrer pela sua pátria. Neste cenário, as macro-categorias do Ocidente e do Resto do Mundo valem pouco, o primeiro nada do segundo. No teste da guerra na Europa, confirma-se que os europeus estão divididos entre si e numa relação diferente com o líder americano. Quanto ao Resto, não é o anti-Ocidente. Se não no sentido dessa vaga fraternidade anti-colonial que junta africanos, asiáticos e latino-americanos. Tudo ferve na panela dos “Brics” em expansão. Na antecipação oportunista de espaços de soberania em disputa, tornados contestáveis pela retracção americana. O que resta do Ocidente está a atravessar três crises. Psicológica, na medida em que é constituído por potências que dominaram os últimos cinco séculos de história e temem não conseguir governar o sexto; humana, dada a escassez numérica e cultural de forças dispostas a combater; estratégica, dada a divergência de interesses num campo mantido unido, e é tempo de o admitir pelo inimigo soviético e muito menos por uma empatia de valores. Nós, europeus, passámos a modernidade a massacrarmo-nos uns aos outros, excepto em intervalos parciais, mesmo longos (Viena 1815-Sarajevo 1914), baseados no equilíbrio de poderes com o domínio britânico e francês, até que o imperialismo alemão tardio, baseado na raça, atraiu desertores americanos de volta à Europa. Estes estavam determinados a pôr de parte o equilíbrio de poderes para estabelecerem a sua própria hegemonia sobre o Velho Continente, condição da primazia mundial. Porquê surpreendermo-nos se nos encontrarmos desorientados perante tanta agitação? É inútil olhar para o passado em busca de receitas. A folha de papel onde se desenha a estratégia está em branco. Para todos sejam americanos, chineses, russos, europeus. Tratemos do Resto, habituado a ser submetido aos poderes instituídos. Baptizado de Maioria Mundial por Moscovo, que quer usá-la como alavanca para fazer Obama engolir a frase venenosa sobre a Rússia como potência regional, que Putin considerou uma declaração de guerra tanto que ele próprio a desencadeou com a invasão da Ucrânia, para desgosto dos chineses. Para compreender isto, comecemos de novo pela matriz Caoslândia vs Ordolândia. Bipartição simplificadora mas não simplista. O que está em causa à escala global é evidente; onde se cruzará a linha de fractura entre a Caoslândia e a Ordolândia nas próximas décadas? Dizem os ocidentais apocalípticos que serão os nossos heróis capazes de impedir a invasão do Sul, se necessário com armas? Geopolítica das entranhas. Diligente na América e na maioria dos países europeus. As terras do caos ou de Hobbes homenagem ao teórico do “bellum omnium contra omnes” interpretámo-las, esboçámo-las e actualizámo-las progressivamente a partir de um vestígio que é a “Nova Carta do Pentágono” assinada por Thomas Bartlett, conselheiro do Secretário da Defesa, em Março de 2003. Primeira tentativa de mapear a grande estratégia americana no “momento unipolar”. Os Estados ali presentes dividiam-se entre os bem-aventurados admitidos no “Núcleo Funcional da globalização” e os miseráveis encurralados no “Bolso Não Integrado”, desligados de nós globalizados. Entre os dois havia uma faixa de sutura potencial do México ao Brasil, da África do Sul a Marrocos e à Argélia, da Grécia à Turquia e ao Paquistão, Tailândia, Malásia, Filipinas e Indonésia. Na América ainda optimista, que, nessa mesma época, festejava a “missão cumprida” no Iraque sem se aperceber de que essa “vitória” acelerava o seu declínio, a mídia pretendia atribuir às elites de Washington a tarefa do pós-Guerra Fria como globalizar/americanizar o planeta. É difícil imaginar mais “tendência ao extremo” do que isso, excepto Musk e Bezos. O mundo, não o império. Ironicamente, Bartlett citou entre os globalizados a China, a Rússia e a Índia, excepto para avisar no posfácio que “podemos perder esses países”. Dito e feito vinte anos depois. A ideia de Bartlett e dos neoconservadores que exaltavam a “Nova Roma” esquecendo que esse império estava no limiar e falhou. Washington concebeu-se como um farol destinado a estender à órbita terrestre o feixe de luz verde que entusiasmou Gatsby, “in hoc signo vinces” do destino manifesto. A iluminação é agora reduzida. Prevalece a “tendência para o mínimo”. Onde o mínimo, talvez o máximo, é impedir que a Caoslândia integre a América. Que mais é o espectro da guerra civil, evocado pelos mídia e pelo filme homónimo, com evidente intenção apotropaica? Na fase alta da modernidade, o século entre Viena e Sarajevo a actual “Terra do Caos” era um campo de batalha entre as grandes potências do Norte, com a França e a Inglaterra à cabeça. (continua)
Tânia dos Santos Sexanálise VozesNo sexo, do que precisas? Comunicar sobre o sexo é uma tarefa difícil. O sexo está embrenhado em tantos tabus e medos que falar sobre ele pode erguer paredes, ao invés de as destruir. Isto porque o sexo aproxima-se do ser mais íntimo, aquele que está em contacto com os medos mais primários. Considerem o sexo como uma dança, um movimento de corpos que nos aproxima dos conteúdos mais prazerosos, mas também mais difíceis das nossas vivências, intimidades e vínculos. Quando se tocam nesses lugares cavernosos do prazer, pode surgir a necessidade de conversar sobre eles, principalmente quando o movimento dos corpos deixa de ser síncrono. A necessidade de comunicação surge quando esses conteúdos tão enterrados no nosso ser encontram essas águas lamacentas do outro. Por vezes, entra-se nesse espaço de bloqueio e medo, que paralisa e atiça a paralisia e a confusão no outro. No sexo, esse desencontro pode tornar-se muito evidente. A ligação dos corpos traz essas vivências inconscientes que as palavras mal conseguem expressar de forma eloquente, mas revelam-se nessa falta de união e entendimento. Nestas situações de desencontro, estimula-se a comunicação para criar pontes de diálogo. Na terapia de casal, por exemplo, tenta-se reinventar formas de comunicar que não sejam atiçadoras das situações de vulnerabilidade de cada um. O objectivo é a escuta activa. Na relação humana (que pode ser amorosa ou não), o momento de escuta pode ser entendido como a forma como se conseguem encarar os medos ou as dificuldades do outro sem infectar a nossa experiência de medo e dificuldade. No sexo, por exemplo, é comum que a necessidade de um membro da parceria atice alguma insegurança no outro. O uso de brinquedos sexuais durante o sexo, ou a utilização de lubrificantes para facilitação do toque e quiçá penetração, são por vezes encarados com medo de substituição. Estas acções também podem ser interpretadas como um sinal de falhanço, como se o uso de auxiliadores no sexo fosse um sinal de que não somos suficientes. Essas manifestações na outra pessoa são depois interpretadas com base nas nossas histórias pessoais, e se forem mal recebidas, aí o conflito instala-se. Quando isso acontece, uma conversa pode ser necessária para mitigar essas sensações de pavor. E como é que se comunica sobre isso? Algo que me tenho interrogado ultimamente é sobre o vocabulário do “querer” e do “precisar” neste processo de escuta activa. Muitas vezes na discussão sobre o sexo, incentiva-se que as pessoas desenvolvam o vocabulário do querer. Querem-se pessoas sexualmente emancipadas para que possam expressar o que querem na cama. O “querer” é um verbo que se refere a desejos pessoais e subjectivos. Quando se discute a necessidade de articular os desejos no sexo, esta pode ser uma linguagem individualista e desconectada, sem tornar evidente que os nossos desejos têm a ver com o outro e com aquele encontro em específico. Remeter para a linguagem da “necessidade” ou do “precisar” já remete para vontades que, para além de serem mais imediatas em contexto, também são mais básicas e fundamentais. O necessitar ou o precisar já se refere a esse lugar um pouco mais complicado de sensação de falta, mas abrem espaços para ouvir o outro. Se no momento do sexo interpelarem o outro com “o que precisas” ao invés de “o que queres”, talvez facilite a chegar a esses sítios de vulnerabilidade que o sexo vive tanto. Estes verbos também revelam de uma forma mais cuidada a qualidade relacional das vontades, como se tornasse evidente que o que carecemos está em constante diálogo com o ambiente à nossa volta, e com as pessoas que o compõem. No sexo talvez seja preciso um cardápio de estímulos visuais, toque, carinho, até um pouco de kink para colorir a preferência baunilha de muita gente. Questionarmo-nos sobre o que precisamos também é uma linguagem mais sensível à descoberta pessoal. Em vez de procurar os desejos como “quereres”, como se fossem provisórios e efémeros, questionar-se: o que precisamos no sexo? Essas necessidades podem revelar partes contraditórias e confusas da experiência humana porque vão a lugares de vulnerabilidade. Mas diria que é o caminho para explorar de forma mais inteira os desejos. Esse lugar onde é possível pedir ajuda e deixar o outro entrar através da pele. Quando na vossa vida sexual encontrarem esse momento de confusão e de desencontro, vão à procura do vosso “necessitar” e o do outro. Pode ser que precisem de um dia de relaxamento total para conseguirem estar em contacto com o sexo. Pode ser que precisem de explorar outras formas de estar, de assumir papéis e performá-los. O diálogo sincero e a exploração conjunta das vossas necessidades e desejos podem transformar o sexo numa experiência mais profunda e gratificante. Ao invés de verem o sexo como uma mera acção física, encarem-no como uma oportunidade para fortalecer a conexão emocional e descobrir novas dimensões da relação. É essa abertura para comunicar e explorar que poderá transformar o sexo numa viagem contínua de descoberta e prazer mútuo.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesInovação na gestão imobiliária De acordo com o relatório emitido a semana passada pela Hong Kong TVB, uma empresa de gestão imobiliária de Shenzhen distribuiu avultadas somas pelos proprietários dos apartamentos que administra durante o Festival do Barco do Dragão. Cada proprietário pode receber entre 650 e 2.200 Yuans, bem como bolinhos de arroz, uma iguaria essencial para a comunidade chinesa nas celebrações do Barco do Dragão. A entrega de dinheiro e as outras despesas com a comida foram financiadas pelos lucros obtidos por esta empresa de gestão imobiliária. O contrato de gestão dos condomínios, assinado entre a comissão de proprietários e a empresa gestora dos condomínios, estipulava claramente que o rendimento operacional do imóvel deveria ser dividido ao meio entre ambas as partes. Estes lucros não são utilizados apenas para as prestações sociais acima referidas, mas também para assegurar a manutenção e o melhoramento dos imóveis. Entregar a administração de edifícios e de conjuntos habitacionais a empresas de gestão imobiliária é uma boa prática. Em Macau, existem muitos arranha-céus com muitos agregados familiares e muitos problemas administrativos. Cada um dos proprietários tem uma opinião diferente sobre a gestão do edifício. Tomemos como exemplo um prédio com 48 andares e quatro elevadores. Relativamente ao funcionamento dos elevadores, existem duas possibilidades. Primeira, cada elevador pode fazer o percurso entre o 1.º e o 48º andar. Segunda, cada elevador fará apenas o percurso entre 12 andares. Ou seja, o primeiro elevador desloca-se entre o 1.º andar e o 12.º. O segundo elevador só pode circular entre o 13.º andar e o 24.º. O terceiro elevador faz a viagem entre o 25.º andar e o 36.º. O quarto elevador só poderá ligar o 37.º andar ao 48.º. Destas duas possibilidades, qual será a melhor? Esta é uma questão que terá de ser discutida pelos proprietários dos apartamentos. Se o edifício precisar de obras e for necessário que todos contribuam, que valor deve caber a cada um? Porque é que temos de pagar este dinheiro? O que é que um residente que não possa pagar deve fazer? As questões que envolvem dinheiro são ainda mais problemáticas. A maior vantagem de contratar uma empresa de gestão imobiliária é poder contar com a sua experiência na administração das zonas comuns dos edifícios e com a sua capacidade de coordenar o interesse de todos os proprietários. A gestão do condomínio melhora quando se delegam responsabilidades. Tomemos como exemplo a criação de um fundo de manutenção do prédio. A criação de um fundo de manutenção pode resolver em grande medida o problema do pagamento de obras quando há necessidade de as fazer. Actualmente, existem pelo menos dois métodos de angariar dinheiro para criar um fundo de manutenção. Primeiro, o proprietário do apartamento já o recebeu na compra do imóvel. Segundo, cada proprietário paga uma cota mensal e a empresa gestora administra esse dinheiro criando o fundo de manutenção. Embora o valor das cotas cobradas a cada residente pela empresa de gestão imobiliária não seja alto, como cada edifício tem muitos apartamentos, a quantia recolhida mensalmente é considerável. Especialmente nos primeiros anos, quando o edifício ainda é novo, os lucros da empresa de gestão são bastante consideráveis porque nessa altura os custos de manutenção são baixos. No entanto, este tipo de lucro não é fácil de obter. Requer que a empresa de gestão imobiliária forneça um serviço de alta qualidade a longo prazo, para garantir o bom funcionamento da propriedade. Claro que também existem casos de empresas que são más gestoras e que afectam os interesses dos proprietários. Algumas empresas de gestão imobiliária não estão dispostas a ajudar os proprietários a criar comissões de condóminos para garantir os seus direitos de gestão a longo prazo sobre o edifício. Isto lembra-nos que na hora de escolher uma empresa de gestão imobiliária é preciso ter cuidado e verificar a sua capacidade e reputação. O acima mencionado relatório da Hong Kong TVB, sobre a empresa de gestão imobiliária de Shenzhen, permite-nos verificar que tem uma nova abordagem, diferente das práticas convencionais em Hong Kong e em Macau. As empresas de gestão imobiliária conquistam a confiança e o apoio dos proprietários quando partilham lucros com eles. Do ponto de vista do negócio, esta deve ser a condição para os condóminos aprovarem uma empresa de gestão imobiliária. Isto também significa que, deste modo, a empresa de gestão tem a confiança para administrar bem a propriedade. Ao mesmo tempo que proporciona um bom ambiente harmonioso, obtém-se uma situação em que ambas as partes saem a ganhar através de estratégias de gestão inovadoras. Estas condições novas e atractivas podem ser usadas pelas empresas de gestão imobiliária para conseguirem mais contratos. Mas o mais importante de tudo é que esta empresa possa fornecer aos proprietários serviços de alta qualidade, que é também a condição que os condóminos devem ter em mente quendo aprovam um contrato de gestão das suas propriedades. Se de futuro mais empresas de gestão imobiliária seguirem este caminho, a comissão dos condóminos ficará naturalmente satisfeita, bem como os proprietários. Não só todos ficarão satisfeitos, como também haverá lucros para partilhar, por isso porque não? Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesTambém tu, meu filho Nuno? Todos sabemos que o Chega é um partido que está na política contra tudo e todos que defendam alguns dos valores da democracia. Desta feita, conseguiu accionar uma Comissão Parlamentar de Inquérito putativa, a fim de atingir claramente o Presidente da República, a propósito do caso das meninas gémeas do Brasil que foram operadas em Portugal através de uma intervenção cirúrgica de grande dificuldade e só possível a um medicamento que custou quatro milhões de euros. A semana passada passou-se com a hipocrisia total de políticos, comentadores e jornalistas que não tiveram a coragem de anunciar que o Chega apenas visou com a sua arrogância atingir o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e a sua possível destituição. Porquê? Ora, porque o seu filho Nuno Rebelo de Sousa, residente no Brasil, tem abusado da condição de ser filho do Presidente da República. Nuno Rebelo de Sousa foi durante a semana o mote da comunicação social e já se encontra na situação judicial de arguido. Tudo por pensar que ser-se filho do Presidente da República dava-lhe a facilidade de tudo fazer para ganhar dividendos obscuros. A novela começou logo, em silêncio mediático, quando Nuno Rebelo de Sousa esteve inserido no negócio deplorável e tenebroso de introduzir os jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa no Brasil. Mas esse facto passou ao lado do público. O problema foi quando uns amigos do filho do Presidente, no Brasil, teriam dado conhecimento que um casal vivia momentos graves com duas filhas gémeas a necessitar de uma cirurgia que as separasse fisicamente, uma intervenção clínica que poderia ser realizada no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e onde as gémeas teriam de ter Cartão de Cidadão português. Aí, começaram as “cunhas” do filho do Presidente e as gémeas tiveram todas as facilidades oficiais. Nuno Rebelo de Sousa movimentou-se em Portugal junto das instâncias oficiais, incluindo através de emails para o seu pai no sentido de o Presidente Marcelo interferir nas instâncias governamentais e, assim, tudo conseguir. Sobre a vinda das gémeas a Portugal para serem operadas, Nuno Rebelo de Sousa começou logo mal ao tentar que o seu pai conseguisse as “cunhas necessárias, para que as meninas gémeas fossem operadas através do medicamento caríssimo de quatro milhões de euros. E qual é o pai que não atende um pedido de um filho? Aconteceu que a Presidência da República actuou em conformidade, apesar de hoje em dia o Presidente Marcelo afirmar que nada teve a ver com “cunhas” junto do Governo de António Costa. A verdade é que Nuno Marcelo de Sousa viajou para Portugal, encontrou-se com o secretário de Estado da Saúde, Lacerda Sales, que, entretanto, já foi sinalizado pelo Ministério Público como arguido num processo de investigação, e as gémeas foram operadas com todo o êxito. A Comissão de Inquérito Parlamentar promovida pelo Chega ouviu Lacerda Sales, mas este manteve quase o silêncio às perguntas de que foi alvo alegando o segredo de justiça a que tem direito. Sejamos claros, o problema está em Marcelo Rebelo de Sousa. O pai atendeu às “cunhas” pretendidas pelo filho ou não? O Presidente Marcelo já veio a público declarar que está de relações cortadas com o filho Nuno. E isto é grave. Parece um pai degenerado que atira com o filho para um poço. Sejamos sérios e admitindo que o Presidente Marcelo teve interferência no caso, apenas tinha de vir a público pedir desculpas aos portugueses e afirmar que o amor de um pai, por vezes, leva a que se cometam erros. E todos nós compreenderíamos que estava em causa a vida de duas meninas que iriam morrer. Aconteceu precisamente o contrário. O Presidente Marcelo ao constatar que a sua popularidade baixava de mês para mês e que alguns comentadores televisivos já adiantavam que se tratava do pior Presidente da República, optou por cortar com o filho e deixar andar o barco. Só que as ondas foram estrondosas e o barco entrou em naufrágio. Durante toda a semana não se falou noutra coisa a não ser em Nuno Rebelo de Sousa, que ainda por cima veio piorar a situação dizendo que não compareceria na Comissão Parlamentar de Inquérito. Isto já é mais grave, porque a lei não lhe permite que falte a ser indagado pelos deputados do Parlamento. Nuno Marcelo de Sousa se não comparecer à Comissão de Inquérito poderá ser alvo de uma queixa dos deputados ao Ministério Público e vir a ser sentenciado com dois anos de prisão. Tudo isto é a política porca de Bordallo Pinheiro que leva os portugueses a concluir, na sua ignorância sobre os meandros da política, que existem indubitavelmente portugueses de primeira e de segunda categoria. Este caso é um imbróglio preocupante e lamentável, quando a Comissão Parlamentar de Inquérito interrogou a mãe das meninas gémeas e deixou os deputados incrédulos quando afirmou que não conhecia Nuno Rebelo de Sousa. Os deputados indagaram a senhora várias vezes como é que Nuno Rebelo de Sousa tratou de tudo e manteve encontro pessoal com o secretário de Estado Lacerda Sales num interesse total pelo caso das meninas e nem conhecia a mãe das gémeas. A senhora foi ainda mais longe a deixar-nos todos perturbados quando afirmou que no Hospital de Santa Maria ouvia toda a gente a dizer que ela estava ali com as filhas devido à interferência do Presidente da República. Confrontada com a estranheza das afirmações dos agentes clínicos a mãe das gémeas respondeu que não fazia a mínima ideia por que razão se expressavam desse modo. O processo vai ainda fazer correr muita tinta e com Lacerda Sales e Nuno Rebelo de Sousa na condição de arguidos é caso para se pensar que só terminará para as calendas. E até já uma juíza afirmou que “o Presidente Marcelo não foi neutro”. A verdade é que o Presidente Marcelo está de momento no mais baixo nível de popularidade e tudo devido ao comportamento do seu filho. É mesmo um caso em que Marcelo poderá dizer: “Também tu, meu filho Nuno?”
