Falando sobre as raízes da sabedoria – Cai Gen Tan 菜根譚

Tradução de André Bueno
(continuação)

61.
Aquele que estuda deve pensar de modo consciente e cuidadoso, deve ter gostos e modos apropriados.
Se ele se apega a alegrias e tristezas mundanas, ele decairá como o outono, e não será forte como uma primavera.
Dessa forma, como pode fazer florescer as dez mil coisas?

62.
Uma pessoa verdadeiramente honesta não tem fama de honesta; os gananciosos é que querem essa reputação.
Uma pessoa realmente talentosa não alardeia suas habilidades; os inaptos é que fazem tal alarde.

63.
O cântaro Qi* se derrama quando está cheio; o cofre Puman* continua intacto mesmo quando está vazio.
Assim, o sábio prefere morar num lugar em que não haja ambições constantes; e deseja viver num lugar que ainda esteja incompleto, sem terminar.
*o cântaro Qi era um antigo vaso de bronze que só se equilibrava quando estava pela metade: quando vazio, ele caía; cheio, ele derramava. O vaso era usado perto dos governantes, para advertir contra os excessos e ausências. O cofre Puman era feito de barro, e era quebrado quando estava cheio de moedas.

64.
Aquele que não se livrou da ânsia de reconhecimento, pode desdenhar mil riquezas e se comprazer em viver livremente, mas ao final se perderá na vulgaridade do mundo.
Aquele que é cerimonioso, mas não compreendeu o significado dos costumes [ritos], por mais que sua influência se estenda pelos quatro mares, e dure por dez mil gerações, ao final, seus gestos serão vazios.

65.
Se os pensamentos de uma pessoa forem claros, ela terá o Céu azul, mesmo no meio de um quarto escuro.
Se seus pensamentos ocultam intenções obscuras, mesmo em um dia brilhante, haverá demônios [em sua mente].

66.
As pessoas sabem que um cargo e a fama fazem alguém feliz; mas não sabem que aquele que é mais feliz, é o que não tem nem cargos, nem fama.
As pessoas sabem que a fome e o frio preocupam; mas não sabem que se preocupar sempre é pior do que a fome e o frio.

67.
Se uma pessoa faz algo errado e tem medo que os outros saibam, ainda assim ela tem consciência em meio ao mal.
Se uma pessoa faz algo correto e quer que todos saibam, ainda assim sua bondade está contaminada pelas raízes do mal.

68.
O poder do Céu e a força das coisas não têm medida; às vezes restringem, às vezes expandem, movem e dirigem os heróis, derrubam tiranos.
Quando um sábio encontra a adversidade, exercita sua paciência; quando vive na tranqüilidade, ele pensa no perigo.
Mesmo o Céu não pode influenciar sua natureza.

69.
Uma pessoa irascível é como um fogo devorador; tudo que ela encontra, ela consome.
Uma pessoa malvada é fria como gelo; tudo que ela encontra, ela dana.
Uma pessoa obstinada e inflexível é como água estacada ou madeira podre; sua vitalidade está extinta.
Essas pessoas vivem se preocupando em conseguir as coisas, mas a felicidade continua escapando delas.

70.
A felicidade não pode ser conseguida; manter o espírito feliz é a essência da felicidade. Isso é tudo.
A desventura não pode ser evitada; expulsar os pensamentos daninhos mantém a desventura longe. Isso é tudo.

71.
Se de dez frases ditas, nove forem corretas, não se receberá crédito; mas se uma frase for falsa, se carrega toda a culpa.
Se de dez planos traçados, nove se realizam, não se receberá felicitações pelo talento demonstrado; mas um plano que fracassa atrai todas as críticas.
Uma pessoa realizada prefere o silêncio à ação impetuosa, e prefere parecer um bobo a talentoso.

72.
Há um espírito do Céu e da Terra*; quando ele é cálido, faz com que as coisas cresçam; quando ele é frio, faz com que as coisas morram.
Assim, quando o espírito humano é frio, ele é triste; mas quando um coração é cheio de calor, ele é feliz e benévolo.
*Vento

73.
O Caminho do Céu é muito amplo; se o coração se inclina em sua direção, ele se expandirá e brilhará em seu peito.
O Caminho do desejo humano é muito pequeno; quem caminhar por ele, encontrará espinhos e lamaçais.

74.
Vivendo a constante alternância entre tristeza e alegria, chega-se à verdadeira felicidade; provando por si mesmo a dúvida e a certeza, alcança-se o verdadeiro conhecimento.

75.
O coração não deve estar cheio de desejos; apenas vazio, ele recebe a presença da razão.
O coração não deve estar sem substância; somente assim ele impede a entrada das tentações.

76.
Em lugares sujos, muitas coisas florescem; às vezes, nas águas cristalinas, não há peixes.
O sábio deve preservar a paciência em seu coração, pois ele não estará sozinho, o tempo todo, desfrutando de suas virtudes.

77.
Um cavalo impetuoso pode ser domado e cavalgado; as gotas de ouro que caem de um forno podem voltar ao molde; mas uma pessoa capaz, que tenha perdido seu entusiasmo, e está parado, não poderá progredir.
Baisha* disse: ‘as pessoas cometem erros, e isso não é causa de vergonha; mas uma vida toda sem erros, isso sim me preocuparia!’.
Sábias palavras!
*Sábio Confucionista do período Ming.

78.
Se apenas um pensamento errado entra na mente, a força se converte em fraqueza, a inteligência se confunde, o Humanismo se desvia, o espírito puro se corrompe, e a virtude acumulada por toda uma vida se perde.
Assim diziam os antigos: ‘não corrompa seus tesouros’; e puderam vencer a ambição durante todas as suas vidas.

79.
O olho e ouvido vêem e enxergam as coisas que lhe atraem, externas e enganadoras.
A mente tem seus desejos e paixões, íntimas e enganadoras.
A pessoa de mente clara não se confunde; ela se coloca no centro de sua casa, e converte os inimigos em hóspedes.

80.
Planejar, para alcançar aquilo que não se tem, não é melhor do que progredir, e se expandir, com o que se tem.
Arrepender-se dos erros passados não é tão bom quanto prevenir-se de enganos futuros.

81.
O espírito humano deve ser elevado e amplo, mas não disperso ou fechado; deve ser meticuloso e detalhado, e não insosso ou trivial; o temperamento deve ser tranqüilo e sensível, mas sem ser insípido ou monótono; suas ações devem ser ordenadas e imparciais, mas não extremas e inflexíveis.

82.
O vento agita um bosque de bambus, sopra, e não deixa nem um silvo atrás de si; um pato voa sobre o lago no inverno, passa, e ao ir embora, sua imagem não permanece na água.
Assim, o sábio vai até o problema e se concentra nele; depois que termina, seu coração volta a repousar.

83.
Ser puro, mas tolerante com os demais;
Ser humanista, e tomar decisões justas;
Ser claro, mas criticar sem ferir;
Ser reto, mas sem se exceder;
Assim como as frutas em conserva não devem ser muito doces, nem a comida do mar muito salgada, tudo isso* forma a virtude perfeita.
*O equilíbrio, a justa medida das coisas.

84.
Um homem pobre capina o baldio até ele estar pronto; a mulher pobre lava a pele até deixá-la limpa. Essas cenas não parecem bonitas, mas sua grandeza as reveste de elegância.
Assim, quando um Educado encontra pobreza e austeridade, porque razão ele desistiria de seus ideais?

85.
No ócio, não desperdice seu tempo; há sempre algo com que ocupar-se.
Na tranqüilidade, não deixe de fazer as coisas; há sempre um bem que se possa fazer.
Na obscuridade, não deixe que sua mente trame ou se engane: é benéfico manter o pensamento claro.

86.
Se seu pensamento busca o Caminho dos desejos, então o traga de volta; ao notar uma idéia impura, pegue-a e a jogue-a fora.
Assim, se transforma a desventura em felicidade, e se afasta a morte.
É um momento crucial, em que não deve haver pressa.

87.
Na tranqüilidade, os pensamentos são claros como a água, e se pode ver a verdadeira essência do coração;
Nos momentos de ócio, o espírito não está perturbado, e se podem ver as verdadeiras intenções do coração;
Em uma vida simples, a atitude é modesta e moderada, e assim se pode sentir a verdadeira essência do coração;
Para examinar um coração, essas são as três melhores coisas.

88.
Estar em um lugar silencioso não é o silêncio verdadeiro; o silêncio em meio aos afãs é que está de acordo com a natureza do Céu.
Estar feliz numa situação alegre não é felicidade verdadeira; a felicidade, em meio à adversidade, é a verdadeira realização do coração.

89.
Ao sacrificar seus interesses, não tenha dúvidas; ter dúvidas atrai vergonha sobre o sacrifício.
Ao ser caridoso, não exija recompensa: exigir recompensa arruína um coração generoso.

90.
Se o Céu me concede uma pequena porção de felicidade, eu acumulo virtude para compensar o que falta.
Se o Céu me enche de adversidades, eu alegro meu coração para compensar as circunstâncias.
Se o Céu põe desvios no meu Caminho, aperfeiçôo meu entendimento para suavizar minha andança.
Sendo assim, o que o Céu pode me fazer de mal?

91.
Um Educado não reza por felicidade, e o Céu, sem mostrar, enche seu coração de felicidade.
O ignorante se concentra em evitar acidentes, e o Céu sempre faz com que ele se perca.
Assim vemos que o poder e a sutileza do Céu são as coisas mais profundas que existem; de que adianta a astúcia contra ele?

92.
Se depois de anos uma cortesã se casa, é porque sua vida passada não foi um obstáculo; se uma mulher virtuosa perde a integridade, tudo que ela fez ao longo dos anos se perde.
Um provérbio diz: ‘ao julgar uma pessoa, olhe seus últimos anos’.
Palavras acertadas!

93.
Se uma pessoa comum está disposta a cultivar a virtude em segredo, ela é como um alto oficial sem fama.
Se um nobre fica apenas tramando meios de aumentar seu poder e fortuna, ele não é mais do que um miserável com um alto posto.

94.
Ao lembrar os méritos de nossos antepassados, graças aos quais podemos desfrutar de nossas vidas, devemos pensar também nas dificuldades pelos quais passaram.
Ao pensar na felicidade de nossa descendência, que aproveitará a herança que a deixarmos, devemos lembrar também o quanto é fácil que eles a dilapidem.

95.
Uma pessoa supostamente justa, que só pretende fazer o bem, não é diferente de um egoísta.
Uma pessoa supostamente justa, que mascara sua conduta, está abaixo de um comum que apenas começou a mudar de vida.

96.
Quando membros de uma família têm suas desavenças, não é apropriado ter ataques de fúria, nem descartar os problemas como se fossem triviais.
A situação pode ser difícil de discutir; assim, é melhor usar de analogias para mostrar o problema. Se isso não funcionar no momento, espere o outro dia para corrigir o culpado.
Como o vento da primavera que descongela, como o calor que derrete o gelo lentamente; esse é o modelo para cuidar de assuntos domésticos.

97.
Se o coração olhasse paras as coisas e achasse tudo bom, todas as coisas abaixo do Céu seriam perfeitas.
Se o coração for habitualmente generoso e sereno, desaparecerão todos os vícios e a malícia deste mundo.

98.
Aquele que não busca fama nem riqueza certamente desperta a inveja do ambicioso; aquele que é moderado em sua conduta certamente desperta o incômodo no falador.
Nessas circunstâncias, o sábio não deve comprometer de modo algum sua conduta, nem mesmo ser condescendente com tais atitudes.

99.
Em meio à adversidade, tudo o que encontramos tem o efeito de agulhas de acupuntura e da medicina dos remédios amargos; essas coisas reforçam nosso caráter, sem que notemos.
Em meio a circunstâncias favoráveis, é como se estivéssemos entre soldados, facas, machados e lanças*, ou como uma lâmpada que vai se consumindo: essas coisas enfraquecem nosso espírito, sem que notemos.
*Desgaste de um combate; Tensão gradual.

100.
Em meio aos luxos e comodidades, uma pessoa é como um fogo abrasador, e sua ânsia de poder é como um incêndio violento.
Se esses desejos não foram moderados com aspirações sensíveis e honestas, esse fogo não consumirá aos outros, mas a si próprio.

(continua)

* O Cai Gen Tan菜根譚foi escrito no século XVI pelo erudito Hong Yingming 洪應明 (ou Hong Zicheng洪自誠, 1572-1620), próximo ao final da dinastia Ming大明 (1368-1644). (…) Hong buscava estabelecer uma analogia entre as três grandes correntes do pensamento chinês em sua época: Confucionismo, Daoísmo e Budismo Chan (Zen). O livro de Hong é uma apresentação de trezentos e sessenta aforismos sobre os mais diversos aspectos da vida, sempre baseado nos ensinamentos das três grandes linhas

5 Fev 2023

A ratazana astuta

Ia adiantada a noite quando eu, Su Dongbo, comecei a ouvir o roer de um rato. Bati na madeira da cama para acabar com o ruído. Parou durante alguns instantes, mas logo recomeçou. Pedi ao meu criado que me trouxesse uma vela e, depois de muito procurar, encontrámos um saco vazio, do interior do qual provinha o barulho. Eu disse: “Ah, a ratazana ficou fechada lá dentro e não pode sair.” Então abrimos o saco, olhámos para o interior e não vimos nada. Levantámos a vela e descobrimos o que parecia ser uma ratazana morta.

O meu criado exclamou, surpreendido: “Como é possível este animal que ainda agora roía a madeira, ter morrido tão depressa? Há pouco, de onde vinha o ruído, não seria o fantasma do rato?” Ditas estas palavras, tirou a ratazana para fora do saco. A bicha, assim que tocou o chão, desatou a correr a uma tal velocidade que nem mesmo o mais rápido estafeta a conseguiria apanhar.

Eu suspirei e disse. “Estranhas as artimanhas da ratazana. Fechada num saco de onde não podia sair, começou a roer, para chamar a atenção, depois fingiu-se de morta e assim conseguiu escapar.”

Tenho ouvido dizer que o homem é o mais inteligente dos seres vivos, consegue domar dragões, vencer infindáveis monstros, caçar unicórnios, subjugar tartarugas. Será, por isso, o mestre de toda as criaturas. E agora, aqui temos um homem enganado pela astúcia de uma simples ratazana, um animal que associa a velocidade da lebre ao comportamento de uma donzela.[1] Eu pergunto, onde está a inteligência dos homens? Sentei-me, num leve dormitar. Interrogava-me quanto a estas questões quando, de súbito, me pareceu ouvir uma voz, dizendo:

“Os teus conhecimentos são demasiado livrescos, procuras o Tao e não o encontras. Em vez da subjectividade, tentas ser objectivo e acabas por te escravizares às circunstâncias. Até o roer de uma ratazana te perturba. És um homem que não sabe viver com jóias raras e lamentas a perda de caldeirões cheios de coisa nenhuma. És capaz de atacar tigres ferozes, mas mudas de côr ao seres picado por uma abelha. Estas são algumas das moléstias que fazem parte de ti e as palavras foram pronunciadas por ti próprio.[2] Já as esqueceste?”

Levantei a cabeça e sorri. Depois, completamente desperto, pedi ao meu criado que me trouxesse um pincel e tinta para eu escrever este texto, nada elogioso sobre a minha pessoa.

Tradução: António Graça de Abreu

[1] “Primeiro assume o comportamento de uma donzela, e o teu inimigo abrir-te-á as portas, depois sê rápido, como uma lebre em corrida e o teu inimigo não terá tempo para se defender.” Citação de Sun Zi (544 a.C.-496 a.C.), Arte da Guerra, cap. 9.
[2] Aos dez anos de idade, a pedido do pai, Su Dongbo escreveu uma pequena composição sobre um homem que não gostava de jóias e queria destruir grandes caldeirões. Atacava tigres ferozes mas mudava a cor do rosto com a picada de uma abelha.

5 Fev 2023

Previsões por animal e ano para 2023 – Parte II

As pessoas que nasceram antes do Lichun (Princípio da Primavera, que este ano e normalmente ocorre a 4 de Fevereiro, mas pode acontecer a 3 ou a 5 desse mês) são nativas do animal do zodíaco respeitante ao ano anterior. Assim quem nasceu em 2023, mas antes de 4 de Fevereiro será do ano do Tigre.
As previsões aqui expressas são a interpretação das ideias escritas por Edward Li.

 

Cabra

No ano de Coelho, a Cabra está com os três que se combinam (三合, San He: Coelho, Cabra e Porco) e por isso, encontra-se nos melhores três animais do ano. Não importa onde chega, terá imensos amigos ao seu redor e nada poderá encobrir a sua luz, pois é encantador e muito charmoso.

Carreira: Ano para poder atingir o topo, pois conta com as poderosas estrelas da sorte Ba Zuo (八座) e Jiang Xing (将星, do General) relacionadas com ficar na posição de comando e ter o poder nas mãos. Como líder, toda a gente o respeita e com um grupo perfeito a trabalhar para si, todos os seus projectos facilmente se concretizam, sendo o muito bom retorno dos investimentos propiciado pela estrela da sorte Jin Kui (金柜, Cofre Dourado).
As estrelas da sorte Tian Jie (天解) e Jie Shen (解神) ajudam a solucionar os problemas e mesmos os causados por acidentes não provocarão qualquer crise. Assim, não importa quão grande é o problema, ou as dificuldades, facilmente consegue resolvê-los, ou alguém o irá ajudar à sua resolução. É ano para levar todos os seus sonhos a tornarem-se realidade.

Amor: No ano que três combinam (三合San He) encontra-se muito atractivo, chamando a atenção sobre si e daí, tenha cuidado pois poderá não conseguir controlar tudo. Uma das fortes más estrelas, Bai Hu (白虎, Tigre Branco) representa problemas proveniente do ser feminino e daí os solteiros nativos de Cabra deverem tomar cuidado e não deitar fora a boa sorte colocando-se em trabalhos complicados. Os casais devem prestar mais atenção à família, pois a harmonia familiar ajuda não só a carreira, mas também engrandece o respeito que as pessoas têm por si.

Saúde: Terá as más estrelas, Chen fu (沉浮, altos e baixos), a representar desequilíbrio emocional e a facilmente ter acidentes e magoar-se e Xue Ren (血刃, Fio da lâmina com sangue) a indicar confronto, ou ter de ser operado, especialmente para o ser masculino devido à má estrela Bai Hu (白虎, Tigre Branco). Assim, em Junho e Julho, meses de maior Fogo, deve equilibrar com o Elemento Água, por exemplo comendo sobretudo cozidos e evitar os fritos e assados.

Os nativos de Cabra nascidos em:
1967 – Uma poderosa ajuda coloca a carreira num novo patamar e ao trabalhar arduamente ganhará mais, mas não se esqueça da sua saúde.
1979 – Ano para experimentar novas áreas pois nos caminhos que escolher conseguirá bons resultados. Importante realizar uma festa de aniversário para juntar os amigos e assim terá boas energias.
1991 – O trabalho preparado até agora dará frutos. Será um ano muito activo, mas deverá tomar cuidado e não beber muito à noite, pois tal pode trazer-lhe problemas. Os seres femininos nascidos neste ano terão uma grande mudança e terão de ter cuidado com tudo.

Macaco

Parabéns aos nativos de Macaco pois este ano estão no primeiro lugar dos animais do zodíaco e contarão com a ajuda de oito estrelas da sorte, a permitir facilmente trepar aos lugares cimeiros. Macaco (shen, 申) é Elemento Metal yang e como normalmente Fogo arde Metal e sendo este yang, alimentado pelo Elemento do ano Madeira transforma-se em aço. Daí a mudança ser completa e apenas precisar de um plano detalhado para agarrar a sorte, a colocá-lo no auge da vida.

Carreira: Zi Wei (紫微) e Long De (龙德, virtude do dragão) são as mais poderosas das estrelas da sorte e representam conquistar poder e ser promovido, sendo muito bom para a carreira e daí o sucesso estar quase todo nas suas mãos. Tal é promovido ainda mais pelas estrelas da sorte Yu Tang (玉堂, lugar cheio de jade), Guo Yin Gui Ren (国印贵人, Carimbo oficial a ajudar) e Tai Ji Gui Ren, (太极贵人), pois devido às muito boas relações com uma honorável e respeitável pessoa, conta com a ajuda de um governante com carimbo de jade a trazer-lhe riqueza. A estrela da sorte Di Jie (地解, Terra e abrir o cadeado) representa solucionar os problemas e a estrela da sorte Ci Guan (词馆, Perfeitas palavras) colocam as pessoas a acreditar e a investir em si só por o ouvir falar.

