Tânia dos Santos Sexanálise VozesPorque precisamos de educadores menstruais? [dropcap]S[/dropcap]e só há uma educadora menstrual no mundo, deviam existir mais. As razões vão na mesma linha de que deveria existir mais e melhor educação sexual. Educadoras menstruais são simplesmente um pouco mais específicas à aflição mensal de quem possui um útero e que sangra entre quatro a seis dias. Digamos que é uma especialidade necessária para desconstruir certos mitos e tabus. Aqui ficam algumas preocupações que deviam fazer com que as educadoras menstruais se multiplicassem no mundo: 1. Ninguém fala abertamente sobre a menstruação, assim como quem tranquilamente comenta o estado de saúde ou do corpo. Tenho tentado trazer essa temática aos contextos mais esquisitos – com o risco de ter a vergonha a ruborizar a face– porque sei que é necessário para mim e para os outros. O que acontece é que a menstruação = (é igual a) pretexto para humilhação, particularmente nas camadas mais jovens. Por isso não ajuda a inexistente discussão da dita na esfera pública. Porque quando é discutida (lembram-se da Fu Yuanhui que nos Jogos Olímpicos falou das suas dores menstruais?) a surpresa da discussão continua a ser demasiada. 2. Ninguém sabe na verdade o que é a menstruação. Afinal, quem é que percebe o ciclo menstrual e de como este funciona? As pessoas que menstruam passam por fases particulares que lhes definem os 28 dias mensais e, por isso, todo o ciclo terá que ser o foco de conhecimento. É preciso entendê-lo nas formas que transformam o corpo e a mente. Este é daqueles casos que ignorance is not a bliss. 3. Ninguém fala verdadeiramente sobre as dores e confortos da menstruação. Além dos queixumes típicos de dores abdominais, e da caricatura popular que a mulher está ‘nos seus dias’, a verdade é que casos graves de TPM ou de endometriose não são diagnosticados como tal. Há muita investigação feita acerca da forma como o desconforto menstrual é, digamos, normalizado. A suposição é de que todo o mau-estar menstrual é normal e por isso não há nada a fazer se não tomar analgésicos para o aliviar. Só que assim não é dada devida atenção à gravidade de certas menstruações difíceis – e não me refiro à negligência do ‘nível mundano’ mas à negligência institucional e académica também, que tende a pôr de lado estes tópicos e deixam pessoas que menstruam com as suas dores terríveis por diagnosticar. 4. Ninguém percebe de que forma o lixo menstrual (pensos e tampões descartáveis) poluem irreversivelmente o ambiente, e muito provavelmente, a nós próprios. A isto vou chamar a desigualdade social da menstruação. Se numa ponta do mundo começa-se a falar de formas ecológicas para lidarmos com a nossa menstruação, a outra ponta ainda luta por um acesso pleno a produtos de higiene feminina dignos. Apesar de não existirem estatísticas claras, os pensos e tampões comerciais poluem o solo e as águas subterrâneas de forma considerável. O que será, portanto, uma boa saúde menstrual? Como é que equacionamos as questões práticas de poluição quando – apesar de questões extremamente relevantes – há quem nem sequer tenha acesso a produtos – mesmo que os mais rascas e poluentes do mercado? Parece-me que a menstruação tem que ser vista à luz do mundo complicado e desigual onde vivemos mas que pode muito bem ser usada como ferramenta de empoderamento. Principalmente quando estas dinâmicas de poder e desigualdade se tornam claras. Ainda que tenha perfeita consciência da minha hipérbole ao julgar que ninguém pensa nestas questões da menstruação, tenho cá para mim que muita gente não pensa, muito menos fala, sobre estas coisas. Estes são quatro pontos muito simples e muito pouco desenvolvidos para mostrar que a menstruação atravessa domínios importantes para pensarmos sociedades felizes, como a educação, saúde e até a ecologia. Não vos parece claro que ainda teremos que trabalhar bastante para um mundo feliz e menstruado?
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO “Made in China 2025” China will succeed in building a powerful technology industry that will rival the United States, even if President Trump starts a trade war to stop it. The reason can be found on the fourth floor of a nondescript factory in a city (Dongguan) once famous for cheap manufacturing. By Li Yuan [dropcap]O[/dropcap]s Estados Unidos, a União Europeia (UE) e o Japão, apresentaram um pacote de propostas ao “Conselho para o Comércio de Bens da Organização Mundial do Comércio (OMC)”, a 12 de Novembro de 2018, que pretende ajudar a reduzir significativamente as práticas chinesas de subsidiar fortemente as suas empresas estatais e discutem, igualmente, formas de impedir a China de forçar as empresas ocidentais a transferir tecnologia para empresas chinesas. É de esperar que a ameaça do governo Trump de escalar a guerra de tarifas com a China a persuadiria a aceitar tais reformas. A China anunciou que planeia injectar trezentos e cinquenta mil milhões de dólares a dez indústrias chave do futuro, como a robótica, veículos eléctricos e baterias EV, computadores avançados e dispositivos móveis em conformidade com a sua política “Made in China 2025”, conforme consta da “Secção 301 do Acto sobre Comércio e Tarifas de 1974”, relativo ao “Relatório sobre Actos, Políticas e Práticas da China Relacionados à Transferência de Tecnologia, Propriedade Intelectual e Inovação” do “Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos” e datado de 22 de Março de 2018. Ao contrário dos incentivos de toda a economia, como o crédito fiscal para P&D, as regras da OMC proíbem subsídios a empresas específicas por causa da vantagem competitiva que conferem. As regras da OMC obrigam que nenhum país pode obter qualquer benefício com impostos para compensar os subsídios sem provas concretas que fundamentem esses subsídios. Embora os membros da OMC sejam obrigados a dar “aviso imediato” quando cada programa de subsídio é criado, a realidade é que muitos não o fazem. A China divulgou no referido Relatório produzido pelo governo dos Estados Unidos, apenas uma fracção dos seus subsídios vários anos após terem sido criados. Além disso, os subsídios da China são protegidos por orçamentos governamentais não publicados, instruções internas, directivas orais e uma lei que permite que informações comerciais sejam tratadas como “segredos de Estado”. O relatório americano de duzentas e quinze páginas têm enormes falhas como se pode constatar e vale pela pouca idoneidade que Administração têm mostrado desde o início da “guerra comercial” com a China, e que convém que se reflicta porque atinge lateralmente as duas Regiões Administrativas Especiais da China. Os Estados Unidos, a UE e o Japão concordaram em propor duas mudanças com o objectivo de pressionar os abusadores a divulgar os subsídios sendo a primeira rever as regras para estipular que a falta de aviso prévio de subsídios resultaria na presunção de que o subsídio causa prejuízo, o que tornaria muito mais fácil para o país afectado pedir indemnização em um prazo muito mais curto e a segunda seria introduzir um sistema de escalonamento de sanções administrativas que reduziria a influência do infractor na OMC e o seu acesso à informação. Os Estados Unidos, a UE e o Japão também concordaram em solicitar uma expansão da lista existente da OMC de subsídios proibidos a empresas estatais para incluir as garantias ilimitadas de obrigações financeiras, subsídios a empresas insolventes ou falidas sem plano de reestruturação confiável e preços preferenciais para empresas estatais como matérias-primas e componentes. Ainda que os Estados Unidos, a UE e o Japão tentem chegar a um acordo sobre os detalhes, também pretendem encontrar “soluções direccionados contra subsídios” como consta da “Declaração Conjunta sobre a Reunião Trilateral dos Ministros do Comércio dos Estados Unidos, Japão e EU”, realizada em Paris, a 31 de Maio de 2018. A Declaração reitera a sua preocupação com as políticas não orientadas para o mercado de países terceiros e analisam as acções que estão a ser tomadas e possíveis medidas que poderiam ser tomadas em um futuro próximo, confirmando o objectivo comum de abordar políticas e práticas não orientadas para o mercado que gerem severo excesso de capacidade, criem condições de concorrência desleal aos trabalhadores e empresas, dificultem o desenvolvimento e o uso de tecnologias inovadoras e prejudiquem o bom funcionamento do comércio internacional, inclusive onde as regras existentes não são eficazes. Os subsídios são um grande problema e por exemplo, a China é o maior produtor e exportador de aço e a maior fonte de excesso de capacidade de produção no sector siderúrgico. O seu excesso de capacidade excede a capacidade total de produção de aço dos Estados Unidos e, em um mês, a produção de aço da China é igual à produção anual total dos Estados Unidos. As empresas estatais frequentemente fornecem subsídios às empresas chinesas da mesma forma que o governo o faz. Os Estados Unidos, a UE e o Japão querem que tais práticas estejam sujeitas às mesmas regras que os subsídios do governo para as empresas estatais e para as empresas privadas, mas ainda tentam chegar a um consenso sobre as melhores formas de o realizar. A UE propõe uma clarificação das regras da OMC para determinar o que constitui um “órgão público”, o que ajudaria a compreender se uma empresa estatal está a desempenhar uma função governamental ou a promover uma política governamental, e adoptar critérios para determinar se um país membro exerce controlo significativo sobre uma empresa estatal. Os Estados Unidos sugerem regras que forçam as empresas estatais a fornecer divulgações detalhadas que possam facilitar os desafios dos membros prejudicados e que incluem uma listagem de todas as empresas estatais em um sítio público e a difusão da percentagem de participação do governo nas empresas estatais, títulos de oficiais do governo ou funcionários no conselho das empresas estatais, as suas receitas anuais e factos detalhados sobre qualquer política ou programa que fornece subsídios às empresas estatais. Qualquer opção aumentaria significativamente as oportunidades para restringir os abusos das empresas estatais. Os Estados Unidos, a UE e o Japão também estão a tomar medidas dentro e fora da OMC, para combater as transferências forçadas de tecnologia, tanto no mercado interno da China quanto, por meio de fusões e aquisições, no exterior. O grupo de potências económicas para o mercado chinês, defende limites e exigências das empresas estrangeiras formarem acordos de associação com um parceiro chinês, limites de capital estrangeiro, revisões administrativas baseadas em regras pouco claras e grande pressão sobre empresas estrangeiras para licenciarem as suas tecnologias a empresas chinesas. As regras da OMC referente a investimentos transfronteiriços são limitadas. Os Estados Unidos estão a compartilhar informações com a UE e o Japão sobre a legislação em vigor no país acerca da triagem de investimentos estrangeiros, como por exemplo, a “Lei de Modernização da Revisão do Risco de Investimento Estrangeiro (FIRRMA, na sigla em língua inglesa) ”, que entrou em vigor em Agosto de 2017, que ordena ao governo fazer investigações a longo prazo acerca do impacto de tais investimentos na segurança nacional. O governo dos Estados Unidos reivindicou ao Congresso que modernize a FIRRMA, para melhorar ainda mais a protecção do país em relação às ameaças novas e transformações trazidas pelo investimento estrangeiro. É interessante notar que doze dos vinte e oito Estados-membros da UE não possuem nenhum sistema para rever os investimentos estrangeiros. A UE propôs recentemente um novo mecanismo de selecção que esclareceria o escopo da análise de cada membro do investimento recebido, e que ajudaria a identificar os investimentos das empresas estatais chinesas que são problemáticos. Tais medidas seriam consideradas como etapas úteis. Quanto às transferências forçadas ou o roubo de tecnologias digitais, os ministros do comércio dos Estados Unidos, EU e Japão emitiram a dita “Declaração Conjunta sobre Reunião Trilateral dos Ministros do Comércio dos Estados Unidos, Japão e EU”, de 31 de Maio de 2018. condenando “acções do governo que apoiam… roubos de redes de computadores de empresas estrangeiras de informações comerciais e segredos comerciais” para usá-los para ganhos comerciais. As três potências concordaram em encontrar uma regra que impeça os membros da OMC de exigir que as empresas divulguem seus códigos-fonte, tecnologia básica altamente competitiva, que é produzida com grandes custos. Ainda que os ministros não tenham concordado em ferramentas para atingir esses objectivos, o acordo para persegui-los pode ser promissor, mas certamente é perigoso e sensível na era global. Os Estados Unidos, a UE e o Japão concordam que a expansão do seu grupo é essencial. Os candidatos mais prováveis a aderir em breve são a Austrália, Nova Zelândia, Canadá e México. Entre as muitas razões pelas quais a administração Trump deve aliviar os seus ataques à OMC, é o facto de que estão a criar maiores dificuldades à contratação de talentos de países em desenvolvimento, embora muitos compartilhem as preocupações dos Estados Unidos sobre a China. A China não perdeu nenhuma oportunidade de usar os ataques dos Estados Unidos para se apresentar como um defensor do sistema comercial da OMC. Os Estados Unidos, a UE e o Japão também pensam pressionar a China a juntar-se ao processo de reforma. Tal pode parecer uma ideia tola, mas dado que qualquer membro da OMC pode bloquear as mudanças de regras propostas, seria muito melhor envolver a China no início desses esforços. Qual a razão que levaria a China a concordar com essas reformas? A primeira razão é que não se pode dar ao luxo de ficar isolada das principais economias industriais, pois depende do acesso à sua tecnologia para alcançar os seus objectivos “Made in China”. A segunda razão é o aumento do isolamento que poderia matar o fulgor comercial que permite que os líderes chineses produzam a prosperidade da qual depende a sua legitimidade. Os subsídios da China e as práticas de transferência de tecnologia representam uma grande ameaça para a ordem global do comércio segundo as três potências e devem ser controlados. Se as propostas dos Estados Unidos, UE e o Japão que acordaram ou estão a elaborar forem adoptadas pela OMC, representariam quiçá grande passo para alcançar esse objectivo. A UE pensa que os Estados Unidos deveriam explorar a influência da guerra de tarifas para trazer a China à mesa das negociações. A China tem exactamente a visão oposta da questão e o Relatório americano é baseado em presunções que podem ser ilídiveis. O governo chinês lançou o “Made in China 2025”, que é uma política industrial liderada pelo Estado que procura tornar a China dominante na produção global de alta tecnologia. O programa visa usar os subsídios do governo, mobilizar empresas estatais e procurar a aquisição de propriedade intelectual para acompanhar, e depois superar, as proezas tecnológicas ocidentais em indústrias avançadas. Os Estados Unidos e outras grandes democracias industrializadas, consideram que essas tácticas não apenas prejudicam a adesão declarada da China às regras do comércio internacional, mas também representam um risco para a segurança. Os Estados Unidos argumentam que a política depende do tratamento discriminatório do investimento estrangeiro, transferências forçadas de tecnologia, roubo de propriedade intelectual e espionagem cibernética, levando o presidente Donald Trump a impor tarifas sobre produtos chineses e a bloquear várias aquisições de empresas de tecnologia apoiadas por chineses. Enquanto tal acontece, muitos outros países reforçaram a supervisão do investimento estrangeiro, intensificando o debate sobre a melhor forma de reagir ao comportamento da China. O “Made in China2025” foi criado em 2015, e trata-se de um plano de dez anos do governo para actualizar a base de produção da China, desenvolvendo rapidamente dez indústrias de alta tecnologia, sendo as principais os carros eléctricos e outros veículos novos de energia, tecnologia da informação de última geração e telecomunicações, robótica avançada e inteligência artificial. Os outros sectores importantes incluem tecnologia agrícola, engenharia aeroespacial, novos materiais sintéticos, equipamentos eléctricos avançados, bio-medicina emergente, infra-estruturas ferroviárias de alta qualidade e engenharia marítima de alta tecnologia. Tais sectores são centrais para a chamada quarta revolução industrial, que se refere à integração de “big data”, computação em nuvem e outras tecnologias emergentes nas cadeias globais de provimentos de fabricação. A esse respeito, os formuladores de políticas chineses inspiraram-se no plano de desenvolvimento da Indústria 4.0 do governo alemão. O objectivo final da China é reduzir a dependência do país de tecnologia estrangeira e promover fabricantes chineses de alta tecnologia no mercado global. Os semicondutores são uma área de particular realce, dada a sua importância em quase todos os produtos electrónicos. A China representa cerca de 60 por cento da procura global por semicondutores, mas produz apenas cerca de 13 por cento da oferta global. O “Made in China 2025” estabelece metas específicas, como a de até 2025, alcançar 70 por cento de “auto-suficiência” nas indústrias de alta tecnologia e, em 2049, aquando do centésimo aniversário da República Popular da China, ter uma posição “dominante” nos mercados globais. As autoridades chinesas, cautelosas com o retrocesso, têm moldado cada vez mais o plano como uma aspiração e não uma política oficial.