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesCartão dourado Depois de Xia Baolong, director do Gabinete de Trabalho de Hong Kong e Macau do Comité Central do Partido Comunista da China e director do Gabinete dos Assuntos de Hong Kong e Macau junto do Conselho de Estado, ter visitado Macau e encorajado o Governo da RAEM a conjugar esforços para fazer do “cartão dourado” o símbolo de uma metrópole internacional destinada a brilhar, o Governo de Macau e as principais associações passaram, de um momento para o outro, a usar frequentemente a expressão “cartão dourado” nas suas conversas e discursos. Na conferência de imprensa sobre o tema as “Oportunidades de Macau”, realizada a 17 de Junho, o Chefe do Executivo Ho Iat Seng disse aos jornalistas da China continental, de Hong Kong e de Macau que, de forma a que o “cartão dourado” fosse um símbolo de Macau como uma metrópole internacional destinada a brilhar, seria necessário reunir os esforços de todos os residentes, porque mesmo as questões mais insignificantes podem causar má impressão aos visitantes e que por isso devem ser evitadas. Mas infelizmente, a 16 de Junho, o dia anterior ao encontro de Ho Iat Seng com a comunicação social, uma professora catedrática da Escola de Jornalismo e Comunicação da Universidade Chinesa de Hong Kong, que no ano anterior tinha conseguido vir a Macau sem qualquer problema, foi impedida de entrar sem que lhe fosse apresentado qualquer motivo, o que provocou o encerramento da sua palestra, agendada para essa tarde. Enquanto o Governo da RAE se empenha arduamente para fazer o cartão dourado brilhar, os acima mencionados problemas “aparentemente insignificantes” podem facilmente provocar nas pessoas uma má impressão de Macau e lançar manchas indeléveis no referido cartão. O grupo de jornalistas que participou na conferência “Oportunidades de Macau” não aproveitou a oportunidade para pedir a Ho Iat Seng que comentasse a súbita interdição de entrada em Macau da Professora catedrática. Durante a conferência, Ho Iat Seng designou a relação entre Hong Kong e Macau por “afecto fraternal” e disse ainda que Hong Kong seria sempre um “irmão mais velho” para Macau. Também expressou a sua gratidão para com o Governo da RAE de Hong Kong e agradeceu ao Chefe do Executivo John Lee pela sua orientação em muitas das iniciativas de Macau. Quanto ao incidente isolado que ocorreu a 16 de Junho, em que um residente de Hong Kong viu negada a sua entrada em Macau, o sucedido não deve ter tido nada a ver com a orientação dada pelo Chefe do Executivo John Lee. Porque quando John Lee conduziu Hong Kong na transição da “estabilidade para a prosperidade”, era basicamente impossível para alguém que não fosse leal ou apoiante conquistar uma posição no sector educativo, especialmente se trabalhasse ou estivesse associado à área do jornalismo. Portanto, de forma a fazer do cartão dourado um símbolo de Macau como uma metrópole internacional destinada a brilhar, o Governo de Macau não pode continuar a recorrer às medidas de confinamento e encerramento de fronteiras adoptadas na pandemia. Em vez disso, deve aprender com o discurso proferido por Li Qiang, o Primeiro-Ministro da China, durante a sua visita à Austrália, onde apelou a que ambos os países “defendam o respeito e a cooperação mutuamente benéficos, e procurem um entendimento comum, ao mesmo tempo que ultrapassam as diferenças”. Deve também procurar referências nos princípios orientadores propostos por Wang Huning, (Presidente do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês) durante a sua participação no Fórum dos Estreitos, onde afirmou que as relações entre os dois lados do estreito devem ser pacíficas, visando o desenvolvimento integrado, orientado para o intercâmbio e cooperativo. Se a China e a Austrália podem promover o intercâmbio, e se pode haver interacção entre a China continental e Taiwan, porque é que não pode haver intercâmbio de civis entre Hong Kong e Macau? Aparentemente o cartão dourado para promover o intercâmbio comercial precisa de algum polimento para poder brilhar. Por último, é preciso ter cuidado para que o cartão dourado de Macau não seja manchado com sangue. As vidas dos residentes de Macau são preciosas, e mesmo um só caso de suicídio é uma enorme tragédia. Numa primeira análise, ocorreram 22 suicídios em Macau no primeiro trimestre de 2024, menos 4 do que no trimestre anterior e menos 1 do que em igual período de 2023. No entanto, uma análise mais detalhada mostra que o número de suicídios entre residentes de Macau no primeiro trimestre de 2024 foi de 21, o mesmo número do trimestre anterior. No mesmo trimestre de 2023, registaram-se 19 suicídios entre residentes de Macau. Por outras palavras, a saúde mental dos residentes de Macau não registou qualquer melhoria. É compreensível que o Governo da RAE não publique os motivos destes suicídios de forma a evitar impactos negativos, mas a ocorrência consecutiva de casos de suicídio é inaceitável. Fugir ao problema ou encobri-lo nunca será solução. Os recentes suicídios de estudantes e professores são verdadeiramente devastadores e lamentáveis. Contudo, durante a reunião plenária da Assembleia Legislativa realizada a 18 de Junho, dos 28 deputados que falaram nas Intervenções Antes da Ordem do Dia, apenas três mencionaram a questão da saúde mental, do ambiente escolar harmonioso e da redução da taxa de suicídio. É bom que Macau tenha mais duas distinções, a “Cidade do Espectáculo” e a “Cidade do Desporto”, para além de já ser a “Cidade Criativa da Gastronomia”, mas é preciso ter cautela para que não venha a ser manchada com uma única gota de sangue. Não existe de forma alguma qualquer relação causa/efeito entre a distribuição de cupões electrónicos de consumo e a taxa de suicídio. O que verdadeiramente importa é prestar atenção aos problemas dos residentes de Macau, ter muito cuidado com aos mais desfavorecidos e estar mais preocupado com os oprimidos. Dar brilho aos sapatos é fácil, mas polir os cartões dourados de Macau para os fazer brilhar é tudo menos fácil!
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO uso ilimitado da força (I) “A ideia mais extravagante que pode surgir na cabeça de um político é acreditar que basta a um povo ir armado a uma nação estrangeira para a fazer adoptar as suas leis e a sua constituição” General François Lecointre Em outro tempo houve uma guerra política contínua por outros meios. O que resta sem a política? A guerra autónoma, dirigida a si própria. Violência ilimitada. Irracional. Chamar-lhe-íamos besta se nas espécies animais não existissem hierarquias de dominação, de modo que a competição pela superioridade é geralmente resolvida por ameaças e não pelo exercício da força. Em rigor, deveríamos deixar de chamar guerra ao que há muito deixou de corresponder ao cânone estabelecido em 1832 por Carl von Clausewitz. O seu tratado sobre a guerra, um tratado de antropologia e de arte da política em que as armas são apenas o seu instrumento, foi utilizado por gerações de oficiais, de tal forma que passa por um manual técnico de combate. É digno de figurar ao lado da “Fenomenologia do Espírito” do seu contemporâneo igualmente prussiano, Georg Wilhelm Friedrich Hegel, só que lhe subverte o sentido porque não expõe a realização da história como um projecto divino, mas anuncia talvez inconscientemente a sua subversão. A fractura que diante dos nossos olhos liquida a dimensão política da guerra, emancipando-a da primeira, reduzida a um estado larvar, produziu-se a partir da época napoleónica. O fim da “guerre en dentelles”, dos torneios em tributo regidos por uma etiqueta cavalheiresca de costumes, o início das mobilizações de massa e dos movimentos revolucionários que culminam no triplo suicídio das hegemonias europeias (1914-1945-1991). Hegel e Clausewitz estavam ambos em Jena, a 14 de Outubro de 1806, quando Napoleão derrotou o exército prussiano. Clausewitz ficou prisioneiro daquele Bonaparte em quem Hegel, olhando pela janela, queria ver a alma do mundo a cavalo. Duas perspectivas fisicamente opostas, a do oficial que caiu nas mãos do inimigo experimentou o clima e os modos de um grandioso exército do povo, e depois passou de cobaia a investigador dessa revolução, que não era apenas militar; o filósofo demasiado sistemático para admitir as aporias que o impediriam de encerrar a sua dialéctica trinitária, viu em Napoleão o anúncio simbólico do desígnio de Deus ao afirmar “É uma sensação maravilhosa ver um indivíduo que concentrado num ponto, irradia sobre o mundo e o domina”. Clausewitz rejeita, na introdução, a necessidade de reduzir as suas observações a um sistema, um sinal do destino, dado que não poderá terminar de corrigir a sua obra-prima: “Em vez de uma doutrina abrangente, temos apenas fragmentos para oferecer. Tal como muitas plantas não dão frutos se os seus caules forem demasiado altos, é necessário que, nas artes práticas, as folhas e as flores teóricas não se desenvolvam demasiado. É preciso não se afastar muito do terreno que lhes convém, isto é, da experiência. Talvez surja em breve um espírito mais esclarecido, que substitua estes grãos isolados por um todo fundido num só molde como um metal sem escória”. Clausewitz acabaria então por ser desviado pelas ciências militares e políticas. Até que um antropólogo e crítico literário muito original, René Girard, revelou o seu núcleo oculto. Uma fórmula que torna o seu pensamento actual, ou seja, a cisão entre política e a guerra. Clausewitz já a tinha, de facto, intuído, só que recuou quase temeroso perante a descoberta e assumiu o papel de técnico de armamento, decididamente diminuto. Eis a passagem-chave, que no texto precede o postulado, agora ultrapassado, sobre a relação política/guerra: “Confirmemos, portanto – a guerra é um acto de força, cujo uso não tem limites – os beligerantes impõem a lei uns aos outros; o resultado é uma acção recíproca que logicamente deve levar ao extremo”. Girard lê neste fragmento a confirmação da sua tese sobre o mimetismo, retirada do estudo dos clássicos da literatura, de Cervantes a Proust e Dostoievski em que a imitação é o motor das relações entre os humanos na medida em que se reconhecem como semelhantes. Leva-nos a aprender, mas também a lutar pelo desejo do objecto do outro. Mais radicalmente, pelo desejo do desejo do outro. Daí a dinâmica da violência como um jogo de espelhos que torna os inimigos cada vez mais semelhantes. O uso ilimitado da força é um sintoma da “tendência ao extremo” que acelerou o curso da história desde o final do século XVIII. E determina uma continuidade do confronto bélico através da “acção recíproca” impulsionada pelo desejo mimético dos contendores. “Bump and grind”. Extensível ao infinito, por imitação na qual a violência chama a violência. Ao ponto de se perder o próprio sentido de defesa e de ataque, de agressor e de vítima. Exemplo, o “ódio misterioso” entre a França e a Alemanha que constitui “o alfa e o ómega da Europa”. Neste sentido, a Guerra é apocalíptica. Pois estamos sempre em guerra, uma vez que a guerra enquanto instituição capaz de produzir sentido e determinar equilíbrios de paz já não existe. Um fenómeno que, segundo Girard, afecta todas as instituições. O que resta da política persegue a guerra como Aquiles, a tartaruga. A abolição determinativa da guerra é intencional. Aqui estamos interessados tanto no fim da guerra como no fim da paz. A ausência do primeiro exclui a paz. Para a conseguirmos, temos de saber porque lutamos e, sobretudo, com que objectivos os nossos adversários nos confrontam. É para isso que serve a geopolítica. Obriga-nos a contemplar o conflito a partir do alto (perspectiva de arbitragem) e, a partir daí, a descer por graus e escalas crescentes até ao terreno em disputa (olhar conflitual), medindo o que está em jogo – o objecto do desejo mimético – as intenções e os recursos dos protagonistas. O exercício geopolítico educa até ao limite. Refreia os impulsos mais imprudentes dos contendores, incluindo-os mimeticamente na mesma equação, em respeito pelo princípio da realidade. Prepara a paz. Exercício fora de tempo? Não pensamos assim. Pelo contrário, pensamos que compensa a “tendência para os extremos”. Entusiasmado com o teatro de papel machê que pinta efectivamente o mundo inexistente das regras universais, eleva o não-direito internacional a direito. Uma receita para acabar com a guerra, sim, mas através de uma colisão definitiva capaz de erradicar a humanidade deste planeta. Quem tranquiliza não cura. Contribui para a catástrofe. Traduzamos a tendência para o extremo em geopolítica. O que é que ela nos diz, senão da ocidentalização do mundo, filha da Revolução Francesa? Desencadeadas pelas campanhas de Napoleão, desenvolvidas com as guerras do ópio britânicas, as empresas coloniais das potências europeias vestiram-se de civilização das raças inferiores, culminando na formação de um mercado mundial de bens e capitais sob a égide americana. Previamente antecipado em 1848 por Karl Marx e Friedrich Engels como o estigma da sociedade burguesa no “Manifesto do Partido Comunista” em que “A burguesia não pode existir sem revolucionar continuamente os instrumentos de produção, logo as relações de produção, portanto o conjunto das relações sociais. A incerteza e o eterno movimento distinguem a época burguesa de todas as anteriores. A necessidade de um escoamento cada vez mais vasto dos seus produtos impele a burguesia para o outro lado do mundo. Em todo o lado tem de se impor, estabelecer, constituir relações”. Se substituirmos “burguesia” por “Ocidente”, descobrimos a dinâmica geopolítica que se mantém desde então e cuja crise vivemos actualmente. A tendência para o extremo que deveria ter acabado com a história descarrilou das pistas economicistas engenhosamente traçadas pelos dois jovens renanos. Os estudos antropológico-culturais que se seguiriam à expansão colonial estavam a dar os primeiros passos. As raízes e as múltiplas funções das guerras modernas, estimuladas pela tecnologia, começavam a alargar o seu alcance. Para investir todas as dimensões competitivas das relações entre grupos humanos, o comércio como cultura, a força militar como esfera do direito, as finanças como desporto. Um processo do qual emana a miragem da ocidentalização do mundo como o fim (masculino e feminino) da história humana. Descarrilamento da teleologia hegeliana. A ideia um tanto bizarra de universalizar o Ocidente, uma ofensa ao princípio de não-contradição, expõe os limites da tendência ao extremo que se pretende ilimitada. Síndroma de Clausewitz-Girard em que a ocidentalização da humanidade é tanto filha da imitação dos não ocidentais, consciente ou não, como do nosso beligerante impulso ecuménico. Não se trata de um movimento unilateral do centro do poder para as periferias impotentes, mas de um duplo movimento. Aproximação mútua em vista do duelo. As periferias procuram o centro, sobretudo quando não o admitem a si próprias, oferecendo alternativas a um paradigma que introduziram, tal como o centro visa as periferias. Dialéctica sem síntese possível, em aceleração contínua. Desalinhada. Se, em vez de avançar para o triunfo, a história marcha ao acaso ou em círculos, a tendência para o extremo radicaliza-se até ao paroxismo. E produz guerras potencialmente intermináveis. Num duplo sentido, sem objectivo e sem fim. Dançamos à beira do vulcão. Estamos na era da proliferação das armas de destruição maciça, não apenas nucleares. É preciso um formidável acto de fé para nos convencermos de que milhares de bombas atómicas na posse de actores cada vez mais imprevisíveis e numerosos, lançadas a partir de vectores hipersónicos capazes de atingir o alvo em minutos e de tornar inabitáveis continentes inteiros são produzidas para os respectivos stocks. E o que dizer da fábula segundo a qual a inteligência artificial nunca será autónoma dos seus criadores? A tendência para o extremo perturba o cartesianismo dos estrategas de gabinete. Viúva da dissuasão, o “Ancien Régime” desmoronou-se com a demolição do Muro. Os historiadores, uma espécie em vias de extinção devido à abolição progressiva da disciplina, não estão muito melhor, pois o desporto do século é a marcha frenética a partir de um impasse. Sem passado, sem futuro, sem nada para fazer senão para consumo imediato. A improvável ocidentalização do mundo expande-se para a desocidentalização do Ocidente. Sobretudo, para a desocidentalização da América. À força de exportar a liberdade e a democracia com guerras preventivas-educativas regularmente mal sucedidas e sofridas, se nalgum canto da nossa memória prezamos o princípio de que lutamos para vencer, quantos restam em casa? Se muitas democracias residuais são menos populares do que várias autocracias, porque é que os chineses ou os russos nos hão-de imitar? Talvez pensemos que uma campanha para libertar um povo de um tirano, ao estilo da invasão estrelada da Mesopotâmia, transformará de um momento para o outro o sujeito num fanático do modelo de Westminster? Prestemos homenagem a Thomas Friedman, o ideólogo do terrapianismo, a quem, num suspiro inconscientemente autocrítico, escapou a pergunta proibida: “O Iraque é como é hoje porque Saddam é como é, ou Saddam é como é porque o Iraque é como é?”