As más estrelas Bao Bai (暴败, Perdedor e mudanças que não pode controlar) e Tian E (天厄, Catástrofes provenientes do Céu) colocam-no perante um acontecimento imprevisto, mas que não lhe trará graves problemas. Só os nativos nascidos entre 8 de Outubro e 7 de Novembro e os que tenham o bazi cheio do Elemento Fogo precisam de tomar mais cuidado com as ocorrências provocadas por estas duas más estrelas.

Amor: A estrela da sorte Hong Yan (红艳, emoção e amor) representa um ano emocionalmente feliz e não importa se quer casar ou ter uma relação amorosa, conseguirá o que deseja. Apenas precisa de se mostrar e não guarde para si os seus sentimentos, expresse-os em voz alta, pois está no máximo da sua sorte, o que aparece apenas uma vez em cada doze anos.

Saúde: Num ano de sucesso, precisa, no entanto, de ser modesto/a, pois deve manter as emoções equilibradas e tranquilas, assim exige a sua saúde. Os nativos nascidos no Verão, logo com mais Fogo, facilmente terão acidentes ou precisam de fazer uma operação cirúrgica. Por isso, evite discussões e deve ir ao Templo fazer sacrifícios para colocar o ano mais seguro.

Os nativos de Macaco nascidos em:

1968 – Ano para mostrar as suas qualidades e qualificações profissionais, e levar os outros a respeitá-lo. Conseguirá alcançar o que esperava há muito tempo.
1980 – Na área profissional terá uma surpresa, pois poderá ser promovido e alcançar um lugar de destaque. Mas trabalhando arduamente, não se deve esquecer de descansar, e mesmo ao conduzir, pois o mais importante é a segurança.
1992 – Ano para criar o seu próprio negócio, abrir uma empresa, comprar propriedades, sendo ainda bom para casar e constituir família.
2004 – Com os familiares a tomar conta de si, é um importante ano para entrar no mundo social e deve usar essa boa oportunidade para preparar o espaço que se apresenta à frente.

Galo

No ano de Coelho, os nativos de Galo (Elemento Metal) estão em Chong Tai Soi, a colidir com o Deus do Ano, significa que o Metal corta a Madeira, o Elemento do Coelho, mas porque a Madeira é mais forte, pois está em Tai Sui, leva o Metal a quebrar e daí, sem ajudas de estrelas da sorte, os nativos de Galo ficam muito sós. Apenas poderá contar consigo para resolver os problemas. Os nascidos na Primavera e Verão sofrerão mais ainda, sendo um pouco melhor para os nascidos no Outono e por isso é ano para exigir menos e moderar as expectativas.

Carreira: Precisa de se mexer, pode ser mudar de emprego, de casa ou de parceiro. Muitas destas mudanças estarão fora dos seus planos, o que leva a não estar preparado. Irá trabalhar arduamente, mas o que recebe é nada, ou apenas problemas. Não conta ajuda de nenhuma estrela da sorte e as más estrelas Yue Kong (月空, mês vazio) Da Hao (大耗, gastar uma fortuna) colocam-no a gastar muito dinheiro e a não conseguir amealhar. A má estrela Lan Gan (阑干, barreira) indica ter sempre de se confrontar com problemas. Já a má estrela Qiu Yu (囚狱, Dentro da Prisão) previne-o para quando assinar algum documento tomar muito cuidado e evite dar garantias às pessoas. Ano em que menos é mais!

Amor: Ano de Chong Tai Sui combinado com a má estrela Po Sui (破碎, separação) leva a não existirem dúvidas quanto a mudanças que ocorrerão. Se sentir que não consegue decidir, fale com um amigo. Mantenha-se calmo e trate tudo como se fosse uma situação normal.

Saúde: Propenso a ter acidentes, deverá controlar as emoções e evitar qualquer tipo de discussão. Pode-lhe ocorrer não só um AVC, como ter problemas de coração e também de estômago, pele, membros superiores e inferiores. Deve ir ao Templo fazer sacrifícios ao Deus do Ano e não se esqueça de relaxar o mais possível.

Os nativos de Galo nascidos em:
1957 – O mais importante é a saúde e quando falar tome muito cuidado pois poderá causar bastante ruído. Mantenha-se como se estivesse reformado e a não-acção é o estado mais criativo para este ano.
1969 – Ano em que vai usar a sua imobilidade para se confrontar com as mudanças. Não importa na carreira ou no amor, não precisa fazer nada de especial, pois se acontecer, aconteceu.
1981 – Precisa de tomar conta de tudo e trabalhar arduamente, o que o coloca sob pressão, tanto física como emocional. Ano para aprender e deixar andar, melhor do que tentar controlar sempre tudo. Entre o casal haverá imensas discussões. Não se deixe ir em relações amorosas exteriores.
1993 – Ano cuja criatividade e interesses o podem ajudar a tentar experimentar diferentes áreas, mas ter sucesso não dependerá de si, sendo mais importante ganhar experiência.
2005 – Ano para facilmente entrar em depressão e os transtornos de humor tomarem conta da sua vida, por isso procure distrair-se com assuntos do seu interesse, devendo os seus parentes tomar mais atenção e acompanhá-lo.

Cão

Sendo o Cão e Coelho um dos seis pares que se combinam (liu he 六合), no ano de Coelho, os nativos de Cão tornam-se muito simpáticos, tendo boas relações com todas as pessoas e daí todos gostarão de cooperar consigo. Para o seu desenvolvimento, apenas poderá fazer pequenas coisas, pois não é ano de realizar grandes projectos. Relaxe, deixando as coisas ir e vir naturalmente e assim terá uma vida encantadora.

Carreira: A estrela da sorte Yue De (月德, Virtude da Lua) coloca-o muito generoso e amigo, com boas emoções para tudo e todos, o que ajudará no trabalho devido a cooperar muito bem com os colegas. É um ano bom para transformar os inimigos em amigos. Conseguirá resolver a maior parte dos problemas que vinham do passado, mas não deve esperar grandes desenvolvimentos nos projectos, apenas servirá para criar as bases. A má estrela Xiao Hao (小耗, pequenos gastos) poderá até ser benéfica, pois gastando um pouco de dinheiro consegue reunir os amigos em convívio festivo no qual todos gostarão de estar e daí atingir a harmonia.

Amor: A estrela da sorte Xian Chi (咸池) propicia o casamento e boas relações entre pessoas, logo será um ano para começar a namorar e mesmo casar, ou se já for casado poderá ter filhos a trazer-lhe prosperidade. Entre o casal, os problemas que existiam há muito tempo serão resolvidos e será uma boa oportunidade para uma nova lua-de-mel. Assim, para os nativos de Cão este ano nada é mais importante que o amor.

Saúde: Como o Cão (戌, Xu) é do Elemento Terra yang, logo quente, este ano os nativos estarão separados entre os que têm um bazi a precisar de Fogo, como os nascidos no Inverno, e quem já tem muito Fogo, nascido em Março ou Outubro, a ter de tomar cuidado com problemas de coração e fígado, em especial os anafados seres masculinos. A má estrela Shi Fu (死符, sinal de morte) previne-o para ter cuidado pois poderá ter um acidente e por isso deve evitar praticar desportos radicais perigosos.

Os nativos de Cão nascidos em:
1958 – É o mais afortunado dos nativos de Cão. Ano relaxado e fácil, com muitos encontros e convívio com a família e amigos. Por isso, controle bem o estômago e não coma e beba em demasia.
1970 – Tornar-se-á activo a expressar na carreira a sua personalidade e saber, mas estará muito pressionado. Melhor transferir a atenção para a família, pois tê-la harmoniosa traz-lhe boas e saudáveis emoções.
1982 – Sentir-se-ão como peixe na água. As boas relações sociais trarão muitas ideias criativas. Para o ser masculino, a vida terá algumas pequenas ondas. Tome mais atenção à saúde e é importante oferecer sacrifícios ao Deus do Ano.
1994 – Ano muito ocupado e pode vir a casar, ou a ter um novo membro na família. Se nasceu no Verão, precisa ter muito cuidado durante as viagens, ou a conduzir.
2006 – Estudará bem e terá um bom relacionamento com os colegas, sendo mencionado pelos professores como um exemplo e constantemente requisitado pelos outros para participar em actividades.

Porco

Porco no ano do Coelho está em San He (三合, três animais que combinam, Coelho, Cabra e Porco) a representar poder juntar pessoas à sua volta e ser bem-vindo onde chega. Os nativos de Porco gostam normalmente de trabalhar sozinhos e tudo decidir para ter sucesso, mas este ano já estão no momento e lugar certo, faltando apenas trabalhar em conjunto e assim conseguir uma boa cooperação. Essa é a chave para adquirir um poder forte.

Carreira: Contará com três estrelas muito boas, logo o sucesso está à sua frente e apenas precisa de agir. As estrela da sorte San Tai (三台, Três plataformas com Carimbo) coloca-o este ano na posição de chefia e combinada com a Jiang Xing (将星, do General, ligada à carreira, autoridade e ao poder) ajudará as pessoas a seu cargo a trabalhar bem melhor. Só precisa de se colocar no meio das pessoas e organizá-las para as guiar a conseguir maximizar o trabalho conjunto. Ampliar o grupo, diversificar as áreas e ter uma nova estratégia. A estrela da sorte Jin Kui (金柜, Cofre Dourado) traz sorte em assuntos financeiros e acumulação de ganhos e quanto mais trabalha mais recebe. A estrela da sorte Tian Chu (天厨, Cozinha do Céu) permite saborear boa comida.

A má estrela Guan Fu (官符, tomar muito cuidado e não colocar como garantia a sua palavra) adverte não dever usar o caminho fácil e muitas vezes ilegal, mas manter-se na via correcta. Já a má estrela Wu Gui (五鬼, Cinco fantasmas, a representar pessoas a dizer mal de si nas suas costas e que lhe querem mal) não trará problemas se se mantiver escorreito.

Amor: Este ano a sua disposição leva-o a ser muito simpático, cativando as pessoas ao seu redor e apesar de muito solicitado para relações amorosas, por estar muito ocupado com a carreira não terá espaço para nelas se embrenhar. Para os casais, o amor vai-se vivendo em pequenos gestos e actos.

Saúde: A má estrela Yang Ren (羊刃, representa corte a provocar sangue) avisa poder ter de fazer uma operação cirúrgica, precisando os nativos de Porco nascidos na Primavera de tomar mais cuidado. Já a má estrela Wu Gui (五鬼) leva a ser fácil ocorrerem pequenos problemas, como quedas e outros acidentes menores e para os evitar deverá colocar a sua casa com bom Feng Shui (Vento, Água), limpando todo o lixo e a guardar bem os objectos cortantes.

Os nativos de Porco nascidos em:
1959 – Tem muitas oportunidades para ganhar dinheiro, mas deve focar-se no que será bom para si e escolher o momento certo para agir. Ano em que conquista grande respeito.
1971 – Ano muito ocupado. Quanto mais trabalha mais ganha, mas deverá controlar o que bebe e come e moderar as saídas à noite para se manter em forma e com saúde.
1983 – Este ano a sua mente acorda e ilumina-se, conseguindo ter pensamentos argutos e rápidos e contará com a ajuda e apoio de diferentes grupos. Aprenderá muito facilmente e reage rápido. Na carreira, é o melhor entre os nativos de Porco.
1995 – O melhor entre os nativos de Porco quanto a dinheiro, pois este virá ter consigo. Por um lado, precisa de agarrar todas as oportunidades para vencer na competição, mas também deverá dar espaço ao adversário e não lhe tirar a face, criando assim a situação de ganhar e dar a ganhar.
2007- Ano para aprender a cooperar com os amigos. Evite ser muito efusivo e deve saber respeitar os outros, pois ao conseguir conquistar um amigo, deixa de ter mais um inimigo.

Rato

Este ano os nativos de Rato encontram-se em Xing Tai Sui, a ser julgados pelo Deus do Ano, levando a facilmente entrarem em discussões e poderem encontrar-se fora da lei.

Carreira: Em tudo o que fizer este ano, como assinar documentos, deverá tomar muito cuidado e verificar todos os pormenores. Evite dar garantias em assuntos ligados com dinheiro. Se trabalhar como advogado, ou no Tribunal, será um bom ano. Sem estrelas da sorte a ajudar na carreira, no entanto, terá a muito boa estrela da sorte Tai Yin (太阴, Lua) a permitir ampliar o grupo de amigos, pois esta representa boas relações sociais e com esse investimento, consegue transformar o negativo em situações positivas. A estrela da sorte Lu Shen (禄神) leva a não precisar de se preocupar com as finanças e a ter mesmo a possibilidade de arrecadar mais dinheiro do que esperava.

Amor: A estrela da sorte Hong Luan (红鸾, Sorte no Amor) representa matrimónio e só lhe aparece de doze em doze anos, por isso é fundamental não perder esta oportunidade; quem se encontra ao seu lado e o acompanha é a pessoa certa para si.

Saúde: Num ano Fan Tai Sui, o corpo facilmente terá problemas e também estará sob enorme pressão devido a ter de resolver inúmeros problemas. Os seres idosos femininos estão propensos a problemas ligados com o útero, enquanto os masculinos com a próstata, sobretudo os nascidos em 1960. Daí, no início do ano ser melhor fazer um exame de saúde.

Os nativos de Rato nascidos em:
1960 – Irá sentir-se desanimado/a com o demasiado trabalho que tem pela frente, e reconhece que poder e dinheiro são apenas ilusões do momento e o vazio que sente obriga a guardar mais tempo e espaço para si. A saúde é verdadeiramente a essência.
1972 – A carreira continua a desenvolver-se sem problemas. Novas ideias podem ser colocadas em acção, mas precisa de ter cuidado pois poderá encontrar alguém que lhe queira roubar os seus projectos.
1984 – A sua confiança está elevada e daí pode conseguir mais trabalho, mas tome cuidado com a saúde. As grávidas poderão ter de realizar uma operação para dar à luz.
1996 – Terá hipóteses de ser promovido/a, ou de ficar numa posição de chefia. Com ajudas qualificadas, a carreira conseguirá atingir um novo patamar. Realizar uma festa de aniversário leva a ter boas energias e a melhorar a sua vida.
2008 – Está na idade de abrir e descobrir o novo mundo que começa a aparecer-lhe à frente. Explore em conjunto com os amigos a curiosidade por coisas novas e a sexualidade que desponta, devendo recorrer ao saber dos familiares para desfazer dúvidas e não cair em erros.

Búfalo

No ano anterior chegou ao topo do monte e agora começa a fase descendente. Perante esse caminho natural, precisa de se preparar bem e saber aceitar o que tem pela frente. Será um ano em que prefere ficar só e fora do jogo da competição. Sem o apoio de estrelas da sorte, os nativos não irão ter grandes mudanças, tanto na carreira como no amor. Entre os doze animais, os nativos de Búfalo não gostam de se confrontar com algo novo, apenas de se manter como estão e por isso não será um ano difícil. No entanto, a má estrela Sang Men (丧门, ligado à porta da morte) irá afectá-lo emocionalmente, colocando-o muito em baixo durante todo o ano.

Carreira: A estrela da sorte Fu Xing (福星, protectora a limpar o caminho) ajudá-lo-á e mesmo enfrentando alguns problemas, tal não influenciará a sua base. Ano para trabalhar em silêncio, sem espalhafato e daí terá hipóteses de conseguir oportunidades de sucesso. Normalmente trabalha arduamente e o que faz é com seriedade, mas este ano deve orientar-se para tornar fácil e leve a realização do seu trabalho. A estrela da sorte An Lu (暗禄, Dinheiro Sombra, ou da Sorte) significa que conseguirá dinheiro fora das expectativas.

Amor: Como este ano prefere ficar sozinho/a e fora da vida social, pode imaginar o quão fechado/a estará e mesmo sendo convidado/a por alguém que se declara a si, não reagirá. A emoção afectada pela má estrela Sang Men (丧门, ligado à porta da morte) coloca-o/a sem interesse em nada e daí se o parceiro for nativo de Búfalo deve compreender essa tristeza e dar-lhe espaço e mais atenção, tomando conta dele/a.

Saúde: Ano para acompanhar com mais tempo a família, sobretudo dar mais atenção aos idosos. Normalmente fecha-se com os seus problemas, mas este ano tal só lhe fará mal, devendo pedir ajuda para desanuviar a pressão e colocar-se fora das angústias. Os nascidos em 1973 estarão susceptíveis de ter problemas físicos e por isso, no início do ano faça um exame de saúde e evite todo o tipo de desportos radicais.

Os nativos de Búfalo nascidos em:
1961 – Ano em que precisa de trabalhar arduamente e por isso tome cuidado para não ultrapassar as suas capacidades. Será fácil atrair más relações, por isso tenha cuidado para evitar perder dinheiro e face.
1973 – Terão muito apoio dos amigos e é um bom ano para trabalhar em cultura e ligado à gastronomia, mas cuide da saúde dos seus familiares mais velhos. O ser masculino está mais propenso a ter problemas do que o ser feminino e daí é bom ir ao Templo oferecer sacrifícios ao Deus do Ano.
1985 – É bem-vindo no grupo de trabalho, pois todos gostam da sua companhia, mas precisa de abrir mais o seu coração à família. Não importa quantos amigos tem, a família é na realidade o seu apoio mais forte.
1997 – Tudo terá de ser feito passo a passo, pois a rapidez leva a resultados opostos ao que pretende. Ano para parar e visualizar o que se passa à sua volta.

Tigre

Este ano tem a super estrela da sorte Tai Yang (太阳, Sol) e com esse poder os nativos de Tigre mostram-se com uma luz brilhante que tudo ofusca, levando-os a mudar completamente. Poderá ser verdadeiramente um tigre, o rei dos animais. É tão livre que não precisará de se preocupar com a carreira, amor e dinheiro, pois tudo isso o espera. Por isso, goze a vida.

Carreira: Para os nativos de Tigre o centro da vida está na carreira e nada mais importa pois é fascinado pelo trabalho. Mas este ano com a muito poderosa estrela da sorte Tai Yang (o Sol) os nativos ficam muito mais simpáticos, preferindo entregar-se à família e à vida social, sabendo não importar se trabalha ou não, pois tudo está controlado. A estrela da sorte Jin Yu Lu (金舆禄, grande fortuna) também representa facilidades, mas com a má estrela Tian Kong (天空, Vazio Céu) significa ficar confuso e não conseguir escolher pois tem uma grande quantidade de ideias e hipóteses e daí surge a sua indecisão.

Amor: A poderosíssima estrela da sorte Tai Yang em conjunto com a estrela da sorte Xian Chi (咸池, propícia o casamento e boas relações entre pessoas) levam a muita gente gostar de si e você reciprocamente transmite esse sentimento. Com tantas opções, os solteiros podem escolher quem preferem, mas a má estrela Liu Xia (流霞, atraente, mas com rápido terminar do relacionamento) leva a diversificar as pessoas com quem se relaciona, podendo trazer-lhe alguns problemas. Os casais, se a mulher escolher ter um filho poderá quebrar essa cadeia, ou então se realizar uma lua-de-mel, ou uma festa de casamento.

Saúde: Perante muitas relações amorosas, é mais fácil ter problemas relacionados com o sexo. Uma vida nocturna muito activa, com muito álcool leva a perder o controlo emocional e poderá provocar situações de violência. Os nativos nascidos na Primavera e no Verão estão propensos a ter AVC’s e ataques de coração, sobretudo por ainda estarmos num ano de pandemia.

Os nativos de Tigre nascidos em:
1962 – Terão um novo projecto e hipóteses de adquirir propriedades. Todos os amigos à sua volta o irão ajudar.
1974 – Conseguirá ajuda das pessoas mais velhas da sua família. Não haverá problemas com a evolução na carreira e daí este ano poder relaxar a tensão que normalmente empresta à sua vida. Apenas precisa de tomar atenção para evitar acidentes.
1986 – Com ajudas qualificadas, este ano pode dar asas às suas ideias e actuar livremente sem ter problemas. Será promovido a um lugar de responsabilidade.
1998 – Já com um lugar na sociedade, é ano para tirar resultados do que anteriormente preparou, devendo manter o caminho de desenvolvimento para poder dar continuidade ao seu rumo. É um vencedor tanto na carreira como no amor.

Votos de muito Boa Saúde – 身体健康 (Sun Tan Kin Hong, em mandarim Shen Ti Jian Kang).

3 Fev 2023

Previsões por animal e ano para 2023 – Parte I

As pessoas que nasceram antes do Lichun (Princípio da Primavera, que este ano e normalmente ocorre a 4 de Fevereiro, mas pode acontecer a 3 ou a 5 desse mês) são nativas do animal do zodíaco respeitante ao ano anterior. Assim quem nasceu em 2023, mas antes de 4 de Fevereiro será do ano do Tigre. As previsões aqui expressas são a interpretação das ideias escritas por Edward Li.