João Romão VozesAquecimento global [dropcap]A[/dropcap]meio desta semana a neve e o frio chegaram com persistência a Sapporo: as temperaturas desceram até perto dos 10 graus negativos e as ruas a tornaram-se brancas e silenciosas, com muito menos carros e os respectivos sons abafados e absorvidos pelo suave manto branco que cobre o asfalto das estradas e também o cimento dos passeios. Seria coisa normal se acontecesse bastante mais cedo: normalmente os primeiros nevões chegam em meados de Outubro e as temperaturas negativas instalam-se no início de Novembro, assim ficando por largos meses, até uma tardia Primavera cujos sinais não são visíveis antes do final de Abril. Sapporo, com quase dois milhões de habitantes, é a maior cidade de Hokkaido, uma ilha no norte do Japão, com uma área semelhante à de Portugal e uma geografia muito particular: ainda que a latitude seja semelhante à da França (Sapporo está a 43 graus norte e Bordéus está a 44 graus norte), é a região mais a sul do planeta onde se fazem sentir os efeitos dos ventos e correntes marítimas do Ártico. O resultado é um longo e intenso Inverno, com a neve a ocupar a cidade de Sapporo por quase seis meses e a permanecer ainda mais tempo nas zonas de montanha. Aliás, a região é destino privilegiado de praticantes de ski e outros desportos invernais e Sapporo já acolheu Jogos Olímpicos de Inverno (em 1972), preparando-se agora para nova candidatura. Com uma ocupação tardia pela população japonesa, que chegou a este território de clima hostil em finais do século XIX, Sapporo é uma cidade moderna, com vias e avenidas largas, onde não se encontram as ruas estreitas e os encantos da tradição arquitectónica do Japão antigo, e que se tornou uma das maiores metrópoles do país (é hoje a quinta maior cidade do Japão). Essa modernidade e as adversas condições climatéricas obrigam a uma impressionante infraestrutura urbana que inclui, por exemplo, longos passeios subterrâneos a ligar várias zonas do centro da cidade sem que seja necessário caminhar ao ar livre. Igualmente impressionante é o funcionamento do aeroporto internacional, que além das ligações directas às maiores cidades da Ásia, oferece 32(!) voos diários para Tóquio (a ligação com maior frequência no mundo), sem que os quase 6 meses de neve (e ocasionais ventanias) afectem significativamente as operações. Em tempo de aceleradas transformações climatéricas no planeta – cuja emergência é uma vez mais reiterada na cimeira das Nações Unidas sobre o Clima que se realiza por estes dias na cidade polaca de Katowice – é nos polos que são mais evidentes os sinais da mudança. Exemplos bastantes conhecidos são os dos canais navegáveis nos mares da região do Ártico, cujos períodos de navegabilidade têm vindo a aumentar sistematicamente, em alguns casos passando de duas ou três semanas no pico do verão para quatro ou cinco meses. Ainda assim – apesar dos apelos e declarações que assinalam a agenda mediática em ocasiões como a realização das cimeiras do clima (António Guterres declarou mesmo que este é o maior problema da humanidade actualmente) – nem sempre parecem sensatas as reacções ao fenómeno: na realidade, o alargamento do período de navegabilidade de partes significativas do Ártico está a ser usado para aumentar o tráfego marítimo e intensificar a exploração de recursos (como o gás natural e o petróleo), sempre com licenças (e eventual apoio) governamental e frequentemente com suporte científico, envolvendo Universidades e centros de investigação que, mais do que procurar estratégias de mitigação de impactos negativos, se dedicam à exploração de novas oportunidades comerciais e de financiamento. O capitalismo, já se sabe, é um sistema particularmente hábil na transformação de crises em oportunidades. As declarações e documentos que se vão apresentando na cimeira do clima mostram que pouco caminho se fez para contrariar a tendência do aquecimento global: as medidas vão-se revelando insuficientes e, na realidade, está longe de se ter concretizado o que se acordou em Paris em 2015. Pior do que isso, parte dos países que subscreveram o acordo expressaram a intenção de o abandonar, na sequência das mudanças nas respectivas lideranças políticas (Estados Unidos e Brasil, pelo menos), e alegando que a maior urgência é preservar empregos. Já o aquecimento do planeta, vai fazendo o seu caminho, implacável. Não sei se o atípico Inverno que estou a viver em Hokkaido é fruto dessa alteração lenta e estrutural do clima na Terra ou apenas o fruto de circunstâncias ocasionais. Em todo o caso, tamanha transformação não deixa de ser impressionante e intimidativa, mesmo que torne muito menos desconfortáveis os longos meses de neve e frio nestas paragens.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesFoge ao Corpete [dropcap]L[/dropcap]i há dias a história de uma rapariga na Coreia do Sul que começou a planear uma cirurgia plástica ao queixo a partir dos 7 anos de idade. Cirurgia essa realizada posteriormente, e que implicava partirem-lhe o queixo para alinhá-lo de novo. A mesma rapariga teve um momento de epifania e juntou-se ao movimento libertário que foge do corpete – e deixou de gastar 1600 patacas em maquilhagem todos os meses. Não desfez a cirurgia plástica, obviamente, mas agora apresenta-se de forma muito natural, sem os típicos apetrechos e auxiliadores de beleza. Se quiserem outra história mais caricata: na Coreia também, uma apresentadora de telejornal apareceu um dia de óculos na televisão e isso valeu-lhe atenção mediática. Por usar óculos… O simples gesto valeu-lhe um escrutínio feroz de como não estava perfeita ao mostrar-se como a pessoa míope que é. Sempre existiram expectativas de beleza às quais as sociedades tendem a seguir. A força dessa pressão e a agência individual para seguir ou não estas tendências é que pode diferir. A pressão que existe na Coreia, contudo, é absolutamente aterrorizadora. Daí que o movimento esteja a tomar contornos de uma rebelião – com gloriosas imagens de conjuntos de maquilhagem totalmente destruídos a serem partilhadas redes sociais. Nada contra em querermos sentirmo-nos bonitas/os mas chegar a demorar duas horas para fazer os 20 passos pré-maquilhagem e depois a maquilhagem em si, parece-me um pouco demais. Para quem gosta e consegue, óptimo, mas tornar-se na norma… A intensa propaganda pró-cirurgia plástica, também tem ajudado a normalizar que ‘ninguém nasce bonita, mas que pode tornar-se bonita’. Partindo ossos e sei lá mais o quê. Isto não acontece só dentro da Coreia e com os Coreanos, acho que quase toma proporções asiáticas (em 2017 três mulheres chinesas foram lá fazer cirurgias plásticas e ficaram detidas na fronteira por estarem irreconhecíveis…). Claro que a pressão ridícula que estas (especialmente jovens) mulheres têm que passar não é fácil de ser resolvida. Primeiro porque se tornou numa norma, uma norma que dita as relações sociais e de apresentação – e estas são difíceis de desconstruir. Segundo, porque há muita gente interessada que a norma permaneça intocável. Como toda a indústria de beleza, por exemplo. Apesar de não existirem estatísticas que o confirmem, parece que os senhores das marcas de maquilhagem estão um pouco receosos desta suposta rebelião. Seria uma chatice deixar de ter a renda mensal que o medo de mostrar caras com imperfeições motiva. Mas esta fuga do corpete não fica só por aqui… não é só uma luta pela pressão de não apresentar poros na cara, ou de mudar o formato da pálpebra, o problema é que tem havido uma objectificação extrema do corpo feminino ao ponto de se colocar câmaras de filmar em casas de banho públicas. Continua-se na temática do terror, portanto. E isto está a ser tão problemático que na Coreia andam a contratar pessoal para monotorizá-las. O problema é que estas maquininhas são postas e re-postas por breves períodos de tempo, e nem os honrados monitores conseguem ser audazes para conseguirem apanhá-los. A situação é tão extrema que já legitimou manifestações nas ruas. ‘A minha vida não é a tua pornografia’. Vejo como uma atitude bastante saudável pôr em causa estas dinâmicas. Pelo menos dá a oportunidade discutir aquilo que se julga ‘normalizado’ e poder renunciar certos exageros e a denunciar abusos. Agora as rebeldes só gastam uns tostões para comprar um creme hidratante facial mensalmente. Da supremacia dos cremes branqueadores… isso é que parece que não falam. Ainda.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesManipulação genética [dropcap]N[/dropcap]o dia 26 de Novembro, He Jiankui, Professor Associado da Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul de Shenzhen, anunciou que tinha manipulado com sucesso os genes dos embriões de duas gémeas, Lulu e Nana, de forma a torná-las imunes ao vírus da Sida. Esta notícia teve grande impacto a nível mundial, mas também levantou uma onda de indignação. A Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul de Shenzhen emitiu de imediato um comunicado, onde deixou claro que He Jiankui realizou esta investigação sem o conhecimento da Direcção. O comunicado salientava ainda que, a manipulação genética e a sua aplicação a embriões humanos é contrária às normas do Comité Académico do Departamento de Biologia da Universidade. A Direcção da Universidade exige que toda a investigação científica esteja de acordo com as normas e a legislação nacionais. He Jiankui encontra-se suspenso das suas funções desde 1 de Fevereiro de 2018. Embora a Universidade tenha emitido o comunicado a declarar o seu desconhecimento sobre as experiências do Professor, podemos ver no website de He Jiankui, a cópia de um formulário comprovativo do finaciamento da Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul de Shenzhen à sua investigação. O objectivo deste estudo era principalmente produzir imunidade ao HIV. Os casais que participassem na experência receberiam uma soma de 280.000 yuans. Então quem é que está a falar verdade? É preciso aguardar por mais esclarecimentos, para responder a esta pergunta . É sabido que este é o primeiro caso de manipulação genética de embriões destinados a nascer, em todo o mundo. No entanto a experiência não foi bem recebida, antes pelo contrário foi bastante criticada. E a que se devem as critícas? A resposta está na “eugenia”, ou seja, no conjunto de métodos que visam melhorar o património genético dos grupos humanos. Se permitirmos que os genes humanos sejam alterados para prevenir doenças, então, de futuro, poderemos abrir caminho ao “aperfeiçoamento” da espécie e abrir também uma caixa de Pandora. Os seres humanos “modificados” poderiam entrar em conflito com os seres humanos “originais”, já para não falar no facto de a modificação genética ser uma carta fechada, com consequências imprevisíveis. É portanto um assunto muto problemático. A manipulação genética iria ser fonte de uma série infindável de conflitos. Mas existe ainda uma outra questão. Se for possível manipular os genes de forma a criar seres humanos “perfeitos”, quem irá resistir à tentação da perfeição? Se os investigadores tiverem possibilidade de prosseguir com este tipo de expeiências, não virão a sentir-se uma espécie de deuses? Continuarão a sentir-se obrigados a obedecer à lei, tendo em conta que este tipo de experimentação infringe a moralidade? É imperativo promulgar urgentemente legislação que impeça a modificação genética de embriões humanos e as experiências científicas não éticas. Na China, foram promulgadas, em 2003, as “Linhas Mestras para a Investigação às Células Estaminais do Embrião Humano”. Segundo estas directrizes, os cientistas apenas podem fazer experiências em embriões, in vitro, até 14 dias de fertilização. Em Hong Kong, a secção 16 do Normativo das Tecnologias de Reprodução Humana, Cap. 561, da Lei de Hong Kong, estabelece que estão proibidas todas as trocas comerciais que tenham por finalidade o recurso a tecnologias reprodutivas. A pesquisa embrionária e a sub-rogação estão também interditas. O que a lei estipula é certamente uma questão, mas o problema mais urgente está, agora, perante os nossos olhos. Como é que vamos lidar com estas crianças geneticamente modificadas e que acabaram de nascer? Independentemente das mudanças que venham a ocorrer nesta área, devemos prestar atenção ao facto de que o estudo da modificação genética encerrar em si uma grande probabilidade de violação da lei e da moralidade e que, por isso, deve ser tratado com todo o cuidado. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
João Luz VozesLAG [dropcap]V[/dropcap]azio, vácuo, ausência de matéria e energia num lugar sem espaço ou tempo. Cientistas do mundo que se dedicam às grandes questões da física, olhem para a Assembleia Legislativa durante a apresentação das Linhas de Acção Governativa (LAG) e deliciem-se com o case-study de antimatéria e buracos negros. Suspeito que o saudoso professor Stephen Hawking ficaria abismado numa sessão plenária de LAG, o equivalente político a um buraco negro supermassivo, sugando matéria e significado de gestão pública para o esquecimento. No final da semana passada, enquanto se teciam parte das linhas com que vão ser cosidas as políticas para governar Macau, a deputada Chan Hong trouxe para a Assembleia Legislativa a pertinente questão dos panfletos pornográficos distribuídos nas imediações dos casinos. Assunto de maior relevância política, ainda para mais quando de pornográfico nada têm, contendo um nível de indecoro normalmente ultrapassado pela mais básica publicidade a cosméticos. Adaptando a citação aristotélica “O Homem é um animal político, por natureza” ao universo filosófico de Chan Hong o resultado seria algo do género: “O Homem é um animal, olhem-me para esta badalhoquice, valha-me deus”. Mak Soi Kun, essa luminária da ciência política e infiltrações em construção civil, trouxe para a casa das leis a fundamental questão do papel higiénico nos sanitários públicos. Claro que se podia aproveitar a presença dos secretários no plenário, que tem o dever de fiscalizar a acção do Governo, para discutir o eterno berbicacho legal das terras, as vindouras negociações das licenças do jogo, os desafios ao segundo sistema face à integração regional. Mas não. Papel higiénico, ora pois. Imagine, caro leitor, que está na encruzilhada fisiológica, onde é tarde demais para voltar atrás, e se depara com apenas uma sanita. Papel higiénico, nem vê-lo. Imagino Mak Soi Kun a discursar inspirado em JFK: “Não perguntes o que o país pode fazer por ti, pergunta antes como vais limpar o rabo!”. Outra das pérolas de enaltecimento de debate político foi protagonizado por David Fong, o académico que trouxe para a AL a elevação intelectual e o espírito científico, segundo analistas políticos aquando do anúncio dos deputados nomeados. O Professor Fong introduziu o sempre agradável tema do nativismo burgesso na discussão das próximas políticas a implementar pelo Executivo. O académico tem andado preocupado com uma questão de linguagem corrente. A expressão “pataca portuguesa” causa-lhe brotoeja, um certa urticária na epiderme ao nível da xenofobia. Não querendo perder o barco da boçalidade nacionalista, Fong pediu ao Governo que faça algo para que a expressão linguística desapareça. Mas o quê? Multas para quem ponha “portuguesa” à frente de pataca? Enfim, grandes questões de enorme relevância para a governação futura do território. Thomas Jefferson uma vez aconselhou “nunca gastes o dinheiro que ainda não ganhaste”. Esta citação adaptada por Fong tomaria uma forma como: “nunca menciones o dinheiro que evoca bigodaça, pastéis de bacalhau e Cristiano Ronaldo”. Outro dos grandes momentos, até agora, das LAG foi protagonizado por Tai Kin Ip, o técnico espírita que dirige os Serviços de Economia. Fazendo uso do imenso talento que caracteriza os quadros técnicos do território, um dos homens fortes da economia prometeu contactar um arquitecto para resolver questões de direitos de autor. Um problema no plano de Tai Kin Ip: a pessoa em questão faleceu há seis anos. Em respeito pela sua memória, abstenho-me de adaptar uma citação para caricaturar algo que está demasiado além da caricatura. Estas pequenas pérolas de vacuidade política são apenas aperitivo para o que está para vir. O surrealismo prossegue com as LAG das tutelas de Alexis Tam e Raimundo do Rosário. Adivinha-se mais matéria, energia e significado sugado para o vórtex do buraco negro político. Prevejo mais manifestações de desavergonhada idiotice, tacanhez orgulhosa e total ausência de vontade de legislar, de esculpir corpos de leis que resolvam os problemas de Macau. Por vezes é penoso assistir às LAG. Quem reporta o que passa chega mesmo a questionar tudo, incluindo a própria razão de existir, mas, acima de tudo, a utilidade prática do órgão legislativo. Estamos na recta final de um Executivo. Deveria ser tempo para balanços governativos e anúncio de derradeiras prioridades, mas isto digo eu, um mero observador. Para terminar em beleza, seguindo o mote citador, deixo ao caro leitor um punhado de palavras de Napoleão Bonaparte: “Na política, a estupidez não é obstáculo”. Tenham uma boa semana.