. Por fim, quanto à globalização consensual de Washington, paradigma económico do Ocidente americano, o que fazer se uma grande parte do mundo discorda e se dedica cada um a acercar o seu próprio estilo de produção e de troca, para adaptações posteriores? No entanto, no Ocidente, continuamos a conceber as guerras como o recurso último do progresso de que reclamámos a exclusividade. Cada vez mais fracos e menos convencidos, somos ainda prisioneiros de um síndroma do membro fantasma. Colaterais da tendência para o extremo, por definição avessos à reflexão. De medir a realidade e o lugar que provisoriamente ocupamos nela. Quase como se o Ocidente fosse uma categoria meta-histórica. E a guerra a parteira da história, dixit Marx, ocidentalizador não convencido. O hiato entre a ideologia e a correlação global de forças induz a depressão na América, que se identifica com o Ocidente como protectorado de confiança divina e comunidade de valores. Mas a profundidade da sua própria crise impede-a de abjurar a ideia universal de progresso que justifica a sua existência e promove o seu poder superior. A história não pode acabar em glória, é certo, mas a auto consciência fundadora sem a qual a América não existe pode confrontá-la com a alternativa do diabo que é a guerra civil ou a guerra mundial. Ou ambas. Em nome dos direitos humanos, mais vale suicidar-se com todo o planeta. A aproximação à encruzilhada faz-se por um conflito sem objectivo nem conclusão. Alimentado pelo ilimitismo americano. E demarca os Estados Unidos e os seus associados das potências não ocidentais, onde persiste alguma forma de racionalidade, ainda que peculiar. A anti-estratégia em esteróides praticada dentro e à volta da Casa Branca exprime a “geopolítica para as classes médias” que o “Estado Profundo” em confusão postula inspirar-se. Anátema aos olhos dos hiper-capitalistas estrelados, para quem nem o céu é o limite. Pensemos em Elon Musk e Jeff Bezos, o segundo e o terceiro homens mais ricos da Terra, que imaginam exportar a humanidade para além deste planeta, um lugar demasiado estreito para nós. Podemos acabar de o destruir e começar a colonizar o universo. Musk quer-nos em Marte. Bezos eleva a fasquia pois triliões de seres humanos flutuarão em enormes estações espaciais no espaço interplanetário. Tudo se pode esperar do homem (Musk) que foi castigado pela História por ter gerado uma filha comunista e do seu rival que, em criança, treinou o seu talento tecnológico instalando um alarme eléctrico para impedir os irmãos mais novos de entrarem no seu quarto. Visões proféticas do futuro? Como bons vetero-europeus, preferimos a receita do social-democrata vienense Franz Vranitzky, antigo chanceler austríaco que disse “Quem tem visões deve consultar um médico”. Mas quanto mais velhos ficamos, nós, ocidentais, mais sofremos de mimetismo diacrónico. Imitamos os nossos grandes líderes de outrora, sem medo do ridículo. É o caso de Emmanuel Macron, com o seu manto napoleónico, pronto para uma campanha militar contra a Rússia. E dos dirigentes polacos, bálticos e escandinavos que gostariam de riscar a Federação Russa do mapa, para dar origem a um colorido festival de miudezas “pós-coloniais”. Um clima de higiene mundial neo-futurista, exclusivamente bélico, que enevoa tanto os comentadores “mainstream” insuspeitos como os militares no activo e no passivo. Assim, Janan Ganesh, colunista do Financial Times, estabelece a equação paz=estagnação e convida-nos a saborear a guerra como um “estimulante”. Uma droga poderosa, cujos efeitos Ganesh descreve em três fases; “Primeiro, o trauma obriga-nos a imaginar lugares novos e estranhos. Em segundo lugar, as ideias resultantes vendem-se mais facilmente porque as ideias dominantes estão agora manchadas de sangue. Em terceiro lugar, a violência provoca muitas vezes alguma inovação técnica”. Faz eco do general François Lecointre, antigo chefe do Estado-Maior das Forças Armadas francesas, certo de que dentro de dez anos nós, europeus, teremos de recolonizar África porque não podemos continuar a aceitar “fazer fronteira com o caos”. Em todo o caso, “só podemos matar pela França, não pela democracia”. Aqui Lecointre imita o Robespierre aprendido na escola de que “A ideia mais extravagante que pode surgir na cabeça de um político é acreditar que basta a um povo ir armado a uma nação estrangeira para a fazer adoptar as suas leis e a sua constituição”. O ilimitismo do limitado que somos gera monstros.
Carlos Coutinho VozesO quase feriado e o regresso de Franco A Assembleia da República vai passar a assinalar anualmente o dia 25 de novembro de 1975, à semelhança do que acontece com o 25 de Abril. Para tanto bastaram os votos do PSD, do Chega e da Iniciativa Liberal. Desta vez, o PS ainda votou contra, acompanhado pelo Bloco, PCP e Livre, assim se impedindo a criação de um novo feriado nacional proposta pelo Chega. Já o mesmo não aconteceu na deliberação seguidamente acontecida, quando os deputados alegadamente socialistas votaram em sintonia com toda a direita e extrema-direita a inclusão pelo Parlamento, por proposta da IL, a inclusão dos 50 anos do 25 de novembro no programa do cinquentenário do 25 de Abril. No caso do feriado nacional, só o Chega e o CDS-PP votaram favoravelmente. A IL absteve-se, porque também há patrões intermitentemente liberais e cordiais, mas nem todos selvagens, segundo o incontrolável Darwin. E, como é da sabedoria das vítimas ainda vivas, “enquanto o pau vai e vem, folgam as costas”. Até Almada Negreiros, depois de ter sido o ilustrador do mantra salazarista do mantra “Deus, Pátria, Família e Autoridade”, já tinha avisado: “O povo completo será aquele que terá reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem, portugueses: só vos faltam as qualidades.” O que levou Jorge Sousa Braga a confessar, entre dois acessos de tosse: “Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos a ver se contraía a febre do império, mas a única coisa que consegui apanhar foi um resfriado.” Aliás, Fernando Pessoa já tinha lamentado: “Pertenço a um género de portugueses / Que depois de estar a Índia descoberta / Ficaram sem trabalho. A morte é certa.“ * ENCANTOS e desencantos há com fartura no Alto Douro – e julgo que no resto do País, também –, mas uma alcatifa imensa com a sua extremidade mais distante a virar à esquerda, só na Régua. Assisto nesta varanda sobre a Avenida João Franco – que alguns, talvez por vergonha, só designam por “a Marginal” – e começo a acreditar que qualquer encanto pode ter um desencanto por baixo. Não dá para perceber que, do outro lado do Douro, há uma cidade medieval chamada Lamego, com muitas lendas mouriscas e afonsinas, um presunto excelente e um espumante de altíssima qualidade, e que aí começa o que há-de ser a ex-lupina e atual raposeira Serra de Montemuro. Isto, se formos para sul, porque, se embicarmos para a direita, a caminho das cerejas maravilhosas de Rezende, atravessando a Serra das Meadas, que é onde o meu pai me dizia começarem as trovoadas, até podemos chegar a uma ponte para Baião, já na margem direita do rio, e dar um saltinho a Tormes, que é o pseudónimo de uma quinta em Santa Cruz do Douro, onde o Eça pôs o seu alter-ego Zé Jacinto a perorar sobre “A Cidade e as Serras”. Se repararmos bem, vamos notar que há um sorriso indecifrável, talvez escarninho, talvez sulfatado ou enxofrado, no verdete da estátua do grande escritor dos “Montes Pintados”, João de Araújo Correia. E vamos ver, até, que esse esgar sai enviesado de umas sobrancelhas e de um queixo altaneiro que pertence a uma coisa rígida, sem chapéu nem boina, alguém mais alto que um homem alto, um primata vestido, alçado entre dezenas de automóveis. Um fulano imperturbável que, talvez quiçá por também ser médico, não se sentiu contaminado pelo sentimentalismo de outro grande escritor duriense, o dr. Adolfo Correia da Rocha, que montou consultório em Coimbra e nunca perdoou a ousadia de um pequeno ariano com aquele bigode preto que surgia como farfalhudo prolongamento da penca ou bitácula, um raivoso e diminuto javali austríaco sem arganel mas com remota ascendência semítica, um aguarelista frustrado que se declarou alemão bávaro, era igualmente Adolfo e já começava a ser conhecido como carniceiro, por toda a Europa, incluindo os gabinetes do beirão dr. Salazar, do flaviense marechal Carmona, dos torcionários da PIDE, dos mastins da Legião Portuguesa e da Brigada Naval, de banqueiros como Burnay, Champalimaud, Pinto de Magalhães e Espírito Santo, bem como de industriais plenipotenciários do jaez de um Alfredo da Silva, de um Américo Amorim ou de um Tomé Feteira. E porquê ir escabichar tudo isto? Porque Portugal levou com o franquismo antes de cair na vizinha Espanha aquela sanguinária aberração que permitiu ao general Sanjurgo a exemplar declaração: “Quando me falam de cultura, puxo logo da pistola.” Não foi tão longe o nosso Franco e, quiçá por isso, passa despercebida a nomenclatura indigna da principal avenida da Régua, a Avenida João Franco, com o Douro à ilharga. E com esta varanda de 4.º andar na casa de uns amigos que me ver daqui a principal artéria da cidade com o Museu do Douro, os cais dos grandes barcos do turismo para ricos e remediados, a larga e arrepiada superfície aquática propícia à reflexão das mais esquisitas cores de um crepúsculo aveludado que só a luz ingrata dos candeeiros consegue varrer, enfim o resultado da paleta de um artista cósmico que não poupa nas tonalidades e nos rasgões cromáticos que fazem do céu um mar invertido que arde até ao mais fundo de si mesmo. Imagine-se agora o desconforto em que se fica no encontro com a figura de um João que nem sempre foi franco e nasceu no dia 14 de fevereiro de 1855 em Alcaide, concelho do Fundão, onde recebeu o nome de João Ferreira Pinto Franco Castelo-Branco, foi deputado por Guimarães do Partido Regenerador, uma espécie de Livre daquele tempo, zangou-se com o primeiro-ministro Hintze-Ribeiro, o líder, e fundou o Partido Regenerador Liberal, que, com a displicência do rei D. Carlos, transformou o país numa ditadura que durou de 1906 a 1910, e deixou muitas cabeças partidas, muitas prisões e deportações para territórios coloniais. Foi da sua lavra a célebre lei de 13 de fevereiro de 1896, que previa a deportação de “agitadores e anarquistas” para África e Timor, logo baptizada como “lei celerada” pelos republicanos. Face à greve académica de 1907 na Universidade de Coimbra e à crescente agitação social, o apoio parlamentar dos progressistas acaba e, ao contrário do que que prometera, que era “governar à inglesa”, João Franco passou a “governar à turca”. A ditadura sem disfarces (2 de Maio de 1907). Vejo a extrema-direita a avançar por toda a Europa, com os franquismos reciclados, vejo lá em baixo um cartaz com o sorriso franquista liberal do candidato Bugalho, vejo (ou imagino, desta distância) o cenho carregado do autor de “Contos Bárbaros”, “Terra Ingrata”, “Três Meses de Inferno” e “Enfermaria do Idioma”, custando-me ainda hoje a perceber como foi possível que João de Araújo Correia, apesar da sua muito avançada idade, tenha, com um suspiro de contentamento, admitido que com Sá Carneiro, vinha aí, finalmente, o “tempo da fraternidade”. Conheci pessoalmente o escritor e entrei algumas vezes, com enorme reverência, na sua apertadinha tipografia, na Régua. Foi a mim que ele disse isso, acrescentando paternalmente que eu estava “preso de fantasias”, e que compreendia a juventude que parece querer tudo de uma vez”, porque também ele tinha sido jovem e não era diferente”.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesCondições de trabalho A semana passada, circularam em websites online várias publicações sobre as condições de trabalho em Hong Kong. A primeira assinalava que os habitantes de Hong Kong adoram trabalhar e, por isso, acabam por ficar sobrecarregados com horas extraordinárias. Alguns chegam a morrer devido ao excesso de trabalho, problema que ficou conhecido como “morte por trabalho em excesso”. Actualmente, Hong Kong ainda não tem legislação para regular este problema. A julgar pelos dados estatísticos, nos cinco anos que medeiam entre 2018 e 2022, ocorreu no sector industrial de Hong Kong um total de 724 mortes causadas por acidentes de trabalho ou por doenças profissionais, cerca de um quarto das que ocorrerem no sector comercial e no sector de serviços. Em 2021 e em 2022, morreram mais trabalhadores no sector da segurança e da construção. Outra das notícias teve origem na partilha online da experiência de uma trabalhadora. Depois de se mudar para o novo emprego, ficou muito satisfeita com as condições de trabalho porque podia sair a tempo e horas. Mas depois descobriu que outros colegas tinham de fazer horas extraordinárias e só podiam sair às 22.00h. Alguns dias mais tarde, o patrão chamou-a porque ela não estava a trabalhar até mais tarde, o que significava que não estava bem integrada. A trabalhadora manifestou a sua perplexidade na publicação e perguntava: Porque é que ainda continuam na empresa e fazem horas extraordinárias de graça depois de completarem o vosso horário de trabalho? Muitos internautas responderam a esta publicação para manifestar o seu apoio à trabalhadora. Alguns deles chegaram a sugerir que ela se devia despedir. A terceira publicação vinha de um trabalhador. Este homem disse que enquanto estava no estrangeiro, durante as férias, tinha recebido mensagens de trabalho enviadas pelo patrão, mas só as leu e não respondeu, precisamente porque estava de férias. Por causa disso, quando voltou à empresa, foi chamado pelo patrão que lhe disse que, embora estivesse de férias, deveria ter respondido às mensagens para que os colegas pudessem trabalhar. O empregado afirmou que, depois de verificar as mensagens, não lhe pareceram assuntos urgentes e que poderiam ser tratados pelos colegas e por isso não respondeu. Sem que tivesse esperado, o patrão acusou-o de incompetência. Na publicação, expressou a sua opinião sobre o assunto – “Será que competência significava estar em viagem durante as férias e responder às mensagens de trabalho simultaneamente?” É fácil compreender a expressão “esgotamento pelo trabalho” que significa que as pessoas que se envolvem demasiado no trabalho podem vir a sofrer problemas físicos e fadiga mental que lhes afecta a saúde. Porque é que este fenómeno é frequente em Hong Kong? Parte da justificação pode ter a sua origem na legislação laboral da cidade. Embora esta legislação tenha sido revista por diversas vezes desde a sua implementação em 1970, os princípios básicos permaneceram inalterados. A sociedade de Hong Kong da década de 70 do século passado, valorizava a auto-suficiência e a capacidade de “tomar conta de si próprio” por isso os benefícios para os trabalhadores não eram generosos. Com o desenvolvimento trazido pelos novos tempos, o ambiente de trabalho em Hong Kong e o estilo de vida das pessoas e as suas necessidades também mudaram. O Governo de Hong Kong esperava melhorar os benefícios laborais e reviu as leis do trabalho várias vezes. Não é difícil de perceber que se os trabalhadores tiverem mais benefícios os empregadores terão de pagar mais, o que pode facilmente provocar insatisfação no sector do patronato. Estamos a falar de medidas como o Fundo de Previdência Obrigatório, implementado em 2000 e a utilização antecipada do Fundo de Previdência Obrigatório para compensar pagamentos de serviços prolongados. Outro motivo, que também representa um problema sério na sociedade de Hong Kong, é o preço elevado da habitação. O salário médio em Hong Kong é de cerca de 20,000 dólares de HK mensais. As informações que circulam na Internet mostram que depois de receber o salário, os hongkongers não podem comer, nem beber e, só depois de 20 anos, têm condições para comprar um apartamento. Os elevados preços da habitação e a pressão da vida diária forçam as pessoas a trabalhar arduamente, por isso não é surpreendente que o trabalho em excesso ocorra frequentemente. Quanto à questão levantada pela trabalhadora que afirmava que na sua empresa as horas extraordinárias não eram pagas, o sistema jurídico da common law, em vigor em Hong Kong, tem precedentes claros que indicam que o trabalho extraordinário implica contribuição extraordinária para a empresa e que tem de ser pago. Portanto, o pagamento do trabalho extraordinário não é um assunto que se possa discutir. Do ponto de vista jurídico, mesmo que só se trabalhe um minuto para além do horário estabelecido, o empregado tem de ser devidamente compensado por esse tempo extra. No entanto, na realidade, isso é realmente difícil de fazer. Tanto os empregadores como os trabalhadores compreendem que muitas tarefas não podem ser concluídas em horário comercial e que períodos curtos de trabalho extraordinário são inevitáveis. Algumas empresas tentam resolver o problema do trabalho extraordinário estipulando que a primeira hora que os empregados trabalham após concluírem o seu horário normal não é considerada tempo extra. Embora esta norma esteja mais de acordo com a realidade, o empregado é pago por esse período adicional. Se o trabalhador não concordar, esta norma será dificilmente implementada. Ao mesmo tempo, este método tem o potencial para ser controverso. Em relação às mensagens de trabalho referidas no terceiro ponto, não existe actualmente em Hong Kong legislação adequada para regular se os trabalhadores devem ou não responder às mensagens dos patrões fora do horário de trabalho. Anteriormente, nesta coluna, analisámos se deveria ser introduzida legislação para regular este assunto. Se os leitores estiverem interessados, podem reler os artigos anteriores, cujo conteúdos não voltaremos a repetir. No seu todo, estas três publicações reflectem em certa medida as condições de trabalho em Hong Kong. A sobrecarga de trabalho nunca é positiva para os empregados nem para os empregadores. As questões do trabalho extraordinário e de responder a mensagens fora do horário de trabalho podem, em certa medida, ser resolvidas através de negociação. Só quando estes problemas foram devidamente resolvidos podem as condições de trabalho em Hong Kong ser melhoradas e os empregados e os empregadores mais beneficiados. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesAs seitas arranjaram um paraíso Os portugueses vivem assustados. A criminalidade está a aumentar, especialmente a cargo de membros de seitas da Índia, Paquistão, China, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Argélia, Marrocos e Timor-Leste. Inúmeros casos de violência grave já levaram à morte de alguns membros trazidos para Portugal pelas seitas dos países referidos que controlam a imigração em Portugal. As portas abertas para qualquer imigrante têm levado à tentativa de controlar o tráfico de homens e mulheres, de toda a espécie de drogas, de armas, do trabalho ilegal na agricultura, na construção civil e na restauração. Têm sido imensos os confrontos violentos, especialmente nas ruas de Gaia, Porto, Vila do Conde, Fátima, Setúbal, Póvoa de Santa Iria, Évora, Faro e Lisboa, onde a Polícia Judiciária já detectou na capital portuguesa mais de 30 grupos que actuam com violência e digladiam-se entre si. Em plena Avenida Almirante Reis, de Lisboa, foi filmado uma luta entre indianos e chineses que derivou em grande parte devido ao controlo da agiotagem junto dos casinos, luta que incluiu facadas e alguns tiros. As seitas resolveram criar grupos de gangues para levar a cabo as suas intenções e igualmente disfarçam esses gangues em grupos de artes marciais, a fim de “oficializar” as suas acções de violência e os negócios em causa. Em pleno centro de Fátima, dois grupos rivais de timorenses entraram em confronto causando três feridos graves e uma vítima mortal. Quem diria? Os timorenses que em Portugal sempre mantiveram um comportamento exemplar de pacifismo nos estudos e nos diversos trabalhos que obtiveram, já formaram os seus grupos rivais e lutam por algo que nem se sabe bem o objectivo. Naturalmente, que um caso destes era esperado por alguns dirigentes policiais e da GNR, pelo facto de terem conhecimento que em Timor-Leste reina a violência levada a cabo pelos tais grupos de “artes marciais. O mais deplorável é que os chefes das seitas dos imigrantes ganham muito dinheiro ao explorá-los. Os imigrantes começam por ter que pagar uma quantia que ronda os seis mil euros para vir para Portugal e no caso de arranjarem trabalho têm de ir descontando esse pagamento. No nosso país vivem em condições desumanas, muitos deles em quartos onde dormem vinte. Actualmente, há 400 mil imigrantes que aguardam por regularização e terão que pagar para conseguirem essa regularização. Os que são enviados para trabalhar na agricultura são autênticos escravos. Trabalham de sol a sol e dormem em armazéns sem quaisquer condições de higiene. Alguns querem desistir, mas o passaporte foi-lhes logo retirado à chegada e têm de trabalhar onde as seitas lhes arranjam trabalho. Os que vivem em Lisboa dedicam-se fundamentalmente à venda de drogas e à agiotagem, recebendo apenas dez por cento do lucro dos negócios obscuros. Muitos brasileiros são obrigados a enveredar pela prostituição homossexual e podem ser vistos em sites onde anunciam a venda do corpo. As seitas cedem-lhes os quartos, mas controlam todas as visitas dos clientes. O mesmo acontece com cabo-verdianos e angolanos. Ou seja, para os chefes das seitas a vinda de imigrantes é um autêntico maná e a Polícia Judiciária não consegue saber de toda a actividade ilegal que decorre nos mais diversos locais. Existem bairros em Lisboa em que nem se pode lá entrar devido à perigosidade em que o visitante se expõe. Os bairros mais perigosos são o “Bela Vista” (Setúbal), “Chelas” (Lisboa), “Jamaica” (Seixal), “Amarelo” (Almada), “Portugal Novo” (Lisboa), “Pinheiro Torres (Porto), “Quinta da Fonte” (Loures), “Quinta do Mocho” (Loures”, “Bairro do Cerco” (Porto), “Quinta da Princesa” (Seixal), “Cova da Moura” (Amadora), “Casal da Mira (Amadora), “Bairro da Cucena” (Seixal) e o “Bairro Branco”, um aglomerado de habitação social no Monte de Caparica (Almada). Agora, imaginem os milhares de moradores que todos estes e mais alguns bairros encerram. Destes locais partem para todo o lado com as mais variadas intenções, desde assaltos à mão armada a quem levanta dinheiro nas caixas de multibanco, a idosas que acabam de sair de lojas onde compraram algo de valor ou mesmo “carjacking” ameaçando o condutor e roubando o carro. Os próprios taxistas já se negam a transportar clientes que desejem ir para certos locais que saibam ser perigosos. Muitos taxistas têm sido roubados e alguns esfaqueados. E temos recentemente um novo negócio por parte das seitas. Assim que o imigrante chega, se souber guiar automóvel, é-lhe entregue uma carta de condução falsa e começam a conduzir os carros denominados TVDE (Uber e outras empresas). Um negócio chorudo que tem envolvido muita corrupção em departamentos estatais. Esses mesmos condutores dos carros TVDE já procuram vender drogas aos clientes jovens e há poucas semanas levaram uma jovem que apanhou o carro no Largo Luís de Camões, em Lisboa, e tomou o caminho de Monsanto onde violou a jovem e depois de lhe roubar os bens abandonou-a junto à estrada. Neste panorama, obviamente que as populações andam preocupadas e amedrontadas. A maioria de quem trabalha já não se atreve a sair à noite, nem que seja para ir tomar um café. À noite, as ruas de Lisboa e Porto estão praticamente desertas numa prova de que os portugueses têm a plena consciência do que os rodeia. O facto é grave e o Governo acabou de anunciar que no futuro os imigrantes só podem vir para Portugal com contrato de trabalho. Os chefes das seitas fartaram-se de rir… naturalmente que já estão a preparar os contratos de trabalho falsos… Para este tipo de gente, Portugal é um paraíso.
Hoje Macau Arquitectura e Desenvolvimento VozesDescortinando conceitos e definições * Por Gonçalo Alvim, Arquitecto Paisagista Neste espaço do Hoje Macau proponho-me desenvolver sobre dois conceitos abrangentes e que, de diferentes formas, se interligam entre si: Arquitectura Paisagista e Desenvolvimento Sustentável. Naturalmente, o meu ponto de partida, ou de chegada, irá ser sempre Macau. É sabido que o Desenvolvimento Sustentável envolve diferentes abordagens, sendo as três principais a Ambiental, a Social e a Económica. Para serem equilibradas, estas abordagens devem ser consideradas em conjunto, de uma forma interdependente. São como um móvel de três pernas, em que fortalecer uma, ou duas, em detrimento da terceira, não é normalmente boa solução. O conceito de “Desenvolvimento Sustentável”, que proponho interligar com a Arquitectura Paisagista, aponta para um caminho de futuro e de crescimento. Socorrendo-me do conceito original, relevado no Relatório de Brundtland “O Nosso Futuro Comum” (1987), trata-se de um tipo de “desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades”. Para o comum dos cidadãos este princípio tem virtudes, mas é de alguma forma abstracto e difícil de pôr em prática. Com efeito, não podemos saber em concreto quais vão ser as nossas necessidades no futuro, nem qual é o impacte em concreto que das nossas acções. Acresce a este desconhecimento duas realidades que se têm tornando evidentes: as nossas necessidades vão mudando ao longo do tempo, e de forma cada vez mais acentuada; e novas descobertas têm vindo a alargar os recursos que se consideravam finitos. Sabemos haver um grande desequilíbrio entre a exploração de recursos, que as nossas “necessidades” obriga a fazer de forma intensiva, e a capacidade do planeta de as suportar; e que esse desequilíbrio é maior em regiões desenvolvidas, onde o consumo é muito maior. Mas em que medida as nossas acções individuais podem mudar alguma coisa a tendência global que se verifica? E qual a capacidade dos Governos que nos regem de minimizar, contrariar, defletir, o seu impacte? Outro conceito que complementa o anterior é aquele que nos encoraja a “pensar globalmente, actuar localmente”. É um conceito mais prático, que percebemos melhor: não podemos mudar o mundo, mas podemos dar o nosso contributo no dia-a-dia; talvez sem heroísmos, mas com sentido de responsabilidade. Estarei eu a cumprir esse desígnio ao escrever este artigo? Introduzo agora o tema da Arquitectura Paisagista, começando pela definição que nos deixou o fundador do curso em Portugal, Francisco Caldeira Cabral: “A arte e a ciência de ordenar os espaços exteriores, de maneira a satisfazer as necessidades humanas e, ao mesmo tempo, proteger e valorizar os recursos naturais e culturais.” Esta definição, que naturalmente estudei no meu curso, é mais profunda e complexa do que pode parecer à primeira vista e sintetiza bastante bem aquilo que é o âmbito desta actividade, tantas vezes desvalorizada. Vou tentar explicar o que quis transmitir o autor: A definição começa por esclarecer tratar-se a Arquitectura Paisagista de uma arte e de uma ciência, uma vez que, para além da parte criativa do desenho, sustentada em princípios estéticos, mas também de preferências do autor, tem por bases um conjunto de conhecimentos científicos que importa conhecer com rigor para que as decisões e os planos respondam às necessidades; Depois, refere a ordenação do espaço exterior, o que remete para a humanização do espaço exterior aos edifícios, com o propósito, esclarecido em seguida, de satisfazer as necessidades humanas. Este ponto é muito importante e distingue o seu propósito de alguns outros que excluem o Homem da equação, relevando o valor da Natureza por si mesma, independentemente da existência humana; E a definição termina dizendo que, ao mesmo tempo que a Arquitectura Paisagista procura satisfazer as necessidades do Homem, deve proteger e valorizar os recursos naturais e culturais, apontando assim para uma evolução positiva no futuro. Note-se que não são referidas plantas, nem jardins, nem repuxos, nem arranjos, nem decorações, e nem sequer paisagem ou espaços verdes, o que à primeira vista poderá surpreender. Não sei bem qual a ideia que o caro leitor terá sobre o que é a Arquitectura Paisagista, mas arrisco dizer que, se lhe fosse pedida uma definição breve sobre a matéria incluísse apenas alguns desses elementos que referi, eventualmente terminando com um apreço pela profissão e um lamento por não ser mais valorizada. Olhemos novamente para a definição de Desenvolvimento Sustentável e reparemos nas semelhanças com os fundamentos da Arquitectura Paisagista. A definição refere a pretensão de satisfazer ‘as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades’, referindo-se naturalmente às necessidades do Homem, em torno de quem faz sentido a pretensão de sustentabilidade. Tem depois três vertentes interdependentes, como vimos – Ambiental, Social e Cultural – , que coincidem com o pretendido na Arquitectura Paisagista: satisfazer as necessidades humanas e, ao mesmo tempo, proteger e valorizar os recursos naturais e culturais. Podemos ver que há, portanto, um alinhamento entre os conceitos de Desenvolvimento Sustentável e de Arquitectura Paisagista, embora a Arquitectura Paisagista apresente uma perspectiva mais positiva, uma vez que não se contenta em não comprometer o que as próximas gerações vão receber, mas em valorizar a “herança” que lhes deixamos. Em próximos artigos vou procurar desenvolver sobre estes temas, relevando a sua importância para os cidadãos do território. E note-se que não referi aqui a sua importância para Macau, o que seria um propósito bastante abrangente e vago, mas na importância para os seus cidadãos, na importância para si em especial, caro leitor. ** Francisco Caldeira Cabral (1908-1992), é tido como uma referência internacional e pioneiro no estudo e ensino da Arquitectura Paisagística e do movimento ambientalista em Portugal. Foi um dos fundadores da Liga para a Proteção da Natureza (LPN) e seu segundo Presidente, e Presidente da Federação Internacional de Arquitectos Paisagistas entre 1962 e 1966.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO terrorismo do Hezbollah II (continuação) “Hezbollah was declared as a terrorist group by the US, Arab Leage, UK, Germany and other countries. It is an organization used by Iran to plan and be ready to execute terror attacks in the future”. Itamar Kasztelanski Antes e depois da retirada israelita em 2000 e até à guerra de 2006, o Hezbollah era essencialmente um partido armado com uma base de apoio popular crescente e uma presença institucional à escala local. Imediatamente após 2006, acelerou a sua transformação numa força política, social e institucional libanesa, alargando a sua rede de alianças transconfessionais e a sua presença nas instituições centrais. Desde 2012, promoveu-se como uma força regional, primeiro na Síria, depois no Iraque, no Iémen e na Faixa de Gaza, provando ser capaz de gerir, em nome do Irão, as outras articulações do “eixo da resistência”, ao mesmo tempo que a linha de contacto com Israel entre o Sul do Líbano e a Alta Galileia se manteve um dos locais mais estáveis da região durante dezassete anos. Em 2022, graças à mediação americana que durou cerca de dez anos, o Hezbollah chegou a um acordo histórico com o inimigo sobre a divisão dos recursos energéticos no Mediterrâneo oriental e acordou a demarcação da fronteira marítima. No entanto, há um ano e meio, sabiamente, deixaram em suspenso qualquer possível abertura de negociações para a demarcação da fronteira terrestre. Deste excurso resulta que o Hezbollah chegou à data de 7 de Outubro de 2023 com uma bagagem de interesses estabelecidos muito mais pesada do que aquela que trazia consigo nas vésperas da guerra, no verão de 2006. O facto de o Partido de Deus ter hoje muito mais a perder do que no passado contribui decisivamente para moldar a sua posição táctica no conflito em curso. Com efeito, uma guerra em grande escala com o Estado judaico poderia fazer com que o movimento xiita pro-iraniano perdesse uma parte significativa do poder a nível local, nacional, regional e mesmo global. Por estas razões, o Hezbollah não está interessado numa guerra total com Israel. Em 8 de Janeiro, Mohammad Rad, líder do grupo parlamentar do Hezbollah, que perdeu um dos seus filhos combatentes num ataque israelita em 22 de Novembro de 2023, afirmou explicitamente “Não queremos que a guerra se alastre. Queremos que a agressão (israelita) termine. Depois, claro, se Israel quiser alargar o conflito atacando o nosso país, iremos até ao fim. Não tememos as suas ameaças”. Um conceito reiterado várias vezes pelo líder do Hezbollah, Hasan Nasrallah, que em 3 e 14 de Janeiro chamou ao Sul do Líbano uma “frente de dissuasão”. Segundo Nasrallah, esta frente de guerra está aberta por duas razões; para pressionar Israel a cessar a sua agressão a Gaza e para se abster de lançar uma grande ofensiva no Sul do Líbano. “Se esta batalha for iniciada por Gaza”, disse Nasrallh a 3 de Janeiro, “também o será para defender o Sul do Líbano. Em resumo, disparamos contra o inimigo para o manter ocupado e não o deixar atacar. É por isso que, até agora, o Hezbollah não respondeu de forma agressiva à escalada armada desencadeada pelo Estado judaico entre Dezembro de 2023 e Janeiro de 2024”. À sombra de um porta-aviões e de cinco outros navios de guerra americanos que permaneceram no Mediterrâneo oriental, em frente à costa libanesa, entre Outubro de 2023 e o início de Janeiro de 2024, desde o início do inverno as FDI atacaram repetidamente nas profundezas libanesas, chegando mesmo a perpetrar, a 2 de Janeiro, um assassinato selectivo contra Saleh Muhammad Sulayman al-Arouri, um alto expoente do Hamas no coração do reduto do Hezbollah, nos subúrbios do sul de Beirute. Este ataque insere-se numa campanha de ataques aéreos e de bombardeamentos israelo-anglo-americanos que, no espaço de duas semanas, entre o final de Dezembro de 2023 e o início de Janeiro de 2024, atingiu quatro capitais árabes, todas elas cruciais para a projecção do Irão no Médio Oriente. Durante o mesmo período, Israel matou no Sul do Líbano, em mais um assassinato selectivo, Wissam Tawil, um dos chefes militares do Hezbollah, um “mártir” por excelência que se junta aos mais de 160 combatentes mortos entre 8 de Outubro e o início de Janeiro. Perante estes ataques repetidos, o Hezbollah limitou-se a responder alvejando duas bases militares israelitas, uma no monte Merom (Garmaq) e outra perto da cidade de Safed, respetivamente a cerca de dez e vinte quilómetros da linha de demarcação com o Líbano. Alguns dias antes destes dois ataques, Nasrallah tinha avisado que a resposta ao assassinato selectivo de al-Arouri em Beirute teria lugar “quando e como o campo de batalha (Maydan) decidir. O campo de batalha não vai esperar”, disse o líder do Partido de Deus, deixando assim algum trabalho para os comentadores e cenaristas profissionais. Oito meses após o início do conflito, a prioridade do Hezbollah continua a ser, portanto, a de preservar, no Líbano e na região, as posições que adquiriu ao longo dos anos. E isto em plena continuidade com os últimos vinte anos da sua história pois participou activamente no assassinato do antigo primeiro-ministro Rafiq Hariri, em Fevereiro de 2005, em Beirute, para evitar uma alteração do equilíbrio regional a favor do eixo pro-soviético. Em Maio de 2010, levou as suas armas e as dos seus aliados para as ruas de Beirute para se opor a um governo libanês muito próximo de Washington. Em 2012, interveio militarmente na Síria com o mesmo objectivo de impedir que o sistema de poder encarnado pela família Asad em Damasco fosse derrubado a favor de forças locais e regionais hostis à influência iraniana, desde o Planalto Iraniano até ao Mediterrâneo. Em Outubro de 2021, participou activamente, juntamente com os seus parceiros e rivais libaneses, em confrontos armados numa das praças emblemáticas de Beirute, para efectivamente dar o empurrão final à instável investigação sobre a devastadora explosão do porto da capital libanesa em Agosto de 2020. O inquérito, há muito enterrado, tinha então revelado que altos responsáveis da cúpula do sistema de poder libanês de que o Hezbollah faz parte integrante, juntamente com outras forças políticas cristãs e muçulmanas tinham conhecimento, desde há anos, da presença de material altamente explosivo no interior de um dos hangares do porto de Beirute, situado a algumas centenas de metros do coração residencial, institucional e comercial da cidade. Todas estas iniciativas, sempre levadas a cabo na ponta das baionetas desde o início dos anos 2000, foram ditadas pela necessidade do Hezbollah de consolidar e alargar o seu poder dentro e fora do Líbano. É certo que nem o Partido de Deus, nem o Irão e os outros membros do “eixo da resistência” pretendem libertar os territórios palestinianos e desfilar triunfalmente sobre os antigos mármores da esplanada que vai da Cúpula da Rocha à Mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém. E, na linha da sua visão reacionária, o Hezbollah nem sequer parece verdadeiramente interessado em chegar a um acordo político e diplomático, a curto ou médio prazo, para pôr fim a este novo conflito com Israel. Entre Dezembro de 2023 e Janeiro de 2024, o enviado francês Bernard Émié, primeiro, e o enviado americano Amos Hochstein, enviaram ao governo libanês e ao Hezbollah