 

Coelho

Os nativos de Coelho encontram-se em Zhi Tai Sui, contra o Deus do Ano, e se nos últimos anos esperaram, sem fugir de uma rotineira normalidade, sentindo não ter a sorte a seu lado, agora chega uma nova vaga de mudança, provocada por estar contra o Tai Sui, o que traz boas notícias. É ano para preparar ou cuidar de muitas coisas: Muitos tomarão conta de si e outros pedir-lhe-ão ajuda. Se quer uma mudança completa terá antes de tudo de se esvaziar, deitar fora o que trazia e assim haverá espaço para receber o novo. Conta com cinco estrelas da sorte.

Carreira: As estrelas da sorte Tian Yi Gui Ren, (天乙贵人, poderosa ajuda ligada à criatividade) e Jiang Xing (将星, do General, conectado com carreira, autoridade e poder) trazem bons parceiros e apoio de pessoas qualificadas, que o colocam numa posição de poder, mais activo e a poder actuar. Já a estrela da sorte, Jin Kui (金柜, Cofre Dourado, sorte nos assuntos financeiros e acumulação de ganhos) significa que as suas acções resultarão em dinheiro. As estrelas da sorte Wen Chang (文昌), deus dos Letrados e da Literatura) e Tian Chu (天厨, Cozinha do Céu) trarão sucesso ao trabalho se estiver ligado à cultura ou à gastronomia.

Amor: Terá as relações marcadas por amantes e a sua activa vida social levará a um luminoso conjunto de possibilidades, mas por outro lado arranjará muitos problemas e tudo depende da sua capacidade para controlar as situações. Sendo um ano de mudança, não há dúvida que irá mudar de companheiro/a e por isso não pode colocar-se numa posição intransigente. Goze o tempo em conjunto e não peça resultados.

Saúde: Viajando muito, ou devido às muitas mudanças ficará exposto a acidentes. Tome atenção pois este ano estará sob a influência das más estrelas, Jian Feng (剑锋, ponta da Espada), podendo ocorrer problemas com objectos metálicos, ou ter de ser operado e Fu Shi (伏尸, Corpo Morto, a representar morte) propício a poder ter um grave acidente, especialmente aos nascidos na Primavera. Deve ir ao templo pedir protecção ao Deus do Ano, oferecendo-lhe sacrifícios.

Os nativos de Coelho nascidos em:
1963 – Este ano, tal como no anterior, encontram-se posicionados no topo entre os nativos de Coelho e mais activo, os negócios e carreira contam com um maior desenvolvimento. Terá uma vida cheia e feliz.
1975 – A estrela da sorte Lu Shen (禄神, bom rendimento e boas relações públicas) leva a ganhar dinheiro facilmente. Terá apoio e bons parceiros pois, ou tem um bom patrão, ou conta com bons empregados, por isso não desperdice esta boa oportunidade para ampliar a sua área de actuação.
1987 – Será promovido pois tem fama de trabalhar bem e daí poderá mostrar as suas capacidades, mas tudo deve ser feito degrau a degrau para evitar inveja e competição desonesta.
1999 – Terá a possibilidade de colocar a cabeça fora da toca para poder ser reconhecido, por isso não é ano de esperar, mas de fazer. Isto não lhe trará apenas mais dinheiro, mas também mais experiência para o caminho que se segue.

Dragão

Os nativos de Dragão estão em Hai Tai Sui, magoado pelo Deus do Ano, o que significa ter de se confrontar com muitos trabalhos e problemas. O Dragão nos 12 ramos terrestres (Di Zhi 地支) é chen (辰), Elemento Terra yang, e quando encontra Coelho, que é Madeira, significa a Madeira a beber toda a Água da Terra e daí os nativos sentirem-se vazios, sem força e assim este ano é como se estivessem no intervalo do jogo.

Carreira: Não contará com nenhuma estrela da sorte. Hai Tai Sui significa não ter boas relações com o seu parceiro/a, com quem terá imensas discussões. Mesmo tendo alguns projectos em mãos não conseguirá nenhum proveito. A má estrela Bing Fu (病符, a sinalizar doença) irá criar problemas, não só na saúde, como não terá vontade e interesse no trabalho. Já a má estrela Mo yue, representa não encontrar a direcção e sem acreditar nos outros, apesar de muito pensar, tem grandes dificuldades em tomar decisões. Assim, se nada fizer não haverá problemas, mas se tentar fazer algo só provoca erros. A solução é colocar-se como reformado.

Amor: Magoado pelo o Deus do Ano, não terá boa vida social e mesmo os amigos poderão tornar-se seus inimigos. Não terá desejo de se relacionar com pessoas interessadas em si e daí, se a/o sua/seu companheira/o de vida é Dragão deve preparar-se pois não só se magoarão fisicamente, mas também emocionalmente.

Saúde: Em Hai Tai Sui e com a má estrela Bing Fu (病符, Sinaliza doença) conjuntamente com a maligna estrela voadora 5 Amarelo (Wu Huang) na posição Noroeste (que representa o ser masculino) leva a que este ano o sexo masculino será quem mais sofre, em especial pais e homens mais velhos. É fundamental pedir protecção ao Deus do Ano e ir ao templo oferecer sacrifícios.

Os nativos de Dragão nascidos em:
1964 – Terão menos problemas entre os nativos de Dragão e se entender abrir o seu coração e aceitar não ser este um ano para melhorar a carreira, terá um ano confortável e relaxante.
1976 – Os seres do sexo feminino estarão em melhor situação do que os do sexo masculino. Na carreira, se as mulheres trabalharem bem conseguem proveitos, mas precisam de ter muito cuidado nos investimentos pois é um ano propenso a tomar decisões erradas e a perder dinheiro.
1988 – A segurança é mais importante do que todo o resto. Não espere um ano activo e quanto à carreira, mantenha o que já tem e evite competição, pois só lhe trará problemas. Ano de preparar as bases para o próximo, que será de Tai Sui, logo de mudança.
2000 – Terá de enfrentar muita pressão e por isso deve aprender a lidar com as emoções. Evite desportos pesados e tenha cuidado com os praticados fora de casa.

Serpente

Sem hipóteses de realizar grandes mudanças, este ano deverá preparar-se para contar apenas consigo. Mesmo sendo os nativos de Serpente normalmente de rápidas resoluções e arguta visão, habituados a antecipar e preparar os planos de actuação, as boas decisões são mais difíceis de tomar este ano sem o apoio dos outros.

Carreira: As estrelas da sorte, Tian Yi Gui Ren, (天乙贵人, poderosa ajuda ligada à criatividade) e Tai Ji Gui Ren (太极贵人, alguém a ajudar), trazem normalmente ajudas de qualidade, mas algo estranho ocorre no ano do Coelho, pois os apoios encontram-se nas suas costas. Se eles não agirem não haverá problemas, mas se actuarem, o resultado poderá ser oposto ao que queria ou esperava. Em especial para os seres masculinos nativos de Serpente, que ao quererem ajudar alguém fora dos seus conhecimentos, irão arranjar muitos problemas. Use mais a criatividade, pois se uma porta se fecha, poderá sempre abrir outra.

Amor: Fraco ano para relações amorosas. Não tome decisões precipitadas, pensando ter a pessoa certa à primeira vista. Os casados deverão ser mais pacientes para com o parceiro/a. Com a má estrela Tian Gou (天狗, Cão do Céu) é fácil criar conflitos. Terá gastos monetários imprevisíveis e alguém a enganá-lo/a e daí os nativos de Serpente perderem a confiança nos amigos acusando-os do que lhes acontece.

Saúde: As más estrelas Tian Gou, (天狗, Cão do Céu) e Diao Ke (吊客, morte de um familiar) provocam turbulência emocional, criando distúrbios aos nativos de Serpente. Já a má estrela Fei Ren, (飞刃, fio da lâmina), representa acidente ou operação cirúrgica. Se não sentir a mente limpa e clara é melhor nada fazer.

Os nativos de Serpente nascidos em:
1965 – A estrela da sorte Lu Shen (禄神) traz-lhe um bom ano na carreira e dinheiro.
1977 – Evite expor-se, pois pode provocar inveja aos outros. Bom ano para trabalhar no duro e manter-se em silêncio.
1989 – Ajudas qualificadas colocam-no a facilmente a vencer na sua área. Pode investir num trabalho extra a trazer-lhe mais rendimentos.
2001 – Ano rico materialmente, deve evitar ocupar todo o seu tempo nas relações amorosas e dê mais atenção ao estudo, ou no trabalho. Ano para aprender a aceitar a imperfeição, o que coloca a sua vida perfeita.

Cavalo

O nativo de Coelho, cujo Elemento é Madeira, está na posição Tai Sui e por isso recusa ajudar o nativo de Cavalo, de Elemento Fogo, e daí este ficar em Po Tai Sui (quebrado pelo Tai Sui, leva facilmente a ocorrerem danos), apesar de normalmente serem amigos pois, Madeira faz nascer Fogo. Mas este ano o nativo de Cavalo nada tem a recear já que conta com cinco estrelas da sorte a protegê-lo e assim poderá ter um ano feliz e cheio de riqueza.

Carreira: Sendo um parceiro excelente a trabalhar em equipa, este ano é perfeito pois consegue unir as pessoas e colocá-las a trabalhar muito bem e contentes. Tal deve-se à ajuda das estrelas da sorte Fu Xing (福星) e Tian De (天德), ambas estrelas protectoras que limpam o caminho e Fu De (福德, a trazer riqueza material e protecção pela virtude), significa que com o trabalho normal conseguirá o dobro dos resultados e sendo primoroso, com as três condições perfeitas, tempo certo, lugar certo e pessoas certas, não há dúvida, será um ano de sucesso. Nem mesmo a má estrela Juan She (卷舌, alguém a falar mal de si) lhe trará problemas.

Amor: A auspiciosa super estrela da sorte Tian Xi (天喜, Alegria Celeste, a transformar pequenos infortúnios em bons acontecimentos) e a estrela da sorte Xian Chi (咸池), ambas a propiciar o casamento e a ter boas relações, faz com que todo o ano seja doce e harmonioso. Para os solteiros, havendo um duplo Lichun é perfeito para convidar a/o parceira/o a entrar na sua vida e daí poder surgir um novo membro na família. Para os casais, o melhor é fazer uma nova viagem de lua-de-mel para fortalecer a relação. Quanto aos idosos, é bom fazerem uma festa de aniversário para reunir amigos e família em convívio à sua volta a dar-lhe boas energias.

Saúde: Demasiada vida social, muitas festas e comezainas, poderá levar o seu corpo a ficar fatigado, especialmente os nascidos no Verão e daí facilmente pode arranjar problemas de coração, ou um AVC. Logo, para este ano o mais importante é controlar o estômago e evitar engordar. Deve praticar exercício físico e ter atenção à saúde, pois uma vida demasiada confortável e sempre com comida saborosa é também uma espécie de doença.

Os nativos de Cavalo nascidos em:
1966 – Ano para expressar completamente o seu talento e colocar a carreira numa posição elevada.
1978 – Com imensas oportunidades a chegar até si, é um ano em que trabalha arduamente, mas será bem recompensado e mesmo enfrentando alguns problemas facilmente os resolve.
1990 – Ano muito criativo, cheio de ideias, em que estará extremamente focado no trabalho, mas lembre-se de ter também uma vida familiar e de dar tempo às relações, sendo um ano perfeito para casar.
2002 – Vida socialmente muito activa, terá muita vontade de aprender tudo o que lhe aparece à frente. Os nativos solteiros terão muitas hipóteses para um bom ano amoroso.

3 Fev 2023

Filosofia Clássica com Características Chinesas

Não é segredo para ninguém o grande apego que os chineses têm aos seus clássicos, os Quatro Livros (四書 Sì Shū) e os Cinco Clássicos (五經Wǔjīng), bem como alguns manuais de ensino com pendor filosófico, por exemplo, o Clássico Trimétrico (《三字經》Sānzìjīng), cuja influência chegou aos nossos dias, quando devidamente ultrapassados os excessos da era revolucionária dos primórdios do poder comunista.

O mais interessante é que estes se estenderam não apenas à elite bem pensante como ao comum dos chineses através do pensamento proverbial, de aforismos (格言géyán), provérbios (語俗Súyǔ), cuja tradução literal é “dizeres comuns” ou “ditos coloquiais” , bem como de histórias proverbiais, condensadas em 4 caracteres, os Chéngyǔ (成語), que têm implícito no caractere chéng (成), a meu ver, o potencial desenvolvimento da história, tantas vezes real, para a qual remetem com uma finalidade moral indisfarçável.

Comecemos por provérbios retirados ao Clássico das Mutações (易經Yì jīng), onde o princípio da Unidade (同心 Tóng Xīn) se assume como valor fundamental do pensamento chinês, procurando associar este modo proverbial de apresentar a filosofia, com alcance tão vasto quanto a comunidade chinesa o permite, aos cinco elementos (五行Wǔ Xíng) constantes na filosofia chinesa, a saber: a Terra (土 Tǔ), a Madeira (木Mù) (que corresponde ao Ar no Ocidente), o Fogo (火 Huǒ), a Água (水 Shuǐ) e o Metal (金 Jīn) para que não nos percamos no que se adivinha ser labirinto dos provérbios filosóficos. Ora estes elementos são os representantes do pensamento filosófico que será condensado ritmicamente em frases sugestivas e de fácil memorização para o povo e letrados de todos os tempos.

Penso que não será difícil associar um ou mais elementos a cada uma das principais escolas filosóficas clássicas que têm como ponto de partida o Clássico das Mutações, pelo menos o Confucionismo e o Taoísmo dependem diretamente desta obra.

O Clássico das Mutações inaugura com o Hexagrama do Criativo, composto por dois Trigramas de Céu (乾 Qián), que nos chama a atenção para a importância do Céu e dos seus decretos como condutor essencial dos destinos humanos, desde que as pessoas o saibam entender e, por isso, lemos o seguinte provérbio “Alegremo-nos com o Céu e seus Decretos para que não nos venhamos a arrepender” (樂天知命故不憂Lè Tiān zhī Mìng gù bù yōu). O Criativo é a força divina e inspiradora, a abertura que existe em cada um de nós, sendo representado por 3 linhas contínuas, masculinas. No que respeita às transformações, é o começo, é forte, e, do ponto de vista da relação familiar, é o pai.

Ele é a energia que inicia a transformação no Céu, na Terra e no Homem. A sua cor é o branco, as propriedades: a atividade, a criatividade e a firmeza, expressando-se pela razão, força e durabilidade. Corresponde-lhe em termos de corpo natural a cabeça, sendo o seu animal o cavalo, ainda que também tenha o dragão como imagem, o correspondente natural é o gelo. O Céu é, portanto, o começo, a abertura, a primeira transformação, que se vai conjugar com a segunda transformação, a Terra, para originar os restantes seis trigramas. O Céu, pelo seu poder criativo, energia e durabilidade estabelece uma estreita relação com o Metal, sendo superior a este, como verificamos no seguinte provérbio, que reitera a unidade essencial: “Quando duas pessoas se unem a sua acutilância consegue dividir o metal” (二人同心◦其利斷金◦Èr rén tóngxīn, qí lì duàn jīn), diríamos nós num equivalente possível em Português que “a União faz a força”, sendo superior à pulsão bruta. E, como não podia deixar de ser, há um provérbio para os elementos do Fogo e da Água, figurados no sol e na lua e na constante mutação que estes pelas suas relações cósmicas proporcionam “o sol e a lua girando, o calor e o frio alternando” (日月运行◦一寒一暑◦) organizam e compõem o mundo em nosso redor.

Se no Clássico das Mutações encontramos vários elementos expressos através do pensamento proverbial, já na filosofia confucionista domina o elemento da Terra e a Humanidade que lhe dá o seu máximo sentido, por isso os provérbios possuem quase todos um intuito ético-moral orientado para fins políticos.

A melhor terra será aquela onde foi implementado um sistema benevolente dominado pelas principais virtudes confucionistas com a Benevolência (仁Rén) em lugar de destaque. Esta expressa e associa-se à Tolerância (恕 Shù) e respeito para com os outros, sendo célebre o seguinte aforismo atribuído a Confúcio (孔子, 551-479 a.C.) no Capítulo dos Analectos Senhor Wei Ling, 24: “Não faças aos outros o que não desejas para ti” (Yǐ suǒ bù yù, wù shī yú rén) (論語•衞靈公第十五——二十四). De facto, e se pensarmos bem a Benevolência tem uma tradução prática no relacionamento com os outros onde a captamos como uma forma de tolerância, como nos é dito neste texto que acompanha o aforismo: “Zi Gong perguntou, ‘Existe alguma palavra que uma pessoa possa seguir como princípio orientador de vida? ’Confúcio respondeu: ‘Sim. Será talvez a palavra “tolerância”. Não faças aos outros o que não desejas para ti próprio’ ”.

Passando agora o segundo grande mestre da Escola Confucionista, Mâncio (孟子c.372/289 a.C) encontramos ditos e histórias proverbiais na obra homónima Mencius《孟子》. A este filósofo associo sobretudo os elementos Terra e Madeira.

O autor, cuja influência se prolonga pela tradição, por exemplo no manual para o ensino elementar de pendor filosófico, O Clássico Trimétrico (《三字经》) , onde podemos ler logo na primeira frase do Clássico, que terá grande repercussão a partir dos tempos medievais, a adopção do princípio filosófico fundamental de Mâncio, transformado em provérbio para toda a posteridade chinesa: “A Natureza humana é boa” (人之初、性本善Rén zhī chū, xìng běn shàn).

Nos múltiplos provérbios do texto de Mâncio sempre ligados a uma mundividência agrícola, nota-se a referência a crianças que não caem aos poços, porque a bondade inata das pessoas não o permite, já que mesmo os fora-da-lei, considerados maus, se prontificarão a socorrê-las em tais circunstâncias extremas, porque são afinal naturalmente bons, ou quando o deixam de ser, não é por culpa do Céu, mas sim das más práticas humanas, tal como sucede no Monte Niu (牛山 Niú Shān) , numa parábola em que as pessoas são como árvores, que vão sendo devastadas e roubadas ao monte, que acaba deserto e, portanto, totalmente abandonado e perdido, representando já a ausência do bem.

Entre os ditos, gostaria de destacar uma história proverbial, muito ligada aos elementos Terra e Madeira, para figurar mais uma vez, como a acção humana pode degradar, interromper e aniquilar uma tendência inata para o bem, na qual o Céu dita o tempo certo, a fim de que os seres se desenvolvam, bem como às suas virtudes morais. É então pelo respeito à ordem natural que todos os viventes alcançarão a sua melhor realização.

O Chéngyǔ (成語) é “Ajudando os Rebentos a Crescer” (揠苗助長 Yàmiáo-zhùzhǎng), que se encontra em Gongsun Chou, Primeira parte, Segundo Capítulo (《孟子•公孫丑上篇第二章). Aqui se conta a história de um homem do Estado de Song, que muito impaciente por os brotos de arroz demorarem a crescer, foi para o arrozal, ajudá-los a desenvolverem-se, resultado, matou-os, porque a acção humana sem respeito pelo tempo da natureza acaba por ter consequências trágicas.

Para Mâncio este é um exemplo claro de que somos comandados por ordem superior, através de um Mandato Celestial (天命Tianmìng), que se expressa não só em cada um de nós, na nossa natureza inata, mas também através do povo, pelo que mais importante do que os governantes será a população, já que a suas acções e reacções espontâneas se ligam a essa ordem natural divina. É o que nós ocidentais chamaríamos, mutatis mutandis, “vox populi vox dei”, ou seja, para Mâncio o povo sabe e será sempre quem tem a última palavra porque se mantém espontaneamente imerso e ligado ao Céu.

Continuando, na busca filosófica com características chinesas por via proverbial, encontramos uma outra filosofia, desta feita a taoista, onde também abundam os ditos e as histórias proverbiais, e não nos deixemos enganar pelo o facto de apenas se mencionar uma outra considerada mais exemplar no que respeita à ligação entre os princípios filosóficos e os elementos que melhor traduzem o pensar filosófico destas escolas.

O elemento preferido pelo alegado fundador do Taoísmo, Laozi (老子) para expressar a sua filosofia é a Água, que é empregue como imagem metafórica para representar o bem supremo, na sequência de duas outras expressões proverbiais conhecidas por todos os chineses, com as quais inaugura o Clássico da Via e da Virtude (《道德經•第一》) :“O Tao/Dao que se pode indicar não é o verdadeiro Tao. O nome que pode ser dito, não é o verdadeiro nome” (道可道,非常道。名可名,非常名Dào kě dào, fēicháng dào. Míng kě míng, fēicháng míng).