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesPoliticamente certo ou politicamente errado [dropcap]R[/dropcap]ecentemente muitos eleitores portugueses residentes em Macau receberam uma carta do Ministério português da Administração Interna a informar que se encontram automaticamente registados, para efeitos eleitorais, na morada que consta no seu cartão de cidadão. Ter o direito de voto, mas não o exercer, pode implicar consequências nefastas. Os resultados das eleições da semana passada em Taiwan e Hong Kong, mostram que se não nos preocuparmos com a administração da cidade, acabamos por colocar o nosso futuro nas mãos dos profissionais da política. O Partido Democrático Progressista (PDP), no poder em Taiwan até às eleições, sofreu uma esmagadora derrota no escrutínio de 24 de Novembro, do qual saiu vencedor o Partido Kuomintang (KMT), até aí na oposião. Os eleitores, que nos últimos quatro anos tinham vindo a votar no PDP, mudaram o sentido de voto devido ao fraco desempenho do Governo. Os eleitores não conseguiram ignorar a incompetência, resultado das promessas vãs de um grupo de políticos preocupados apenas com os resultados eleitorais. Um amigo meu viajou de Macau para Taiwan para votar e observar o processo eleitoral. Quando chegou ainda tinha alguma esperança que o PDP estivesse à frente em Kaohsiung, cidade que tem sido um dos principais bastiões deste partido nas últimas duas décadas. Mas o candidato do PDP perdeu a Presidência da Câmara para o candidato do KMT, que apenas resolveu apresentar a sua candidatura à última da hora. Alguns analistas politicos atribuíram esta derrota às chuvadas que caíram e que transformaram a cidade num lago, deixando à vista infraestuturas degradadas. Quando as águas recuaram ficaram mais de 5.000 buracos nas ruas, expondo os diversos calcanhares de Aquiles dos projectos urbanísticos. Sei que estes relatos não são exagerados porque estive em Taiwan com a mnha família há poucos anos atrás. Nesse Verão, visitámos o sul da ilha e assistimos à passagem de um tufão. Após o tufão, fomos de táxi da cidade onde tinhamos ficado para Kaohsiung, a fim de apanharmos o avião para Macau. A viagem de táxi, por estradas esburacadas e no meio de chuva e vento intensos foi impressionante. O cascalho saltava do pavimento da estrada e o condutor ia pondo de vez em quando uns pingos medicinais no nariz para se manter acordado. Eu não me atrevia a baixar a guarda nem por um segundo, temendo pela segurança da minha família, enquanto ia ouvindo as queixas do motorista sobre os projectos de obras nas rodovias. O homem afirmava que as estradas não estavam assim tão más quando o KMT estava no poder. A realidade actual fala por si própria e não pode ser escondida. Mesmo que os eleitores do sul de Taiwan tenham sido apoiantes do PDP, este não soube aproveitar a oprtunidade que lhe foi oferecida. Era óbvio que a perda do apoio popular viria a ser apenas uma questão de tempo. Nas eleições efectuadas no distrito geográfico de Kowloon West para o Conselho Legislativo de Hong Kong, o campo pró-governamental derrotou o campo pró-democrata, tendo arrecadado 18 dos 35 lugares das circunscrições geográficas, através de eleição directa. Mesmo que o campo pró-democrata venha a ganhar as eleições, a realizar nas circunscrições dos novos Territórios de Leste, não virá a ter direito de veto no subsector eleitoral. A vitória do campo pró-governamental nestas eleições deu, de certa forma, luz verde à promulgação a curto prazo do Artigo 23 da Lei Básica e à Emenda das Normas de Procedimento do Conselho Legislativo. A derrota do campo pró-democrata nestas eleições terá tido a ver com a alegada “compra de votos” e com a impressionante capacidade de organização e mobilização do campo pró-governamental. Por outro lado, o “veterano democrata” Pan-democracia, que concorreu a estas eleições, colocou os seus interesses acima dos interesses do movimento democrático, enquanto um todo. Juntando a tudo isto alguns factores desfavoráveis, a derrota do campo pró-democrata passou a ser uma condenação inevitável. Podemos ainda acrescentar que a indiferença dos eleitores em relação à política e a mentalidade de uma juventude que parece ter abdicado do direito de voto, potenciaram a posição dos cidadãos mais velhos adeptos do campo pró-governamental. Se pensarmos em 2020, compreenderemos que a influência eleitoral da Pan-democracia tem tendência de cair a pique, no seio de uma sociedade envelhecida . E quanto a Macau? O ano passado, os danos infraestruturais infligidos pelo tufão “Hato” puseram em segundo plano a quantidade de medidas desastrosas que foram tomadas. Embora a cisão da frente democrática não tenha prejudicado os resultados eleitorais, os políticos da nova geração foram submetidos a duros testes. O ideal de uma sociedade civil foi há muito enfraquecido e a participação na política tornou-se sinónimo de tentativa de enriquecimento. Se os eleitores não conhecerem bem os candidatos, se os cidadãos continuarem imersos na “bolha da segurança social” e se os processos eleitorais continuarem cheios de injustiças, pouca esperança haverá para o futuro da população de Macau. Os eleitores são os únicos que podem distinguir o que está politicamente certo do que está politicamente errado!
Manuel de Almeida VozesUma história feliz com lágrimas “É proibida a entrada a quem não andar espantado de existir” José Gomes-Ferreira [dropcap]N[/dropcap]oite lívida e chuvosa. Chove – as gotas, grossas e pesadas – sem cessar. Faz frio. Gosto do convívio da noite («a noite muda a imagem e o sentido das coisas») – estava-mos em pleno Inverno. A noite estava pura e transparente – «A noite é amável, tapa as mazelas, adoça os traços, esconde as impurezas». Os vidros do quarto estavam todos, todos, mas todos, sem excepção, embaciados. Os neurónios não saltavam, não brincavam, não mostravam a sua habitual tendência para a fuga «sem sentido físico do pesadelo», – visões dos vários lados das penumbras, muitas, imensas – estavam calmos. Embevecidos perdidamente pela música do «compositor preferido dos matemáticos», Bach, (se fosse um Homem dos dias de hoje, seria certamente um jazzman), faziam reflexões entrecortadas com bocejos carregados de ócio – a preguiça pura e dura. Vivia na desorganização típica dos sonhos, submersos na miséria do esquecimento. Percorrer o «vazio», sem representações. Sobravam as interrogações e as ausências. “Foi em pleno Inverno que aprendi que há em mim um Verão invencível” – um pouco na linha de pensamento de Albert Camus. Estremeci sem me aperceber do quê nem do porquê. Fixei o olhar. Percebi então finalmente a dose de alegria que me banhava. “O exílio interior é o refúgio procurado como defesa da integridade” As vicissitudes do poder geralmente carregam azias, indisposições, mal-estar. O progresso é tendencialmente limitado. Traz quantidade em vez de qualidade, foge da cultura com medo da revolução – pacífica a das ideias. Estas são contudo as que nos definem – “existo, logo penso” -, depois de devidamente acamadas nos patamares do conhecimento. Sempre através de um «dom» maior a palavra. Fugimos com medos – que nós próprios construímos -, passamos a percorrer labirintos. Sim labirintos, perdemo-nos, não temos saídas. Embrulhamo-nos no quotidiano. Sonhos construídos em simples folhas de papel que, facilmente se desfazem, se destroem, voam porque o vento gélido continua a soprar lá fora. Faz frio. A chuva refracta a luz e esbate contornos. A cidade dorme – já é tarde -, sinal do cansaço. Massacram e torturam-na diariamente. A beleza da cor e das formas, são já memórias quase esquecidas. Perpetuar já não se sabe conjugar, humilham-nos. Entre o fim- da- estação e a ocasião, o discurso. Alegrem-se. Pensar, planear, executar, tudo a bem da população. Merecemos. Brindemos! Lá fora o sector da loucura está repleto – isso vai e vem -, são cérebros pertencentes a seres desprovidos de empatia e remorsos – existem coabitam connosco, mas não são nossos Amigos -, impingem-nos os negócios da loucura. Fazem-nos ingénuos. Usam o poder deliberadamente, revelam uma espécie de “hiperconsciência” dos métodos e técnicas que utilizam, nas suas verdades secretas, invisíveis. Existem? Percorremos ainda alguns espaços – os que não querem -, numa cidade recheada de afazeres, preocupações, intrigas, misérias – por imposição -, não por vício ou má formação de quem a vive. Gente simples. Gosto! “Entre existir e viver há a mesma diferença que entre olhar e ver e que entre redigir e escrever” – segundo António Patrício. Uma ruptura de afirmações, sobrevivência (?), – o movimento das palavras, pensamentos (?), dentro de um círculo fechado (?) – a existência, a Vida (?). A vida é rápida, turbulenta, tumultuosa – pelo interesse e pela adversidade. Um futuro por construir. Andar e saborear o tempo e o espaço – parques, jardins, ruas, becos e pátios -, são oposição, as chamadas «forças de bloqueio», o tecido social de equilíbrio e harmonia desaparece. A «nova era» requer mais poluição ( « ar poluído de banalidades») e menos saúde, mais casinos e menos direitos, mais consensos e menos harmonia, mais especulação e menos valores – tudo mas tudo subordinado ao «pequeno» poder do Jogo. Falta coragem, vontade e capacidade de fazer -, com autoridade, mas sem autoritarismo. O governo está ao serviço de interesses e não ao serviço de valores… A cidade continua abençoadamente calma – Santo Nome de Deus! Este meu Inverno, foi diferente de todos os outros Invernos… «Um dia tudo será excelente, eis a nossa esperança, hoje tudo corre pelo melhor, eis a nossa ilusão» Voltaire (1694/1778)
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO não-consentimento [dropcap]C[/dropcap]uecas sensuais não são sinal de consentimento. Eu sei, a cultura popular faz-nos acreditar que as mulheres só usam um par de cuecas rendilhado e sensual quando estão interessadas em envolver-se com alguém. Mas também sabemos que as mulheres podem bem usar uma cueca rendilhada e acetinada porque lhes apetece. O problema é que as instituições de justiça podem ser um poço acrítico do que as séries de comédia têm a dizer sobre relações humanas e sexuais – como aconteceu recentemente na Irlanda. Digo isto porque é bastante caricaturado na cultura popular – assim de repente vem-me à cabeça a Bridget Jones – o facto de nós, mulheres, querermos estar bem apresentadas antes de um potencial encontro sexual. Por isso não tenho outra forma de julgar as escolhas do tribunal irlandês como caricatas também. ‘Supostamente’ nós temos muito em que pensar antes do sexo. Assim se aplica aos pêlos que devemos arrancar, às roupas sensuais e à roupa interior á là victoria secret que devemos utilizar. E isso inclui uma tanga rendilhada. O meu coração morre um bocadinho sempre que vejo a acontecer certas e determinadas barbaridades. Primeiro, porque o mundo ocidental é presunçoso ao achar-se um poço de sensibilidade progressista e, segundo, porque a tentativa de mostrar que certas relações de poder estão a favorecer opressores e não os oprimidos parece que continua a não ser óbvia. A clássica culpabilização da vítima sempre me irritou, mas usarem como prova um par de cuecas é absolutamente escandaloso. Sociedades ditas desenvolvidas, o tanas. Perdoem-me o pessimismo, mas lá por se ter taxas de mortalidade baixas, boas condições de higiene e de saúde e um nível de educação mais alto salva-nos parcialmente de um regime patriarcal e opressor. Porque digamos – ao que que querem chamar ter-se usado um par de cuecas como prova para ilibar um violador e, pior, o facto de ter resultado? Mas eu percebo, sou uma pessoa extraordinariamente compreensiva. E eis a minha explicação para que estas coisas continuem a acontecer: cada um de nós tende a interiorizar certas dinâmicas de relação (sejam quais forem, de raça, género, etnia, idade), ou estereótipos, se quiserem. E há uma representação silenciosa que de alguma forma dita que os homens são os dominadores do sexo e as mulheres as dominadas. Não é por acaso que a violação demorou muito tempo para ser considerada um crime, porque infelizmente era normalizada, e de alguma forma, ainda o é. Por isso algumas pessoas ainda têm dificuldade em perceber como é que alguém pode ser violado se, por exemplo, se encontra numa relação amorosa com essa pessoa. Eu percebo. Mas é extremamente frustrante a luta contra estas expectativas medievais de como um homem, uma mulher e o sexo funcionam. Porque também não é por acaso que um caso de violação onde a mulher é a violadora e o homem o violado seja muito difícil de encontrar. Não é porque não aconteça – porque acontece. Mas já é pedir muito à imaginação do comum mortal pensar que um homem – o suposto dominador – possa ser uma vítima também. Quando comecei a ver posts nas redes sociais com cuecas de renda e a dizer ‘não é consentimento’ fiquei seriamente confusa sobre o que se tratava. Talvez porque mesmo que tente compreender as (nossas) mentes ainda envenenadas com expectativas enviesadas, ainda seja ingénua – e ainda me deixo escandalizar. Se o facto de usar cuecas de renda faz com que eu possa ser culpabilizada por uma violação, mais vale não usarmos esse tipo de cuecas de todo. Aliás, o melhor será taparmos os nossos corpos para que o pénis masculino não sinta a tentação da carne. Como se fosse um objecto de mecânica simples – reacção e acção. Simples. Mais vale usarmos o que nos tape da cabeça aos pés? Ou, talvez seja melhor nem sair de casa.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO conturbado Brexit “Of course Brexit means that something is wrong in Europe. But Brexit means also that something was wrong in Britain.” Jean-Claude Juncker [dropcap]A[/dropcap] saída do Reino Unido da União Europeia (UE), mais conhecida como Brexit (abreviação das palavras Grã-Bretanha e saída), teve o seu começo há cerca de dois anos e meio, quando o resultado do referendo foi favorável à saída do país. A resposta positiva ao Brexit, naquela época, foi surpreendente, porque nas sondagens anteriores havia uma pequena vantagem dos contra à saída. O primeiro-ministro de então, David Cameron, tinha-se manifestado a favor da permanência na EU As consequências económicas desde então foram importantes para a economia britânica e espera-se que também tenham um impacto significativo sobre os principais parceiros comerciais do Reino Unido, após o processo de saída ter sido concluído. O resultado negativo parecia óbvio, dado que 60 por cento da economia britânica depende do comércio exterior e a UE é o principal parceiro comercial do Reino Unido, seguido dos Estados Unidos e China. O Reino Unido é também um dos Estados-membros que mais recursos dão à UE. Segundo o último estudo publicado a 30 de Setembro de 2018 pelo “Centro para a Reforma Europeia (CER)”, mostra que o Reino Unido perdeu seiscentos e cinquenta milhões de dólares por semana, e que o custo da decisão do Brexit para a economia inglesa foi de 2,5 por cento do PIB. O FMI, em um relatório recente, prevê efeitos económicos negativos na UE como resultado do Brexit e que o PIB dos restantes vinte e sete países caia 1,5 por cento num período entre cinco a dez anos, caso não seja alcançado um acordo comercial. A queda será menor, em caso da existência de acordo, ou seja de 0,8 por cento do PIB. O cenário mais pessimista revela que um dos principais parceiros comerciais do Reino Unido, como a Irlanda, sofreria uma queda de 4 por cento do seu PIB. A Bélgica e os Países Baixos, que também têm uma importante relação comercial e dependência económica, contrairiam em 1 por cento o seu PIB. O processo de negociação do Brexit será encerrado a 29 de Março de 2019. A primeira-ministra britânica e a UE negociaram os termos da saída do Reino Unido, tendo como principais obstáculos o pagamento da dívida, a título de penalidade conhecido de “divórcio” pelo Reino Unido e avaliado e acordado em sessenta e quatro mil milhões de euros, em 28 de Novembro de 2017, bem como as relações comerciais com o resto dos países da UE. O principal problema era sem dúvida, o custo da saída. O Reino Unido, sem um acordo, teoricamente deixaria de pagar não apenas os possíveis sessenta e quatro mil milhões de euros, mas também a sua contribuição anual para os Orçamentos Comunitários de 2019 e 2020, como planeado. A possibilidade de um Brexit sem acordo era latente e a 19 de Julho de 2018, a Comissão Europeia alertou os governos, empresas e indivíduos de que se deviam preparar para a possibilidade de o Reino Unido