uma proposta de acordo de cessação das hostilidades em troca, entre outras coisas, do início de negociações para a delimitação do conflito terrestre com Israel, que tem pelo menos treze pontos fronteiriços contestados. A 5 de Janeiro, Hasan Nasrallh falou desta proposta, mencionando a possibilidade de “libertar”, através de negociações e apenas “após o fim da guerra em Gaza”, “o resto do território” do Líbano. O líder libanês tinha mencionado três zonas que estão no centro das disputas territoriais entre o Líbano, a Síria e Israel desde há décadas que são Gagar, as colinas de Kfar Sab e as quintas de Sabá. Consciente de que o conflito entre Israel e o Hezbollah está intimamente ligado ao que se passa na Faixa de Gaza e que, por conseguinte, é impossível que o Partido de Deus e o Estado judaico cessem as hostilidades sem um acordo global sobre Gaza, Amos Hochstein propôs, a 11 de Janeiro, um plano de desanuviamento mais específico, articulado em três momentos-chave diferentes sendo (1) O Hezbollah e Israel limitam as trocas de fogo dentro de uma faixa territorial de oito quilómetros de profundidade, tanto no Sul do Líbano como no Norte de Israel; (2) As partes cessam as hostilidades e regressam às regras de combate em vigor antes de 8 de Outubro; (3) Iniciam-se negociações entre as partes sobre a demarcação da fronteira, incluindo os treze pontos em disputa e as quintas de Sabá. Três dias depois, a 14 de Janeiro, o Hezbollah respondeu a Hochstein através de um novo discurso televisivo do líder Hasan Nasrallh de que “Continuaremos a lutar enquanto a guerra em Gaza continuar. O resto veremos mais tarde”. Afinal, para o Hezbollah, chegar a um acordo político e diplomático com Israel sobre a demarcação da fronteira significaria sacrificar um dos pilares da sua identidade, o de ser um partido armado de resistência e de libertação da ocupação inimiga. O Partido de Deus teria assim de admitir, nomeadamente no Líbano, que poderia prescindir do seu arsenal, perdendo desse modo um instrumento fundamental de dissuasão interna e regional. Se algum dia, num futuro longínquo, o Hezbollah vier a negociar uma tal opção, só o fará em troca de garantias libanesas e internacionais adequadas à sua sobrevivência e à manutenção da sua posição de domínio agora adquirida. Neste sentido, o movimento pro-iraniano tem todo o interesse em empatar e prolongar a situação actual na frente sul (“Primeiro é preciso acabar com a agressão em Gaza, depois veremos…”). Esperando assim conseguir equilibrar internamente as repercussões socioeconómicas e políticas do conflito prolongado com Israel, sobretudo tendo em conta a deslocação no Sul do Líbano de quase 100 mil civis, na sua maioria pertencentes à sua própria comunidade. Manter-se dominante, equilibrando vulnerabilidade e resiliência, é a própria essência do exercício do poder. Para isso, o Hezbollah é chamado a negociar incessantemente, pelas armas e pela política, não só com Israel e os seus aliados, mas também com o seu parceiro iraniano e, sobretudo, com os seus aliados e rivais políticos libaneses. O Hezbollah terá de esperar que o contexto regional não se inflame numa espiral de violência descontrolada. Para aqueles que temem que um acidente ou um erro de cálculo de uma das partes em jogo possa desencadear uma sequência devastadora, a história do último quarto de século no Médio Oriente vem em socorro, pois apesar das tensões e rivalidades repetidas, os actores fazem tudo para evitar uma guerra total, que acabaria por minar a resiliência dos seus próprios sistemas de poder. Não nos devemos deixar enganar por uma retórica que, tradicionalmente, é muito mais agressiva do que a prática no terreno. Mas se o Irão procurasse um alívio extremo junto do seu aliado Hezbollah, este último seria obrigado a responder. Na medida, porém, em que tal acção não conduza ao seu próprio suicídio político. Longe de ser um fantoche da República Islâmica, a identidade e os interesses libaneses ancoram-no firmemente em certezas e interesses locais, não necessariamente ligados aos do Irão. Este último, em todo o caso, fará tudo para não arriscar sacrificar o seu melhor aliado mediterrânico. Mais realisticamente, o Hebollah continuará a dar apoio moral, logístico, político e militar a todas as articulações do “eixo da resistência”, do Hamas às milícias iraquianas e às forças iemenitas apoiadas por Teerão. A fim de manter o equilíbrio da dissuasão e desta com o eixo rival constituído pelos Estados Unidos e por Israel.
Amélia Vieira VozesUivo Falamos de Allen Ginsberg, o poeta do limite que nunca será fácil abordar, e que um assomo no dia em que nasceu fez despertar sua memória. Pequenos instantes em que os sinais nos interpelam como a um convite. «Uivo para Carl Solomon». Mas quem é afinal este poeta transgressivo, de nacionalidade americana, que vai combater o capitalismo e as normas do seu próprio país de origem? Ele nasceu efectivamente a 3 de Junho de 1926 no seio de uma família judia de Nova Jersey com ligações íntimas ao Partido Comunista por parte de sua mãe que lhe iria transmitir também os transtornos psíquicos de que padecia levando-o mais tarde a internamentos exaustivos onde nunca perdeu a sua imensa intrepidez, inteligência e prodigalidade. Digamos pois que estamos diante de Ginsberg um pouco retardados naqueles grandes ideais, sentimento radical, cultura profunda, e mal apetrechados para o elo magnífico na cadência das coisas que demostrou ser, nada disponíveis, portanto, para lhe prestar a saudação vanguardista que transmitiu. Com tais pessoas, poderemos apreender muitas coisas por vir- do provir – que nelas sempre nasceram embrionariamente como instinto visionário. Apela-nos o enunciado que não estaremos em presença de hedonismo, intimismo, compadecimentos e confessionalismos circunstanciais, aliás, nem convinha, a ver pela degradação escrita que todas essas características vêm produzindo em quem lê, pensa e sente. Carlos Williams numa introdução a este livro de poemas diz isto: «segurem-se bem às bainhas dos vossos vestidos, minhas senhoras, vamos atravessar o inferno». Digamos que tal como Pavarotti depois de atuar comia dois quilos de carne, neste «Uivo» até o mais loquaz vegetariano da causa, se imiscuiria, que a fome produz este poema e a carne a mata para se robustecer de beleza tamanha… estranha… onde toda a falha será banida. A arte penetra uma dimensão que não estamos seguros nem de compreender, nem de analisar, que há coisas que não se explicam, apenas acontecem. Desejo aqui cingir-me única e estritamente ao poema, a este poema, que ele foi caleidoscópico na busca incessante de uma modernidade que se iniciou revolta contra todos os sistemas. Seria uma espécie de anarquista? – Também não. Ele foi uma criança comunista, admirador de Fidel de Castro, estudante do budismo, experimentalista voraz, errante, imigrante, anti – guerra do Vietname e de todas outras coisas mais, mas que guardara como íman a loucura a sua herança judaica plena de paradoxos. Ele e Bob Dylan qual “opus ensemble” tiveram em conjunto o seu Kadish. Devemos por contenção abster-nos de queimar os dedos na transcrição de tais poemas, o Fogo é elemento que inflama até a forma dele pensarmos, mas nele existia ainda em alta combustão a arte de pensar, ou seja, o dom de escrever como se o pensamento mais voraz se não transcrito fosse adoecer o ritmo essencial que requer a palavra escrita, mas nós, todos tão compulsivo- dialécticos estranhamos o que a literatura afinal quer dizer perante desdobramentos assim. Faz lembrar Ângelo de Lima, mas este seria por conduta induzida bastante mais suave, menos escatológico, portanto, mas a beleza dos que passaram por infernos é de considerar como experiência de escrita. Existe ainda a «Nota de Rodapé ao Uivo» e começa estrangulada: … [ Santo! Santo! Santo…. ] vão ver, cinjam-na, aconteçam-na: Santo o perdão! a misericórdia! a caridade! a fé! Santos! Nossos! corpos! sofrimento! magnanimidade! Santa a sobrenatural super brilhante inteligente amabilidade da alma! Jamais me será possível decifrar a beleza dos signos linguísticos de poetas assim. De tanta coisa que fez, foi a parte escondida do lobisomem aquela que encantou. Estejamos então mais perto de construir harmonia ao invés de felicidade, transtorno, ao contrário de perturbação, e olhemos as últimas alcateias que por mais que uivem estão agora blindadas por torrentes de sons de indigentes. Faltará uma última nota a tudo isto: ele foi um jovem muito bonito. Tal qual como qualquer lobo.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesA tirania dos inquilinos Face ao aumento do grave problema dos “Inquilinos Tiranos” (inquilinos que só pagam renda aos senhorios se considerarem que têm uma razão válida), o Governo de Macau reviu recentemente o “Código do Processo Civil”, focando-se a emenda nas “acções de despejo”. A nova lei permite aos senhorios elegíveis despejar os inquilinos que tenham rendas de cinco meses consecutivos em atraso, através de um procedimento simples e rápido. A nova lei passou na Assembleia Legislativa durante a votação e o debate na generalidade, representando um passo firme dado por Macau para resolver o problema dos “inquilinos tiranos”. André Cheong, secretário da Administração e Justiça, afirmou que este problema perturba a sociedade há já bastante tempo. No ano passado, os tribunais receberam 59 casos de “inquilinos tiranos”, mas o número é muito inferior à situação real. Antes da revisão da lei, os senhorios tinham frequentemente de esperar bastante tempo para reaverem as suas propriedades quando se deparavam com “inquilinos tiranos”, porque a antiga legislação tendia a proteger o direito dos arrendatários. Ao abrigo da nova lei, será adoptado um sistema de intimação mais simples, sendo dispensada a presença de um advogado e os juízes podem tomar decisões sem ouvir questões de fundo. O Governo prevê que o tempo para os senhorios reaverem as suas propriedades através das “acções de despejo” seja significativamente encurtado, vindo a estar o processo concluído num prazo máximo de seis meses. A finalidade legislativa das “acções de despejo” é simples e directa. Desde que ambas as partes do contrato de arrendamento cumpram três condições, o proprietário pode pressionar directamente os “inquilinos tiranos” e reduzir o valor das rendas em atraso. Estas três condições são as seguintes: 1. Que o inquilino deva ao senhorio pelo menos cinco meses consecutivos de rendas; 2. Que a renda seja paga por transferência bancária; 3. Que o senhorio tenha notificado o inquilino por carta do atraso nos pagamentos. 4. Estas três condições não são difíceis de reunir. No entanto, na prática, há vários pontos que merecem destaque: Em primeiro lugar, quando um proprietário aluga uma casa pretende receber um aluguer que o inquilino terá de pagar. O contrato de arrendamento estipula o direito do primeiro, que é simultaneamente a obrigação do segundo. O inquilino é obrigado a pagar a renda na data estipulada no contrato e esta obrigação não muda enquanto o contrato estiver em vigor. A nova legislação dá aos inquilinos um período de graça de cinco meses, e aos senhorios um igual período de espera para puderem receber as rendas em atraso. Se o proprietário precisar do dinheiro das rendas para pagar ao banco as prestações pela compra da casa sofrerá uma enorme pressão financeira, enquanto o inquilino não lhe pagar o que deve. Não seria mais razoável reduzir os cinco meses para três? Em segundo lugar, a nova lei determina que os inquilinos têm de pagar a renda ao senhorio por transferência bancária, condição que é fácil de respeitar. Para a acção ser implementada, o contrato de arrendamento tem de incluir esta cláusula, caso contrário o senhorio terá dificuldade em respeitar esta condição. Por conseguinte, quando de futuro o novo sistema estiver em vigor, os senhorios têm de estar atentos e incluir esta cláusula nos contratos de arrendamento. De outra forma, não conseguirão proteger os seus direitos e interesses ao abrigo da nova legislação. Por último, a nova lei exige que os senhorios notifiquem os inquilinos por escrito dos atrasos das rendas. Na prática, se o inquilino não aceitar a carta a notificação volta para trás e o senhorio deixa de poder cumprir esta condição. Talvez que, quando se vier a actualizar este sistema futuramente, se possa considerar que a notificação deva ser enviada em carta registada. Por outro lado, o senhorio também poderia publicar um anúncio nos jornais a notificar o atraso nas rendas. A maior vantagem deste método, independentemente do motivo, é permitir que a “acção de despejo” possa decorrer sem problemas, mesmo que o inquilino não aceite a notificação enviada por carta. Desta forma, a “acção de despejo” completar-se-á ainda mais rapidamente. A implementação da nova lei irá, sem dúvida, fornecer aos senhorios de Macau uma arma poderosa para resolver o problema dos “inquilinos tiranos”. No entanto, para que este sistema seja implementado sem problemas, é necessário reforçar a sua divulgação. Só se tanto os senhorios como os inquilinos compreenderem e cumprirem plenamente o novo sistema é que ambas as partes poderão obter maior protecção jurídica. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesAumento de alertas vermelhos A 1 de Junho, Dia Internacional da Criança, foi içado em Macau o sinal nº 3 de tufão e choveu sem parar ao longo de todo o dia. A 2 de Junho, já com bom tempo, a Diocese de Macau realizou a Procissão de Corpus Christi e o evento decorreu sem problemas. A 3 de Junho, o tempo mudou subitamente e caíram chuvas torrenciais, tendo a Direcção dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos içado o sinal vermelho de chuva intensa e houve inundações em diversas zonas da cidade e o tempo continua instável. Devido ao desequilíbrio ecológico do planeta, irão ocorrer cada vez com mais frequência fenómenos climáticos extremos. A hipótese de um destes fenómenos ocorrer a cada 100, 500 ou 1.000 anos aumentou drasticamente. O sinal vermelho de chuva intensa é assustador, mas quando este sinal vermelho é içado na política e na economia é aterrorizante. O recentemente renovado Mercado Vermelho sofreu o impacto da chuva intensa poucos dias após ter reaberto. O chão do mercado foi coberto por vários centímetros de rua. Mas felizmente, os vendedores tiveram tempo de colocar as suas mercadorias a salvo de modo a evitar o pior. A obra de reordenamento do Mercado Vermelho levou dois anos para ser conclu冝a e um dos trabalhos prioritários foi a renovação do sistema de drenagem. Por isso, a inundação do Mercado Vermelho não teve nada a ver com a obra de reordenamento, mas sim com a obstrução e envelhecimento das redes de esgotos dos bairros que circundam o mercado, tornando impossível a drenagem em tempo 偀il da 疊ua, em dias de muita chuva. Este incidente serve para mostrar O jornal Ming Pao de Hong Kong publicou recentemente uma informação que indica que, ao longo dos últimos anos, o número de casos de corrupção que chegou ao conhecimento do público na China continental está a aumentar, apesar das penalizações que sofrem também terem aumentado. O jornal Ming Pao sugeriu se as autoridades competentes não deveriam aperfeiçoar os actuais mecanismos de supervisão, que basicamente se limitam a inspecções regulares feitas por funcionários do Governo Central. Por exemplo: poderia considerar-se seguir o modelo de Hong Kong e de Macau que implementou o Regime Jurídico da Declaração de Bens Patrimoniais e Interesses, aplicável aos funcionários públicos com cargos superiores. Esta medida destina-se a aumentar a transparência da situação financeira destes funcionários e permite que os cidadãos supervisionem o Governo. Esta parece ser uma das formas possíveis de prevenir a “chuva intensa” em termos das tendências de corrupção. A estabilidade económica é a pedra angular da segurança das sociedades. Depois da pandemia, o desempenho económico de Hong Kong e de Macau não foi tão bom como se esperava. O volume total das vendas a retalho de Hong Kong conheceu a maior queda dos últimos quatro anos e os preços dos imóveis registaram um crescimento negativo, ficando em último lugar entre 15 cidades internacionais da região da Ásia-Pacífico. Em Macau, durante 2023, o sector do jogo representou apenas cerca de 36,2% do PIB, sendo que em anos anteriores representava cerca de 63%. Além disso, o valor do PIB de Macau também caiu dos mais de 430 mil milhões de patacas em 2019 para cerca de 380 mil milhões de patacas em 2023, o que é muito inferior ao de Singapura, em termos da velocidade de recuperação. Embora o Governo da RAEM tenha o “cartão de visita dourado” preparado, continua incapaz de o capitalizar e maximizar a sua eficácia, ao mesmo tempo que a sobrevivência das pequenas e médias empresas da cidade se torna cada vez mais difícil. Depois do encerramento do Canídromo Yat Yuen e do Jockey Club de Macau, o plano do Governo de aproveitamento dos terrenos destes dois espaços não conseguiu ir ao encontro das necessidades sociais, resultando assim em desperdício de recursos. Quanto ao Plano de Apoio Financeiro “Amor por Macau e Hengqin”, destinado a promover a integração de Macau e Hengqin, como vai beneficiar a economia de Macau? Afinal de contas, o perigo potencial da “chuva intensa económica” causado por insuficiência na capacidade de liderança deve ser encarado com seriedade. O Cardeal Stephen Chow Sau-yan da Diocese Católica de Hong Kong publicou recentemente um artigo intitulado “É esta época do ano…” para incrementar a reconciliação social, o que tem suscitado muita discussão. A sociedade de Macau é relativamente pacífica e criar conflitos deliberadamente acabará por prejudicar a RAEM. Assim, a depressão tropical responsável pela “chuva intensa política” tem estado sempre sobre o Estreito de Taiwan, sobre Península da Coreia e sobre as águas do Mar do Sul da China. O jogo de força entre os países mais poderosos depende da sabedoria política, mas nenhum país vai ganhar este jogo. Macau é a “Terra Abençoada das Flores de Lótus”. Embora a chuva intensa de sinal vermelho não possa matar as flores de lótus, é difícil dizer se vai continuar a haver frequentes chuvas intensas e inundações.