Seguindo esta lógica, compreendemos por que motivo nos surge o seguinte dito no Capítulo VIII (《道德經•第八》) “O Bem Supremo é como a água” (Shàng shàn rú shuǐ). Depois, pelo desenvolvimento do texto, somos esclarecidos relativamente à imagem, porque o filósofo recorre às características deste elemento que se adequam perfeitamente à expressão da bondade máxima de acordo com o seu modo de pensar, senão vejamos, a água nutre, beneficiando todos os seres, tem uma natureza flexível, não entra em conflito, penetrando em toda a parte, mesmo nos lugares que as pessoas desprezam

A Água torna-se assim a imagem modelar do bem supremo mas também do agir do Santo Taoista (聖人 Shèng Rén), que é espontaneamente bom, sendo a sua maior força a aparente fraqueza e flexibilidade, sem se impor a ninguém, nem exercer a força ou o poder, consegue que tudo siga o seu rumo natural sem que nada fique por fazer.

Gostaria ainda de referir a filosofia proverbial do segundo maior filósofo taoista, Zhuangzi (莊子,396-286 a.C) onde encontramos uma aliança entre os elementos da Água e da Madeira/Ar, com predominância para os seres do ar. O melhor exemplo do espaço onírico em que Zhuangzi se move é, sem dúvida, a história proverbial “Zhuangzhou sonha que é uma borboleta”(莊周夢蝶Zhuāngzhōu-mèngdié ) , que surge no livro homónimo nos Capítulos Interiores,

Segundo Capítulo, intitulado “A Uniformidade de Todas as Coisas” (《莊子•内篇•齊物論第二》), no qual o filósofo conta que sonhou ter-se transformado numa borboleta para defender a sua tese principal que há uma uniformidade essencial entre todos os seres, estes diferem apenas no acidental, mas não no essencial e, por isso, recorrendo às práticas físicas e mentais correctas se podem transformar uns nos outros, porque o essencial está na raiz o Tao, que nos nutre a todos, viabilizando qualquer transformação..

Seguindo esta lógica, apresenta-se uma outra proverbial, com a qual se estreia a obra, pelo que atente-se à importância da mesma, retirada do primeiro capítulo, intitulado “Vagueando em Absoluta Liberdade”, dos Capítulos Interiores de Zhuangzi (《莊子•内篇•逍遙遊論第一》), a saber, “No Mar do Norte Há um Peixe” (北冥有魚 Běimíng -yǒuyú), que aqui se resume:. no Mar do Norte existia um peixe muito grande chamado kun (鲲) que se metamorfoseou num pássaro igualmente grande denominado peng (鹏), esta possibilidade de mudar de elemento, da Água para a Madeira/Ar e de peixe para pássaro foi-lhe oferecida pela uniformidade básica dos seres, quer dizer, por estarmos todos dependentes da mesma raiz, o Tao, no entanto quanto maior for a metamorfose mais nos aproximamos do princípio divino e maiores maravilhas poderemos operar, mais filosóficos nos tornamos.

Mas para tal é preciso criar as condições e a postura existencial correta, se não o fizermos, nasceremos e morremos peixinhos, nunca alcançaremos o nível de enorme peixe das profundezas oceânicas, nem tão pouco seremos capazes de nos transformar em enormes pássaros que percorrem o mundo vagueando a seu bel-prazer ou em total liberdade.

Concluindo, observa-se nesta filosofia proverbial clássica chinesa, retirada do Clássico das Mutações e das escolas confucionista e taoista um pendor acentuado para o estabelecimento da relação com os elementos do mundo natural circundante, especialmente com os Cinco Elementos básicos, o pensador nunca está sozinho, encontra-se atento ao meio que o rodeia, expressando através de ditos, muitas vezes associados a pequenas histórias proverbiais, princípios filosóficos abstractos que assim ganham corpo, podendo mais facilmente ser transmitidos a toda a coletividade que os recebe com imenso agrado devido ao ritmo e cor naturais com que são ilustrados os fundamentos teóricos destas filosofias.

 

Bibliografia

Abreu Graça de, António (Trad e Org). 2013. Laozi. Tao Te Ching. O Livro da Via e da Virtude. Lisboa: Vega.
Alves, Ana Cristina. 2005. A Sabedoria Chinesa. Casa das Letras.

《論語》1994. Analects of Confucius. Tradução. para Inglês de Lai Bo (赖波) e Xia Yu He(夏玉和) e para Chinês Moderno de Cai Xiqin (蔡希勤) 北京,華語教學出版社.

蔡志忠. 2008. 《中國思想隨身大全》Portable Chinese Classics in Comics. 台北: 英屬蓋曼群島商網路與書服份有限公司.

Smith H., Arthur. 1988. Pearls of Wisdom from China. Singapura: Graham Brash.
Wilhelm, Richard. 1989. I Ching or Book of Changes, versão inglesa de Cary F. Baynes, Prefácio de C.G Jung, 4ª ed. London: Arkana Penguin Books.

Zhuangzi (《庄子》). 1999. Vol. I e II Tradução para Inglês de Wang Rongpei (汪榕培) e para Chinês moderno de Qin Xuqing e Sun Yongchang. (秦旭卿、孙雍长) .Hunan, Beijing: Hunan People’s Publishing House, Foreign Language Press.

 

Referências

Citação do excerto do capítulo O Senhor Wei Ling, 24, dos Analectos: 子貢問曰: “有一言而可以終身行之者乎?子曰:其恕乎!已所不欲,勿施於人”
A primeira edição do Clássico Trimétrico foi compilada na dinastia Song do Sul (1127-1279 ) por Wang Yinglin (王應麟,1223-1296), tendo sido completada posteriormente até aos tempos da primeira república chinesa.
Citação do excerto do capítulo VIII do Clássico da Via e da Virtude: 《上善如水˙水善利萬物˙而不争˙處衆人之所惡˙》
O excerto de Zhuangzi, retirado do Segundo Capítulo, dos Capítulos Interiores: 《昔者莊周夢為蝴蝶栩栩然蝴蝶也,自喻適志與!不知周也。俄然覺,則蘧蘧然周也。不知周之夢為蝴蝶與,蝴蝶之夢為周?週與蝴蝶,則必有分矣。此之謂物化。 》
O excerto de Zhuangzi, retirado da abertura do Primeiro Capítulo, dos Capítulos Interiores: “北冥有魚,其名為鯤,鯤之大,不知其幾千里也;化而為鳥,其名為鵬,鵬之背,不知其幾千里也。恕而飛,其翼若垂天之雲。是鳥也,海運則徒於南冥者,天池也。”

2 Fev 2023

Tao Yuanming – Três poemas

Tradução de Manuel Afonso Costa

 

No 11º mês do ano yi si.

Enfim! Regresso,
os campos e o quintal já devem estar cobertos de mato
porque não regressei mais cedo?
porque deixei que o corpo abusasse da alma?
é inútil ficar abatido, desiludido com a sorte
pois sei que se não há remédio para o passado,
é pelo menos possível tentar mudar o futuro
enfim, estou certo de que não perdi o rumo ainda
escolhi apenas o caminho errado,

o barco desliza protegido por uma brisa suave,
sinto-a através da roupa
interrogo quem passa para não me perder,
lamentando a indecisão matutina da luz
quando de repente vislumbro
sob uma luz crepuscular
a cabana, minha humilde morada
e logo desato a correr em viva excitação
o criado jovem, alegre vem ao meu encontro,
os meus filhos esperam-me na soleira da porta
os caminhos foram invadidos por ervas daninhas
e quase desapareceram
mas os pinheiros e os crisântemos estão intactos
de mãos dadas com as crianças entro em casa
onde me espera um jarro de vinho
na sala bebo um copo sozinho
ao ver as árvores e os campos alegra-se meu coração
apoiado no parapeito da janela que dá para sul
mastigo um desdém imenso pelo mundo
e deixo correr a felicidade
quem com pouco se contenta com pouco se satisfaz
ao longo dos dias por puro prazer passeio pelo jardim
a cancela continua fechada
de bengala na mão ando, passeio e descanso
de vez em quando levanto a cabeça e olho para longe
as nuvens aparecem e desaparecem, sem tréguas,
no cimo das montanhas
os pássaros invadidos pelo temor
sabem que é a altura de voltar a casa
a luz do Sol diminui, o pôr do Sol está breve
encosto-me, com melancolia, a um pinheiro solitário

agora sei que regressei ao lar
que tudo fiz para romper com o mundo,
ele e eu nunca nos demos bem
para quê alimentar ilusões? Não há nada a procurar
agrada-me mais uma boa conversa com a família e os amigos,
gozo o qin e os livros, são eles que curam as preocupações
quando a Primavera chega, os camponeses dão-me conselhos
é preciso trabalhar os campos a Oeste
às vezes dou uma volta numa pequena carroça
outras, remo um pouco na minha barca solitária
seguindo as águas mansas e serenas
ou penetrando ravinas profundas,
até ao inesperado de fontes silenciosas
é uma maravilha o mundo com tanta beleza
os ciclos inexoráveis da natureza
e comovo-me ao pensar que a minha vida
também se aproxima do fim, mas sem drama,

É tão pouco o tempo
que aos homens é dado sobre a terra,
enfim, é a vida! por quanto tempo ainda?
então sigamos apenas a voz do coração
a gente afadiga-se, a gente agita-se,
e onde é que isso nos leva!?
não tenho desejos de riqueza
e nem quero alcançar o céu
não quero mais que aproveitar os dias,
fazendo cera,
e andar por aí sozinho
a caminho dos cimos assobiando alegremente,
por margens de ribeiros de águas límpidas
ou mesmo fazendo poemas

sigo o curso das coisas até ao fim,
e se me regozijo com a ordem do céu
o que é que pode preocupar-me deveras?

Depois do incêndio a meio de Junho do ano wu sheng

A minha casinha de campo
ficava situada numa alameda afastada
foi por minha decisão que renunciei a mordomias
um dia em pleno Verão, levantou-se de súbito
um vento forte e violento,
as casas, rodeadas de árvores,
de repente ficaram em chamas
nem um só tecto, o fogo poupou

só o barco diante da casa ficou para nos abrigar
foi tão longa, tão longa essa noite
de um Outono inesperado
e a lua tão alta, tão alta e quase cheia
as árvores de fruto e os legumes
mal começavam a desabrochar,
assustados os pássaros não regressaram
no meio da noite, durante um breve espaço de tempo
fiquei de pé a contemplar a distância
com um golpe do olhar abracei os nove céus
desde criança, com os cabelos ainda em chinó
a minha pose já estava toda lá
e sem dar por isso já passei os quarenta

afinal o meu corpo segue o curso da natureza
mas o coração mantém-se livre e íntegro,
pois adamantina é a minha vocação
mais dura e resistente que uma pedra de jade
penso agora na época em que reinou Tung Hu ,
quando podíamos amontoar grão abundante
na borda dos campos
as pessoas, de barriga cheia,
viviam então sem medo
pela aurora, levantavam-se,
reentravam em casa para dormir ao anoitecer

uma vez que não nasci nesse tempo dourado,
não há nada a fazer
senão mesmo ir regar a horta.

Elogio da pobreza
Yuan An,
encurralado pela neve, recusou pedir ajuda
por orgulho

Mestre Chuan,
quando uma vez tentaram corrompê-lo,
nesse mesmo dia abandonou o emprego, …

afinal dorme-se quentinho no feno,
e respigar uns grãos silvestres dá para
um dia de comida

pode parecer duro e penoso, é verdade
mas eles não temiam
nem fome nem frio

pobreza e prosperidade podem ser inimigas,
mas como é o tao que decide,
nunca se preocuparam

a virtude de um reinava no seu país natal
a integridade do outro iluminava
a Passagem de Oeste

1 Fev 2023

A lentidão no lago de Feng Dayou

Zhao Gou (1107-87), o imperador dos Song Gaozong (r.1127-62), abdicou em 1162, com apenas 55 anos, assumindo o título tradicional de Taishang huang, «o imenso imperador anterior» como já fizera por exemplo o seu pai, o soberano esteta Huizong, com a faculdade de influenciar o futuro exercendo poderes de forma discreta. E a partir daí dedicou-se a cultivar as artes na companhia da esposa, a imperatriz Wu (1115-97).

No retrato oficial que se encontra no Museu do Palácio Nacional em Taipé (rolo vertical, tinta e cor sobre seda, 185,7 x 103,5 cm), ele está sentado com uma simples veste vermelha e o barrete preto utilizado por altos funcionários dito zhanjiao putou, «barrete de chifres estendidos», com longas asas estreitas, estendidas na horizontal que podiam medir até um metro, que se diz ter sido desenhado pelo imperador Taizu (r.960-76) para que em assembleias os burocratas não pudessem dizer segredos aos ouvidos uns dos outros.

Morosos enfeites descobrem o estatuto do retratado; na esquina do espaldar da cadeira, minuciosamente esculpida uma cabeça de dragão, almofadas nas costas e nos pés finamente bordadas a ouro; e o colarinho e os punhos deixam entrever delicadas roupas interiores cor-de-rosa.

Esse jogo de revelar, escondendo, notar-se-á na popularidade que então alcança o uso de leques, em particular o leque rígido circular tuanshan, dito em forma de lua com um pequeno pau para o segurar. Usado de modo expressivo no ritual do casamento, quando a noiva esconde o rosto atrás do leque queshan, aprofundando o mistério, a timidez e exorcisando espíritos malignos, só se destapando quando o noivo a impressiona, escrevendo ou lendo um poema, por exemplo. Na dinastia Song torna-se comum os literatos escreverem poemas e pinturas nesses leques, trocando-os como presentes.

Feng Dayou (1130-69), um pintor de Suzhou, colaboraria com o imperador Gaozong fazendo uma pintura num leque em que o observador se sentirá imerso na minuciosa lentidão da vida de plantas e animais de um lago.

Em Lago Taiye com lótus, que se apresenta como uma folha de álbum (tinta e cor sobre seda,23,8 x 25,1 cm, no Museu do Palácio Nacional em Taipé), o pintor representou uma visão consoladora com três pares de patos, símbolos da união do casal; borboletas, as graças do romance mas sobretudo a pintura é um panorama cheio de flores de lótus, as bênçãos da paternidade numerosa, alternando brancas e cor-de-rosa, algumas ainda em botão, embaladas no vento suave onde voa uma andorinha.

O imperador reforça essa impressão de prenúncio do advento da estação mais fria, escrevendo na sua caligrafia um poema de Wang Ya (764-835) Pensamento numa noite de Outono, do outro lado do leque. O nome do lago – Taiye, «a grande piscina líquida», refere um venerável lugar do passado que servirá de referência simbólica em futuras edificações de jardins.

31 Jan 2023

Vivendo as montanhas no verão

Em um poema escrito nalgum ponto do século IX, Yu Xuanji (魚玄機, 844-869 d.C.) descreve sua vida veranil em montanhas que apenas a biógrafos é dado conhecer. Na tradução brasileira de Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao, assim sabemos de sua estada montesa:

“VIVENDO NAS MONTANHAS NO VERÃO

Aqui, onde habitam os deuses, fiz minha morada
Bosques e arbustos misturam-se à revelia
Roupas lavadas penduro à menor das árvores
Sento-me à fonte; das pedras, nasce meu vinho
Abro as janelas à trilha dentre os bambus
Finas sedas tornaram-se embrulho de livros
Remando desço o rio, entre cantos à lua
leva-me o vento ao retorno: e ainda recito”

É sabido que a poesia chinesa manifesta certas tendências de sua cultura letrada, especialmente por suas temáticas e imagens recorrentes, sua autorreferência e a continuidade de vínculos e influências clássicas em seus versos. No poema acima, vemos duas presenças cruciais para a tradição poética — e mesmo espiritual — chinesa: as montanhas e, por paradoxal que seja, a própria noção de ausência: o vazio.
Yu Xuanji abre seu poema com uma afirmação categórica e muitíssimo relevante: ela faz sua morada nas montanhas, “onde habitam os deuses”. Não há dúvidas quanto a isso; seja pela própria deidade das montanhas, do espírito do vale taoísta, do caminho natural que a tudo conduz e que, nas montanhas, ganha concretude; seja pelas deidades que na montanha vivem, povoando todas as tradições religiosas, místicas, indígenas, exógenas, taoístas, budistas, ancestrais, a verdade afirmada pela poeta é esta: a montanha é a morada dos deuses. Local, também, em que a poeta vai morar.
Um texto bem conhecido do budismo Zen japonês, O Sermão das Montanhas e Águas do Mestre Dogen, manifesta em suas linhas o mesmo apreço pelas montanhas, a mesma consideração divinal e cosmológica, que nossa poeta chinesa parece indicar. E isso porque, embora japonês, o Mestre Dogen foi profundamente marcado por sua circulação pela China, onde aprendeu com monges, mestres, pessoas comuns e laicas, pescadores, habitantes de montanhas e muitos eventos mais. O Zen japonês, por exemplo, não existiria sem o Chan chinês; e o próprio Chan, pode-se aventar, não existiria sem a profundidade que na China já se encontrava desde antes do Dharma ali chegar.
Fato é que, para Dogen, falar de “montanhas e águas” — como se intitula seu discurso — é compreender “um panorama natural; ou a própria natureza […] Olhar a natureza é olhar a própria verdade budista. Por tal razão, mestre Dogen acreditava ser a natureza tal qual os sutras budistas. Neste capítulo, expõe a forma real da natureza, enfatizando sua relatividade” (DOGEN, 2007, p. 217, n.t., tradução nossa).
As montanhas são morada dos deuses porque, dentre outras razões, os deuses ali se percebem natureza. E porque a poeta assim percebe as montanhas, e os deuses, e um lugar possível para si no seio da sociedade em que vive, vai ela viver nas montanhas no verão. Yu Xuanji viver na singeleza do espaço, do território montanhoso que lhe dá guarida, e as pequenezas se lhe apresentam: os arbustos, a menor das árvores que lhe serve de varal às roupas, as pedras da fonte que lhe derramam vinho, a água pura e decerto fresca da terra, a fina seda que lhe embrulha os versos, os livros, os clássicos… Não admira que uma poeta — e que a poesia chinesa, muitas e muitas vezes, ao longo de todo o tempo que há no mundo; e não apenas a poesia, mas também a pintura, toda forma de arte, ascetismo, caligrafia, eremitérios — não admira que uma poeta se vá refugiar nesse espaço dos deuses, na própria deidade montanhosa. Afinal, para lermos tal movimento com Dogen uma vez mais:

“Normalmente, vemos as montanhas como pertencentes a um território, mas as montanhas pertencem às pessoas que as amam. Montanhas sempre amam seus ocupantes, e por isso os santos e sábios, pessoas de extrema virtude, seguem para elas. Quando santos e sábios vivem nas montanhas, porque as montanhas pertencem a eles, árvores e rochas abundam e florescem, e pássaros e mamíferos se tornam misteriosamente sublimes. Isso acontece porque os santos e sábios as cobriram de virtude.” (DOGEN, 2007, p. 224).

Santos e sábios e santas e sábias e poetas e poetas — este termo que, ao menos no Brasil em que ora escrevo, tem servido a homens e mulheres que deitam seus versos ao papel e ao mundo —, assim, são co-habitantes das montanhas, ao lado dos deuses, das águas e da natureza que, de certo modo, também ali habita. E por serem santas e sábias e poetas e atentas, pessoas com a sensibilidade de Yu Xuanji também apontam para a natureza daquilo que, na natureza espiritual da China, seja taoísta, seja budista, fundamenta a concretude do mundo, dos fenômenos todos, inclusive materiais: o vazio.
Vejam-se os versos “Abro as janelas à trilha dentre os bambus” e “Remando desço o rio, entre cantos à lua// leva-me o vento ao retorno: e ainda recito”. Contrastando-se às imagens materiais da montanha onde os deuses habitam (bosques, arbustos, roupas lavadas, a menor das árvores, fonte, pedras, vinho, seda e livros), temos o coração do vazio manifesto: à trilha entre os bambus que, do vão da janela, anuncia o veio pelo qual a energia da montanha há de fluir — e os caminhos de quem a ela acede, santos e sábios e poetas e deuses, provavelmente percorrem.
Esse vazio, complementando a concretude da paisagem natural e da vida material da montanha, dá o tom da experiência de se estar habitando tais paragens: é por essa estrada, pelo caminho, pela via do meio que se abre entre os bambus, que a poeta segue remando rio abaixo, entoando loas à lua, inspirada pelo vento que talvez lhe suba do vale e recitando um poema que havemos de ler em algum lugar. Nesta ou em outras traduções, séculos após sua morada.