deixar a UE sem um acordo. No caso de as negociações serem frutíferas, um período de transição seria estabelecido até 31 de Dezembro de 2020, durante o qual as regras da UE permaneceriam em vigor para o Reino Unido, o que dará mais tempo às empresas, indivíduos e governos para se prepararem para o novo tipo de relacionamento. Se não houver acordo, o Brexit será realizado abruptamente com importantes consequências económicas, sociais e políticas. Ainda que o governo britânico apoie a decisão do Brexit, a falta de acordo e clareza no plano de saída estão a reacender opiniões contrárias na população e no Parlamento, e um novo debate foi aberto sobre a possibilidade de convocar um novo referendo, promovido por alguns legisladores como a ex-ministra da Educação Justine Greening. Todavia, a decisão parece estar definitivamente tomada. O fim deste processo está próximo e tudo aponta que seja com um acordo com a UE. O Brexit poderá vir a encerrar os quarenta e cinco anos de adesão do Reino Unido ao mecanismo de integração regional. As negociações da Grã-Bretanha com a UE estão em um momento crucial, com o governo conservador britânico a viver no meio de um terramoto político interno. O Brexit é a forma abreviada de se referir à saída da Grã-Bretanha da UE. É parcialmente baseado na palavra “Grexit”, que se referia à possibilidade de a Grécia sair da zona do euro. A batalha da primeira-ministra britânica, para obter um apoio mais amplo ao seu acordo com o Brexit, foi severamente abalada por uma série de demissões ministeriais, incluindo a do membro do gabinete responsável por negociar a saída da Grã-Bretanha da UE. A primeira-ministra do Reino Unido conseguiu garantir o apoio do gabinete ao acordo de saída da Grã-Bretanha em uma frenética reunião de cinco horas a 14 de Novembro de 2018. Mas no dia seguinte pela manhã as brechas na aparente união do seu governo rapidamente começaram a aparecer, com os Brexiters alegando que o acordo cedia muita soberania à UE e Dominic Raab, Secretário de Estado para a Saída da UE entre Julho e Novembro de 2018, a afirmar na carta de demissão que não poderia apoiar um acordo onde a UE tem poder de veto sobre a capacidade de saída do Reino Unido. A sua demissão foi rapidamente seguida pela da Secretária de Estado do Trabalho e Pensões, Esther McVey, ao dizer na sua carta de demissão que o acordo alcançado pela chefe de governo não honrava o resultado do referendo de 2016 de saída da UE, e de Jacob Rees-Mogg, líder pró-Brexit do “Euroceptic European Research Group” do Parlamento, que pediu um voto de desconfiança da primeira-ministra como líder do Partido Conservador. A primeira-ministra defendeu o seu plano de Brexit na Câmara dos Comuns a 15 de Novembro de 2018, insistindo que as alternativas não eram Brexit ou nenhum acordo. O que foi provisoriamente acordado entre o Reino Unido e a UE constituíam segundo os políticos ingleses um recuo, para evitar uma fronteira difícil na ilha da Irlanda que manteriam toda a Grã-Bretanha em uma união aduaneira com a UE, até que uma solução mais consistente e duradoura fosse acordada. A união alfandegária de todo o Reino Unido substituiria a exigência original da EU, de que o acordo incluísse um consenso alfandegário especial para a Irlanda do Norte, que é uma exigência que a primeira-ministra britânica afirmou que nenhum chefe de governo inglês poderia aceitar. A UE, em troca, teria voz activa quando a Grã-Bretanha deixasse uma união alfandegária do tamanho e importância existente. O texto do acordo, com mais de quinhentas páginas, também estabelece um período de transição prolongado (programado para durar até 31 de Dezembro de 2020), além de abordar questões como os direitos dos cidadãos da UE e do Reino Unido nas jurisdições de ambos e o Brexit da Grã-Bretanha. Quanto à questão de saber se o Brexit causará uma recessão, sabe-se que a incerteza sobre o resultado das negociações afectou a economia do Reino Unido, corroendo a confiança e o investimento das empresas, causando muito menos impacto nos gastos do consumidor e no mercado de trabalho. O rescaldo do referendo de 2016 levou a alguns prejuízos nos negócios dada a maior volatilidade da libra no último meio século e que deverá continuar até 29 de Março de 2019. A métrica mais amplamente observada do desempenho da libra é o seu comportamento em relação ao dólar. No entanto, os seus movimentos em relação ao euro, que também têm sido altamente voláteis, são amplamente vistos como substitutos do risco do Brexit. Os agentes imobiliários dizem que as incertezas e o desconhecimento que cercam o Brexit estão a pesar no mercado imobiliário britânico. Apesar de o mercado inicialmente parecer pouco afectado pelo referendo de 2016, o governador do Banco da Inglaterra, advertiu recentemente que um Brexit não negociável poderia reduzir em 35 por cento os preços das casas. O Reino Unido ainda estará sujeito às regras da EU, uma vez que uma união alfandegária do Reino Unido com a UE foi escrita no acordo de divórcio como uma medida “preventiva” para evitar uma fronteira irlandesa difícil, e a Comissão Europeia deu garantias em áreas como a concorrência, tributação e meio ambiente, o que restringem a capacidade do Reino Unido de divergir enquanto o impedimento estiver em vigor. As regras são conhecidos como provisões de “level playing field”. A França, Alemanha, Dinamarca e os Países Baixos pressionaram por garantias e mecanismos de execução muito exigentes, com a França a pedir ao Reino Unido que dinamicamente se alinhe com futuras mudanças na legislação da UE. Algumas das condições ao nível de concorrência mais sensíveis são as metas ambientais acordadas pela UE para 2030. Estas visam reduzir o consumo de energia em 32,5 por cento em comparação com as projecções normais. A outra é a exigência de que o Tribunal de Justiça da União Europeia supervisione como o Reino Unido aplica as restrições do bloco aos subsídios estatais às empresas. Qual a razão pela qual a pesca é tão importante? Os pescadores da França, Espanha, Dinamarca, Países Baixos, Suécia e Bélgica dependem, em graus variáveis, das quotas atribuídas pela UE de peixe proveniente de águas britânicas. A UE, inicialmente, procurou tornar o acesso às águas britânicas como uma condição prévia explícita para qualquer acordo comercial futuro que abrangesse toda a economia do Reino Unido. A primeira-ministra britânica, em oposição, quer que o Reino Unido tenha poder total para decidir sobre o acesso às suas águas como um Estado costeiro independente. A disputa espalhou-se às negociações sobre o acordo de saída da Grã-Bretanha da UE, uma vez que inclui uma união aduaneira do Reino Unido-UE como parte do plano de apoio para a Irlanda do Norte. No âmbito de um compromisso assumido pelas duas partes, o sector das pescas será excluído dessa união aduaneira, até que seja alcançado um acordo sobre o acesso recíproco às águas. Tal significaria que a Grã-Bretanha não precisa de dar concessões iniciais ao acesso. Mas poderia atingir a indústria britânica, porque 75 por cento das exportações do Reino Unido são para a UE e dependem da união aduaneira. No entanto, alguns Estados-membros da UE com grandes indústrias pesqueiras queriam mais concessões do Reino Unido sobre a matéria. O que está a acontecer com os preparativos financeiros em caso de não haver acordo? O comissário europeu responsável pela regulamentação financeira, disse que os bancos e empresas da UE poderiam continuar a usar câmaras de compensação baseadas no Reino Unido para processar negociações de derivativos, mesmo que as negociações do Brexit fracassassem, mas a curto prazo e condicionalmente. As preocupações de bancos e outras instituições sobre as consequências de um rompimento acrimonioso entre o Reino Unido e a UE estão longe de terminar com a aproximação do “Brexit day”. As inquietações são agravadas pelo fracasso notável das duas partes nas últimas semanas para conseguir um acordo satisfatório de divórcio. As outras grandes questões em que um cenário de não negociação poderia colocar a estabilidade financeira em risco, incluem a validade dos contratos de derivativos, capital de emergência para bancos e os pedidos da UE para que os credores continuem a planear um Brexit sem acordo. Apesar do progresso recente, ambos os lados ainda suspeitam que o outro pretende explorar o debate sobre a estabilidade financeira em benefício próprio, seja para replicar as vantagens do mercado único ou para tentar negócios através do canal. A união aduaneira e o mercado único têm o seu fundamento em 1968, pouco mais de uma década após a fundação da Comunidade Económica Europeia, tendo a união aduaneira europeia sido concluída com uma tarifa externa comum (TEC) e a intenção de estabelecer o livre comércio dentro da área. O mercado interno ou mercado único como veio a ser conhecido, quase 50 anos depois, continua ser um trabalho em prossecução. As “quatro liberdades”como são o movimento de bens, serviços, capital e trabalho são um princípio fundador da UE. As negociações do Brexit contêm os tipos de ligações que o Reino Unido terá com o mercado único e a união alfandegária, o que poderia moldar o futuro da Grã-Bretanha durante décadas. O referendo histórico da Grã-Bretanha foi realizado a 23 de Junho de 2016. O governo britânico inicialmente formulava a pergunta se o Reino Unido deveria continuar a ser membro da UE. A Comissão Eleitoral do país, que por lei tem que ser consultada, não estava satisfeita com as frases usadas, e tendo dúvidas de que a questão era tendenciosa e poderia encorajar as pessoas a votarem sim, em Setembro de 2015, recomendou que a questão fosse alterada para se “O Reino Unido deveria permanecer como membro da UE ou a deixar”? O governo e o parlamento aceitaram as mudanças e essa foi a pergunta que foi feita. As pessoas que votaram no Brexit atingiram o recorde de 72,2 por cento, ou seja, dezassete milhões e quatrocentas mil pessoas, (51,9 por cento) votaram a favor, e dezasseis milhões e cem mil, (48,1 por cento) votaram contra no referendo. A margem entre os que estiveram a favor e contra foi de um milhão e trezentos mil votos. Mesmo na presunção da existência de acordo de divórcio, muitos britânicos estão arrependidos de ter votado a favor da saída. A recente sondagem do grupo pró-europeu “YouGov” mostra que cerca de dois milhões e seiscentos mil eleitores britânicos que votaram a favor do Brexit votariam hoje Remain, o que significa a permanência do Reino Unido na UE. A UE convocou uma cimeira extraordinária para assinar acordo do Brexit a 25 de Novembro de 2018, em Bruxelas. É claro que, na perspectiva negocial, o acordo de divórcio é uma grande vitória para a UE, que esvaiu o poder do Reino Unido e garantiu que os riscos pertenciam aos britânicos e não aos Estados-membros. Mas conjecturar vitórias neste tipo de processo será sempre errado, pois com o Brexit, todos perderão. O Brexit foi um grande desastre, porque se tratou desde a primeira hora de uma grande patranha.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesAcidente no Grande Prémio [dropcap]D[/dropcap]urante a 65ª edição do Grande Prémio de Fórmula 3 de Macau ocorreu um grave acidente. A condutora, uma alemã de 17 anos, despitou-se à entrada da curva do Hotel Lisboa. O acidente causou cinco feridos. De imediato a bandeira vermelha foi hasteada e a corrida foi suspensa. No inicío da quarta volta, a jovem Flörsch perdeu o controlo do carro e chocou com a viatura do japonês Ping Jingxiang. O carro da alemã foi projectado para fora da pista como se de um projéctil se tratasse. O veículo voou por cima da barreira de segurança e aterrou na zona onde se concentravam vários foto-jornalistas. O público não ganhou para o susto. A bandeira vermelha foi imediatamente hasteada e o evento foi interrompido, enquanto as ambulâncias chegavam ao local. A pista foi prontamente reparada. Os feridos foram conduzidos ao Hospital Conde de São Januário. Estavam todos conscientes. A condutora fracturou a coluna, mas não corre perigo de vida. O fotógrafo Chen Yinghong sofreu uma lesão no figado e Ping Jingxiang queixava-se de dores na zona lombar. Um outro fotógrafo também sofreu ferimentos. Um elemento das equipas de apoio fracturou o maxilar e encontra-se hospitalizado para observação. A jovem condutora informou através da sua conta do Twitter que vai ser submetida a uma cirurgia por causa da lesão na coluna. Sofre ainda de outros ferimentos que são, no entanto, menos preocupantes. O secretário para os Assuntos Sociais e Cultura de Macau, Alexis Tam, declarou que, embora o acidente tenha provocado vários feridos, a pista é bastante segura. Antes da competição foi inspeccionada de acordo com o regulamento, o que pode ser testemunhado pela FIA. Alexis disse acreditar que os condutores estão conscientes que qualquer corrida comporta riscos. Quando chove os perigos aumentam. Se analisarmos estas declarações detalhadamente verificaremos que são bastante razoáveis. Felizmente no dia do acidente não choveu, porque teria havido consequências bem mais graves e muitas vidas teriam corrido perigo. O Grande Prémio de Macau é uma competição internacional, obrigada a cumprir as directrizes da FIA. Qualquer erro pode ser fatal. Macau já organizou muitas edições do Grande Prémio e tem uma vasta experiência na matéria. É muito pouco provável que cometa erros a este nível. Os condutores têm de compreender que, mesmo que se tomem todas as medidas de segurança, as corridas de velocidade são um desporto perigoso por natureza. Muitos dos acidentes que ocorrem nestas corridas não são da responsabilidade das organizações que as promovem. É razoável admitir que todos os condutores tenham o seu próprio seguro, independentemente dos que as marcas que representam lhes garantem. Em caso de acidente, os seguros cobrem as despesas de saúde e compensam monetariamente pelos danos causados. No entanto, estes seguros deverão ter um prémio muito mais elevado que o normal, visto que os riscos a que estes profissionais se sujeitam são muito maiores. Felizmente, não houve feridos entre os espectadores. No entanto, penso que está na altura de tomar medidas para eliminar por completo qualquer possibilidade de risco para os espectadores destes eventos. Se não se deixasse ninguém assistir às corridas seria uma forma eficaz de elimnar o risco, mas isso é impossível. As pessoas querem ver as corridas e, como é impossível eliminar o risco de acidentes, criar um seguro para os espectadores parece ser uma boa ideia. Se ocorrer uma calamidade, o seguro cobre as despesas de saúde e indemniza o espectador acidentado. Talvez de futuro se devesse aconselhar os espectadores a terem um seguro antes de assistirem às corridas de alta velocidade. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