Olavo Rasquinho VozesO homo sapiens, as alterações climáticas e a biodiversidade (continuação) Noutros países os humanos têm também práticas que implicam o sacrifício de animais, como touradas, tiro-aos-pombos, sacrifícios religiosos, caça furtiva, etc. Em Portugal a proibição da prática desportiva de tiro-aos-pombos apenas foi decretada em 2021. A este respeito, um candidato que transitou do PSD para o Chega, preconizou, em plena campanha eleitoral de 2024 para a Assembleia Legislativa, a anulação desta lei, mencionando «[…] como se não bastasse, também foi proibido o tiro aos pombos […] assunto que temos de reavaliar e trazer para a discussão da luz do dia. Este é um dos assuntos que têm de ser relevados por todos nós» (sic). Claro está que tal dissertação não passou despercebida ao autor do programa televisivo “Isto é gozar com quem trabalha”, que não perdeu a oportunidade para dar razão ao tal candidato, enfatizando que o discurso era coerente com o lema do Chega, “limpar Portugal”, na medida em que «os pombos c*g*m tudo» (sic, exceto os asteriscos). As Nações Unidas estão bem cientes da interligação entre a crise climática e a perda de biodiversidade. Quanto mais grave for a crise climática, pior será a crise que a biodiversidade atravessa. Perante esta realidade, é natural que se seguisse um caminho semelhante ao trilhado para a criação do IPCC, no que se refere à proteção da biodiversidade à escala global. Foi criada, assim, também sob os auspícios do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (“United Nations Environment Programme” – UNEP) a Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre a Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas (“Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services” – IPBES). Analogamente aos procedimentos do IPCC, a IPBS elabora e publica relatórios de avaliação sobre biodiversidade e serviços de ecossistemas, o primeiro dos quais (Global Assessment Report on Biodiversity and Ecosystem Services), publicado em 2019, inclui um Resumo para os Decisores Políticos. De acordo com este relatório, estima-se que a temperatura média global tenha aumentado aproximadamente 1,0 °C até 2017, desde o início da revolução industrial, ao ritmo de cerca de 0,2 °C por década nos últimos 30 anos. Este aquecimento global teve impactos na biodiversidade, afetando ecossistemas marinhos, terrestres e de água doce. Esta situação é agravada pela agricultura intensiva, exploração exaustiva de recursos, poluição e invasão de espécies exóticas. É natural que, uma vez alterados os parâmetros climáticos, nem todas as espécies se consigam adaptar às novas circunstâncias. E tal já está a acontecer a um ritmo acelerado, tanto em ecossistemas marinhos como terrestres. Assim, por exemplo, o aquecimento das calotas polares e o consequente degelo tem dificultado as condições de subsistência dos ursos polares, que se veem forçados a deslocarem-se para latitudes mais baixas. O seu principal alimento consiste nas focas-aneladas que caçam quando estas descansam em blocos de gelo. Por outro lado, as focas desta espécie também enfrentam problemas devido à fusão do gelo marinho, na medida em que o seu habitat, o gelo flutuante, também está a desaparecer. Outro exemplo consiste no facto de, em vastas regiões oceânicas, os corais estarem praticamente a morrer devido ao aumento da temperatura e à acidificação da água. Estes animais desempenham um papel importante na proteção de zonas costeiras contra a erosão causada por tempestades, e também como habitat de muitas espécies de peixes. De acordo com uma síntese de vários estudos, o aquecimento global de 1,5 °C, até ao fim do século, poderá implicar o declínio de 70 a 90% da cobertura de recifes de coral, podendo atingir 99% no caso do aumento da temperatura média atingir 2°C. A última conferência das Nações Unidas (COP 15), que se realizou em 2022, em Montreal, no Canadá, terminou com um acordo histórico que incluiu medidas específicas para deter e reverter a perda da biodiversidade, incluindo a colocação de 30% da área do planeta e 30% dos ecossistemas degradados sob proteção até 2030.Espera-se que, na COP16, que se realizará de 21 de outubro a 1 de novembro de 2024, na Colômbia, se cimente o compromisso da comunidade internacional em travar e reverter a perda de biodiversidade à escala global. *Meteorologista
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO terrorismo do Hezbollah I “Hezbollah was declared as a terrorist group by the US, Arab Leage, UK, Germany and other countries. It is an organization used by Iran to plan and be ready to execute terror attacks in the future”. Itamar Kasztelanski A prioridade do Partido de Deus é preservar as posições que adquiriu ao longo do tempo, e não um conflito em grande escala. Seria obrigado a vir em socorro extremo do Irão, mas na condição de este não se suicidar. Porque o conflito fronteiriço com Jerusalém continua a ser existencial. Imaginemos a prática corrente de que o telefone toca e um número libanês do WhatsApp aparece no ecrã. Um indivíduo de nome Ali como tantos outros milhões com o mesmo nome atende. Do outro lado, a voz de um homem com um claro sotaque sul-libanês cumprimenta-o, apresentando-se como um amigo da família que vive na Austrália. Ali ouve e responde aos cumprimentos habituais sem perceber bem com quem está a falar. O homem começa a fazer-lhe algumas perguntas sobre a sua família e as necessidades dos seus entes queridos na difícil situação das regiões libanesas mais próximas da frente de guerra com Israel. Ali responde de uma forma geral, mas fica desconfiado quando o homem lhe pergunta se o filho mais velho está no sul ou em Beirute. Ali não é um combatente activo do Hezbollah, mas trabalhou durante anos como quadro civil do partido. Ali teme que o homem seja um informador de Israel e não um parente distante preocupado com os seus entes queridos. Entre o final de Dezembro de 2023 e o início de Janeiro de 2024, houve milhares de chamadas telefónicas de números de WhatsApp libaneses, feitas por homens com sotaque libanês claro e recebidas por cidadãos libaneses, residentes nos locais mais próximos da linha de demarcação com Israel. Tanto assim que, a 10 de Janeiro, o Hezbollah lançou o seguinte aviso à população do Sul do Líbano nos seus canais Telegram de que “O inimigo israelita continua a procurar alternativas para recolher informações sobre a resistência (as unidades militares do Hezbollah) e o paradeiro dos seus combatentes nas localidades do Sul do Líbano. E isto especialmente depois de ter perdido a maior parte da eficácia dos seus dispositivos de intercepção e espionagem que estavam instalados ao longo da fronteira, mas que foram destruídos pela resistência. Neste contexto, o inimigo israelita tenta contactar algumas das nossas estimadas famílias a partir de números de telefone que parecem ser libaneses, quer por telefone fixo quer por telemóvel, com o objectivo de inquirir sobre certos indivíduos, o seu paradeiro e o estado de certas localidades. Nestas comunicações, o inimigo faz-se passar por vários personagens, por vezes polícias, agentes dos serviços de segurança libaneses ou membros da defesa civil. O interlocutor, que fala com um forte sotaque libanês, tenta obter informações sobre os membros da família e o seu paradeiro, ou faz perguntas para obter dados sobre os arredores. O inimigo utiliza estas informações para verificar a presença dos irmãos combatentes nalgumas das casas que tenciona bombardear”. O aviso termina convidando “os nossos caros concidadãos em geral e, em particular, os habitantes das localidades próximas da frente a não responderem a chamadas telefónicas de estranhos que façam perguntas sobre o meio circundante e a circulação de pessoas”. A anedota do telefonema a Ali e o texto do aviso contribuem de forma exemplar para descrever o laço orgânico intrínseco entre o Hezbollah e a grande maioria das comunidades do Sul do Líbano, palco do conflito em curso com Israel desde há oito meses e que será um potencial campo de batalha nos próximos meses. Aqui e noutras zonas do país, como o Vale do Beca oriental e os subúrbios do sul de Beirute, o movimento armado apoiado pelo Irão não está integrado na sociedade local, é ele próprio a sociedade local. A adesão à causa da resistência, na retórica e na prática, é quase absoluta e inquestionável em grandes segmentos das comunidades. Explorando o quotidiano da vida colectiva em certas zonas de Beirute, no sul do país e em Beca, a indissolubilidade entre a estrutura do Hezbollah e o tecido comunitário é evidente. Este tecido não é um bloco monolítico, é um conjunto de componentes individuais, familiares e de grupos alargados; de laços geográficos e político-ideológicos; de convergências de interesses tácticos e estratégicos; de ligações a médio e longo prazo; de relações horizontais e verticais, internas e externas ao que pode ser justamente considerado a “comunidade” do Hezbollah. Perante este facto, é evidente a impossibilidade de derrotar o Hezbollah. A menos que se faça terra queimada, deportando mais de um milhão de libaneses das regiões onde o Partido de Deus representa a sociedade local. Apesar disso, os israelitas e os seus aliados americanos, apoiados pela França e pelo Reino Unido, insistem em encontrar uma solução dita diplomática para facilitar o regresso às suas casas e campos agrícolas dos cerca de 60 mil civis israelitas deslocados desde 8 de Outubro, dia do primeiro lançamento de rockets por parte do Hezbollah. Para isso, Israel exige que o governo libanês que inclui ministros do Hezbollash e é apoiado por um parlamento composto também por deputados do Partido de Deus e dos seus aliados aplique à letra, após dezassete anos, a resolução 1701 da ONU de 2006. Esta estipula, entre outras coisas, a ausência de actividades militares que não sejam as do exército regular libanês perto da linha de demarcação com o Estado judaico. Israel e os seus aliados pretendem, na prática, o desmantelamento da estrutura militar do Hezbollah no Sul do Líbano, pelo menos até ao rio Litani, cerca de quarenta quilómetros a norte da Linha Azul. O sonho de Israel é o restabelecimento da zona tampão criada entre 1978 e 2000, que impediu durante anos que a Alta Galileia fosse exposta aos ataques dos grupos de resistência armada palestiniana. As condições dessa época são muito diferentes das actuais pois Israel invadiu militarmente o Sul do Líbano em várias ocasiões, a partir de 1978, até tomar a capital Beirute em 1982. Desde então, e durante muitos anos, tentou delegar o controlo do território libanês a uma milícia de colaboracionistas libaneses anti-Pasdaran. A partir de meados dos anos de 1980, o aparecimento do Hezbollah como ramo local do Pasdaran iraniano e a sua emergência, nos anos de 1990, como principal força de resistência armada anti-israelita alteraram gradualmente a equação, obrigando o Estado judaico a pôr termo à ocupação e a retirar-se em Maio de 2000. Actualmente, Israel não teria capacidade militar para conduzir uma invasão em grande escala e bem-sucedida no Sul do Líbano contra a comunidade Hezbollah, a menos que sofresse enormes custos políticos internos e internacionais causados pelas consequências desastrosas de uma tal campanha. Mas se o Estado judaico, com o apoio militar dos Estados Unidos, tivesse sucesso nesta tentativa, seria obrigado a manter o controlo do território sem poder contar com a cooperação das forças locais. Mesmo nesta eventual segunda fase, os custos políticos seriam muito elevados para Israel e para toda a coligação pro-israelita. Sem contar que o Irão e todos os seus aliados regionais do Iraque ao Iémen, da Síria ao Líbano interviriam de forma ainda mais agressiva do que já o fazem, oferecendo apoio directo e indirecto ao Hezbollah. Isto aumentaria a pressão política, diplomática e militar sobre Israel, os Estados Unidos e os seus aliados nos vários quadrantes envolvidos na guerra em curso no Médio Oriente, do Mediterrâneo ao Golfo, da Mesopotâmia ao Mar Vermelho. Actualmente, as hipóteses de Israel desencadear uma guerra total contra o Hezbollah, em território libanês, parecem reduzidas. É uma holding financeira mundial, capaz de controlar os tráficos lícitos e ilícitos (incluindo o das anfetaminas Captagon) em vários cantos do planeta, da América do Sul à Austrália, da Europa à África subsaariana, passando pelo Médio Oriente. (Continua)
Olavo Rasquinho VozesO homo sapiens, as alterações climáticas e a biodiversidade Durante a formação do universo, há cerca de 15 mil milhões de anos, e seu sequente desenvolvimento, um feliz acaso permitiu que o planeta que habitamos se encontrasse à distância perfeita de uma estrela, de tal modo que se criaram as condições necessárias à formação de vida. Estas condições ideais, que alguns designam por “Goldilocks conditions1”, são tão raras que ainda não foi possível detetar qualquer outro planeta com características semelhantes que permitissem a existência de seres vivos. A Terra está situada na galáxia Via Láctea, que é constituída por milhões de estrelas e planetas. Por outro lado, esta é um dos muitos milhões de galáxias que proliferam no universo, o que nos faz perguntar a nós próprios qual a razão de este nosso planeta ser o único habitável de que temos conhecimento. A este propósito, é de mencionar a estranheza manifestada por cosmólogos e outros cientistas pela aparente contradição entre a alta probabilidade da existência de civilizações extraterrestres e a inexistência de evidências da sua ocorrência (Paradoxo de Fermi2). Como é do conhecimento geral, o clima está em crise devido às atividades antropogénicas, nomeadamente no que se refere à injeção de gases de efeito de estufa (GEE) na atmosfera, provenientes da utilização desenfreada de combustíveis fósseis. Além da atmosfera, também as outras componentes do sistema climático (litosfera, hidrosfera, biosfera e criosfera) são afetadas pelo aquecimento global. Uma das muitas consequências consiste na degradação acelerada da biosfera, com a diminuição drástica da biodiversidade. De acordo com o IPCC3, a degradação que o clima tem vindo a sofrer é consequência da atividade humana desde a revolução industrial. No entanto, a consequência nefasta da ação do homem sobre a natureza não se limita a este curto período de cerca de duas centenas e meia de anos. Desde há milhares de anos que o Homo sapiens contribui altamente para esse efeito e, à medida que a população mundial aumenta, maior será a ação destruidora sobre a natureza. A necessidade de campos para fins agrícolas, cidades mais vastas, construção de aeroportos, autoestradas e outras infraestruturas, implicam a destruição de ecossistemas e o consequente desaparecimento de numerosas espécies animais e vegetais. Note-se que há 12 mil anos a população mundial era cerca de metade da população atual de Portugal, no início do século XXI atingiu aproximadamente 6 mil milhões e, atualmente, já ultrapassou os 8 mil milhões. De acordo com projeções das Nações Unidas, em 2050 poderá atingir 9,7 milhares de milhões e, em 2100, cerca de 10,3 milhares de milhões. Nestas condições não há planeta que aguente! Segundo alguns cientistas, estamos no limiar da sexta extinção em massa, tendo já ocorrido, desde há cerca de 500 milhões de anos, cinco grandes extinções, as quais foram causadas por fenómenos naturais, nomeadamente impacto de meteoritos, intensa atividade vulcânica e mudanças climáticas causadas por fatores cósmicos. A grande diferença consiste no facto de a sexta extinção estar a decorrer num intervalo de tempo muito curto e por ser consequência das atividades do Homo sapiens, considerado o maior predador de todos os tempos, devido à superexploração de recursos naturais, poluição, introdução de espécies invasoras e alterações climáticas. Estes fatores combinados, juntamente com o aumento desenfreado da população humana, têm exercido uma pressão sem precedentes sobre os ecossistemas naturais. Segundo Noah Harari4, autor de “Sapiens: uma breve história da humanidade” o homo sapiens é o maior assassino ecológico em série. Ainda hoje, em alguns países, os humanos divertem-se abatendo indiscriminadamente animais, como acontece em plena Europa, nas Ilhas Faroé, onde, uma vez por ano, se concretiza uma verdadeira chacina de centenas de golfinhos e baleias-piloto. Foi notícia muito comentada o abate de 1428 golfinhos-de-focinho-branco e baleias-piloto, em 12 de setembro de 2021, nessas ilhas dinamarquesas. Os golfinhos são animais comprovadamente inteligentes que frequentemente interagem com navegadores, acompanhando-os nas suas viagens, fazendo acrobacias, como que a saudá-los. Continua amanhã *Meteorologista Referências: Goldilocks conditions” (em português “condições caracolinhos dourados”) é uma expressão que, quando referida a um planeta, exprime a ideia de que este está a uma distância ideal da estrela em torno da qual orbita, i.e., nem muito perto, nem muito longe. A expressão é inspirada na história infantil “Goldilocks and the Three Bears”, do autor inglês Robert Southey (1774-1843), pela primeira vez publicada em 1837. Nesta história, a personagem principal, uma menina com caracóis dourados, entre várias possibilidades de escolha, selecionava sempre o meio-termo. Entre 3 pratos de papa, um muito quente, outro morno e outro muito frio, optava pelo do meio. Perante três cadeiras, uma muito dura, outra muito macia e outra medianamente macia, preferia esta. Enrico Fermi – físico italo-americano (1901-1953). IPCC – órgão da ONU para a monitorização das alterações climáticas. Yuval Noah Harari – historiador, investigador e professor de História do Mundo (Universidade Hebraica de Jerusalém).