Bibliografia

DOGEN, Zenji. Shobogenzo: The True Dharma-Eye Treasury. Vol. 1. Taisho Volume 82, Number 2582. Tradução do japonês de Gudo Wafu Nishijima e Chodo Cross. Tradução do Sermão das Montanhas e Águas, Carl Bielefeldt. Berkeley: Numata Center for Buddhist Translation and Research, 2006.
YU, Xuanji. Poesia Completa de Yu Xuanji. Tradução, organização e notas de Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao. São Paulo: Editora Unesp, 2011.

31 Jan 2023

Falando sobre as raízes da sabedoria – Cai Gen Tan 菜根譚

Tradução de André Bueno

41.
Uma pessoa de pensamento magnânimo trata a si mesmo, e aos outros, com respeito; e por isso, sua grandeza está em toda parte.
Uma pessoa de pensamento mesquinho trata a si mesmo, e aos outros, com pequenez; e por isso, sua malícia está em toda parte.
Uma pessoa virtuosa evita o luxo e a ostentação, e se afasta do aborrecimento e do pessimismo.

42.
Outros têm riquezas, eu tenho o humanismo. Outros têm cargos importantes, eu tenho a beleza interior. Um Educado não se apega as aparências.
Uma pessoa verdadeira pode conquistar o Céu, sua vontade dirige seus pensamentos e emoções. [Por isso] O Educado não se sujeita aos ganhos materiais.

43.
Estar no mundo, sem ideais dignos, é como limpar a roupa com pó, ou lavar os pés com lodo; como realizar-se [interiormente], dessa forma?
Atuar no mundo, sem saber adaptar-se, é como ser uma mariposa que se lança na lama, ou como um carneiro que prende os chifres na cerca; como encontrar paz e alegria dessa forma?

44.
Todos que estudam devem recolher seus pensamentos dispersos, e concentrá-los numa única direção.
Se ao cultivar a virtude, espera-se uma boa reputação, com certeza falhará.
Se ao estudar, pretendem-se apenas belos poemas, com certeza nada se arraigará no coração.

45.
Todas as pessoas têm a capacidade da compaixão. Wei Mo*, um açougueiro, ou um carrasco não se distinguem em sua natureza humana. Em todo o lugar, existe algum tipo de comunhão com a natureza.
Um palácio de ouro ou uma cabana não se distinguem na Terra que as assenta. Mas o desejo obstrui a generosidade pura, e se impondo a ela, separam-se uma da outra como se estivessem a mil li** de distância.
*Vimalakirti, santo budista.
** Li=500 metros

46.
Para ir pelo Caminho da virtude, a mente precisa ser como madeira e pedra*. Se a tentação pela fama e riqueza for maior, com o tempo se fica no mundo dos desejos.
Aquele que quer ajudar o mundo, deve desejar como as nuvens e as águas**. Mas se a tentação pela notoriedade for insaciável, ele atrairá perigo.
*Pureza e Fortaleza, respectivamente.
**Apenas seguir o curso, sem impor a vontade própria.

47.
As ações de uma pessoa correta são serenas, seus sonhos são calmos.
As ações de uma pessoa má são perversas, e suas conversas sempre têm intenções nefastas.

48.
Quando o fígado está doente, os olhos não vêem; quando os rins ficam doentes, os ouvidos não podem escutar. A doença está em um lugar eu não se pode ver, mas seus efeitos são visíveis.
Assim, o Educado, se não deseja que suas faltas apareçam no exterior, corrige primeiro seus erros interiores.

49.
Estar feliz ou não depende de quantas preocupações se têm.
Estar entristecido depende do quanto o coração está disperso.
Só quem está cheio de preocupações sabe que ter poucas levam a felicidade.
Só quem tem um coração tranqüilo sabe que a agitação atrai problemas.

50.
Em tempos tranqüilos, seja correto como um quadrado. Em tempos de desordem, seja correto como um círculo*. Em tempos de decadência, combine o quadrado e o círculo.
Ao lidar com gente boa, seja correto e generoso; ao lidar com gente má, seja correto e rigoroso; ao lidar com gente comum, combine generosidade e rigor.
*Quadrado=retidão, Círculo=flexibilidade

51.
Não me recordo do que fiz pelos outros.
Não me esqueço dos erros que cometi.
Não me esqueço da bondade dos outros.
Não me recordo das ofensas dos outros.

52.
Um benfeitor não considera suas ações boas, nem que ajudou alguém.
Desse modo, um punhado de grãos se transforma num celeiro.
O ganancioso pensa no retorno do que dá, e calcula seus lucros sobre quem ajuda.
Desse modo, uma fortuna eterna não vale uma moeda de cobre.

53.
Cada um tem sua vida, com ou sem fortuna; como saber quem é mesmo afortunado?
Cada um tem sua cabeça, com ou sem estudo; como exigir dos outros o entendimento?
Desse modo, se pode comparar as pessoas, e observar suas condutas.

54.
Somente uma pessoa de bom coração pode apreciar a sabedoria dos antigos pelo estudo dos clássicos.
Os maus roubam os antigos, usam-nos em benefício pessoal, e disfarçam com palavras boas as suas ações nefastas.

55.
Para quem vive no luxo e na extravagância, a riqueza nunca é suficiente.
Para quem vive na frugalidade, o pouco que se têm pode ser repartido.
Uma pessoa de talento se esforça, mas só consegue o ressentimento da sociedade.
Uma pessoa simples age de modo simples, e dessa maneira, vive sem preocupação e mantém-se imaculado.

56.
Estudar, sem buscar a virtude dos sábios, é ser um mero copista; ter um cargo oficial, sem amar o povo, é ser um ladrão bem vestido.
Dar lições de virtude, sem praticá-la, é como recitar os clássicos sem compreendê-los; realizar um trabalho, sem visar à virtude, é tão efêmero como a vida das flores ante os olhos.

57.
No coração das pessoas existe um livro da verdade; mas o texto está incompleto, e as folhas estão rasgadas.
O espírito das pessoas guarda uma melodia da verdade; mas ela está encoberta por músicas e danças sensuais e superficiais.
A busca da virtude deve apagar todas as coisas externas e penetrar na raiz das coisas, na origem de sua natureza íntima.
Só assim se alcançará um verdadeiro aprendizado.

58.
No meio das dificuldades, pode-se encontrar a alegria.
No orgulho dos próprios estratagemas, pode-se encontrar a decepção.

59.
Se a riqueza e a reputação vierem do cultivo da virtude, elas serão como flores nas montanhas e bosques; florescem naturalmente e em abundância.
A riqueza obtida pela artimanha é como as flores dos jardins e canteiros; florescem rápido, e acabam logo.
A riqueza obtida pelo poder e autoridade é como as flores de vasos e jarros; sem raízes fortes, apenas aguardam o dia de sua morte.

60.
Quando chega a primavera, o clima é agradável, as flores cobrem a Terra de cores, e os pássaros entoam belos cantos.
Os letrados se alegram de estar nas listas dos aprovados nos exames públicos, e voltam a se vestir e comer bem.
Mas, se nesse tempo eles não prestarem atenção em dizer palavras justas, e realizar ações meritórias, ainda que vivam cem anos nesse mundo, suas vidas inteiras não terão mais significado do que viver um dia apenas.

* O Cai Gen Tan菜根譚foi escrito no século XVI pelo erudito Hong Yingming 洪應明 (ou Hong Zicheng洪自誠, 1572-1620), próximo ao final da dinastia Ming大明 (1368-1644). (…) Hong buscava estabelecer uma analogia entre as três grandes correntes do pensamento chinês em sua época: Confucionismo, Daoísmo e Budismo Chan (Zen). O livro de Hong é uma apresentação de trezentos e sessenta aforismos sobre os mais diversos aspectos da vida, sempre baseado nos ensinamentos das três grandes linhas

30 Jan 2023

Su Dongpo | O vinho enquanto segunda vida

Texto e tradução de António Graça de Abreu

 

O grande poeta Su Dongpo gostava de se reunir com os amigos, comiam, bebiam gloriosamente, diziam ou compunham poemas, pintavam. Um deles, Huang Tingjian黄庭坚 (1045-1105), a seu respeito, escreveu:
“Ele adorava viver mas, após três ou cinco copos, já ébrio, parecia meio morto. Deitava-se sem cerimónia num qualquer recanto e ressonava com o ruído de um trovão. Algum tempo depois despertava, sentava-se à mesa e começava a escrever ou a pintar com a velocidade do vento.”

Nestes encontros de amigos e em momentos de solidão prevalecia a exaltação das bebidas fortes e encorpadas. O vinho, 酒 jiu em chinês, ou melhor, as vinte mil variedades de bebidas alcoólicas, fazia parte dos quotidianos de quase toda a gente.

Nos seus poemas e na sua prosa, Su Dongpo faz referências frequentes ao vinho e aos prazeres do álcool. O que bebiam não era propriamente vinho de uvas, também existente em algumas regiões da China, mas sobretudo baijiu, aguardentes destiladas a partir do sorgo, do painço, do arroz, de uma série de plantas e frutas que, levedadas, produziam néctares de elevada graduação que chegavam aos sessenta graus. Fabricavam-se também os mais variados licores e xaropes com menor teor de álcool e era vulgar uma espécie de cerveja que se obtinha misturando aguardentes e fruta com água, o que resultava numa bebida leve que alegrava o espírito de quem a bebia, mas não embebedava. Todos estes derivados alcoólicos se chamam jiu, normalmente traduzido por “vinho” mas os chineses, tal como acontecia com o chá, sabiam muito bem diferenciar os diversos jiu.

Num texto que intitulou “Em louvor do vinho forte” Su Dongpo vai longe na definição e valorização dos supremos néctares, em palavras que por certo grandes beberrões subscreveriam, poetas como Horácio, Ronsard, Baudelaire, Omar Kahyan, Alberti, o nosso Fernando Pessoa:

“Nos homens é preferível um temperamento brando, mas no vinho não se devem evitar a potência e a força. É através do vinho que se esquecem os sonhos de uma noite e com ele se chega a entender as verdades do universo. O vinho é para os homens como uma segunda vida e frequentemente é só no estado de abençoado conforto e maravilhosa tranquilidade criada pelo vinho que alguém pode ter a sensação de encontrar a própria alma.”

E escrevia assim, em sublimes poemas:

Fraco, o vinho

O pior de todos os vinhos, melhor do que água quente. Trapos, melhores que nada ter para vestir. Uma mulher feia, uma concubina conflituosa, melhores do que ter a casa vazia.

Quanto mais fraco o vinho, mais fácil emborcar dois copos,
quanto mais fino o tecido da cabaia, mais fácil vesti-la, a dobrar.
Existe a contradição entre o feio e o belo,
mas, quando embriagado, uma coisa tão boa como a outra.
Esposas mal-parecidas, concubinas briguentas,
quanto mais velhas, mais se assemelham.
Impossível saber como será o final dos nossos anos,
toma apenas por conselho o teu bom senso.
Evita audiências imperiais,
os grandes governantes do reino, o salão Florido do Leste,
a poeira do tempo, o vento na Passagem do Norte.
Cem anos, parece uma eternidade, mas, célere, tudo chega ao fim,
nós acabamos por cumprir tão pouco.
Vale tanto o cadáver de um rico como o cadáver de um pobre,
no rico, para conservar o corpo, pedras de jade,
pérolas colocadas na boca do ilustre defunto.
Não são grande ajuda, mil anos depois enriquecem ladrões de túmulos,
por recompensa, apenas uma ou outra referência literária.
Felizmente gente tonta pouca importância dá a tudo isto,
enganam meio mundo, enrubescem de contentamento,
homens justos são seus inimigos.
Para o mérito, um bom vinho por recompensa,
em toda a parte, o bem, a alegria, a tristeza,
simples manifestações de um mesmo todo, o Vazio.

O mau vinho é como os maus homens

Bebendo com Liu Ziyu, no templo da Montanha Dourada. Ébrio, adormeci no terraço da meditação. Despertei a meio da noite e escrevi este poema nas paredes do terraço.

O mau vinho é como os maus homens,
ataca, é mais mortífero que flechas ou facas.
Alquebrado, desmaiei no terraço,
foi necessário decretar tréguas.
O velho poeta é um homem de coragem,
gentis, profundas, as palavras do mestre budista.
Demasiado ébrio para tudo entender,
esbatida a mente em vermelhão e verde,
horas depois, acordei, já a lua se afundava no rio.
Diferente o bramido do vento,
num altar do templo,
ainda o leve fulgor de uma lamparina.
Os meus dois heróis, desapareceram. [1]

Imagens perfeitas

Os vapores húmidos do vinho
revolteiam-me as entranhas.
Dos pulmões, do fígado,
numa torrente, como numa avalanche,
saltam rochas e bambus.
Pinto-as na parede côr de neve,
imagens perfeitas.

[1] Lin Ziyu, amigo do poeta e Pao Xue, o superior do templo budista.

30 Jan 2023

Previsões para o mundo em 2023

O ano de 2023 faz de fronteira entre o fim do 8º período (yun) de 20 anos, que começou a 4 de Fevereiro de 2004 às 19h56m e finalizará às 16h28m de 4 de Fevereiro de 2024, quando abre o 9º período. O Grande Ciclo de 540 anos, Da Yuan (大元) é dividido em três Zheng Yuan (正元), com 180 anos cada e dentro de cada um existe San Yuan Jiu Yun (三元九运), três ciclos de 60 anos: o ciclo alto (shang yuan 上元) contém os períodos (运, yun) 1, 2, 3 de vinte anos cada um; o ciclo médio (zhong yuan中元) inclui os períodos (yun) 4, 5 e 6; e o ciclo baixo (xia yuan下元) inclui o período 7 (1984-2004), o período 8 (2004-2024) e o período 9 (2024-2044). Encontradas no quadrado mágico Luo Shu as direcções do posicionamento das nove Estrelas Voadoras para 2023, deixamos aqui as previsões por nós entendidas das feitas por Lei Koi Meng (Edward Li), sobre o que ocorrerá no mundo.

Na direcção Centro (com o Elemento Terra), onde se encontra a China, este ano está dominada pela benéfica estrela voadora 4 Verde (Si Lü) (Madeira), com aspectos positivos e negativos no actual período 8, representa refinamento e educação. Para a China é um ano de muitos desafios pois a política de combate à pandemia colocou o país nos últimos três anos com a economia estagnada e os efeitos negativos aparecerão totalmente este ano. Já quanto ao mercado imobiliário haverá fortes mudanças e o choque dessa grande onda trará um impacto negativo a envolver todos os sectores da sociedade, sobretudo industriais e comerciais. Prevê-se a ocorrência de um tremor de terra de grande amplitude.

Na direcção Norte (com o Elemento Água), correspondente a Beijing [capital da República Popular da China] e à Federação Russa, estará a benéfica estrela voadora 9 Púrpura/Roxo (Jiu Zi) (Fogo). Representar harmonia e paz, cooperação e o visionar do advir, é uma Estrela Ampliadora dos efeitos das outras estrelas, pelo bem, assim como no mal. É também a secundária Estrela da Riqueza pois 2023 é um ano de mudança e no ano 2024 inicia-se o Período 9 que faz dela a Estrela da Riqueza do Futuro e Estrela da Felicidade.

Nas relações exteriores, a China terá relações mais activas e profundas com os países do Sudeste asiáticos e haverá maior cooperação com a Federação Russa e Médio Oriente. A Rússia este ano economicamente estará melhor e a imagem que dela é transmitida irá mudar. Como em 2022, na altura em que a guerra na Ucrânia começou, o Fogo era forte, pois a Madeira estava sob Madeira, e este ano em Agosto o Fogo encontrar-se-á já muito fraco, espera-se daí poder ser um sinal para a guerra parar.

Na direcção Sul (Fogo), que compreende a Grande Baía, Macau, Hong Kong e países da Oceânia, está a benéfica estrela voadora 8 Branco (Ba Bai) (Terra), Estrela da Prosperidade e Saúde, a melhor e de mais sorte entre todas as nove estrelas voadoras. Com o início da política de abertura, este ano na Grande Baía imediatamente os frutos aparecem, levando a rápidos ganhos e grandes proveitos económicos e sociais, sendo na China a zona que mais rapidamente chega à normalidade. Para o Feng Shui, a zona da Grande Baía no ano de 2025 será a mais bafejada de toda a China e este ano, contará com novos investimentos provenientes da Bolsa de Hong Kong, incluindo dinheiro do Médio Oriente e Coreia do Norte. Já a Austrália e Nova Zelândia mudarão a política com a China, resultando daí boas notícias para as suas economias.

Na direcção Oeste (Metal), onde a Europa Ocidental e Grã-Bretanha se situam, está a benéfica estrela voadora 6 Branco (Liu Bai) (Metal), Estrela da Bênção Celeste com potencial de inesperadas vantagens e riquezas, mas enfraquecida no período 8 do ciclo do Feng Shui. A morte da Rainha, que representava o poder da Grã-Bretanha no mundo, levou à perda de influência nos restantes países normalmente seus aliados e assim, o seu foco vira-se para reparar a relação com a União Europeia. Ano em que espera para ver o que ocorrerá. A Europa economicamente fraca, com grande inflação, contará com constantes e variadas manifestações de protesto nas ruas. Havendo diferentes argumentos como resolver a situação, ocorrem nas discussões grandes divergências entre os países europeus, perdendo-se a unidade. França e Alemanha unir-se-ão e abrirão a comunicação com a China para uma cooperação económica. As relações com os EUA ficarão complicadas.

Na direcção Leste (Madeira), EUA, Japão e Taiwan encontram-se sob a influência da maligna estrela voadora 2 Preto (Er Hei) (Terra), Estrela da Doença que traz longas e incuráveis enfermidades. Nos EUA será um dos anos mais perigosos para a economia e mesmo na política haverá grandes confrontações entre os dois partidos, tendo de enfrentar muitas manifestações contra a inflação e desemprego. Ao mesmo tempo terá de lidar com a pandemia e diversas catástrofes naturais. Nas relações exteriores enfrenta uma grande competição e para proteger o poder do dólar as suas finanças irão cair num buraco negro, puxando o mundo para esse redemoinho. Já o Japão escolhe não seguir as medidas para combater a inflação, usadas nas políticas do sistema financeiro mundial, levando a sua economia a ficar em maus lençóis. Nas relações com os países vizinhos envereda por uma política de confrontação, o que trará grandes trabalhos ao governo. Outros graves problemas que terá pela frente estão ligados aos desastres naturais devido à influência da estrela Er Hei. Taiwan continuará a criar pequeno ruído e a imagem clara aparecerá em 2024.

Na direcção Sudoeste (Terra), que corresponde ao Médio Oriente e Índia, encontra-se a benéfica estrela voadora 1 Branco (Yi Bai) (Água), Estrela da Prosperidade para o que vem, traz sucesso pelo posicionamento político e boas relações de amizade. Para estes países este ano como há a cooperação com novos parceiros no plano económico ocorrerão mudanças, trazendo novas oportunidades e a conquista de novos espaços de actuação e investimento. Mas por outro lado, a instabilidade política causará problemas. A Índia estará muito ocupada a tratar dos desastres naturais e na economia terá uma nova política a alavancar um novo desenvolvimento.

Na direcção Sudeste (Madeira), onde se posicionam os nove países do Sudeste da Ásia, estará a maligna estrela voadora 3 Jade (San Bi), (Madeira), Estrela de Conflito Beligerante, a trazer disputas e caos. Nas questões políticas os países como a Malásia, Myanmar, Camboja, Tailândia, Laos, têm os governos instáveis, com muitos problemas a ocorre, havendo constantes conflitos bélicos entre as diferentes facções em cada país, a não lhes dar estabilidade. A Indonésia, com a quarta maior população do mundo, após a reunião do G20 mostrou as suas qualificações conseguindo fazer o equilíbrio entre Ocidente e Oriente, criando aí uma base sustentável para o mundo, e colocou o país numa importante posição nas relações internacionais. Singapura, ao abrir mais cedo do que os restantes países, colocou-se um passo à frente, conseguindo assim na região ganhar mais espaço de actuação política e económica.

Na direcção Noroeste (Metal), onde se situam os países da Escandinávia, está a maligna estrela voadora 5 Amarelo (Wu Huang), (Terra), Estrela da Fatalidade e da Ruína de forte pendor negativo. Traz má sorte, instabilidade e é causadora de obstáculos e problemas de maligna influência. Os cinco países do Norte da Europa continuarão como no ano anterior com relações externas tensas e mesmo mais agravadas, logo a situação piorará.