João Luz VozesBobo [dropcap]A[/dropcap]gora que morri, prestem atenção e ouçam-me. Sei que vivemos tempos de lutas menores, enquanto na sombra se agigantam problemas. Muitas das dores contemporâneas são originadas por micro-agressões, enquanto autênticos monstros ganham forças discretamente. Agradeço a todos o amor póstumo e o simbólico activismo de rede social. Sabe bem, dá aquele calorzinho afectivo digno de um emoji. Lembram-se que estive a vida quase toda trancado numa espécie de gruta longe do meu habitat natural? Durante décadas, a vossa preocupação limitou-se à escolha do melhor ângulo para me fotografar. Com uma pequena excepção indignada quando foi construído o parque dos pandas e se levantaram vozes quanto às condições do meu alojamento. Não me interpretem mal. Agradeço a cortesia e a consideração, mas olhem em vosso redor. Não quero entrar em relativismos e discussões de prioridades, mas não vejam o que é essencial. Por favor, em honra da minha memória. O embalsamento de um animal não é problema político, ainda para mais em Macau, onde o desapego à actuação do Governo é quase total. A decisão de embalsamar é um jogo menor no campeonato da falta de representatividade da vontade popular. Ah, relembro aos mais esquecidos que nesta cidade os governantes não são escolhidos pelos residentes. Recordo que por cá é comum concursos públicos atribuírem contratos milionários a empresas de familiares de governantes e deputados. Estamos numa cidade que, em breve, terá o maior PIB per capita do mundo enquanto se convive alegremente com a discrepância gritante entre os mais desfavorecidos e os mais abastados. Há pessoas a ganhar pouco mais de 4000 patacas por mês e que têm a estadia em Macau ancorada em vínculos laborais de completa exploração. Este é um território onde cresce uma onda securitária despropositada face ao igualmente apregoado pacifismo e harmonia da sociedade, atropelando a Lei Básica e o segundo sistema. Esta é a cidade onde idosas empurram carros com pilhas de cartão, pelas mesmas vias onde circulam Lamborghinis e Rolls Royces, onde famílias se empilham em apartamentos minúsculos que fazem a minha antiga gruta parecer uma mansão. Macau é uma terra de cheias recorrentes, fatais como o destino, perante a total inoperância do Executivo e apatia da população. Podia passar a eternidade que me sobra a enumerar assuntos que precisam de acção imediata e merecem mais cólera que o embalsamento de um animal que passou a vida em cativeiro. Não me usem para expurgar a vossa inércia cívica. Não me transformem no símbolo da vossa letargia política manifestada em causas menores. Também me diverti com as várias teorias sobre a minha idade e proveniência. Nos dias que correm, a origem de um urso é mais apelativa à indignação digital que os passados obscuros dos que ocupam as mais altas esferas decisórias e dos magnatas que ordenham a faustosa vaca turística. Quem teve contactos com o crime organizado, quem desviou dinheiro, quem usou fundações para converter fundos públicos em privados… não interessa. Agora, o dia e hora exacta em que um urso é “resgatado” de um restaurante, para ficar em cativeiro o resto da vida, isso sim merece o mais apertado escrutínio. No fundo, peço que me deixem em paz. Estou morto. Cremado, enterrado, empalhado, fossilizado, o quer que seja, é-me completamente indiferente. A minha memória não depende de rituais fúnebres, assim como o tempo de qualidade em família não deveria precisar do cativeiro de animais selvagens, quando há tanta oferta lúdica por perto. Deixem-me em paz e dirijam a vossa indignação às verdadeiras indecências que acontecem a céu aberto nesta cidade. Deixem-me morrer em paz e parem de me usar como arma de arremesso político, quando não faltam por aí causas nobres. Não sejam ursos.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesGino-fobia [dropcap]U[/dropcap]ma tentativa falhada de neologismo, ou talvez nem tanto. Estou na sala de espera do hospital, à espera de uma consulta. Estou à espera há imensas horas, porque aconteceu eu ter uma vida e atrasar-me. Se calhar atrasei-me de propósito. O que interessa é que puseram-me no final da fila e agora tenho, quantas, uma dezena de vaginas à minha frente? Não sei, estou à espera há duas horas para a minha ser ‘inspeccionada’ ou verificada, nem sei que verbo é o mais adequado. Não sei porque é que as pessoas à minha volta têm um ar tão relaxado – serei só eu a irradiar tensão e desconforto? Quem é que no seu perfeito juízo quer tirar as cuecas, deitar-se de costas, abrir as pernas e deixar um estranho mexer-lhe nas parte íntimas? Mesmo que seja um estranho de bata branca, continua a ser um estranho. A verdade que esta é a segunda vez na minha vida que estou numa sala de espera para ver um ginecologista. A primeira foi há dez anos atrás e a coisa correu muito mal. Prometi a mim mesma que não voltaria. O raio da Gineco era bruta como tudo, e por isso acho que… traumatizei. Daí o pobre neologismo no título, que, na verdade, quer dizer ‘fobia de mulheres’. Não é bem o caso, tenho é medo da Ginecologista. Esta não é a minha história, tenho outra(s). Mas o medo não é incomum: pessoas detentoras de vaginas que tomam calmantes, pessoas que têm que respirar fundo e outras que estão absolutamente tranquilas com toda a experiência. Há imensos factores que podem moldar esta ida – extremamente importante à saúde feminina – à Gineco. Primeiro, a relação paciente e profissional de saúde é uma relação que pode ser complicada. Uma das razões é que nós temos um corpo que o sentimos, mas o outro é que percebe mais sobre o nosso corpo, apesar de não o sentir. Digamos que é uma experiência muito pouco participativa. Há quem tenha problemas com essa dinâmica e há outros que não. O cerne da questão é que temos que ter a sorte em arranjar um bom médico que nos ouça com atenção – daí as pessoas detentoras de vaginas procurarem recomendações. Segundo, continuamos a anos luz de perceber bem a saúde feminina, aqui no reino do conhecimento diário e mundano. Há coisas do conhecimento técnico que não passam para o reino dos comuns mortais. Vivemos com a sombra do cancro que nos assola frequentemente – e por isso a insistência em campanhas de sensibilização para se tomarem medidas e rastreios como mamografias e citologias. Mas há tantas outras condições que podiam ser mais discutidas. Como por exemplo HPV (e as suas verrugas vulvares), herpes genital, cândida, vaginites e vaginoses. Ir ao médico ginecologista regularmente é extremamente importante porque o nosso corpo detentor de vagina – cíclico – passa por muitas transformações e desafios ao longo do tempo. Mas para quem tem medo de ir, há vários dilemas que se criam. O que é que é melhor? Eu não encarar a condição da minha vagina ou submeter-me a uma carga de nervos aterrorizadora? Parece uma decisão simples, mas percebo perfeitamente que não seja. Acho que o primeiro passo é compreender este terror. Há imensa gente que tem medo de ir ao dentista. Mas por alguma razão, fala-se mais disso do que do medo da Gineco. Uma pesquisa rápida em bases de dados em artigos científicos mostra-me que há mais literatura desenvolvida sobre o medo do dentista, do que o medo do Ginecologista – que sugeriu zero resultados. O medo do urologista também sugeriu zero resultados – apesar de ser a especialidade mais odiada pelos homens. Parece-me bastante natural que estas idas a especialistas do órgão sexual reproductor não sejam fáceis pelo simplesmente facto de já ser difícil falar sobre o sexo, educação sexual, direitos sexuais e reprodutivos no espaço público. Tenho cá para mim que talvez deva ser um tópico mais discutido, se não for na academia, que seja entre amigos ou com profissionais de saúde. A ‘ginecologio-fobia’ será real?
Hoje Macau VozesDireito de resposta da Associação de Pais da EPM [dropcap]E[/dropcap]xmo. Sr. Director do Jornal Hoje Macau, A Associação de Pais e Encarregados da Escola Portuguesa (“APEP”) vem, na sequência do artigo de opinião com o título “Novos Desafios para a Escola Portuguesa de Macau”, publicado na vossa edição de 19 de Novembro de 2018, no exercício do direito de resposta, solicitar a publicação do seguinte: 1. Um artigo de opinião é, como o próprio nome indica, um artigo no qual o autor disserta sobre um determinado tema, apresentando-o e dando o seu ponto de vista, não devendo, nem podendo, ser aproveitado para, de forma indirecta, criticar pessoas ou instituições nem divulgar factos dos quais não tem, voluntária ou involuntariamente, conhecimento, passando aos leitores uma ideia errada da realidade. 2. À APEP, como a qualquer outra associação de pais, compete acompanhar os trabalhos de revisão curricular realizados pela instituição de ensino, podendo apresentar as propostas que considere relevantes, mas a última palavra cabe à instituição de ensino, à entidade tutelar, e às entidades administrativas competentes. 3. No âmbito das suas competências e aproveitando as possibilidades oferecidas pela nova legislação portuguesa, a APEP já apresentou à Direcção da EPM uma proposta a ser desenvolvida no próximo ano lectivo, proposta que abrange todos os ciclos de escolaridade e que se apoia precisamente na possibilidade de flexibilização curricular prevista na lei. 4. A APEP está bem ciente da nova legislação em vigor em Portugal e das potencialidades da mesma, mas não esquece que a EPM é uma instituição de ensino de Macau, que se rege também pela legislação local, o que implica um trabalho de compatibilização legislativo, que o autor não refere no texto, e não apenas a aplicação da lei portuguesa sem mais. 5. Como pessoa informada que é, o autor deve saber também que a implementação da nova legislação em Portugal não está a ser pacífica, havendo vários problemas de articulação com outra legislação em vigor, nomeadamente no que diz respeito à legislação de acesso ao ensino superior, que já levou os representantes dos directores das escolas públicas e das escolas privadas a virem a público afirmar que deve ser repensado o peso dos exames nacionais, o mesmo tendo já sido feito pela OCDE. 6. Para a APEP, no que se refere ao bem-estar e à educação dos alunos da EPM, bem como às ansiedades, dificuldades e queixas dos encarregados de educação, não há assuntos TABU. Os assuntos são é discutidos, como total transparência para os interessados, nos locais próprios e não em praça pública. A APEP
Hoje Macau VozesDireito de resposta da vice-presidente da Escola Portuguesa de Macau Exmo. Senhor Diretor do Jornal Hoje Macau, Zélia de Oliveira Baptista vem, por este meio, manifestar o seu repúdio pelas palavras utilizadas e as ideias contidas no artigo “Novos Desafios para a Escola Portuguesa de Macau”, de 19/11/2018, escrito pelo Sr. Manuel Gouveia, no final do último parágrafo do mesmo, bem como pela utilização indevida, e sem qualquer pedido de autorização, do seu nome, por parte do autor. Solicita que esta nota seja publicada no jornal que dirige, o mais rapidamente possível. Sem outro assunto, Zélia de Oliveira Baptista
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesOh tempo volta para trás [dropcap]N[/dropcap]o dia 8 deste mês, a estação televisiva de Hong Kong TVB transmitiu uma reportagem sobre um holandês, chamado Emile Ratelband, com 69 anos, que decidiu apelar junto do Tribunal para que a sua idade fosse legalmente reduzida. E o sr. Emile não foi pobre a pedir. A redução solicitada foi de 20 anos. Ou seja, quer ficar com 49 anos de idade. O nosso amigo está convencido que tem tanto direito a mudar de idade, como outras pessoas têm de mudar de nome ou de género. Considera que está no seu direito. Emile é actor e participa em vários programas televisivos. Acredita que a sua vida não deve ser afectada pela idade. Outro dos motivos que o leva a fazer este pedido é a vontade de encontrar namoradas nos sites de encontros. Emile já passou por experiências desagradáveis porque os referidos sites só o apresentavam a senhoras com 68 e 69 anos, quando o que ele quer é conhecer mulheres mais novas. Nestas situações Emile poderia ter mentido. Poderia ter dito que só tem 50 anos, mas recusou-se. É um homem honesto e só quer falar a verdade. Salientou ainda que a idade é uma barreira para obter empréstimos para compra de casa. Emile deixou tudo em pratos limpos. Afirma que se o Tribunal aprovar o seu pedido, irá devolver ao Governo a parte da reforma que já lhe foi paga. Por aqui podemos avaliar que para ele este assunto não é nenhuma brincadeira. Subjectividades à parte, a idade é um facto para todos nós. Se tens 50 anos, tens de facto 50 anos. Pedir para reduzir a idade legalmente, é o mesmo que pedir ao Tribunal que altere os factos. Parece impossível. Mas Emile está disposto a devolver ao Governo o valor de 20 anos da reforma que já recebeu, se ganhar a causa. E se futuramente alguém avançar com um pedido semelhante, mas recusando-se a devolver o valor da reforma já recebida? Poderá fazê-lo? Poderá a sua pretensão ser bem sucedida? A devolução da reforma é apenas um problema pessoal. Mas a redução de idade pode criar problemas aos pais. Se a pessoa quiser reduzir a sua idade em 20 anos e a mãe o tiver tido com 16 anos, por exemplo, será que também fica mais nova? Não me parece que o Tribunal vá aprovar este pedido. O pedido de redução de idade, traz consigo vários impedimentos legais. Emile acredita que o seu caso é equivalente a uma mudança de nome ou de género. No entanto, existem diferenças técnicas. O sexo é genético. Quem nasce com um pénis é aparentemente rapaz, quem nasce com uma vagina é aparentemente rapariga. Mas, hoje em dia, a ciência médica sofreu grandes avanços e já é possível mudar de sexo através de uma cirurgia. Se uma pessoa do sexo masculino mudar de sexo e for legalmente reconhecido como mulher, pode casar com um homem. Será um casamento em que uma das partes é um transgénero. Em alguns países estas uniões são legais, mas ainda não é o caso em Macau. As mulheres transgénero não podem, no entanto, gerar filhos. São mulheres apenas na aparência. Mas voltando à redução de idade. Mesmo que a lei permita reduzir a idade de 70 para 50 anos, a aparência dessa pessoa continuará a ser de 70, e não de 50. A redução legal de idade não rejuvenesce a pessoa. Nesta perspectiva, a lei é inútil. A idade é a história da nossa vida. A redução de idade não reverte o envelhecimento. A nossa aparência física revela a nossa idade. Por isso não vale a pena darmo-nos a esse trabalho. O que é importante à medida que envelhecemos é irmo-nos sentindo bem connosco próprios. Se nos sentirmos felizes, sentimo-nos jovens. Não podemos impedir que o nosso aspecto vá sofrendo alterações à medida que os anos passam, mas podemos manter uma mente saudável e, desta forma, sentirmo-nos felizes. A reportagem adiantou que Emile saberá o resultado da sua petição daqui a um mês. Esperamos vir a conhecer a decisão do juiz.. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Hoje Macau VozesNovos desafios para a Escola Portuguesa de Macau Manuel Gouveia [dropcap]E[/dropcap]m Julho assistimos à publicação no Diário da República de uma “revolução da educação”, ao nível legislativo, que se deu em Portugal. Estranhando o silêncio da comunidade educativa de Macau, de matriz portuguesa, resolvi partilhar o que tenho lido sobre o assunto. Na expectativa de que tal possa vir a contagiar outros concidadãos de Macau, estimulando a consciencialização e reflexão nesta área que é sobremaneira importante para a vida escolar e a educação dos nossos filhos e educandos. A construção de uma escola inclusiva, bem como o desenvolvimento de aprendizagens de qualidade, enquanto respostas efectivas às necessidades educativas de todos os alunos é o propósito inscrito no Decreto-Lei n.º55/2018 , de 6 de julho, que define os princípios de organização do currículo dos ensinos básico e secundário, bem como o Decreto-Lei n.º 54/2018 , de 6 de julho, que estabelece o regime jurídico da Educação Inclusiva. Pretende-se, pois, permitir às escolas a gestão do currículo, de forma autónoma, flexível, atendendo ao meio em que se inserem, de modo a que todos os alunos alcancem as competências previstas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória. Quem tem filhos em idade escolar bem sabe que, quer os curriculum, quer a carga horária são considerados excessivos. Impossibilitando o incremento das artes e ciências sem prejuízo do pouco tempo de lazer que lhes resta, para serem crianças, depois das 17:45. Perante isto, nas reuniões com professores, temos ouvido sempre, invariavelmente: “Nada a fazer pois foi o que foi estabelecido pelo “Ministério””… um quase Adamastor cruel que pretende trucidar as criancinhas… #Flexibilidade curricular # Autonomia # Responsabilidade Pois bem, de forma ardilosa e inteligente o Senhor Ministro, e a respectiva equipa, resolveram sair deste papel abrindo a possibilidade às Escolas, dotadas agora de autonomia e, responsabilidade (o reverso da medalha), de fazerem a gestão de 25% do curriculum (metas curriculares) utilizando a carga horária equivalente com as novas formas de ensino. Por exemplo: diferentes formas de organização, unir matéria de diferentes disciplinas, ou até criar outras novas, como a junção de físico-química e ciências. Poderiam ainda transformar disciplinas anuais em semestrais. Outra sugestão seria alternar semanas normais de trabalho com semanas a desenvolver só um tema transversal a várias disciplinas. Evitando uma autêntica “reforma curricular”, necessariamente sujeita a um processo legislativo moroso, pelas consultas necessárias, e à polémica e “negociação” parlamentar, o que em termos cronológicos poderia derrapar, comprometendo a sua implementação durante a presente legislatura, temos um pacote legislativo já em vigor, e com elevado potencial inovador. O efeito surpresa, com publicação já após o terminus do ano lectivo 2017/2018 e que entrou imediatamente em vigor no corrente, tem despertado na imprensa e nas escolas portuguesas um vivo debate, com professores e agentes educativos a enumerar as vantagens e oportunidades, e outros as debilidades e perigos. Normal e salutar, a nosso ver. Pouco salutar é constatarmos que na nossa Escola Portuguesa de Macau, já na segunda metade do 1º período, nada se diz, nada se fala sobre o assunto, um pouco a ver se tudo continua na mesma e a lei cai em letra morta, até pelo efeito da distância. Da Associação de Pais nem uma palavra, designadamente no manifesto/programa de candidatura da Direcção recentemente eleita em lista única…. um assunto TABU. As 235 escolas pioneiras na flexibilidade curricular (em Portugal) tiveram uma intensa partilha de experiências com reuniões entre elas. Os testemunhos são entusiasmantes pelo potencial de envolvimento dos alunos que são os destinatários deste ensino à medida do seu interesse e motivação. Desejavelmente o professor, dentro da margem dos tais 25% pode escolher as matérias que são trabalhadas e a forma como o são, aproveitando o potencial da interdisciplinariedade. Por exemplo articulando as artes com desenvolvimento de projectos interdisciplinares diferenciados de acordo com as características, potencialidades e expectativas dos alunos, nomeadamente adaptadas as idiossincrasias da região. # Aprendizagens Essenciais # Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória. Tudo isto foi possível com a definição das designadas “Aprendizagens Essenciais” que constituem o núcleo fundamental, consagrando primeiramente no Despacho n.