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDonald Trump Esta semana, uma das mais importantes notícias a nível internacional foi Donald Trump, ex-Presidente americano e actual candidato às próximas eleições presidenciais, ter sido considerado culpado pelo tribunal das diversas acusações que sob ele pendiam, facto muito preocupante em termos sociais. Trump foi condenado por 34 infracções penais e a sentença será proferida no próximo dia 11 de Julho. A decisão do tribunal fez de Trump o primeiro ex-Presidente da história dos EUA a ser acusado de crimes após deixar o mais alto cargo do país. Foi divulgado que o júri confirmou, através das provas fornecidas pelo advogado de acusação, que Trump tinha falsificado documentação comercial em conluio com o seu advogado, Michael Cohen. À primeira vista, Trump tinha pagado, como habitualmente, os honorários de Cohen. Na verdade, essa verba incluía 130.000 dólares que se destinavam a comprar o silêncio da estrela de filmes pornográficos Stormy Daniels para não divulgar a relação de natureza sexual que manteve com Trump. O processo surgiu porque os registos do paradeiro dos fundos empresariais não correspondiam à realidade. Dado que Trump se candidatou às próximas presidenciais, o desfecho do julgamento irá sem qualquer dúvida ter impacto nestas eleições. Trump ficou em liberdade sob fiança durante todo o julgamento. Após dois dias de deliberações dos 12 jurados, o juiz Juan Merchan declarou Trump culpado, no passado dia 30 de Maio. Até que a sentença seja proferida a 11 de Julho, Trump continuará em liberdade sob fiança. Cada uma das 34 infracções implicam uma multa até 5.000 dólares e/ou a uma pena até 4 anos de prisão, o que significa que Trump pode ser multado até 170.000 dólares e/ou condenado a 136 anos de prisão. No entanto, o juiz vai ter em conta a idade de Trump, o seu passado criminal (se o tiver), o seu contributo para os Estados Unidos e outros factores, antes de tomar a decisão final. Alguns órgãos de comunicação assinalam que em Nova Iorque é relativamente raro que uma pessoa sem passado criminal seja condenada a uma pena de prisão apenas por falsificar documentação comercial. Pensa-se que Trump possa vir a ser condenado a pagar uma multa ou que receba uma pena suspensa. Do ponto de vista jurídico, Trump ainda tem o direito de recorrer da sentença depois de ser condenado. Embora ainda não se saiba se Trump possa ser inocentado na segunda instância, a decisão destaca que Trump não está acima da lei dos EUA e que as suas acções são reguladas por essa mesma lei. A possibilidade de Trump continuar na corrida para a presidência depois de ser condenado tem preocupado muitas pessoas. De acordo com a Constituição dos EUA, para que alguém se candidate à Presidência tem de ter mais de 35 anos, ter nascido no país e aí residir há pelo menos 14 anos. A Constituição não estipula explicitamente que quem cometeu um crime não possa candidatar-se à Presidência. Por conseguinte, a condenação não irá afectar a elegibilidade de Trump às próximas eleições. Embora Trump possa continuar a participar nas eleições, este caso pode afectar o apoio dos eleitores. Um estudo da Bloomberg News/Morning Consul apurou que 53 por cento dos eleitores de estados-chave afirmaram que se recusariam a votar em Trump. Um outro estudo, da Universidade de Quinnipiac, também aponta que 6 por cento dos apoiantes de Trump declararam que podem mudar o sentido do seu voto. Estes resultados podem mudar com a passagem do tempo e com a evolução dos acontecimentos sociais, por isso só podem ser usados como uma referência. A questão-chave é se os americanos vão votar em Trump dia 5 de Novembro, o dia da eleição presidencial. Não podemos antever qual o candidato que o povo americano vai escolher para ser o próximo Presidente dos Estados Unidos. No entanto, enquanto chefe de estado, o Presidente dos EUA tomará decisões que terão um profundo impacto nas questões mundiais. O impacto nas relações sino-americanas fala directamente ao coração dos chineses em todo o mundo. O resultado ideal desta eleição será que o próximo Presidente dos EUA possa prestar mais atenção ao desenvolvimento harmonioso das relações sino-americanas, promova a cooperação e reduza os litígios. Com isso todo o mundo seria abençoado. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesPerguntar não ofende Na década de 1950 o Estado português ganhava muito dinheiro com a exportação total da cortiça para a União Soviética. Não existiam relações diplomáticas, mas os negócios entre os dois países eram mais que muitos. Depois do 25 de Abril de 1974 reataram-se as relações diplomáticas e a perestroika deu lugar à Federação Russa e as negociatas continuaram aos magotes. Nas mais recentes décadas assistimos à Ucrânia a permitir que no seu território existissem os mais variados grupos pró-nazis que financiavam quase todos os movimentos de extrema direita na Europa. A dada altura, a Ucrânia fez uma opção política e iniciou uma relação estreita com a estrutura militar norte-americana. Num belo dia, a espionagem russa informou o presidente Putin de que na Ucrânia existiam bases militares norte-americanas subterrâneas que continham mísseis poderosos que até podiam atingir Moscovo. Putin, não se fez de modas, chamou as chefias militares e ordenou o bombardeamento dos aeroportos ucranianos onde por perto se situavam as bases americanas. Começou a invasão russa à Ucrânia até aos dias de hoje. E a Europa juntamente com os Estados Unidos da América entraram em paranoia e começaram a defender a Ucrânia sem olhar às razões da invasão russa. Os russos passaram a ser os criminosos e os ucranianos os santos. Vem isto a propósito, do acontecimento político da semana passada em Portugal: a visita oficial do presidente ucraniano. Zelenski que foi recebido, sob uma segurança nunca vista, ao mais alto nível pelo Presidente da República e pelo primeiro-ministro. Com Luís Montenegro o caso foi caricato e revoltante. Porquê? Porque as duas personalidades assinaram um “acordo”, do qual apenas foi dado conhecimento público que irão mais umas centenas de milhões de euros para a Ucrânia, não falando em material militar. Mas Portugal não é um dos países mais pobres da Europa? Portugal não vive à base dos fundos europeus que lhe são oferecidos pela União Europeia? Portugal não tem cerca de quatro milhões de cidadãos a viver ao nível da pobreza? Portugal não tem o Serviço Nacional de Saúde (SNS) à beira do caos por toda a cadeia hospitalar nacional? Portugal não tem as suas Forças Armadas sem efectivos e sem dinheiro para aumentar o pecúlio dos seus militares? Portugal não tem os polícias e os militares da GNR na rua a protestar por melhores condições? Portugal não tem os médicos em greves porque não têm condições de trabalho e não lhes pagam as horas extraordinárias? Portugal não tem os enfermeiros a emigrar para Inglaterra, Alemanha e Holanda, porque aqui levam para casa menos de mil euros? Portugal não tem os tribunais entupidos porque os oficiais de justiça reivindicam há anos melhores condições e não param de fazer greves? Portugal não tem os guardas prisionais a ganhar um salário miserável e ainda por cima são agredidos pelos presos? Portugal não tem os bombeiros voluntários a pedir por melhores condições salariais, caso contrário, ameaçam não combater os incêndios que deflagrarem este ano? Portugal não tem a inflação a subir novamente? Portugal não tem um aumento todos os meses dos produtos alimentares e energéticos? Ou seja, Portugal não tem dinheiro para nada. Para construir bairros sociais, hospitais e lares com dignidade onde os idosos não sejam agredidos, mas tem milhões de euros para enviar para a Ucrânia. Este país, onde toda a população sabe falar russo, não faz parte da União Europeia nem da NATO, mas Portugal à semelhança dos países riquíssimos também envia o que não pode para aumentar uma guerra. É a hipocrisia total dos políticos que gritam com todos os decibéis que desejam a paz. Qual paz? Uma mentira vergonhosa quando se apoia com material bélico que essa guerra entre ucranianos e russos não tenha fim e que continuem a morrer milhares de pessoas, tanto de um lado como do outro. Como pode haver paz se a Bélgica anunciou a entrega à Ucrânia de 30 aviões de combate F-16? Como pode haver paz se o pobretana Luís Montenegro vai enviar, mas não o disse, material bélico de monta e drones fabricados em Portugal? Como pode haver paz se Macron teve o desplante de anunciar a ida de tropas francesas para a Ucrânia, o que já recebeu a concordância de outros países e o desplante de Portugal afirmar que as armas enviadas para a Ucrânia podem atingir território russo? Depois não se admirem que a Rússia atire com umas bombas para qualquer país da União Europeia, aliás, Zelenski, surpreendentemente, veio dizer que a III Guerra Mundial já começou… Perguntar não ofende e não podem interpretar estas linhas como um desprezo às vítimas ucranianas, porque do lado russo também tem morrido muita gente. Tivemos a visita de Zelensky e ficámos na lista negra da Rússia. O futuro é uma interrogação, mas os portugueses já podem contar que arranjaram um inimigo que não brinca em serviço, a Rússia. E onde está a preparação em Portugal se o povo for alvo do ataque russo? Onde estão as sirenes de aviso nas cidades portuguesas? Onde estão construídos os abrigos de um qualquer ataque vindo de país estrangeiro? Onde estão as nossas brigadas anti-aéreas se a Força Aérea Portuguesa nem sequer tem dinheiro para o treino dos pilotos novos? Perguntar não ofende, mas um facto concreto foi a figura triste que Portugal fez com o tal “acordo” assinado por Zelenski e Montenegro. Uma tristeza que nos leva a pensar que Portugal só é falado nos jornais espanhóis porque na Madeira um fulano constituído arguido e suspeito de corrupção grave irá voltar a governar a nossa região autónoma…
Carlos Coutinho VozesAi, o bolo António Costa, lento e oriental, segundo o diagnóstico de Marcelo Rebelo de Sousa, disse e deixou perceber muitas vezes que tinha política e pessoalmente a sua preferência pelo Campo de Tiro de Alcochete para futuro Aeroporto Internacional de Lisboa. E deixou de falar nisso depois da ida do Marcelo para Belém, acatando a “solução Montijo” sem dar um pio sobre a sua cambalhota. Nem quando pôs todos os autarcas do PS, tanto a norte e como a sul do Tejo, especialmente os do distrito de Setúbal, a exigirem que a condenada Base Aérea n.º 6, no Montijo, passasse a ser a pista de aterragem para o grande negócio. Não sei qual nem se alguma vez chegarei a saber. O que sei é que o Aeroporto Humberto Delgado vai um dia chamar-se Aeroporto Luís de Camões e que, um fulano de temperamento esbracejante, oriundo da terra das enguias, já teve de percorrer o caminho das pedras, até ser deputado e ministro. Chama-se Pedro Nuno Santos e, alegadamente, sempre teve Alcochete como o cenário introcável para acolhimento “patriótico” dos nossos caças e bombardeiros que, por qualquer outra manigância, foram inesperadamente apontados ao Montijo, pela única rota possível, bombardeando com quatro extensos roncos por minuto, de dia e de noite, os telhados das mais de 400 mil pessoas que ainda moram entre Almada e a base montijense já em regime de emagrecimento. Só que o PS local, regional e nacional, com o lento Costa a pilotar a aeronave, nem sequer precisou de mudar de rio para espetar o pau da bandeira num espigão de asfalto, uma dúzia de milhas náuticas mais a norte, e o rápido Pedro Nuno ensaiou a sua própria cambalhota circense, assumindo o Montijo como indiscutível e transformando-se no seu mais estrénuo defensor. E eis senão quando o mesmo Pedro, qual bailarina aveirense, decide que fora traído pelo Costa e, apanhando-o no estrangeiro, vem a público dizer em tom cesariano que o Aeroporto Internacional de Lisboa será em Alcochete e que, antes ainda, estaria em glorioso funcionamento uma ultramoderna e mais que ultrafuncional ponte rodoferroviária, entre o Barreiro, na margem esquerda, e Chelas, na margem direita do Mar da Palha, que mais adequadamente deveria ficar com o título eterno de Mar da Glória. Aparentemente, o Costa só sentiu a facada nas costas quando voltou Portugal e o estouvado Pedro teve de se demitir para ser agora o sucessor do ex-primeiro-ministro e, enquanto líder do PS e principal opositor do agora senhor de S. Bento Luís Montenegro, comprometendo-se a com ele cooperar em tudo que seja importante para o povo luso, que era o que o Costa já vinha fazendo, à sorrelfa e com cálculos próprios, assegurando assim um apoio sem preço para a Presidência do Conselho da Europa, trono justo e sacrossanto, lentamente conquistado, depois de uma caminhada que também Marcelo já enalteceu, não obstantes as cumplicidades múltiplas com os morticínios de Gaza e do Médio Oriente. Acontece ainda que o tal Aeroporto Luís de Camões só terá de existir de facto daqui a vinte anos e, como o tempo e os negócios não perdoam, nessa altura outra realidade se pode impor: ou o negócio já é outro, ou já são outros a negociar e o aeroporto pode precisar de novos estudos, novo dono e, obviamente, de novas razões para ser construído nem que seja sobre estacas, ao largo de Tróia ou por cima de Olivença, com escritórios no Pulo do Lobo e uma delegação em Peniche. Os que ganharam e os que perderam com tudo isto são, como de costume, os mesmos de sempre. Ganhar, todavia, só podem os donos disto tudo, seja nas terras do Baixo Ribatejo, seja no reordenamento urbanístico da Área Metropolitana de Lisboa e nas outras, na ANA, na Vinci e na TAP, nas movimentações da alta, média e baixa finança, com o Banco de Portugal em boas mãos, assim como a restante banca, e, naturalmente, na política habitacional e na reconversão da ordem urbanística de Lisboa, de Oeiras, de Cascais e do Algarve e associados, bem como nas contas das pontas-de-lança em Bruxelas o nos ‘offshores’ londrinos e outros, porque “isto anda tudo ligado”, como dizia um falecido poeta e patrício meu, e Portugal tem a alta responsabilidade de ser um dos pilares mais bem plantados em três continentes e um oceano, com vistas à escavação presente e futura na mina turística dos donos disto tudo. O que me entristece é que, mesmo se Portugal recuperasse a independência nacional, já não ia a tempo de construir uma ordem interna justa, o fim das castas e a prosperidade generalizada, ou seja, a possibilidade de o bolo ser, finalmente, bem repartido.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO terrorismo Huti (continuação) “We have repeatedly stated without hesitation that supporting Palestine and resistance groups is on the agenda of the Islamic Republic’s policies” Iranian President Ebrahim Raisi, in 14.01.2024 A ligação Irão-Arábia Saudita passa pelo Iémen e a imprevisibilidade das opções estratégico-militares dos Hutis e o perigo latente de uma escalada desencadear consequências indesejáveis, incluindo confrontos directos entre o Irão e os Estados Unidos levantam duas questões importantes. A primeira, poderá o processo de aproximação entre Teerão e Riade sofrer um revés? A segunda, as conversações de paz em curso entre a Casa Saud e os Hutis para a saída dos sauditas do Iémen e, espera-se, o início de um processo de paz sob os auspícios da ONU, correm o risco de descarrilar? O dossier iemenita representa o primeiro teste do processo de normalização irano-saudita iniciado com o acordo de 10 de Março de 2023, patrocinado pela China. Apesar dos rumores persistentes de desacordo sobre as suas abordagens à guerra de Gaza, os dois actores parecem decididos a prosseguir na via da diplomacia. Uma proposta que o conflito na Faixa de Gaza teria efectivamente contribuído para reforçar. Desde o início da guerra entre Hamas e Israel, a Arábia Saudita e o Irão têm estado em contacto regular para evitar que o conflito assuma uma dimensão regional. Não é por acaso que, antes do ataque americano e britânico aos Hutis, em 12 de Janeiro, o ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Amir-Abdollahian, e o ministro saudita dos Negócios Estrangeiros, Príncipe Faizal bin Farhan bin Abdullah Al-Saud, tiveram uma conversa telefónica sobre a evolução da situação em Gaza e na região. Em Novembro de 2023, o primeiro encontro bilateral entre o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman Al Saud e o presidente iraniano Ebrahim Raisi teve lugar na cimeira islâmica-árabe em Riade. Cerca de um mês mais tarde, realizou-se em Pequim a primeira sessão da comissão conjunta China-Arábia Saudita-Irão para acompanhar os progressos do desanuviamento diplomátic. É pouco provável que a República Islâmica decida, por conseguinte, prestar apoio adicional aos Hutis, a menos que os ataques liderados pelos Estados Unidos ponham em risco as capacidades militares do movimento. Do mesmo modo, a interferência iraniana nas decisões de Ansar Allah só ocorreria se a aproximação de Teerão à Arábia Saudita fosse posta em causa. O risco de uma militarização crescente do Mar Vermelho é uma fonte de grande apreensão para Riade. Poucas horas depois da segunda vaga de ataques dos Estados Unidos, os Hutis efectuaram uma manobra militar ao longo da fronteira com o reino, na província de Sadá com um aviso aos sauditas sobre as potenciais consequências