Na direcção Nordeste (Terra), nas Coreias, encontra-se a maligna estrela voadora 7 Vermelho (Qi Chi) (Metal), estrela de energia violenta, a trazer injúrias, muitas disputas e perdas financeiras. O líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un tem aparecido acompanhado pela filha e como para o bazi a filha representa o poder do pai (zhengguan) tal indica para este ano o país apresentar uma abertura ao mundo com uma nova imagem e daí o estar focado num novo desenvolvimento económico. Na Coreia do Sul politicamente o governo não está estável, levando a complicar as relações com o Norte, podendo originar atritos, mas sem graves problemas.

A nível mundial, este ano será muito seco devido à falta de água, colocando problemas à agricultura e haverá devastadoras pragas de gafanhotos. Logo a comida, tal como a água irá rarear. Os problemas de saúde estarão também em primeiro plano por todo o mundo.

27 Jan 2023

Dias melancólicos se encontram no Outono

NASCIDO EM 1963, em Zigong na província de Sichuan, Zhen Danyi, vive actualmente em Hong Kong, onde publica na Sixthfingerpress, uma editora-oásis, digamos assim, no ténue contexto cultural de Hong Kong.

A sua mãe era actriz, uma intelectual que a Revolução Cultural poupou lançando-a para uma fábrica de açúcar para o resto da vida. Algumas das primeiras palavras que Danyi disse quando nos encontrámos foram: “odeio açúcar”.Os poemas aqui apresentados são de “Wings of Summer”, uma colectânea que reúne poesia de 1984 a 1997 em tradução inglesa de Luo Hui.

É curioso encontrar um poeta que, ao contrário do cinismo em moda na Europa, não aposta em desdenhar do seu ofício. Em Portugal, por exemplo, tornou-se fino entre poetas dizer que “a poesia não interessa” (um famoso dictum de T.S. Eliot). Até faz sentido, para quem escreve nos subúrbios da vida, por tédio.

Não no caso de Zheng Danyi, onde a escrita e a vida não são separáveis. Na sua poesia, como em muita da arte contemporânea chinesa, há uma crueza e um desassombro por vezes quase brutais que têm obtido uma recensão fora da China que as considera como violência gratuita ou como estranheza deliberada. Mas que outra coisa esperar de uma crítica e de uma sociedade que se habituaram a ver a arte como mero exercício?

Como posso fazer-te acreditar que isto é o
/Outono
Quando tudo aqui
Prova o oposto!
Quando a mais fria água pega fogo

Quem sabe – colo o meu ouvido
A um sino. Quem sabe –
Encomendei uma rajada de vento! Num mês

As folhas caíram
O sino esgotou o seu repique
Como pode ter sido vinho
A privar-me do meu desgosto!
Como podes tu, caminhando sozinho
Ter-te tornado escravo da tua alma

Como podem os pássaros, mortos há muito
Subitamente reaparecer no céu?

Outono. Dias indescritíveis
Dias em que o fogo extingue fogo
Não, como posso fazer-te acreditar
Que estes são dias em que electricidade se
/ dobra em metal!

Estes são dias de apocalipse! Quando eu,
/ para ti
Escancaro a porta da morte…

Agora entra. Perplexas faces, gloriosas faces
Dias melancólicos se encontram no Outono!

QUANTOS OUVIDOS DA ALMA OUVEM

Quantos ouvidos da alma ouvem idade
Ou solidão? A última, a única liberdade
Está desfeita. Quando intoxicada

No cume da felicidade
Nas profundezas de enormes plantas

Quantos ouvidos da alma ouvem
Rodas de pequenos dentes, girando
Infinitamente girando
Violentas línguas enredadas sob água
Prodigalizando flores e interminável
/ bom vinho

Porém cada nascer é um salvamento
Como banquetes, uns a seguir doutros
Pois o terror é bastante. Pois a terra
Rouba antes de dar de novo
Demasiado obsoleto! Por favor –
Quantos ouvidos da alma ouvem

O seu próprio arquejar, ou as batidas
/ do coração
De crianças cantando
Em punido ar
A derradeira canção de inocência

PRIMAVERA

Como uma palavra de veias cortadas
Isto é Primavera
Após numerosas Primaveras
Certos inimigos acordam
Como um suave jardim
Ervas, chuva, ou uma aguda vedação
Tais coisas, no passado poderiam ter sido
Espadas e adagas

Amor, solidão… deixa estar
Entre sonhos e fantasias
Estão essas flamejantes pétalas
Línguas traindo o amor

Ou veias
Secretamente quebradas?

O vidro faz progressos
Carregado com órgãos internos…Árvores
/ palácios
Fazem progressos
Em direção a gentileza, ou a cristal ou sal?

Olha, vermiculares dedos, rostos
Como Terreiros de execução –
Meras folhas de papel branco
Como poderemos suportar assaltos de sangue

Olha, o que faz
Este planeta de valas comuns entontecer,
/ cansar
Não! Certamente não
Costumes, morte, nascimento…ou um jardim

Nas margens da carne destinadas a rebentar
A terra está preparar, a devorar
Outra Primavera

CONHEÇO OS SONHOS DESTA REGIÃO

Conheço os sonhos desta região
Ao lado de uma ave fugitiva e de um sino
/ que toca
Em Nanjing. Rochas para rochas se retiraram
De Edifício graves
Deixando muito espaço para árvores

Flor de primavera, lua de Outono, ano sim,
/ ano não
Paisagem e beleza desfilam, ar púrpura
Fugindo de templo e igreja

Buscando um cheiro, um bando de corvos
Paira sobre o quarteirão…Um bando
/ de corvos
Relutantes na partida, até
Turistas serem trazidos ao alto do monte
A mais bela
Capital que já vi – a invernosa Najing
Na margem da morte
Mostrando paisagem. Secreta, serena…Até
Carnudos remoinhos
São trazidos de labirintos subterrâneos

Abrupto ar de entardecer espalha ansiedade
/ e medo
Uma ave fugitiva
Sonhos de um sino que toca

A capital foi para norte, as pessoas
/ ergueram-se
E eu sei segredos mais profundos
Para além da vista. Em delapidados
Palácios, uma pérola única
Ou uma cabeça tombada
Causaram enorme incêndio

Em Nanjing, metade do fogo penetrou
/ a poesia. A outra metade
Contida por montes e lagos
Imagens rectificadas por paisagem
Torre subidas para ver –

Nunca curta semana, a frente fria cruzou
/ o Yangtze
Vestido em roupa almofadada
Eu regressei
À outra margem da morte…Oh

Os meus passos apressados me envolveram
Em sonhos desta região. Buscando um cheiro
Repetindo faces fictícias

A última noite trouxe grande neve
Um par de sapatos de algodão me acenou
Adeus às portas da cidade…
A ave fugitiva, de novo, sonhou com um sino tocando

Janeiro de 1989

OITO POEMAS CHAMADOS ESTILHAÇOS

1. O VENTO BATE COM SUAVES CASCOS
O vento bate com suaves cascos nos vidros
/ da minha janela
Eu balanço como água num copo
No corredor branco do tempo
Como um copo de água não me posso
/ inclinar

O vento, depois dos bosques, varre agora
/ as ruas….
O vento, saindo da cidade…a um distante
/ vale

Abre: castanha felicidade engarrafada
Olho para dentro de mim…O vento
Fica no copo, por isso só posso tremer
Tremer. Ecoar
O som das rochas despejadas nos tímpanos
/ do vale

2. POESIA

O horário marcado, papel preparado, sangue
/ grita em calma
Um som inclina-se para a frente
Uma sombra varrendo diz: Agora
A escrita começa
Quando o vale mistura a sinfonia das canções
/ de amanhã

Rasgo as ligaduras
Rasgo a pele da dor para veres –

Olha, aqui
Poesia – este pássaro a ficar cor-de-rosa
Penas cheias, músculos fortes, ossos
/ embrulhados
Cordas vocais prateadas e finas como asas
/ de cigarra
Todo completo…E aqui
O crescimento no céu

E fundos arranhões que deixou no papel…

3. RECUSA

Toneladas de gelo flutuando no céu
Chamamos-lhe nuvem
Toneladas de raiva agitando-se no céu
Chamamos-lhe trovão

No cálice do universo
Relâmpago gelado junta-se de novo a carne
Toneladas de carne
Chamamos-lhe amor

Chamamos-lhe: qualquer coisa –
Até que finalmente lhe chamamos; ódio
Flutuando no coração
Um pedaço de rugoso osso

Entre estas linhas
Nuvens de diferentes designações recusam-se
/ a fundir

4. VOCABULÁRIO BRANCO
Então, deve ser assim que se cospe gravilha
“Sobe rochas, esmaga…”
Então, deve ser assim que se limpam
/ feridas mortas
“Luvas, rochas, serra eléctrica…”

Já não sonhamos para além de amanhã
Nas rochas, vocabulário branco
Paciente aguarda que a ordem esguiche,
/ em massa

5. MAS UM POETA É SÓ

Mas um poeta é só um rádio amador
No coração de sal e cristal, rápido nevoeiro
/ prevalece

Cristal, olhos translúcidos, fixa blocos
/ de cimento
Organizados como caixões ao longo
/ do céu
Mais alto, num inferno de cimento, é salve-se
/ quem puder

Mas um poeta pode voar – no sonho
De um objeto voador feito de gralhas e papel
/ encharcado

Mas um poeta é só alguém que fala no
/ nevoeiro
Só um falante
Em espesso nevoeiro
Um archaeopteryx, exalando quentes
/ baforadas

6. COM POESIA

Escuridão. Escuridão continua
Um brilho branco no crânio
Nunca pode ser esmagado

Começo a limpar sangue em cadáveres
Com poesia, começo a rezar
Deixo sair calor aprisionado nos membros
/ de vocabulário
Com poesia – o radiador inquebrado

Quando no meu vas deferens algo se agita…

7. VIDA

Vida, o que podes espremer agora
A parte perecível pereceu
A parte que abana foi abanada
O que pode ser perdido, perdido
O que pode ser sobreviver, sobrevive…
Oh, Vida, a que me espreme

Mas já não podes espremer mais, nem sequer
Uma lágrima forçada

8. APARTAMENTOS DE CIMENTO

Recuas perante ti mesmo, recebes
O lençol branco com clavículas

As portas estão sendo instaladas, uma a uma
A cama, amarando as suas oito pernas,
/ não está disposta a suportar –
Um frio

Desejo de se erguer ocupa o leito de morte
Desnecessariamente largo

Com expressões presas e câmara lenta
Novos inquilinos estão-se a mudar
Erguendo-se, caindo, em fila

As portas estão numeradas por dentro,
/ com endereços…
Como pedras tumulares erigidas na mente
“Não mais escrita – não mais!”

Um cheiro ardente penetra as narinas
Ela jaz na cama como suave fio
Queimado por um sonho de alta voltagem…

Maio de 1985

De Dezasseis Poemas, 1988
Introdução e Tradução de Rui Cascais

26 Jan 2023

2023 Ano de Água Coelho

O ano lunar de 2023 começa a 22 de Janeiro e terminará a 8 de Fevereiro de 2024, sendo que para o Feng Shui o início do ano do Coelho é o dia 4 de Fevereiro de 2023, quando se celebra o Lichun, Princípio da Primavera.

Este ano haverá um duplo Lichun, por isso será bom para casar e um duplo mês lunar a ocorrer na segunda lua.
A China, com uma existência de setenta e oito ciclos, cada um de 60 anos, para este ano apresenta o número 40 a corresponder a Gui Mao (癸卯, em cantonense kouai máo), ‘Coelho correndo para a floresta’.

No Caule Celeste, o Elemento Gui (癸), Água yin, tem a direcção Norte, e no Ramo Terrestre, Mao (卯) Coelho/Lebre (nome comum Tù) é regido pelo Elemento Madeira yin, com direcção Leste.

Água alimenta a Madeira, o que é uma boa cooperação entre os elementos, mas o problema está na Água yin pois é pouca e é toda absorvida pela madeira, o que representa o ano a manter-se ainda seco. 2023 será uma cópia do ano de 2022, com a diferença de ser menos intenso, pois o ano transacto era Água yang e Madeira yang e este ano será de Água yin e Madeira yin. Assim os problemas ocorridos no ano anterior, as catástrofes, como a guerra, tremores de terra, erupções de vulcões, desastres de avião e a pandemia continuarão, mas serão mais leves e diluídos. Gui Mao (癸卯 Água yin e Madeira yin) combinado com a palavra-chave de pandemia Wu Xu (戊戌) leva à manutenção da situação de Fogo, mas tudo irá continuar a ocorrer, no entanto, com menor intensidade. Devido aos três anos de pandemia e aos problemas económicos por ela causados, que levaram a um buraco negro financeiro, já com as pessoas habituadas à recessão, tal não as apavora, nem provocará nenhum choque e assim a confiança pode voltar a aparecer, sendo a saúde o foco principal para 2023.

FUN TAI SOI

Este ano o Tai Soi (Deus do Ano) localiza-se na região Leste (75°-105°), devendo evitar-se a direcção oposta (255°-285°) para praticar actividades de peso e fazer reconstruções.

Os efeitos do Tai Soi começam após o Lichun, 4 de Fevereiro de 2023, quando se inicia a Primavera, no momento em que o Sol está em 315° da eclíptica. No Fan Tai Soi (ofende o Deus do Ano), o Coelho encontra-se em Zhi Tai Soi, contra o Deus do Ano e em oposição, o Galo está em Chong Tai Soi, a colidir com o Tai Soi do Ano. Já o Rato, está em Xing Tai Soi, significando Xing ser julgado pelo Deus do Ano. Em Po Tai Soi estão os nativos de Cavalo sendo por isso fácil ocorrer-lhes danos, devidos a encontrarem-se entre os seis que se combinam (no grupo de Rato, Tigre, Coelho, Dragão, Serpente, Cavalo). Os nativos de Dragão estão em Hai Tai Soi, magoado pelo Tai Soi pois o animal com que combina, o Galo está a colidir com o Tai Soi do Ano.

O mês do Coelho ocorre entre 6 de Março e 4 de Abril de 2023. Nos dias de Coelho e de Galo deve evitar-se iniciar qualquer actividade e em 2023 eles ocorrem no dia 8 de Fevereiro, o do Galo, e seis dias depois, 14 de Fevereiro o dia de Coelho. Também entre as 5 e as 7 horas da manhã (Coelho) ou 17 e 19 horas da tarde (Galo) são períodos a evitar tomar decisões.

Para o ano de Água Coelho, os nativos de Macaco e Cabra estarão no topo da boa sorte, sendo os melhores colocados no Zodíaco. Os nativos de Cão e Tigre estão propensos a saltitar por entre namoricos. Já os nativos de Búfalo e Serpente não contarão com a ajuda de boas estrelas da sorte. Os nativos de Porco, se fugirem para fora do habitual e fizerem algo que normalmente não realizam terão surpresas e sucesso.

Macau está em Fan Tai Soi, pois renasceu no ano do Coelho em 20 de Dezembro de 1999, e o seu bazi não gosta nada de Água, como ocorreu em 2022 com forte Água (yang), sendo o de 2023 Água yin, o que leva a que este ano tudo seja menos complicado, mas falta-lhe Fogo, para conseguir recuperar os níveis que anteriormente alcançou. Tal só ocorrerá em pleno no ano de 2026, Bingwu (丙午), cujo ramo terreste é Wu (午), cavalo, Elemento fogo yang e direcção Sul e caule celeste Bing(丙) Fogo yang, com a direcção Sul.

PI SHI, DEUS DO ANO

O Deus do Ano (Tai Sui, em cantonense Tai Soi) de 2023 é o Grande General Pi Shi, reconhecido por acções militares heróicas e administrar com justiça o território a si confiado, no entanto, no fim da vida desgraçou-se devido ao consumo de muito vinho, sendo açoitado com vara de bétula após constantes bebedeiras.

Pi Shi nasceu com o nome Pi Xi em Yu Yang (hoje arredores de Tianjin) na dinastia Wei do Norte (386-534) filho do General Pi Bao Zi, que logo com tenra idade o colocou a praticar artes marciais, onde ganhou competências tácticas e ampla visão estratégica. Daí a facilidade com que foi promovido a general, atribuindo-lhe o Imperador Wen Cheng Di (Gaozong, cujo nome próprio era Tuoba Jun, 452-465) o mais alto grau da carreira militar. Vivia-se uma época muito turbulenta, com constantes mudanças políticas e sociais e a dinastia Wei do Norte procurava unificar o Norte da China e terminar com o caótico período dos Dezasseis Reinos.

Pi Xi era um guerreiro muito competente e conseguiu impressionantes vitórias nas batalhas que travou. Conteve a invasão da tribo estrangeira Tuyuhun à região que representa hoje a prefeitura de Wuwei na província de Gansu e consolidou as fronteiras. Ao ganhar esse conflito, o Imperador colocou-o à frente da guarnição de Cinco Zhou (Cinco Estados). Como era justo e um bom organizador, os locais ficaram muito contentes e agradecidos pelo seu excelente trabalho, contribuindo para dar dignidade à carreira militar. Assim, conquistou um forte apoio das populações locais, sendo glorificado ainda em vida por todo o seu percurso meritório.

Uma das suas maiores proezas ocorreu em Novembro do ano 477 na área de Chouchi [onde se situava o antigo Reino de Chouchi (c.184-371), hoje a prefeitura de Cheng (Cheng Xian) em Gansu] quando o então Imperador Xiao Wen Di (471-499), na Era Taihe (477-499) o enviou para aí combater uma rebelião chefiada por Yang Wen Du. No mês seguinte dominou a revolta e após capturar o líder, cortou-lhe a cabeça e enviou-a para a capital Datong.

Devido a tal sucesso, foi colocado a governar em vários outros locais, mas em Yuzhou acabou por cair em desgraça, sendo uma das principais razões beber de mais. Foi punido com açoites, os seus títulos retirados e acabou por ser demitido.

Por volta do ano 484, Pi Xi passou desta vida já com uma idade avançada, mas manteve a reputação de herói. As suas contribuições nunca foram esquecidas e, após a sua morte, recuperou a honra e o bom nome e o governo restitui-lhe a sua posição como Grande General, oferecendo-lhe o título de Gonggong pelos grandes serviços prestados ao Reino Wei do Norte.

O dia de ir ao templo oferecer sacrifícios ao Deus do Ano General Pi Shi é o oitavo da primeira Lua, que ocorre a 29 de Janeiro de 2023.

25 Jan 2023

Cao Zhibai – A neve, o céu sombrio e os pinheiros irmãos

Huang Gongwang (1269-1354), o pintor literato da dinastia Yuan, ao criar o extraordinário rolo de pintura horizontal conhecido como Retiro nas montanhas Fuchun alcançou numa síntese de opostos, uma inesperada, intemporal e dinâmica harmonia que resultando do encontro com a natureza, é uma outra compreensão da existência.

Nessa pintura, hoje dividida em duas partes, a mais longa designada como Rolo do mestre Wuyong, no Museu do Palácio Nacional em Taipé (tinta sobre papel, 33 x 636,9 cm) ele escreveu que fez o aspecto geral da pintura numa única ocasião e depois foi realizando os detalhes do cenário ao longo de três ou quatro anos, numa engenhosa manipulação do tempo. No que é apenas um de muitos outros opostos.

Como o próprio tema da pintura que pode ser entendido como um elogio ao destinatário, comparado aos nobres reclusos da antiguidade, que porém nem sequer estão figurados no rolo. Dir-se-ia que o próprio ambiente em que se movimentavam os literatos daquele tempo e lugar a Sul do delta do rio Changjiang provocava essa resposta, ancorada numa longa tradição.

Um pintor literato poderia, por exemplo, numa conhecida proposição de Laozi; Zhiqibai, shouqihei, que se pode ler como; «Conhece a claridade (branco) mas guarda a obscuridade (o negro)» perceber um guia do seu processo.

Um outro pintor dessa área florescente e em cujo nome estavam os mesmos caracteres zhi e bai exemplificaria de maneira original essa síntese de opostos. Cao Zhibai (1272-1355), o pintor de Huating (actual Xangai, Jiangsu), fez-se notar no modo como representou paisagens de neve, como as duas pinturas que estão no Museu do Palácio em Taipé, Neve nas montanhas (rolo vertical, tinta sobre seda, 97,1 x 55,3 cm) ou Picos de montanhas clareando depois da neve (rolo vertical, tinta sobre seda, 129,7 x 56,4 cm), onde a alvura da neve sobressai mas não cancela a obscuridade do céu.

Cao Zhibai, que também usou o nome Yunxi, «a nuvem Ocidental», participou das tradições de amizade e cortesia entre literatos, que trocavam pinturas e poemas como forma de mútuo reconhecimento. Na pintura feita no dia 6 de Fevereiro de 1329, dedicada ao seu amigo de origem khitan (qidan) Shimo Boshan (1281-1347), «como materialização da nossa mútua amizade», representa dois pinheiros irmanados no seu crescimento conjunto.