º 5908/2017 os princípios e regras orientadores da concepção, operacionalização e avaliação do currículo dos ensinos básico e secundário, de modo a alcançar o Perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória. E de forma plena no novíssimo Decreto-lei n.º 55/2018, de 6 de Julho que estabelece o currículo dos ensinos básico e secundário e os princípios orientadores da avaliação das aprendizagens. Este diploma assume como prioridade a concretização de uma política educativa centrada nas pessoas que garanta a igualdade de acesso à escola pública, promovendo o sucesso educativo e, por essa via, a igualdade de oportunidades. # Novos Desafios # Jovens # Adultos 2030 Parece-nos pertinente e louvável o enunciado prospectivamente por este diploma em jeito de quase “nota justificativa”: “Por outro lado, a sociedade enfrenta atualmente novos desafios, decorrentes de uma globalização e desenvolvimento tecnológico em aceleração, tendo a escola de preparar os alunos, que serão jovens e adultos em 2030, para empregos ainda não criados, para tecnologias ainda não inventadas, para a resolução de problemas que ainda se desconhecem.” Se outros motivos não tivessemos para combater a cristalização do ensino nas formas expositivas e de memorização dos séculos passados, esta seria suficiente e determinante para fazer mover todos os agentes da comunidade educativa na adesão convicta aos desígnios desta autêntica reforma curricular. E importa divulgar pela sua essencialidade o que é dito, em tom proclamatório pelo legislador neste diploma: “Nesta incerteza quanto ao futuro, onde se vislumbra uma miríade de novas oportunidades para o desenvolvimento humano, é necessário desenvolver nos alunos competências que lhes permitam questionar os saberes estabelecidos, integrar conhecimentos emergentes, comunicar eficientemente e resolver problemas complexos. #matriz de princípios # visão # valores # áreas de competências Impulsionados por tais desafios e correspondendo a esta necessidade, após amplo debate nacional que envolveu professores, académicos, famílias, parceiros sociais e alunos, foi aprovado o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, que estabelece a matriz de princípios, visão, valores e áreas de competências a que deve obedecer o desenvolvimento do currículo. Uma escola inclusiva, promotora de melhores aprendizagens para todos os alunos e a operacionalização do perfil de competências que se pretende que os mesmos desenvolvam, para o exercício de uma cidadania activa e informada ao longo da vida, implicam que seja dada às escolas autonomia para um desenvolvimento curricular adequado a contextos específicos e às necessidades dos seus alunos. Tudo isto exige no imediato, e na plenitude deste diploma já em vigor, que tudo se faça, que a Direcção da Escola Portuguesa de Macau mobilize desde já o seu corpo docente para a necessidade e oportunidade de inovar e de tornar a escola verdadeiramente inclusiva, sem hesitações ou tibiezas, e chamando os país e encarregados de educação a participar. Para tanto deverá ter coordenadores capazes de definir novas metodologias e os conteúdos, dentro da margem da flexibilidade curricular que, em cada turma, cada professor, tenha a sensibilidade para definir. # actualização do seu projecto educativo # Nova legislação # Desafios Ora qualquer reforma exige trabalho, empenho, perseverança, ideias e, porque não, risco, caminho que a Direcção da EPM deverá trilhar, promovendo desde já uma actualização do seu projecto educativo datado e que não contempla os desafios destes novos diplomas e opções para a educação do Governo Português, designadamente a novíssima Visão de aluno integra desígnios que se complementam, se interpenetram e se reforçam num modelo de escolaridade que visa a qualificação individual e a cidadania democrática. # Visão de aluno # Múltiplas literacias # Mudança # Incerteza # Pensamento Crítico Pretende-se que o jovem, à saída da escolaridade obrigatória, seja um cidadão: • munido de múltiplas literacias que lhe permitam analisar e questionar criticamente a realidade, avaliar e selecionar a informação, formular hipóteses e tomar decisões fundamentadas no seu dia a dia; • livre, autónomo, responsável e consciente de si próprio e do mundo que o rodeia; • capaz de lidar com a mudança e com a incerteza num mundo em rápida transformação; • que reconheça a importância e o desafio oferecidos conjuntamente pelas Artes, pelas Humanidades e pela Ciência e a Tecnologia para a sustentabilidade social, cultural, económica e ambiental de Portugal e do mundo; • capaz de pensar crítica e autonomamente, criativo, com competência de trabalho colaborativo e com capacidade de comunicação; • apto a continuar a aprendizagem ao longo da vida, como fator decisivo do seu desenvolvimento pessoal e da sua intervenção social; • que conheça e respeite os princípios fundamentais da sociedade democrática e os direitos, garantias e liberdades em que esta assenta; • que valorize o respeito pela dignidade humana, pelo exercício da cidadania plena, pela solidariedade para com os outros, pela diversidade cultural e pelo debate democrático; • que rejeite todas as formas de discriminação e de exclusão social. Doravante o “ministério” não é mais desculpa. A Direcção da EPM deverá assumir a sua responsabilidade de amputar até 25% dos blocos redundantes, que não façam parte das “Aprendizagens Essenciais”, que obrigam os professores a dar a matéria a um ritmo alucinante e que exige dos alunos, desde a mais tenra idade no primeiro ciclo, a memorizar mais do que a pensar e reflectir criticamente sobre as matérias. A partilha de práticas das escolas e a disponibilização de recursos de apoio podem alicerçar este trabalho, tornando-o mais consistente. Na EPM urge promover, até porque já não é cedo, a igualdade de oportunidades no acesso ao currículo e, consequentemente, o sucesso educativo de todos os alunos implica capacitar as escolas e os seus professores no sentido de fomentarem o desenvolvimento de aprendizagens de qualidade, com base numa organização do currículo que atenda às especificidades de cada contexto educativo. Se esta Direcção da EPM, e alguma coordenadora, não se revê nesta política e neste desígnio educativo, deve abrir caminho à tão ansiada renovação, mais cedo do que tarde. A Comunidade educativa agradece e há profissionais jovens, com formação abundante e com vontade de trilhar este caminho, com determinação e garra. Sendo a nosso ver uma oportunidade que tal venha de fora, com novas ideias e novos horizontes mas, se tal não for possível imediatamente, pelo menos que se faça, finalmente, a cooptação com a prata da casa, e se dê oportunidade à Prof.ª Zélia D´Oliveira Batista que nos parece ter, pelo menos, as competências sociais e a capacidade de liderança e de mobilização e motivação da equipa que o actual titular manifestamente não possui! Os mandatos devem ter um limite temporal, de modo a evitar o imobilismo do Diretor Vitalício. E este já vai com 5 penosos anos.
João Luz VozesA mediocridade [dropcap]I[/dropcap]sto é uma carta de amor duro, implacável, sem pudor nos adjectivos, liberta de amarras, ébria de paixão violenta. A coincidência temporal entre o tema desta crónica e a apresentação das LAG não é obra do acaso. Ainda assim, não se esgota no vazio político que marca a actualidade, nem na ineptidão das mais altas esferas decisórias em responder com gestão eficaz aos mais banais desafios de administração. A mediocridade é o prato do dia nesta cidade. Esqueçam o minchi e os pseudo-pastéis de nata. E não pensem que me excluo dela, ou que me coloco num pedestal que paira acima da mediania. Não. Faço parte dela, como todos nós, atolados até ao pescoço. Este débil manifesto vai além da falta de tesão política de um sistema que se encerra na fraqueza, na total ausência de autoridade para decidir, além das hienas autocráticas que tudo querem controlar para agradar ao poder superior. Só os monstros que encaram o homem livre como uma ideia insuportável se elevam neste lamaçal. Raros são os lótus que florescem neste lodo, facilmente pisados por homens sem espinha dorsal, que venderiam a mãe em troca de um afago de uma mão carregada de anéis. A subserviência anda de mãos dadas com a mediocridade. A falsa modéstia é o reverso da medalha. Macau tem uma concentração record de autoproclamados génios per capita, um rácio sobrenatural. Isto numa cidade onde pessoas com educação superior não sabem muito bem quem foi Hitler, Elvis, Beethoven (Ludwig van, na designação predilecta de Alex DeLarge). Que nunca ouviram falar no Massacre de Tiananmen, no Cartel de Medellin, na decadência moderna de Baudelaire, do Império Romano. Que têm uma vaga ideia sonhada em propaganda acerca do grande salto, mas não fazem ideia o que foi a grande fome. Tudo informação que está à distância de um click. Em Macau temos Google. Portanto, estas LAG são perfeitas para Macau. Mão e luva. Como é óbvio, não haverá Lei Sindical, porque o socialismo de características chinesas é irmão siamês do capitalismo mais selvagem, que devora operários como se fossem cerejas. Uma espécie de bicefalia ideológica. Mais depressa se defende a despudorada especulação imobiliária e grupos de crime organizado, que trabalhadores que deviam ser a prioridade absoluta de um sistema socialista. Tudo é permitido porque não há qualquer noção do que é o socialismo. Como tentar explicar o que é a cor vermelha a um cego? Esta falta de apego a conceitos, nomeadamente políticos, faz com que um Governo possa limitar-se a dizer que vai fazer coisas boas, jogar uma mão cheia de patacas para cima da mesa e o dia prossegue como se nada fosse. Assim se compra complacência e paz, porque tudo tem um preço. É por isso que faz sentido que Kenny G cá venha, que Celine Dion seja herdeira natural ao trono insuflável do Cotai. É natural que a cidade se desdobre em mil artistas, cada um mais sensível que o outro, que nunca vão conseguir passar dos limites acolhedores dos 30 quilómetros quadrados. Mesmo que passem das Portas do Cerco, essa migração será feita graças ao alcance longo do cordão umbilical que os prende à morna placenta de Macau. Não é de estranhar que os justiceiros sociais e críticos do surrealismo político se escondam atrás de teclados e trocadilhos, jogos de palavras com meios entendidos, por temerem repercussões profissionais. Toda a gente trabalha para o Governo, ou depende do Governo para trabalhar. Como tal, a coragem de quem denuncia e não tem papas na língua fica-se pela cobardia de meias palavras ditas em surdina em caixas de comentários de redes sociais. Estas LAG também são para vocês. Volto a frisar que esta carta é de amor, escrita com o intuito de trazer à tona o que de melhor se faz em Macau e os autênticos tesouros humanos que cá vivem. Mas temos de aprender a encarar espelho e ver as nossas fraquezas com coragem. Aprender com elas para as podermos superar. Aprender com elas para podermos exigir mais e melhor a quem nos governa.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesTarefas urgentes [dropcap]T[/dropcap]aiwan vai realizar este mês eleições locais (popularmente designadas por “eleições nove-em-um”). Ko Wen-je, que concorre de novo à presidência da Câmara de Taipei, tem sido criticado pelo seu adversário por ter suspendido no termo do anterior mandato os “Subsídios aos cidadãos séniores durante o Festival Duplo Nove”. Em resposta, Ko declarou, “se não for necessário pagar dividas, eu empresto já o dinheiro”. No entanto, Ko salientou que a sustentabilidade dos subsídios é importante, mas que é preciso suspendê-los porque a cidade está endividada. Sublinhou ainda que é importante não sacrificar os interesses da maioria em prol dos da minoria, nem sacrificar o interesse nacional em favor dos interesses partidários. As declarações de Ko foram largamente apoiadas pelas redes sociais, que consideram que ele não se deveria candidatar a Presidente da Câmara de Taipei, mas sim a Presidente da República. Este homem não representa nenhum partido político, foi sempre um não alinhado. Tem sido o seu estilo contrário a populismos e o seu discurso independente que lhe franquearam o apoio de muitos eleitores. Nas eleições para a Assembleia Legislativa de Macau em 2017, muitos colégios eleitorais fizeram campanha com várias promessas aos cidadãos. Mas quantas delas foram cumpridas? Para falar francamente, o Governo da RAEM está “a colher o que semeou”. A apresentação do Relatório das Linhas de Acção Governativa para o ano financeiro de 2019 está agendada para esta semana. Este será o último relatório que Chui Sai On apresentará até ao final do seu mandato como Chefe do Executivo. Já não se encontra sob a pressão da reeleição, nem precisa de lutar para ganhar votos. Estas Linhas de Acção Governativa para 2019 não vão certamente conter quaisquer surpresas. Mas, mesmo antes da apresentação do Relatório das Linhas de Acção Governativa, Chui Sai On já deu a entender que não vai haver más notícias ao nível da Segurança Social. A continuidade do Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico e o aumento dos salários da Função Pública são dados adquiridos numa cidade que desfruta das avultadas somas provenientes dos impostos sobre a indústria do jogo. Para Chui Sai On, a prioridade é completar com sucesso o último ano deste derradeiro mandato e realizar a transferência de poder pacificamente. E para os cidadãos, qual será a prioridade? Segundo os números da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, o valor da importação de mercadorias situou-se em 20,97 mil milhões de patacas no segundo trimestre de 2018, representando um aumento de 23.2 por cento; o valor da exportação de mercadorias situou-se em 3,22 mil milhões de patacas, correspondente a um aumento de 20.5 por cento, no qual o valor da exportação doméstica baixou 8.4 por cento e o valor da reexportação aumentou em 26.3 por cento. O défice da balança comercial aumentou de 14,35 mil milhões de patacas no segundo trimestre de 2017, para 17,75 mil milhões de patacas. A avaliar por estes números, a economia de Macau é actualmente sustentada pela indústria do jogo. A chamada diversificação moderada da economia não passa de um slogan. Esta situação de dependência do consumo de jogadores e de turistas, deixará o Governo de Macau numa posição frágil, se vier a haver problemas ao nível da economia externa. Nessa altura, a enorme despesa com os salários da Função Pública e os custos altíssimos decorrentes das políticas de segurança social vão tornar-se num pesadelo para o Chefe do Executivo. Desde que o Comissariado da Auditoria publicou um relatório sobre o desempenho e a eficácia do Instituto Cultural, muitos departamentos governamentais aprenderam a seguir os procedimentos à risca. Preferem contratar serviços externos a pagar salários baixos a trabalhadores temporários. Dê lá para onde der, o trabalho tem de aparecer feito e, já que é pago pelo Governo, é preferível não correr o risco de infringir alguma lei ou regulamento. A gestão rígida da administração do Governo da RAEM e a prática da irresponsabilização colectiva são as principais causas do aumento exponencial do número de funcionários públicos e da ineficácia do desempenho do Governo. Toda a gente está habituada a viver em paz e abundância, e há muito que está esquecida a importância da preparação para a adversidade futura. Face a isto, quais vão ser as nossas tarefas prioritárias? Será possível que, dentro de um ano, o Regime de Previdência Central Obrigatório, co-financiado pelo Governo, venha a substituir o Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico? Poderão os membros do Conselho Consultivo para os Assuntos Municipais, que vai ser criado em 2019, representar plenamente toda a sociedade? Poderá o Governo recuperar os terrenos não aproveitados no prazo estipulado, de acordo com a Lei de Terras? Virão a ser extintos os cargos oficiais excedentários no termo do mandato deste Governo? Irá o Governo local solicitar ao Governo Central o poder para autorizar o salvo-conduto singular? Há tantos assuntos para resolver, mas com quantos iremos conseguir lidar?