de se aliarem aos Americanos. Tal como as outras monarquias do Golfo (com a única exceção do Bahrein), a Arábia Saudita aderiu formalmente à recém-criada (Dezembro de 2023) missão naval “Prosperity Guardian”, liderada pelos Estados Unidos. Isto reflecte a política externa pragmática do reino, que visa a prossecução de objectivos nacionais e a salvaguarda de interesses estratégicos específicos. A Arábia Saudita está a atravessar uma crise de “confiança” com o seu tradicional aliado americano e não quer correr o risco de comprometer a sua segurança interna. A sua prioridade é prosseguir a normalização com o Iémen e impedir o recomeço dos ataques transfronteiriços. A estabilização da fronteira saudita e das regiões meridionais do país (Jazan, Asir e Najran), a obtenção de um cessar-fogo permanente e o relançamento de um processo de paz conduzido pela ONU estão no centro das negociações em curso entre a Arábia Saudita e os Hutis. Embora o cessar-fogo mediado pela ONU em Abril de 2022 tenha terminado formalmente seis meses depois devido a desacordos entre Ansar Allah e o governo oficial iemenita apoiado por Riade, as conversações prosseguiram informalmente. Em Abril de 2023, o embaixador saudita no Iémen, Mohammed bin Saeed-Al-Jaber, deslocou-se a Saná com uma delegação de Omã para se encontrar com Mahdi al-Mashart, presidente do Conselho Político Supremo de Ansar Allah (o mais alto órgão dirigente dos Hutis), enquanto em meados de Setembro de 2023 teve lugar na capital saudita uma nova ronda de negociações para elaborar um roteiro para o processo de paz no Iémen. A última ronda de conversações, organizada na Arábia Saudita e em Omã, teve lugar em Dezembro último, quando o Primeiro-Ministro iemenita Maeen Abdulmalik Saeed e o negociador-chefe dos Hutis Muhammad Abd al-Salam concordaram “em iniciar um processo de paz sob os auspícios das Nações Unidas”. Apesar da fragilidade das tréguas informais entre os Hutis e os sauditas, é pouco provável que as negociações descarrilem, a não ser que Riade queira ou precise de dar um apoio suplementar aos Estados Unidos, o que não parece provável até agora. A Arábia Saudita pretende ser o coração económico e financeiro do Golfo, aumentando a sua influência internacional. A concretização dos ambiciosos objectivos da “Visão 2030” (a rápida diversificação e modernização da economia e da sociedade) confirma-se como o principal motor da política externa da Casa Saud. Olhando para a geografia dos planos de desenvolvimento do país, como a cidade futurista de Neom, na costa do Mar Vermelho, ou o projecto de desenvolvimento turístico do Mar Vermelho, é fácil perceber que evitar potenciais represálias por parte dos Hustis e resolver o conflito do Mar Vermelho estão entre as prioridades do Reino. A paz em Gaza não garante a segurança da região Cerca de 40 por cento do comércio marítimo mundial transita pelo Mar Vermelho. Todos os dias, mais de 6,2 milhões de barris de petróleo bruto e de barcos petrolíferos atravessam o estreito de Bab-el-Mandeb, dos quais 3,9 milhões têm como destino a Europa. Cerca de 10-14 por cento do comércio mundial (incluindo o petróleo) e 30 por cento do volume global de contentores passam pelo Canal do Suez. Embora o impacto dos ataques ao abastecimento de petróleo e gás, com repercussões na economia mundial, pareça ainda limitado nada é comparado com os custos incorridos pelos mercados mundiais após o encalhe do porta-contentores “Ever Given” no Canal do Suez em 2021 e um longo conflito nessas águas teria um impacto significativo. Num relatório datado de 9 de Janeiro de 2024, o Banco Mundial alertou para o facto de os recentes ataques e o consequente abrandamento das redes de abastecimento “aumentarem a probabilidade de estrangulamentos na inflação. O fornecimento de energia também pode ser afectado, levando a aumentos de preços” As principais companhias de navegação como a Maersk, Hapag-Lloyd, Msc, Cma Cgm e Yang Ming, bem como a British Petroleum suspenderam as operações no Mar Vermelho, optando pela rota do Cabo da Boa Esperança. Os ataques conjuntos de Washington e Londres, concebidos como uma reacção simbólica e, portanto, limitada, não tiveram qualquer efeito dissuasor para o Ansar Allah. Pelo contrário, parece ter contribuído para o agravamento do conflito. Nas palavras de Yahya Saree, o porta-voz militar dos Hutis, “nenhum novo ataque ficará sem resposta”. Em 15 de Janeiro, o Comando Central dos Estados Unidos comunicou o lançamento de um míssil balístico anti-navio no Golfo de Aden contra um navio porta-contentores de propriedade americana. As acções militares dos Hutis no Mar Vermelho foram condenadas pelas várias personalidades do Conselho Presidencial do Iémen. Desde Dezembro último, a Guarda Costeira foi colocada em alerta no Mar Vermelho. O Conselho de Resistência Sul secessionista de Aidarus al-Zoubaidi (influente na zona de Aden) e as forças de resistência de Tariq Saleh (baseadas em al-Mokha), ambos apoiados pelos Emirados Árabes Unidos, declararam querer contribuir para a segurança e a liberdade de navegação no Mar Vermelho. No entanto, as tensões entre os oito membros do governo iemenita (reflectidas nos objectivos estratégicos divergentes das facções que compõem a frente anti-Huti e na rivalidade entre Riade e Abu Dhabi) dificultam o desenvolvimento de uma estratégia comum e de uma visão partilhada do futuro do Iémen. A profundidade estratégica do sul do Mar Vermelho e a segurança das suas rotas energéticas e do comércio mundial estão duplamente ligadas à guerra civil no Iémen. O Mar Vermelho não voltará, portanto, à tranquilidade com o fim da guerra em Gaza. Nem o “Prosperity Guardian”, nem a decisão europeia de criar a sua própria missão marítima, nem a escolha de Washington de voltar a incluir os Hutis na lista dos movimentos terroristas (se os ataques não cessarem) ajudarão a resolver o problema. Os Acordos de Estocolmo de 2018, mediados pela ONU entre os Hutis e o governo oficial iemenita para um cessar-fogo imediato na província de Al Hudaydah e na cidade costeira com o mesmo nome, permitiram aos Hutis consolidar a sua autoridade no porto estratégico e entrincheirar-se ao longo da costa ocidental. O controlo das ilhas estratégicas de Kamaran, Ras Douglas e Taqfash, ao largo da costa de Al Hudaydah, proporciona aos rebeldes uma importante plataforma de projeção marítima. Garantir a segurança do Mar Vermelho exige, portanto, que se enfrentem de frente as dinâmicas que têm minado a sua estabilidade, os desequilíbrios de poder no Iémen e a incapacidade internacional de resolver o capítulo ainda em aberto da guerra civil do Iémen.
David Chan Macau Visto de Hong Kong Vozes520 – Amo-te, sequela Os caracteres chineses e o alfabeto latino têm uma natureza significativamente diferente. Os caracteres chineses são principalmente “ideográficos”. Evoluíram de hieroglifos que, na antiguidade, expressavam acontecimentos para os actuais caracteres usados na China. Quando vemos “ideogramas”, compreendemos o seu significado, mas não temos indicação da pronúncia das palavras. O alfabeto latino funciona de forma oposta; contém “caracteres fonéticos”. Quando vemos uma palavra escrita sabemos logo como se pronuncia, mas podemos não compreender o seu significado. O artigo de hoje gira em torno da palavra “色”. Esta palavra é muito rica em significados; pode querer dizer “cor” ou “luxúria”. Quando aplicado a “luxúria” significa que estamos perante uma pessoa lasciva. A semana passada falámos sobre o “Dia de São Valentim em Rede – 520”, e o artigo de hoje é uma sequela do anterior. Recentemente, circularam na Internet três notícias, todas relacionadas com a “luxúria”. A primeira notícia relatava o caso de uma mulher casada que se envolveu com um homem no dia 20 de Maio. Depois de o marido descobrir, apunhalou o homem na cabeça com uma faca, mas felizmente o ferimento não foi fatal. Depois de o vídeo circular na Internet, os internautas citaram um ditado antigo para descrever o incidente- “a palavra sexo tem uma faca na cabeça.” (色字頭上一把刀) No ideograma, a parte superior do caracter “色” é semelhante ao caracter “刀”. Este ditado antigo usa esta fonte para alertar as pessoas contra a luxúria”. A segunda notícia conta o caso de um marido que apanhou a mulher na cama com o amante. O marido fotografou a cena, fez um cartaz com a imagem e divulgou-o no dia 20 de Maio. Depois do incidente, o amante foi suspenso enquanto se procediam a investigações. Consta que a esposa é professora do ensino básico e que ela e o amante são colegas. A terceira notícia conta o caso de uma mulher que se pôs à porta da Faculdade onde o marido trabalha exibindo uma faixa onde se lia que ela era a esposa legítima e que tinha descoberto que o marido tinha uma amante. A amante era uma jovem estudante. As palavras da faixa são gritantes: “Uma certa aluna de uma determinada faculdade quer seduzir um homem casado.” Como foi mencionado no artigo anterior, o Dia de São Valentim em Rede 520 é um dia para comemorar com a pessoa que se ama. Devemos aproveitar esta oportunidade para expressar carinho e amor verdadeiro pelos nossos companheiros. Por causa das vidas de hoje em dia serem muito ocupadas e rotineiras, é fácil que aos poucos o amor, que foi construído com muita dedicação, vá esmorecendo e torna-se difícil voltar a fortalecê-lo. 520 é uma oportunidade para os namorados voltarem a expressar o seu amor um pelo outro e dizerem “Amo-te”. No entanto, num dia tão bonito como o 20 de Maio, as três notícias acima citadas foram divulgadas, o que é verdadeiramente triste e frustrante. Este género de notícias só nos pode levar a interrogarmo-nos, porque é que as pessoas envolvidas não se divorciam simplesmente? Em vez disso, porque é que têm deliberadamente comportamentos que vão destruir as suas famílias? As atitudes não só magoam os seus parceiros, como também afectam os filhos, e é muito provável que os danos infligidos às crianças venham a ser irreparáveis e se façam sentir por toda a vida. Existem muitas formas de manter uma família, mas são sempre inseparáveis da palavra «amor». O amor da família tem várias componentes. Inclui o amor entre marido e a mulher, o amor dos pais pelos filhos, o amor das crianças pelos pais, etc. A família é um lugar de emoções, não da razão. A esposa olha para o marido com carinho, dando a entender que quer receber o ramo de flores comemorativo do 520. A filha age de forma sedutora com a mãe e o filho quer que o pai se sinta recompensado com os resultados do seu exame. Estes são os sentimentos calorosos de amor no seio de uma família, não a frieza das regras e dos princípios. Além do amor, os membros da família devem confiar e cuidar uns dos outros. Sem estes factores, a família perderá o calor e a harmonia. Se só houver indiferença, discussões, ou mesmo ódio, ninguém vai querer fazer parte dessa família. As três notícias mencionadas no artigo de hoje não são raras na sociedade em que vivemos. Mas ainda assim devemos prestar-lhes atenção, como um alerta para darmos o nosso melhor e evitarmos que situações semelhantes venham a ocorrer. A construção de uma boa família não se faz em pouco tempo, mas sim todos os dias. Só construindo, gerindo, protegendo e mantendo o amor, em conjunto com todos os membros da família, a felicidade se pode instalar. Espero que estas notícias negativas vão diminuindo gradualmente ou mesmo que desapareçam da nossa sociedade. Espero que todos possam amar os seus companheiros do fundo do coração e que sejam cuidadosos e sinceros com as suas famílias. Espero também que todos os membros das famílias possam viver em harmonia amando-se uns aos outros. Este será o orgulho de todos e a maior motivação para o trabalho. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesVingança servida sem saúde Antes de abordarmos assuntos sérios deixo-vos o risível. Como nas últimas sondagens para as próximas eleições europeias o partido Chega anda muito por baixo e como a sua estratégia foi sempre a da vitimização, desta vez, tentou que na opinião pública algo pegasse que lhe pudesse dar votos. Vai daí, arranjou um homem com alguma perturbação mental que apareceu com uma mochila junto à sede do Chega, em Lisboa, a dizer que tinha uma bomba e que queria matar André Ventura. A polícia fechou algumas artérias, evacuou edifícios contíguos e as televisões não pararam de informar o sucedido. A polícia apanhou o homem e tirou-lhe a mochila que não tinha nada de explosivo. O homem foi para uma unidade hospitalar e a “bomba” não rebentou… Na semana passada em Portugal a política foi essencialmente feia. O Governo resolveu servir um tipo de vingança bem fria na substituição de personalidades de grande prestígio e competência. Sempre foi natural que numa mudança do governo se substituam nos Ministérios vários directores, secretárias e assessores, por outros quadros da confiança política do novo Executivo. Agora, de um momento para o outro, sem qualquer justificação e até com alguma rudeza, demitir cargos técnicos ou de gestão em instituições de solidariedade social é que não há compreensão. FERNANDO ARAÚJO, A COMPETÊNCIA EM PESSOA, FOI MALTRATADO Fernando Araújo é um professor médico de grande competência que foi escolhido pelo governo de António Costa para Director-Adjunto do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Essencialmente para levar a efeito uma reforma na Saúde que terminasse com a crise no sector, com urgências hospitalares a encerrar e várias especialidades fora de serviço, em alguns casos com as futuras mães sem saber onde ter o parto. Fernando Araújo estava a realizar um trabalho de excelência, louvado por médicos, enfermeiros e gestores hospitalares. Mas, no Hospital de Santa Maria estava uma gestora anti-socialista e que não concordou com as decisões de Fernando Araújo. Essa gestora alegou que não conseguia levar a efeito a sua missão e demitiu-se. Pois, essa gestora é precisamente a actual ministra da Saúde e a primeira coisa que fez foi vingar-se, provocando a repulsa e ira de Fernando Araújo quando lhe pediu um relatório sobre o que é que tinha feito no cargo. Obviamente que o Director-Adjunto do SNS percebeu de imediato que a nova ministra estava a querer a sua saída do cargo e abandonou as funções. As críticas à ministra foram generalizadas e muitos comentadores chegaram a salientar que além da vingança da ministra, era com perplexidade que se compreendia como é que uma gestora que não era capaz de estar à frente de um hospital, agora já tinha competência para ser a “chefe” de todos os hospitais do país. Maior perplexidade quando a ministra acaba de nomear para o cargo de Fernando Araújo um indivíduo gestor que foi condenado, há quatro anos, pelo banco central de Moçambique a uma pena de inibição de três anos de exercer cargos sociais e funções de gestão em instituições de crédito e sociedades financeiras, devido a uma situação de “conflito de interesses” durante a sua passagem pela administração do banco. ANA JORGE – FOI MESMO SANEAMENTO POLÍTICO A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa anda há mais de uma década com provedores que em nada mostraram competência e a instituição de solidariedade, que vive à base dos milhões de euros dos jogos de sorte e azar, tem vindo a ter prejuízos incalculáveis. O provedor anterior a Ana Jorge, da confiança socialista, chegou ao absurdo de realizar uma negociata com o Brasil onde os jogos da Santa Casa seriam uma realidade naquele país e, afinal, veio-se a descobrir que o parceiro brasileiro nem sequer contabilidade tem e deixou de enviar os dividendos contratuais para Portugal. Uma vergonha e algo a merecer uma investigação muito profunda por parte do Ministério Público. E é neste ambiente de descalabro, que entra para provedora a médica prestigiada, a antiga ministra da Saúde, a antiga colaboradora da mesma Santa Casa, Ana Jorge. A senhora iniciou de imediato um trabalho de redução de despesas e de auditoria ao passado para que o “barco” não fosse ao fundo. Conseguiu endireitar as contas e estava e realizar reformas fundamentais para a sobrevivência e melhoria da Santa Casa. Eis que, muda o governo e a nova ministra do Trabalho e da Segurança Social, sem estudar o que se passou e o que Ana Jorge realizou, sem chamar Ana Jorge para uma reunião de trabalho, antes pelo contrário, chamou-a para lhe perguntar quantos funcionários iria despedir. Ana Jorge respondeu que nenhum. Aí, a ministra perguntou a Ana Jorge se pedia a demissão, ao que a ex-ministra lhe respondeu negativamente. No dia seguinte, Ana Jorge estava despedida num claro acto de saneamento político. Pior, a ministra foi buscar para o lugar de Ana Jorge um militar médico, que tem andado em missões militares e que em nada têm a ver com a gestão de uma casa de solidariedade. Entretanto, também a competentíssima presidente do Instituto de Segurança Social, Ana Margarida Vasques, pediu a demissão em solidariedade com Fernando Araújo e alegando que o Executivo demonstrou falta de confiança na sequência da questão da retenção do IRS nas pensões. Enfim, tudo isto é política, tudo isto é muito feio. E o mais triste é que assistimos a uma governação que não governa, mas que apenas sabe anunciar medidas futuras como propaganda eleitoral para o próximo dia 9 de Junho.