Nesses Pinheiros gémeos (rolo vertical, tinta sobre seda, 132,1 x 57,4 cm, no mesmo Museu de Taipé) através da sucessiva diminuição da dimensão das árvores, mostra a distância em profundidade (shenyuan) reforçando o simbolismo das duas árvores que resistem verdes aos tempos mais severos. Na folha de álbum Verdejante no frio do anoitecer (tinta sobre seda, 21,1 x 2,2 cm, no Museu de Xangai) uma estranha árvore sem folhas dobra-se diante do homem que viaja numa embarcação, como que saudando quem vem ao seu encontro.

19 Jan 2023

Falando sobre as raízes da sabedoria – Cai Gen Tan 菜根譚 *

Tradução de André Bueno

(continuação)

11.
Aqueles que comem e bebem, de modo simples, são claros como gelo e puros como jade.
Aqueles que usam roupas finas, e comem sofisticadamente, encontram deleite na adulação de seus escravos.
As aspirações nobres vêm da pureza do coração, e a virtude pode ser alcançada abandonando-se os prazeres materiais.

12.
Seja reservado, mas também tolerante e generoso, e as pessoas não ficarão ressentidas.
Assim, suas obras durarão muito tempo, e as pessoas o recordarão com saudade.

13.
Dê um passo atrás, e deixe passar aquele que está no seu Caminho.
Essa é uma das condutas sociais mais agradáveis e seguras.

14.
Para viver de modo verdadeiro, não é preciso nenhum talento; apenas abandone os sentimentos vulgares, e isso a tornará uma pessoa autêntica.
Para seguir nos estudos, não é preciso nenhuma habilidade especial: apenas afaste as preocupações que o perturbam, e isso o aproximará do mundo dos sábios.

15.
Para fazer amigos, precisa-se de certa cortesia.
Para fazer-se verdadeiro, necessita-se de um coração puro.

16.
Não se adiante aos outros para receber favores e benesses; não recue por agir de modo correto; não se exceda na sua posição; não aceite favores; não se detenha num problema até esgotar o seu talento.

17.
Ao conduzir o povo, o Educado deve ser respeitoso e deixar a passagem livre. Ele dá um passo atrás, para depois avançar resoluto. Tratar as pessoas generosamente é parte da própria felicidade, e ajudar aos outros é ajudar a si mesmo.

18.
Todos os méritos e conquistas podem ser arruinados com apenas uma palavra desastrosa;
Todos os crimes e pecados podem ser absolvidos com apenas uma palavra de arrependimento verdadeiro.

19.
Uma boa reputação e uma moral elevada não devem servir somente a si mesmo, mas devem ser compartilhadas; assim, afastam-se os perigos.
Uma má reputação e uma conduta vergonhosa não devem afetar aos outros, senão a si mesmo; assim, se ocultam os talentos e se cultiva a virtude.*
*[No caso, a má reputação não é causada, necessariamente por um defeito moral da pessoa: ele pode ser vítima de uma intriga, e por isso, deve resguardar-se.]

20.
Em tudo que faço, deixo sempre uma pequena parte incompleta; assim, Deus não se incomodará, e os espíritos não me perturbarão.
Se em todos os negócios eu buscar a perfeição, e se em todas as coisas mundanas eu desejar ir além, não estarei incorrendo em nenhum erro íntimo, mas atrairei muita desgraça externa sobre mim.

21.
Nas disputas, existem regras de cortesia;
Na vida cotidiana, se encontra o Caminho;
Se as pessoas praticassem a sinceridade e a harmonia, usando palavras boas e ponderadas, pais e filhos não estariam separados.
A troca de idéias e o diálogo são melhores do que os exercícios respiratórios e as meditações.

22.
Uma pessoa ativa é como um relâmpago no meio das nuvens, ou como uma luz no meio da tormenta.
Uma pessoa inativa é como brasa que se apaga, ou uma árvore morta.
A essência do Caminho está no movimento da quietude, e na quietude do movimento, do mesmo modo com um pássaro atravessa as nuvens imóveis no Céu, ou um peixe nada pelas águas quietas do lago.

23.
Ao censurar alguém pelas suas faltas, cuide com seu temperamento;
Ao ensinar a moral para alguém, considere suas propensões.

24.
O besouro que vive no excremento é sujo, mas um dia vira cigarra, e bebe do vento outonal.
A erva podre não brilha, mas nela nascem os vaga-lumes que cintilam abaixo da lua de verão.
Assim, a pureza pode surgir da impureza, e o claro pode vir do obscuro.

25.
Presunção e arrogância são os extremos; controle-os, e cultivará atitudes saudáveis.
Desejos e enganos vêm de pensamentos impróprios; largue-os, e realizará sua verdadeira natureza.

26.
Quem come apenas para se saciar desfruta a verdadeira saciedade, e a gula desaparece.
Quem faz sexo apenas para se saciar desfruta a verdadeira calma, e a luxúria desaparece.
Por isso, se uma pessoa puder se arrepender de seus erros e se desfazer de suas obsessões, então sua natureza se acalmará e se centrará, e suas ações serão sempre sem erro.

27.
Ao estar na Corte, não se esqueça do cheiro da montanha e dos bosques;
Ao estar só no meio da floresta, não esqueça do cheiro dos livros.

28.
Ao viver em sociedade, não busque com ansiedade o êxito; não cometer erros já um mérito.
Ao tratar os outros com Humanismo*, não espere gratidão em troca; se eles não virarem seus inimigos, isso já é gratidão.
*Ren 仁, o Humanismo Confucionista, também traduzido como ‘Altruísmo’ ou ‘Benevolência’.

29.
Se mortificar por ações virtuosas é moralmente belo, mas sofrimento demais traz um grande desassossego interior.
Desprezar o poder e a riqueza é uma qualidade notável, mas privações demais dificultam a própria caridade com os outros.

30.
Ao julgar alguém que arruinou-se, compreenda seus propósitos.
Ao julgar alguém que alcançou sucesso, conheça seus fins.

31.
Aquele que tem um alto posto deve ser generoso e evitar a intriga; do contrário, agirá como uma pessoa inferior. Como poderia, assim, desfrutar de seu cargo?
Aquele que for Educado deve ocultar seus talentos, e evitar a presunção; de outro modo, ele agirá como um bobo. Como poderia, assim, evitar a ruína?

32.
Quem morou em um lugar baixo, sabe o perigo de ir para o alto. Quem esteve na escuridão, sabe o quão deslumbrante é a luz.
Para manter-se sossegado, conheça as preocupações que o afligem. Quem sabe cultivar o silêncio, sabe quanto é incômodo o falatório.

33.
Ao abandonar os desejos de poder e riqueza, livra-se das tentações do mundo.
Ao extrair do coração as limitações da moralidade, pode-se entrar no reino da sabedoria.

34.
O desejo não dana o coração puro, mas pensar em si mesmo, apenas, é uma praga.
O prazer não é um obstáculo ao Caminho da virtude, mas o uso inadequado da inteligência é.

35.
Os sentimentos humanos mudam, o Caminho da vida é difícil.
Ao se deparar com um obstáculo, saiba dar um passo atrás.
Ao avançar sem problemas, deve-se abrir Caminho para os que vêm atrás.

36.
Ao lidar com os maus, não é difícil ser correto, difícil é não odiá-los.
Ao lidar com os sábios, não é difícil ser respeitoso, o complicado é agradá-los.

37.
Conserve a simplicidade natural, não busque o sofisticado, e deixe uma influência pura no mundo.
Se satisfaça com o simples, abandone os luxos, e deixe um nome puro no mundo.

38.
Para conquistar os demônios, primeiro conquiste o próprio coração. Quem conquista seu coração, submete os demônios.
Para controlar a violência, primeiro se controlam os motivos. Se o espírito estiver calmo, a violência externa não poderá invadi-lo.

39.
Ensinar as crianças é como educar boas moças; o mais importante é mostrar a sabedoria de escolher boas amizades.
Ser íntimo dos maus é como jogar má semente em boa Terra; com o tempo, a colheita será arruinada.

40.
Ao estar de posse de coisas materiais, não se apresse a tê-las em demasia. Fazer isso o jogará num poço profundo e difícil de sair.
Ao estar de posse da virtude, não retroceda nem um passo diante das dificuldades. Fazer isso o levará longe, a mil montanhas de distância.
(continua)

* O Cai Gen Tan菜根譚foi escrito no século XVI pelo erudito Hong Yingming 洪應明 (ou Hong Zicheng洪自誠, 1572-1620), próximo ao final da dinastia Ming大明 (1368-1644). (…) Hong buscava estabelecer uma analogia entre as três grandes correntes do pensamento chinês em sua época: Confucionismo, Daoísmo e Budismo Chan (Zen). O livro de Hong é uma apresentação de trezentos e sessenta aforismos sobre os mais diversos aspectos da vida, sempre baseado nos ensinamentos das três grandes linhas

19 Jan 2023

Reflexões sobre a simbologia animal no Zodíaco Chinês – Ano do tuzi 兔子 (2023)

Ultimamente, académicos chineses e “ocidentais” têm debatido o papel dos animais na história e a forma como o mundo zoológico foi apercebido no passado remoto. Alguns especialistas têm argumentado que os antigos gregos tentavam entender a fauna de uma forma tal como ela é, enquanto os chineses ancestrais relacionavam os animais com um conceito cósmico mais alargado. Afirmavam que relacionar as aves e outros animais com os cinco elementos das forças do Yin e do Yang, impedia os antigos chineses de definir as differentiae zoológicas baseadas na observação biológica e na análise rigorosa dos animais em si mesmos.

Tal ponto de vista é, naturalmente, muito unilateral. A grande variedade de termos para designar os animais, encontrada em textos chineses tradicionais – que incluem diversas obras dos períodos Zhou, Qin e Han – sugerem que os chineses de outrora tinham efectivamente um amplo conhecimento da fauna. Se virmos os antigos trabalhos lexicográficos, datados da época Han – o Erya 爾雅 e o Shuowen jiezi 説文解字 – torna-se claro que os académicos da época levaram a cabo uma enorme tarefa de classificação dos animais de acordo com a sua aparência, comportamento, entre outros factores. Mencionemos apenas um exemplo: Muitas criaturas receberam nomes com o elemento 鼠. Este caracter, que se pronuncia shu, aplica-se a ratazanas e a ratos. Consequentemente, aparece em caracteres complexos usados para roedores.

Obviamente, hoje em dia não conseguimos identificar todos os nomes de animais mencionados nos textos tradicionais chineses. Em muitos casos, são apenas nomes genéricos. Isso significa que não os podemos atribuir a famílias animais específicas, definidas pela taxonomia moderna. e também é geralmente difícil associar estes nomes a espécies individuais. As variantes regionais constituem outro problema. Na antiga China, encontramos várias línguas e dialectos. Daí, por vezes, alguns textos dão dois ou três nomes à mesma criatura, ou ao mesmo grupo de animais, e não podemos determinar exactamente qual a origem regional desta nomenclatura.

Não obstante, temos de admitir que os conceitos cósmicos desempenhavam um papel importante no passado da China e que o mundo animal, além de não ser examinado de um ponto de vista proto-zoológico, muitas vezes era percebido como um estrato de um todo muito maior. Um dos aspectos desta percepção é a emergêcia gradual do zodíaco animal, com as suas doze criaturas, designado em chinês por shi‘er shengxiao 十二生肖. Este ciclo liga-se ao calendário tradicional chinês e à astronomia, a diferentes formas de adivinhação e a outras características que moldavam a vida quotidiana na China antiga.

Infelizmente, já não conseguimos reconstituir o gradual aparecimento do zodíaco animal. Só podemos afirmar o seguinte: A sua forma original não era idêntica ao ciclo actual. Alguns dos animais, que hoje o integram, não estavam presentes nas primeiras versões. Além disso, encontramos ciclos comparáveis em muitas partes da Ásia, mas que frequentemente diferem do zodíaco chinês. Em segundo lugar, interrogamo-nos porque é que animais com que estamos familiarizados não estão presentes no zodíaco chinês. Por exemplo, como é que se pode explicar a ausência das aves? A única que se encontra no zodíaco actual é o galo (ji 鷄). Mas porque é que o pato não está presente neste ciclo, nem os grous, tradicionalmente entendidos como símbolo de longevidade? Podemos explicar a ausência do gato pelo facto, muito provável, deste animal só ter sido domesticado muito tempo depois. Além disso, a ausência do veado e do urso pode significar que o ciclo actual surgiu em regiões onde estes animais raramente eram encontrados.

Os elefantes e os rinocerontes também não aparecem, pelo que deveremos excluir categoricamente a China do Sul e a China Central como pátrias do ciclo actual? Pode acrescentar-se que, nos tempos ancestrais, ambos os animais podiam ser encontrados nestas regiões.

Outra questão importante é a seguinte: Embora as pessoas decorassem as sepulturas com animais do zodíaco, e embora os encontremos em inúmeros espelhos de bronze do período Han, aparentemente os chineses antigos raramente acreditavam em espíritos animais. Na generalidade, esta crença só foi divulgada posteriormente. Assim, no período Tang, as pessoas temiam o espírito dos gatos. As narrativas de raposas, que se transformavam em belas mulheres para seduzir estudiosos inocentes, eram também comuns nessa época. No entanto, a raposa não tem nada a ver com o zodíaco. O mesmo se aplica ao lobo, outro animal importante na tradição asiática.

O lobo transporta-nos ao Norte asiático, onde se encontram cultos totémicos. Aparentemente, tais cultos não eram importantes na antiga China. Locais e etnias individuais raramente relacionavam o seu aparecimento e segurança com animais ou divindades animais. No entanto, e por outro lado, os animais tornaram-se símbolos de todos os tipos de coisas. As pessoas pensavam que o comportamento animal reflectia as condições sociais, o bom ou o mau desempenho de Reis e Imperadores e as relações complexas entre o Céu e a Terra. Assim sendo, nos anos maus, certos animais apareciam na estação errada, e nos anos bons não acontecia nada de especial, ou então as pessoas avistavam pássaros e outros animais que representavam uma governação equilibrada e harmoniosa. Tais crenças deram lugar ao aparecimento da “Fénix” e de outras criaturas idealizadas.

Outra questão a ter em conta é a metamorfose. É óbvio que os antigos chineses devem ter reparado nas transformações dos insectos. Presumivelmente, baseados nestas observações, chegaram à conclusão que os mamíferos e as aves também se podiam metamoforsear. Isto, por sua vez, podia estar relacionado com condições e ciclos sazonais, bem como com padrões éticos e morais. Finalmente, sabemos que os antigos chineses atribuíam certas características humanas ao mundo animal. Isto implicava que alguns indivíduos e os seus comportamentos eram comparados, ou identificados, com um animal em particular, com o seu presumível temperamento e com as suas características físicas observáveis.

Em suma, os antigos chineses abordavam e faziam uso da fauna de muitas e variadas maneiras. Uma análise cuidada das fontes escritas aponta para a existência de conceitos biológicos, mas também revela elementos religiosos e “ecológicos”, princípios cósmicos e outras facetas associadas ao mundo animal.

Agora podemos regressar ao zodíaco animal. A 21 de Janeiro de 2023, a China entrará no “Ano do Coelho”. Em inglês “year of the rabbit” e em espanhol “año del conejo”. O termo chinês é tuzi nian 兔子年. Porque é que menciono os diferentes idiomas? Alguns dicionários antigos – por exemplo, o de R. H. Mathews – diz-nos que, este será o “year of the hare” (ano da lebre). A tradução alemã convencional de tuzi nian é “Jahr des Hasen”; “Hase” significa “lebre”.

Por isso, qual é a verdadeira tradução de tuzi nian: “ano do coelho” ou “ano da lebre”? O zodíaco actual, como podemos ver, não é de forma alguma claro.

Na verdade, a zoologia moderna não nos ajuda a resolver o puzzle. A actual taxonomia associa duas famílias à ordem dos Lagomorpha (Tuxingmu 兔形目): (1) Os Leporidae (coelhos, lebres) e os (2) Ochotonidae (picas, etc.). Existem vários géneros dentro de cada família e várias espécies dentro de cada género. Em chinês, a família Leporidae recebe o nome de Tuke 兔科 e os Ochotonidae são chamados de Shutuke 鼠兔科. O último termo é interessante porque associa ratos/ratazanas (shu) com coelhos/lebres (tu). Isto não é nada rebuscado, porque os animais pertencentes a essa categoria agrupam hamsters e outros pequenos roedores, que têm focinhos que em muito se assemelham aos coelhos e às lebres.

A zoologia também nos diz que diversas espécies das duas famílias se encontram com abundância em várias partes da China. Possivelmente, devido a mudanças climáticas, o habitat destas espécies mudou ao longo da história. Assim, não se sabe ao certo se a espécie Lepus sinensis (Huanantu 華南兔) esteve sempre restrita à região a sul do Rio Yangzi River, como o seu nome científico sugere, ou não. Da mesma forma, o Lepus capensis (Caotu 草兔) pode não ter sido tão comum como é na actualidade. Assim, devemos voltar a perguntar: O que é que designava o termo tu na antiguidade, quando o coelho/lebre entrou no zodíaco animal?

Sobre este assunto não existem certezas: Não podemos dizer com exactidão quando, onde e porquê o tuzi começou a fazer parte dos doze animais do ciclo. Textos chineses antigos como o Shi jing 詩經, o “Livro dos Cantares”, mencionam o tuzi, mas não conseguimos encontrar os atributos deste animal claramente definidos – ou seja, características que nos permitam estreitar as possibilidades de pertencer a um pequeno número de espécies.

O Shanhai jing 山海經, ou “Livro das Montanhas e Mares” e outras obras famosas com raízes muito antigas também mencionam o tuzi. No entanto, mais uma vez, enfrentamos os mesmos problemas ao tentar equiparar esta criatura com uma das categorias zoológicas actuais. Além disso, os estudiosos sugeriram datas diferentes para muitos textos antigos, o que torna extremamente difícil a reconstrução da trajectória do tuzi através dos tempos. As provas arqueológicas são igualmente vagas. O tuzi aparece em documentos do período Shang (cerca de 1050 AC), e temos vasos antigos de bronze, e outros objectos manufacturados, decorados com coelhos/lebres, mas não se pode adiantar muito mais sobre o papel destes animais na antiga civilização chinesa.

A questão tuzi mostra como é difícil lidar com o ciclo animal chinês. Tornou-se moda usar este ciclo para uma infinidade de coisas e, hoje em dia, as pessoas citam muitas histórias mais recentes que associam o tuzi à Lua, ao elemento Yin, e a outras dimensões, mas o simbolismo original ligado a este animal permanece desconhecido.

Actualmente, o tuzi está associado à rapidez na acção, à inteligência e à diplomacia. Além disso, em alguns lugares associa-se o coelho/lebre à fertilidade. Os antigos romanos associavam-no a Afrodite e pertencia também à esfera de Dionísio. Sem dúvida, as potencialidades eróticas permanecem bem vivas: as coelhinhas da Playboy são disso um excelente exemplo.

Não conseguimos dizer até que ponto eram importantes as características reprodutivas do coelho/lebre na antiga China – ou mesmo se tinham qualquer importância. Talvez houvesse variações regionais e os rituais relacionados com o tuzi não passassem de histórias que circulavam para trás e para diante na antiga Rota da Seda. Será este argumento válido para excluir certas espécies, especialmente as picas, a candidatos ao tuzi “original”?

É evidente que a questão do tuzi tem pano para mangas. Milhares de videntes profissionais ganham a vida a interpretar o ciclo animal e a oferecer os seus serviços a todo o tipo de clientes. Na verdade, a multiplicação “tipo coelho” da economia e de outros elementos determinam o incremento do capitalismo. Assim, podemos embelezar este artigo adicionando alguns dados biográficos: Lionel Messi (*!987) nasceu num ano tuzi. O mesmo aconteceu com Albert Einstein (*1879). De acordo com a interpretação popular, isto aponta para velocidade e capacidade fora do vulgar.

Macau também é “coelho”. Pedro José Lobo (*1892, no final de um ano tuzi) encontrava-se entre os empresários e políticos mais bem relacionados. Muitas obras contam-nos que ele contribuiu muito para a sobrevivência de Macau durante a 2ª. Guerra Mundial, quando a cidade, apinhada de refugiados, passou por um período de sofrimento extremo. Finalmente, aqueles que acreditam com convicção nas semelhanças entre homens e animais, podem lembrar-se da questão das características físicas e da aparência: Hans-Dietrich Genscher, um antigo ministro alemão dos Negócios Estrangeiros (*1927), respeitado mundialmente por ser perspicaz e diplomático, era conhecido pelas suas orelhas particularmente grandes.