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO Brasil retorna a 1964 ou talvez não “I went to a Quilombo (territory inhabited by Afro-Brazilian descendants of escaped slaves). The lightest Afro-descendant weighed seven arrobas (around 225 pounds). They do nothing. I think they don’t even serve to procreate. Over US$245 million is spent on them every year. … There will be not one centimeter for an Indigenous reserve or for a Quilombola.” Jair Bolsonaro [dropcap]O[/dropcap] Brasil elegeu o candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro, como presidente na segunda volta das eleições, realizadas a 28 de Outubro de 2018 que tinha por lema “Brasil Acima de Tudo e Deus Acima de Todos”. O “Trump do Brasil” que elogiou a ditadura e prometeu uma “limpeza” dos seus opositores políticos liderará a quarta maior democracia do mundo. A ascensão de movimentos e partidos de direita em todo o mundo deram um salto gigantesco e perigoso, quando Jair Bolsonaro venceu as eleições presidenciais. O presidente eleito era um deputado federal do Rio de Janeiro que anteriormente serviu como oficial do Exército, apoiante da ditadura militar que governou o Brasil de 1964 a 1985, e que expressou múltiplas vezes o seu gosto por autoritários do passado e do presente, e que derrotou com 55,13 por cento dos votos, o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT), que obteve 44,87 por cento dos votos. O presidente eleito e Haddad enfrentaram-se, por terem sido os dois candidatos mais votados na primeira volta das eleições realizada a 7 de Outubro de 2018, quando Bolsonaro ficou aquém da maioria, com 46,16 por cento dos votos. A sua vitória colocará o Brasil e a maior democracia da América do Sul, nas mãos de uma figura de extrema-direita que manifestou pouco apreço pela governança democrática e sempre procurou uma retórica violenta contra os brasileiros negros, pessoas LGBTQ (lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros ou que questionam a sua identidade sexual), mulheres e povos indígenas. O presidente eleito foi esfaqueado durante um evento da campanha eleitoral, na cidade de Juiz de Fora, a 6 de Setembro de 2018, que lhe causou três perfurações no intestino delgado e uma lesão grave e extensa no intestino grosso, tendo sido submetido a duas intervenções cirúrgicas, e passou a maior parte dos últimos dois meses da campanha em um leito de hospital, devendo tomar posse a 1 de Janeiro de 2019, assumindo os destinos de um país sitiado e descontente. O Brasil nos últimos quatro anos, viveu uma profunda recessão económica, um aumento acentuado dos crimes violentos de que resultaram sessenta mil homicídios por ano, tantos ou mais que as mortes anuais da guerra na Síria e uma ampla investigação de corrupção política que envolveu centenas de políticos. O Brasil foi assaltado por perturbações e escândalos políticos desde as eleições de 2014, como a da ex-presidente Dilma Roussef, que foi destituída, a 31 de Agosto de 2016, pois o Senado aprovou o “impeachment” por 61 votos favoráveis e 20 contrários, tendo assumido a presidência o actual presidente Michel Temer, ex-vice-presidente, bem como do outro ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, que foi preso a 18 de Abril de 2018 por corrupção. É de realçar que o actual presidente, Michel Temer, foi também ligado a um esquema de suborno político. O descontentamento resultante para com os partidos políticos que detêm a maior parte do poder e da influência no Estado, e especialmente o PT, de esquerda, corroeu a fé entre o eleitorado e abriu o caminho para um candidato como Jair Bolsonaro, que se apresentou como um libertador que poderia “salvar” o Brasil. Todavia, ao invés de parecer querer resolver os problemas do país, durante a campanha eleitoral continuou com as suas mais duras propostas e retórica, apesar de existir uma diminuta probabilidade de governar como um neofascista, mesmo tendo prometido “limpar” o Brasil dos seus oponentes à esquerda. O presidente eleito poderia em breve oferecer uma lição dura sobre como o fracasso da elite e o descontentamento político podem causar o colapso da democracia moderna. A directora de estudos latino-americanos da Universidade Johns Hopkins afirmou que era um ditador, o que é difícil de se tornar realidade, dado o sistema constitucional brasileiro o não permitir, apesar de na Câmara de Deputados ter trezentos deputados aliados e a maioria das matérias exige maioria simples para aprovação, ou seja metade dos deputados, mais um, devendo votar pelo menos duzentos e cinquenta e sete deputados de um total de quinhentos e treze deputados. A votação para as mesmas matérias exige a aprovação de quarenta e um senadores dos oitenta e um senadores que constituem o Senado, sendo que apesar da indefinição, a oposição mais firme é dos partidos de esquerda que somam dezassete senadores. As alterações à Constituição necessitam do apoio de três quintos das duas Câmaras, ou seja trezentos e oito votos na Câmara de Deputados e quarenta e nove votos no Senado. A ascensão de Jair Bolsonaro ao poder foi inspirada e modelada a partir da ascensão de líderes semelhantes na Europa e nos Estados Unidos, tendo usado a média social para dar uma reviravolta pelas fontes da média tradicional do Brasil, que denunciou como “notícias falsas”, mesmo quando a sua campanha e apoiantes usaram o “WhatsApp” e “Facebook” para espalhar rumores sem base e relatos sobre os seus oponentes. Jair Bolsonaro conduziu uma campanha nacionalista baseada na identidade que promoveu e prosperou a reacção racial e social, particularmente contra o PT e as populações mais marginalizadas do Brasil, tendo prometido parar de “mimar” os grupos como os LGBTQ e brasileiros negros e libertar o país de “ideologias estrangeiras”, por referência aos esquerdistas de qualquer cor, tipo e variedade. O presidente eleito beneficiou da sua posição como candidato mais forte para os brasileiros à procura de uma alternativa ao PT, que ocupou a presidência de 2003 a 2016 sob o comando de Lula e Dilma. O PT orientou a explosão económica do Brasil durante o mandato de Lula e o colapso durante os mandatos de Dilma. Os problemas económicos do país e as ligações do PT à corrupção, incluindo a condenação de 2017 de Lula por suborno, minaram a confiança na capacidade do PT de governar e inspirar forte oposição e o seu potencial retorno ao governo. Ainda assim, Lula liderou as pesquisas pré-eleitorais durante a maior parte de 2017, antes de ser proibido de concorrer devido à acusação de corrupção. Fernando Haddad, substituiu Lula como candidato presidencial pelo PT, tendo os partidos de centro-direita sido esmagados pelos seus próprios problemas de corrupção e envolvimento com a impopular coligação do governo de Michel Temer. O actual presidente e o centro-direita tentaram adoptar algumas das políticas da linha dura defendidas por Jair Bolsonaro sobre a violência que eram factores fundamentais na eleição. O presidente eleito obteve apoio de quase todo o espectro político e social do Brasil, dado a maioria dos brasileiros estarem cansados da corrupção e com medo da violência. Mas o seu apoio mais forte, veio de um crescente movimento evangélico conservador que compartilha a sua visão sobre as questões sociais e das elites financeiras e empresariais, ainda que alguns líderes religiosos sejam detentores de fortunas inexplicáveis. Tais apoios foram influenciados pela sua oposição às políticas económicas do PT e pelo suposto apoio de Bolsonaro à sua abordagem preferencial à economia de mercado. As elites financeiras e empresariais, no entanto, provavelmente não enfrentarão o resultado mais duro e previsível da vitória, como a maior violência política. O presidente eleito prometeu militarizar ainda mais a segurança pública e entregar à polícia, que é das mais mortais do mundo, “carta-branca” para matar supostos criminosos, à semelhança do presidente Rodrigo Duterte nas Filipinas no seu tresloucado combate ao consumo de drogas e narcotráfico. Tal poderá exacerbar uma guerra às drogas em que a esmagadora maioria das vítimas de homicídios e assassinatos cometidos pela polícia são jovens negros. Alguns activistas brasileiros consideraram a violência como um “genocídio negro”. A sua retórica contra as mulheres, as pessoas LGBTQ e as ameaças de reverter a sua protecção, também só poderão vir a piorar a situação desses grupos, em um país que sofre altos níveis de feminicídio e violência anti-gay. O presidente eleito denominou a era de ditadura militar do Brasil de “período glorioso”, e o seu companheiro de eleição e vice-presidente eleito é um general aposentado do Exército, que se recusou a rejeitar o possível retorno do regime militar. Jair Bolsonaro tem uma longa história de defesa da violência contra os seus adversários políticos, e nos dias que antecederam a eleição, afirmou que o país seria palco de uma “limpeza nunca antes vista no Brasil. ” Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral referiu que os defensores da esquerda, “podem sair ou ir para a cadeia” e no mesmo discurso, ameaçou aprisionar Fernando Haddad, encerrar organizações de direitos humanos, prender líderes de outros importantes movimentos esquerdistas e retirar fundos da Folha de São Paulo, um dos maiores jornais do Brasil. Apesar das comparações com Trump, Bolsonaro, é mais parecido com o presidente filipino, Rodrigo Duterte, cuja expansão mortal da guerra às drogas no país, levou a cerca de vinte mil assassinatos extrajudiciais às mãos das autoridades. Mas apesar dos protestos generalizados de oposição nas últimas semanas que antecederam as eleições, Bolsonaro pode ter apoio para as suas políticas domésticas. O Brasil apresenta a maior tolerância ao conceito de autoritarismo e mais apoio à violência policial e estatal que a maioria dos seus vizinhos democráticos, e muitos dos eleitores continuam não convencidos ou indiferentes à retórica violenta e antidemocrática de Bolsonaro. O pequeno Partido Socialista Liberal, de direita, de Bolsonaro, ganhou cinquenta e dois deputados nas eleições, tendo elegido apenas um deputado nas eleições anteriores. Os seus aliados foram projectados para ganhar os principais governos e as eleições estaduais. As implicações da vitória de Bolsonaro estender-se-ão muito além das fronteiras brasileiras. As suas propostas para encerrar instituições ambientais e abrir a floresta amazónica destinando a interesses agrícolas e de mineração, poderão ter efeitos devastadores na luta global contra as alterações climáticas e devido ao tamanho e influência do país no mundo, a ascensão de um autoritário de direita poderá ser um sinal claro de que a democracia liberal está a enfrentar uma crise global em grande escala. O cientista político de Harvard, Steven Levitsky acerca da eleição de Bolsonaro afirma não aceitar a ideia de o Brasil sofrer uma erosão democrática e de se poder entrar em uma recessão democrática global. A acção governativa de Bolsonaro num Brasil em profunda crise ética, moral e fiscal e cujas grandes ideias se encontram no seu programa político, será musculado, dando à justiça e à segurança pública a maior autoridade possível, a bem da dignidade há muito perdida e que sirva de encorajamento no combate acirrado que vai reforçar contra a violência e a corrupção. Tal directriz é confirmada pelo do convite endereçado ao juiz Sérgio Moro, figura central da “Operação Lava Jato (OLJ)” que aceitou ser um super ministro, ocupando as áreas da justiça e da segurança pública e que pretende levar o modelo da OLJ onde para o combate ao crime, corrupção e privilégios que terão tolerância zero. A violência verbal intimidativa durante as eleições será posta de parte e a acção política seguirá as regras democráticas de defesa das leis e obediência à Constituição pelo que a politização das forças armadas e a militarização do governo, bem como uma revisão da constituição que atribua mais poderes presidenciais e permitam um autoritarismo com emprego de métodos ditatoriais, também não são possíveis pela fragmentação política no Congresso Nacional. O governo será liberal democrata, assente no liberalismo que reduz a inflação, baixa os juros, eleva a confiança e os investimentos, gera crescimento, emprego e oportunidades. A segurança, saúde e educação onde cinquenta e um milhões e seiscentos mil jovens dos catorze aos vinte e nove anos de idade não completaram o ensino médio, serão as prioridades. A economia de mercado é maior instrumento como fonte de rendimento, emprego, prosperidade e inclusão social. O novo governo herda um deficit primário elevado de cento e cinquenta e nove mil milhões de reais, sendo o deficit nominal para 2019, incluindo os juros de quatrocentos e oitenta e nove mil milhões de reais que representam 6,5 por cento do PIB, gastando anualmente um Plano Mashall, que reconstruiu a Europa após a II Guerra Mundial, bem como uma situação fiscal explosiva, baixo crescimento e elevado desemprego, sendo outras das prioridades inverter a situação pelo equilíbrio das contas públicas. É de crer que o presidente eleito irá durante o seu governo manter uma relação amistosa com os demais países, apesar do alinhamento com os Estados Unidos, poder alimentar as forças de direita e extrema-direita na região, principalmente na oposição à Venezuela e outros países com ideologias de esquerda. Todavia, deve proceder a uma maior abertura do comércio internacional. O investimento chinês sem ser predatório e a política de cooperação com a República Popular da China são demasiado importantes para o Brasil, e não é de acreditar em turbulência assinalável.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesPra lá do sexo [dropcap]S[/dropcap]exo é sexo. E há alturas que o sexo não é só sexo. Isto claramente reflecte a minha posição não binária de que a cabeça e o corpo não são duas entidades separadas. A verdade é que tudo afecta tudo, para ser assustadoramente generalista. O sexo leva com os nossos desejos, anseios, capacidades íntimas, medos e terrores. Se há gente que não vê isso talvez seja porque não lhe presta a devida atenção, porque gosto de acreditar que isto faz sentido para alguns, ou talvez para muitos. O corpo que carregamos não deve ser visto como um simples organismo biológico. A vida tem-me ensinado que corpo reage às ameaças do corpo e às da mente também. Apesar de alguma investigação apontar para a complicada relação corpo e mente, há outra que diz que não está cientificamente provado que o stress, por exemplo, afecte negativamente a saúde física. Com as dificuldades pela libertação do sexo das amarras de (tantas) sociedades até ditas progressivas, apercebo-me que a libertação sexual – como uma actividade não demonizada e de satisfação e prazer pessoal e/ou colectivo – põe em causa o que as sociedades modernas muito forçosamente querem manter: a exaltação do físico, biológico, mensurável e real em detrimento da mente, do pensamento, da sensação ou da emoção. Parece que estou a colocar isto de forma simplista para insinuar uma resposta simplista também, mas não é esse o objectivo. Não estou a defender a recusa total da procura do que é real. Se tento simplificar certas ideias é só porque quero torná-las inteligíveis. Já aqui referi como há estudos que mostram que a disfunção sexual masculina pode ser tratada com terapia, e este é só um exemplo. Esta ideia de que a mente precisa de atenção também, é de alguma forma polémica, mesmo que não seja visível. Isto porque o legado do iluminismo e da era da razão arrasou com qualquer forma mais experiencial dos fenómenos. Virámos a atenção para aquilo que é cientificamente relevante para a nossa existência – como se nos regêssemos por forças e vectores energéticos como os da Física (não sei se estarão cientes que há quem diga que a psicologia é ciência e há quem diga que não). Contudo, esta não é uma atenção descabida, principalmente nos dias que correm de ‘pós-verdade’, em que não há nada que nos valha senão a procura incessante pelos factos e pelas medições objectivas. Só que essa obsessão traz outros problemas: como é que medimos, resolvemos e compreendemos aquilo que não vemos? Será que a invisibilidade reduz-se à pura inexistência? Claro que me farto de falar do sexo e do prazer sem limites que só é atingido quando alinhamos o nosso corpo, a nossa mente, e o nosso espírito, se quiserem. Porque o sexo serve de metáfora para tudo, o sexo como produção biológica, cultural e social é uma dimensão entre muitas que nos torna absolutamente humanos. A humanidade que pressupõe aceitação, amor e tolerância, características essas impossíveis de medir com régua e esquadro. Estou a usar o sexo como pretexto para falar da saúde mental porque, na verdade, vejo mais incentivos à não-aceitação do que à aceitação. Quando queremos carregar um corpo sexual ele não precisa de ser só um corpo, precisa de disponibilidade para aceitar tudo aquilo que o sexo quer ensinar-nos. E frequentemente esbarramos com as caixinhas definidoras do que é aceitável. Ai os pêlos, ai as celulites, ai as vulvas, ai os pénis, ai as expectativas heteronormativas. Não precisamos só de um corpo – precisamos de coragem para mostrar um corpo. Precisamos de coragem para abrir a possibilidade de criar e ser intimidade. Já que foi o dia da saúde mental e eu não opinei atempadamente, aqui vai tardiamente. O sexo já foi a cura dos males neuróticos mas também pode ser a causa e processo dos mesmos males. Já que o sexo nos despe, literal e simbolicamente, só espero que comece a ser óbvia a ligação que o nosso corpo precisa de prazer, e a nossa profundidade psicológica também. O sexo é só mais um pretexto, entre muitos, para escrever e reflectir acerca da saúde mental e do bem que nos fazia se tivéssemos mais espaço para cuidar do nosso íntimo ser.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesMedidas à altura do acontecimento [dropcap]O[/dropcap] Grande Prémio de Macau deste ano inaugura oficialmente na próxima quinta-feira, dia 15. No sábado, 17, ao meio dia, o Comité do GP preside a uma cerimónia de oração pelo sucesso deste evento. Alexis Tam, secretário para os Assuntos Sociais e Cultura e Presidente do Comité do Grande Prémio, salientou que, à semelhança do ano passado, os funcionários públicos vão fazer, durante este período, horas extraordinárias para garantir a normalidade do trânsito. Esta medida tem vindo a ser tomada há quatro anos consecutivos, com resultados positivos. Alexis Tam também sugeriu que os empregadores flexibilizassem os horários de trabalho durante o evento. Adiantou que, sobretudo no primeiro dia, se espera algum congestionamento no trânsito e apela à compreensão do público. O Departamento dos Transportes, juntamente com outros gabinetes, vai dar o seu melhor para continuar a garantir a normalidade dos serviços. Como é do conhecimento geral, o Grande Prémio de Macau é um evento anual e, de cada vez que se realiza, cria uma grande quantidade de transtornos na circulação do trânsito. É pois de encorajar a implementação da flexibilização do horário de trabalho, durante este período. Os horários escolares constituem outra preocupação. As escolas, e em particular as Universidades, deverão reorganizar os horários de forma a deixar os estudantes e o pessoal académico livres nos dias das competições. Esta medida parece ser adequada para descongestionar o trânsito, mas tem um ponto fraco: a necessidade de trabalhar ao sábado e ao domingo. Será que vai ser necessário pagar os honorários do pessoal académico a dobrar? E os alunos que não puderem comparecer nesse dia? Não nos podemos esquecer que muitos estudantes universitários têm empregos a tempo inteiro e que será complicado reorganizar horários de trabalho em função destas alterações. Também não podemos esquecer que a taxa de presenças em seminários e palestras é um critério de acesso aos exames. Além disso, nas Universidades existem horários diurnos e horários nocturnos. As alterações só precisam de ser aplicadas às turmas de dia, mas não às da noite porque por volta das 18.00h as estradas de Macau voltam a estar abertas à circulação normal. Estas são algumas questões que devem ser pensadas antes de se produzir alterações nos horários das escolas e Universidades. Quando Macau foi assolado pelo tufão Mangkhut, o Chefe do Executivo dispensou os funcionários públicos que não estavam convocados para os trabalhos de limpeza e recuperação. Esta medida recebeu uma aprovação geral, pois permitiu-lhes ter tempo para se ocuparem das suas famílias, e também diminuiu a pressão daqueles que tiveram de se ocupar das operações de salvamento e recuperação. Para além destas medidas, o Chefe do Executivo negociou com os casinos de forma a suspenderem a actividade antes da chegada do tufão. A dispensa dos funcionários públicos no dia a seguir à passagem do tufão Mangkhut, juntamente com a flexibilização dos horários da função pública durante o período do Grande Prémio de Macau foram tomadas ao abrigo do princípio “medidas especiais para eventos especiais”. Já que este princípio é benéfico para o público em geral, deve considerar-se respeitá-lo sempre que de futuro Macau tiver que lidar com situações excepcionais. Em Hong Kong estas políticas não foram adoptadas. Pelos noticiários ficámos a saber que todos os funcionários públicos regressaram ao serviço no dia a seguir à passagem do tufão Mangkhut. Como grande parte das árvores caíram, devido ao tufão, o trânsito ficou muito congestionado e as estradas ficaram praticamente intransitáveis. A viagem para o trabalho tornou-se muito difícil nestas circunstâncias. Seja como for, é de encorajar o princípio “medidas especiais para eventos especiais”. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
João Luz VozesFronteiras [dropcap]E[/dropcap]ste país não é para vozes dissonantes, incapaz de lidar com divergência ou crítica. Para apaziguar a soma de todos estes medos, o país forte blindou-se ao pensamento através da doutrina oficial e fechou os olhos ao que se passa no mundo exterior. Em termos físicos, as protecções contra este imenso medo são a fronteira e a força, o equivalente geopolítico a correr para debaixo das saias da mamã. Deng Xiaoping abriu uma fresta da janela do enorme casarão do Império do Meio e tentou recentrar o mundo no grande gigante adormecido, depois do século de humilhação e da revolução que arrastou uma nação milenar para o obscurantismo isolacionista e indigente. No meio desta ideia difusa de abertura há uma força da natureza indiferente à governação de longo-prazo, congressos e ciclos políticos: A liberdade. Como a água, imparável e avassaladora. A prosperidade que hoje em dia se vive na China, que elevou milhões das profundezas da miséria, traz a reboque uma outra fome insaciável que nenhuma doutrina consegue saciar. O irresistível apetite por liberdade é a prioridade do povo após a resolução das carências do corpo. Colmatadas as necessidades de tecto e mesa, alimentada a carne, o espírito faminto segue-se. Com dinheiro no bolso e capacidade para viajar e ver o mundo, o chinês deste famigerado ano de 2018 está a milhas de distância dos seus antepassados e quer ser livre. Em Macau e Hong Kong, dois territórios privilegiados por terem historicamente um pé no mundo exterior, cade vez ganha mais força a tentação de correr para o morno amparo do aconchego nacionalista. O sentido de pertença a um planeta condenado a estar interligado não é sedutor para quem interpreta integração como absorção, para quem julga que o retorno à nação-útero, às estranhas da mãe pátria, é o único caminho possível para o futuro. Pelo meio, entoam-se liturgicamente algumas palavras mágicas sobre internacionalização como se o alcance das vistas chegasse muito além das Portas do Cerco. Por todo o mundo, as fronteiras ganham altura enquanto o humanismo encolhe. Países que se construíram alicerçados em grandes fluxos migratórios sucumbem ao frenesim amedrontado de hordas fantasmas de invasores. Este pânico da invasão é particularmente sentido em países colonizadores, para gáudio dos adeptos da ironia. A falta de noção e vergonha tem destas coisas. A Europa, o continente antigo que atravessa períodos de autofagia periodicamente, sonha em transformar-se numa fortaleza. O berço do humanismo, renascença, iluminismo e da democracia treme de medo perante as consequências do pós-colonialismo e das guerras por petróleo, fechando os olhos às marés de mortos que desaguam nas suas praias. Mesmo quando se fazem pontes, independentemente do propósito político, as restrições e fronteiras são os focos principais das estruturas. Como uma janela que tem o trinco como coração, ou um pássaro que voa com uma pata atada à gaiola. O problema das delimitações que constrangem aquilo que é mais essencial ao ser humano está no poder indomável do espírito, fluído e selvagem como um leito de um rio que não se acanha em saltar as margens quando é apertado. Hoje podem barrar pessoas pelo pensamento que representam, podem mascarar a palavra e a discórdia como a mais perigosa arma, mas a verdadeira natureza violenta da repressão vem inevitavelmente ao de cima. Depois há aqueles que defendem que devemos compreender a violência e a crueldade do poder que trata os governados como crianças incapazes. Mesmo alguns adeptos da liberdade proclamam que é necessário, mesmo fundamental, perceber e interpretar a barbárie à luz de um sentido paternalista de expatriado que luta por parecer tolerante. A vida é assim, a abertura faz-se devagar, preferencialmente ao dinheiro, que jamais será barrado e para sempre galgará fronteiras sem qualquer problema. Capital tem via verde, acesso vip, mesmo que viaje clandestino. A progressiva democratização é outra fantasia sem qualquer contacto com a realidade, uma vez que a supremacia da fronteira, a natureza do poder que confina e estrangula, não lida bem com antagonismos. Casa com janelas desenhadas nas paredes, amplas portadas de delírio sem vista exterior, trancas, ferrolho duplo e cadeado reforçado. Abrigo blindado contra os perigos dos forasteiros e da liberdade dos moradores, onde o mofo é perfume.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesBruxas [dropcap]J[/dropcap]á que foi Halloween – isto é, em belo português, o dia das bruxas – não há nada como falar destas criaturas (míticas?) do imaginário ocidental. Quem são elas, onde estão e o que fazem? Teorias não faltam. A teoria feminista tem sido particularmente prolífica na compreensão do desenvolvimento desta imagem da bruxa, que é feia, tem uma verruga no nariz, e usa um chapéu pontiagudo. Como é que se diz? ‘A chover e a fazer sol, estão as bruxas no farol a comer pão mole’? Dei de caras com esta imagem da bruxa, primeiro, porque o dia das bruxas foi na semana passada e, segundo, porque há quem defenda que a bruxa tem muito que se lhe diga ao feminismo e ao sexo. É possível que caça às bruxas tenha acontecido pela não aceitação da emancipação feminina naqueles tempos sombrios. Parece confuso, até porque ninguém falava de emancipação das mulheres nessa altura, mas há quem ache, as ditas feministas ‘radicais’ de hoje em dia, que a bruxa representava a curandeira, a esposa desobediente, a mulher que se atrevia a viver sozinha, a mulher que envenenava o patrão e incitava a revolta, que era parteira, que percebia dos meandros do sexo. Nada disto era desejável à figura feminina da época (também não acho que seja agora). Na altura muitas mulheres (e homens também) foram queimados na fogueira acusados de bruxaria. Não se sabe ao certo quantas pessoas poderão ter morrido durante três séculos, mas há várias estimativas: há quem diga 40.000, há quem diga 200.000. Vem-me automaticamente à cabeça a imagem de pessoas enfurecidas com tochas em fogo na calada da noite à procura de quem culpabilizar os males do mundo. A ‘caça às bruxas’ é sempre utilizada como o exemplo perfeito de histeria em massa. O movimento #metoo já foi acusado de ser uma caça às bruxas, neste caso, aos bruxos da misoginia – mas isso não interessa nada para aqui. Naqueles tempos sombrios as mulheres era consideradas mais fracas e susceptíveis à persuasão diabólica. Muitas das mulheres acusadas de bruxaria eram pobres, velhas e viúvas, na menopausa ou no pós-menopausa. Contudo, as bruxas surgem e surgiram de muitas formas e feitios, e por mais que se considere ‘radical’ o feminismo que tenta perceber que contornos esta caça as bruxas teve, as bruxas não deixam de ser uma questão bastante feminina. E parece que todos nós, uns mais do que outros, temos que lidar com a bruxa que existe. A psicologia do Jung analisa extensivamente o arquétipo da bruxa como a necessidade intrínseca de transgressão – que é socialmente vista como perigosa, malévola e indesejável. A bruxa, que é equiparada com a puta interior, vive à margem da sociedade, e – em vez de ser fruto do que quer seja que vivemos ou possuímos na nossa genética – é um produto civilizacional. Conseguiremos ir além da dicotomia da princesa e da bruxa das histórias de encantar e das mitologias? Como é que nos faz bem, a homens e mulheres de igual forma, incorporar os valores e fantasias das bruxinhas que outrora, e hoje, tememos tanto? A nossa bruxa, embora difícil de entender, é bastante normal. O problema é que a sexualidade, a perversão, e a diabolização do sexo que compete à bruxa incorporar, precisa de um espaço de compreensão. Mas quem é que tem coragem de dançar com a bruxa, e com o seu lado destrutivo e negro? Só aquelas e aqueles que têm a coragem de aceitar o maior desafio humano. Aprender a tocar, e a ritmicamente mexer com aquilo que mais nos aflige e nos assusta porque sabemos (ou pelo menos devíamos saber) que a bruxa não é nada mais do que um bocadinho de nós próprios.