18 Jan 2023

Breve introdução à vida e obra de Tao Yunming

“Não há muitos anos, os deuses da poesia decidiram convidar os maiores poetas da China para um banquete de príncipes e letrados, algures num terraço entre nuvens pendurado numa das montanhas mágicas do velho Império do Meio. Vieram Qu Yuan (343 – 278 a.C.) nostálgico e triste, Tao Yuanming (365-427), precocemente envelhecido, sereno, sobraçando um ramo de crisântemos, Li Bai, (701-762), imortal no exílio, com uma botija de vinho (…)”
António Graça de Abreu ,
in Prefácio, Poemas de Han Shan

 

A. Vida

Alguns sinólogos europeus chegam a falar de Idade Média para caracterizar o período da História da China que fica situado entre o fim da Dinastia dos Han (220 d. C.) e a breve dinastia dos Sui (589 d.C.). Esse período que, como disse, chega a ser classificado de uma verdadeira Idade Média da história chinesa é mais vulgarmente designado por Época das Seis Dinastias; liu chao, se as entendermos como sendo as Seis Dinastias puramente chinesas (han) do Sul ou Nan bei chao, se as considerarmos as Dinastias do Sul e do Norte. Bem a meio desta época, de intensa divisão nacional e por isso também muito conturbada, viveu o poeta Tao Yuanming, mais concretamente entre 365 e 427.

Tao Yuanming nasceu em Chaisang, no sopé Noroeste da montanha Lu. Se bem que Tao Yuanming seja muito mais um poeta do Tempo do que do Espaço, tudo leva a crer que o fascínio do lugar terá desempenhado um papel importante tanto na formação da sua sensibilidade como nas oscilações permanentes do seu modo de vida.

Assim, se Tao Yuanming acedeu ao mandarinato com a idade de 28 anos, a verdade é que interrompeu esta actividade muitas vezes. Em todas elas é possível estabelecer uma relação entre essas interrupções e profícuos regressos ao campo. E estes regressos ao campo são mesmo escolhidos pelos estudiosos da sua obra como marcos referenciais da sua evolução poética.

Durante o primeiro regresso ao campo (400-401) ele escreveu Voltando à minha antiga morada, poderoso poema onde a alegria se mistura com a angústia.

O segundo regresso ao campo (402 a 404), por ocasião do luto por sua mãe, corresponde, sabe-se, ao período provavelmente mais tranquilo da vida do poeta, período durante o qual escreveu os vinte poemas subordinados ao tema do vinho. Se alguma vez Tao Yuanming foi feliz terá sido durante este segundo regresso ao campo e pelo menos por três motivos. Antes do mais porque o evento do luto, permitindo-lhe um prolongado retiro o poupou aos acontecimentos sangrentos desencadeados pela rebelião de Huan Xuan contra o poder imperial, que só acabou quando Liu Yu, que se manteve fiel ao imperador, debelou a rebelião e restaurou a dinastia Jin. Em segundo lugar porque ao longo destes anos o poeta se exercitou nas práticas agrícolas, tão do seu agrado. Finalmente, porque embora hesitando ainda entre o mandarinato e a agricultura, ele adquiriu, durante este retiro, a consciência inequívoca da sua condição de poeta, tal foi o volume da sua escrita nesta época.

Segue-se o ano de 405, tão terrível, que no ano seguinte começará o retiro definitivo do poeta, cuja primeira parte vai de 406 a 412 e cuja segunda parte culminará na sua morte em 427.

O Grande Retiro que vai afinal de 406 a 427 será poeticamente inaugurado pelo célebre poema longo precedido de uma introdução não menos longa e intitulado Finalmente regresso a casa. Este é provavelmente o mais emblemático poema da obra de Tao Yuanming, pois nele o poeta explana de forma sistemática a sua ideologia de retiro, culto pela humildade e modéstia.

Antecipando-me a considerações que farei mais adiante, pergunto-me. Qual a natureza da motivação destes retiros, tão decisivos tanto na vida quanto na obra do poeta. Tradicionalmente enfatizam-se duas formas de aproximação: A hipótese do princípio moral e a hipótese da inclinação. Recusa da corrupção do regime ou eremitismo confuciano por um lado ou vocação campesina por outro. Por mim, como se verá, inclinar-me-ei mais no sentido de uma espécie de Pastoral on the Self, de grande modernidade e onde o retiro é colocado ao serviço de desígnios literários, embora estes desígnios literários sejam inseparáveis de uma posição moral onde a vida simples é promovida em detrimento da vida palaciana.

B. Obra

I. Generalidades

1. Apontamentos históricos comparativos

Haverá provavelmente uma afirmação que se pode fazer sem correr grandes riscos, a de que Tao Yuanming ou Tao Qian, como se preferir, é o mais aclamado poeta chinês anterior à grande época poética da História da China que foi o período da Dinastia Tang. É um dado adquirido que entre os séculos VII e X (618-907), a China conheceu o apogeu de uma tradição poética que contudo possuía já todos os seus alicerces. E um desses alicerces foi sem dúvida o grande Tao Yuanming. O poeta da reclusão cultivou todos os grandes temas da tradição poética chinesa e fê-lo em grande estilo. É portanto também um dado adquirido que antes da época que imortalizou figuras como Li Bai, Wang Wei, Bai Juyi, Du Fu, Han Shan, Jia Dao, Li He, e cito apenas os mais consensuais, costumam referir-se sempre dois grandes poetas, que podem ombrear pela qualidade da obra com estes grandes vultos. Estou a referir-me ao poeta Qu Yuan que viveu entre os séculos IV e III anteriores à nossa era; e claro a Tao Yuanming que viveu como já vimos entre os séculos IV e V da nossa era.

Sabe-se ainda que Tao Yuanming tentou bastantes vezes afeiçoar-se a uma carreira de funcionário por necessidade e, eventualmente, pelo pudor que sentia atendendo ao facto de poder ser condenado por levar uma vida demasiado ociosa; mas jamais por vocação, pois essa estava reservada exclusivamente à poesia e à vida campestre, como aparece claro em muitos momentos da sua obra. Até que definitivamente venceu a propensão do poeta para uma vida retirada, discreta e em larga medida contemplativa.

E digo ‘em larga medida’ porque, de facto, o seu retiro foi sempre acompanhado de afazeres rurais, pequenas coisas contudo, mais jardinagem do que agricultura propriamente. Se eu tivesse que — à semelhança dos modelos ocidentais — situar Tao Yuanming no quadro de uma pastoral do retiro, situá-lo-ia mais no domínio da bucólica do que na geórgica, uma vez que os trabalhos agrícolas têm o sabor de uma evasão e jamais a carga muito ocidental e cristã de ganhar a vida com o suor do rosto. A geórgica ocidental evoluiu rapidamente do didactismo de Os Trabalhos e os Dias de Hesíodo e das Geórgicas de Virgílio, ainda didácticas mas já muito poeticamente sublimadas, para uma perspectiva pós-adâmica e portanto pós lapsária (após a queda), em que o trabalho, mesmo quando em contacto com a natureza, ganha o sabor de um castigo, que nunca tem por exemplo na obra de Tao Yuanming. Nem didactismo, a não ser moral, nem castigo e sofrimento, antes evasão e entretenimento.

Mas a verdade é que há trabalho rural e por vezes chega a ser do fruto desse trabalho que o poeta sobrevive. E mesmo assim eu acho que se trata de um trabalho evasivo, concebido como interlúdio entre o qin e os livros, afinal tão lúdicos uns quanto os outros.

Mas, por outro lado, o trabalho da terra, o trabalho em contacto com a natureza possui sempre o valor de uma purificação e de uma regeneração. No Ocidente esta purificação e esta regeneração têm tendência a dramatizar-se religiosamente numa economia complexa do bem, do mal e da culpa. Na China não me parece. E esse trabalho rural, quando não possui as características referidas, não possui senão o valor de uma purificação moral e de um complemento saudável ao trabalho espiritual. Convenhamos que há mais idílio e bucolismo do que qualquer outra dimensão pastoral1.

Atrevo-me contudo a pensar que em Tao Yuanming haveria também uma espécie de auto-consciência pragmática de que o regresso ao campo poderia favorecer e potenciar as energias criativas, no caso dele poéticas sobretudo, e nesse enquadramento psicológico, muito particular, poderíamos falar também de uma Pastoral On The Self, que na Europa culmina no século XVIII mas que teve em Petrarca provavelmente o primeiro teórico e a primeira forma de realização. Lembremo-nos do que Petrarca disse, na época em que já se havia decidido pelo seu retiro em Vaucluse, em a Posteritati: “(…) Encontrei um pequeno vale, solitário e ameno chamado Vaucluse, a quinze milhas de Avignon.

É lá que nasce o Sorgue, duma fonte que é a rainha de todas as fontes. Encantado pelo charme deste lugar, instalei-me aí com todos os meus livros (…)”2. E também o que pela mesma época confessava a um amigo: “Esperando curar na frescura destas sombras o meu ardor juvenil que, tu o sabes me queimou durante tanto tempo, eu tinha o hábito de me refugiar muitas vezes aqui desde a minha adolescência, como numa fortaleza inexpugnável”3.

E, esta evocação ganha ainda mais sentido se tivermos em conta que Tao Yuanming cultivou com denodo uma sempre continuada procura da solidão. Ora, Vaucluse é antes de tudo o mais, parece-me, a fundação do mito da vida solitária, que irá marcar a cultura ocidental até aos nossos dias. Menos de dez anos depois da sua chegada a Vaucluse, Petrarca escreveu o tratado De Vita Solitaria, que entretanto dedicou ao seu amigo Philippe de Cabassole que possuía um castelo sobre um dos flancos do vale.

O carácter de isolamento assim como o pragmatismo da escolha do lugar é referido pelo poeta de uma forma inequívoca em 1351 num epigrama que enviou a Philippe de Cabassole: “Não há lugar sobre a terra que me seja mais querido que Vaucluse, nem lugar afastado que seja melhor adaptado aos meus estudos”4. A prova de que a escolha do lugar não só obedeceu a esse critério, mas ainda que tal escolha foi bem sucedida, está na extrema produtividade do poeta durante o tempo que ali residiu. Aí de facto começou e acabou pelo menos numa primeira versão, obras tão importantes como: o De Vita solitária que já referimos, o De Otio religioso, o Secretum, além de numerosas éclogas do seu Bucolicum Carmen, cartas, epístolas e ainda a segunda versão do Canzoniere.

Em muitas outras circunstâncias e textos encontramos esta apologia da vida solitária como o ideal para que o poeta possa prosseguir o seu trabalho de reflexão. Não nos admira, uma vez que isso está de acordo com o que ele pensava da vida agitada das grandes cidades como Avinhão a quem ele chamou depreciativamente a grande Babilónia, assim como das actividades que preferencialmente aí se desenvolvem: o negócio o carreirismo politico ou eclesiástico com o seu cortejo tradicional: ganância, orgulho, vazio existencial, baixeza, imoralidade, etc. E está ainda de acordo com as suas grandes paixões culturais à cabeça das quais é justo colocar a Filosofia estóica em geral e o grande filósofo romano Séneca em particular. Muitas vezes, ao ler Tao Yuanming, eu senti que nele se exercita a mesma aversão pela cidade e pelas actividades que aí predominam.

Ora as comparações valem o que valem e quando são tão diferentes as situações, quer no tempo quer no espaço, devem ser olhadas com parcimónia. Mesmo assim não deixo de enfatizar algumas coincidências:
— A procura da solidão.
— O reconhecimento de que o retiro liberta tempo e paz para a criação.
— O discurso sobre as babilónias deste mundo. Lugares que perturbam a tranquilidade, corrompem moralmente, e até alienam aquilo que é essencial.
Curiosamente, porém, é o facto de que tanto em Petrarca como em Tao Yuanming predomine uma certa tensão entre elementos clássicos e elementos maneiristas e barrocos, continuando a utilizar as categorias temáticas e periodológicas europeias. (continua)

17 Jan 2023

Com Características Chinesas – A Política Poética do Terceiro Timoneiro

9.1.2023

Desde as eras mais recuadas dos tempos imperiais chineses que não chegava ao poder apenas aquele que estudasse para passar nos exames imperiais , mas quem se deixasse inspirar respondendo às questões colocadas com ética e com poesia. Como bem chama a atenção Abílio Basto em Os Exames Imperiais na China, só quem possuísse grau literário acedia ao funcionalismo público.

Este amor ao estudo, inculcado formalmente desde os tempos do imperador Tai Zong (唐太宗,600. a. C.) seria tanto mais apreciado, quanto fosse expresso com criatividade poética, ou seja, com graciosidade, beleza e ritmo , pelo que os meninos das famílias privilegiadas tinham o seu preceptor que lhes ensinava também a partir dos 13 anos música e poesia, donde no futuro, poderiam retirar as mais belas deixas poéticas e lemas governativos. Declara Abílio Basto “O principal objetivo da educação, entre os antigos, não era tanto encher o cérebro de conhecimentos, senão formar o carácter e purificar o sentimento.” (1998: 17).

Como os exames imperiais tinham um pendor fortemente teórico-estético foram abolidos já nos últimos anos do Governo Manchu por lhes faltar a componente cientifico-tecnológica tão necessária aos tempos contemporâneos. No entanto, em boa verdade, acentuavam uma outra dimensão poética que nunca se perdeu ao longo da história da China, chegando ao tempo do terceiro timoneiro, Xi Jinping (习近平), onde verificamos uma aliança indissolúvel entre política, ética e poesia, esta última, hoje em dia, muito utilizada para efeitos comunicativos via Media.

No entanto, a valorização da criatividade poética e o reconhecimento das suas potencialidades ideológicas nunca deixou de ser exercitada ao longo da história chinesa. Não se julgue ser por acaso que os timoneiros da era revolucionária como o Grande Timoneiro Mao Zedong (毛泽东大舵) e o terceiro timoneiro Xi Jinping fazem poesia.

Na poesia revolucionária de Mao Zedong, podemos encontrar as principais mensagens da nova ideologia, transmitidas de uma forma tão estética quanto o serviço da arte a uma causa o permite. Veja-se este louvor ao novíssimo estatuto da mulher vermelha, que deixa para trás os ideais de dona de casa bem-educada da era republicana, o que nos é explicado através de um poema de estrutura clássica de quatro versos, o jueju
(绝句juéjù), usado na tradição muitas vezes para cantar a mulher, aqui apresentado na tradução do escritor e diplomata Ricardo Primo Portugal:

“As milicianas (inscrição para uma fotografia)
Fuzis ao ombro, resolutas e galhardas,
sob o esplendor da aurora ao campo de exercícios,
filhas da China têm aspirações distintas:
desprezam sedas, prezam roupas de combate.”

(https://vermelho.org.br/2015/07/03/mao-tse-tung-o-poeta/)

Alguns poemas de Xi Jinping surgem em jornais, como por exemplo, “Em Memória de Jiao Yulu”, publicado no jornal de Fuzhou a 15 de julho de 1990, quando era Secretário do Partido Comunista Chinês em Fuzhou. Já aí se notava a linha de acção que o havia de nortear até à presidência chinesa, a defesa do serviço integral aos mais pobres e o combate sem tréguas à pobreza, que exalta na lembrança do exemplo de um outro secretário do PCC ligado ao distrito de Lankao, como se pode verificar tanto no poema como na minha tradução:

习近平:念奴娇 追思焦裕禄
Xi Jinping: “Em Memória de Jiao Yulu”.

魂飞万里,
盼归来,
此水此山此地。
百姓谁不爱好官?
把泪焦桐成雨。

生也沙丘,
死也沙丘,
父老生死系。
暮雪朝霜,
毋改英雄意气!

依然月明如昔,
思君夜夜,
肝胆长如洗。
路漫漫其修远矣,
两袖清风来去。
为官一任,
造福一方,
遂了平生意。
绿我涓滴,
会它千顷澄碧。

一九九〇·七·十五

(Xi, 1990, 河南日报, 2014, Apud, cpc.people.com.cn. )

A tua alma voou para longe
Os rios, as montanhas e a terra
anseiam pelo teu regresso.
O povo amava-te e chora-te
Junto às árvores fénix que lhe deixaste.

Viveste e morreste pelo deserto,
Por melhor condição para a população.
De geração em geração,
Contra ventos e tempestades,
O teu rasgo heroico perdura!

A lua brilhará pura,
A iluminar em mim
A tua corajosa memória.
A ecoar pela história,
Servimos ambos incansáveis
O mesmo povo
Em nome da felicidade
E do benefício novo.
Gota a gota fomos construindo
A fonte que transforma
O árido em verde monte.

Xi Jinping estreia-se na governança da China com nova filosofia política, mas mantendo a continuidade no recurso à sabedoria ancestral chinesa através do pensamento proverbial e poético, na sequência de Mao, para valorizar a dimensão prática muito cantada e enaltecida tanto nos tempos revolucionários chineses como nos mais reformistas, por exemplo, na vertente científico tecnológica como mencionava Carlos Morais José em “Como Chegou a China à ‘Nova Era’”, num artigo publicado a 28 de Outubro de 2022, neste jornal, para balanço do 20º Congresso do Partido Comunista Chinês.

O terceiro timoneiro assumiu o mandato de olhos postos em lemas poéticos, a saber, numa “Nova Era” de prosperidade para concretizar o “Sonho Chinês”, mas sem retirar os pés da terra e da água, de modo a que o sonho não se perdesse em “castelos nas nuvens”. Havia então, como poeticamente soube explicar, que “atravessar o rio sentindo as pedras” (摸着石头过河mōzhe shítou guò hé), o que significa: “Atravessar o rio sentindo as pedras é um método reformista tipicamente chinês, em consonância com a sabedoria e o espírito chineses.”(摸着石头过河,是富有中国特色、中国智慧、符合中国国情的改革方法) ( Portuguese.china.org.cn, 2014)

Resumindo, na esteira do que havia sido proposto na história proverbial muito repetida por Mao Zedong, nunca esquecer de remover a montanha pazada a pazada, tal como o “Velho Louco que Removeu Montanhas” (愚公移山 Yúgōng-yí shān) , ou na versão muito mais suave do terceiro timoneiro, sentir cada pedra do rio para que a reforma seja bem-sucedida e não fracasse por falta de prática ou de experimentalismo.

No Socialismo com características chinesas (中国特色社会主义, Zhōngguó tèsè shèhuì zhǔyi ), inaugurado na era do Pequeno Timoneiro, Deng Xiaoping (邓小平), e prosseguido por Xi Jinping, na versão de sonho chinês para a nova era, é recuperada a mundividência tradicionalista chinesa num neotradicionalismo muito enaltecido não apenas em termos das virtudes éticas do governante, que deverá cultivar as cinco virtudes constantes (五常 wǔ cháng) com a benevolência (仁 rén) em lugar de destaque, mas também as “três perfeições” artísticas da China antiga prolongadas no tempo: a caligrafia, a pintura e a poesia, esta última surge, à maneira tradicional, em forte aliança com todo o programa nacionalista adoptado pela liderança xiista. Assim, lemos em Jorge Tavares da Silva, na obra Xi Jinping- A ascensão do novo timoneiro da China: O homem, a política e o mundo, que no quadro das 4 modernizações (四个现代化,xìgé xiàndàihuà), o novo espírito científico-tecnológico, no qual se enquadram tanto as conquistas espaciais como o espírito digital, é poeticamente louvado em 2015 numa canção preparada pela Administração do Ciberespaço da China (CAC Cyberspace Administration of China) nos seguintes termos (Silva, 2021: 212):

“网络强国 网在哪光荣梦想在哪
(Superpotência da Internet! A rede é onde está o sonho glorioso)
网络强国 从遥远的宇宙到思念的家
(Superpotência da Internet! Do cosmos distante ao lar que ansiamos)
网络强国 告诉世界中国梦在崛起大中华
(Superpotência da Internet! Diz ao mundo que o Sonho Chinês (Chinese Dream) está a levantar a grande China)
网络强国 一个我在世界代表着国家
(Superpotência da Internet! Cada um de nós representa o nosso país no mundo) ”

Assim se canta politicamente o nacionalismo da linha xiista, onde o sonho se torna realidade através dos avanços científico-tecnológicos concretizados pela nação chinesa.

Concluindo, a política com características chinesas não se resume a uma assimilação e digestão de outros sistemas políticos por parte das gentes do País do Meio, ainda que também o seja, como bem viu Xulio Rios no Prefácio à supracitada obra de Jorge Tavares da Silva, quando declara que “as ‘singularidades chinesas’, antes e depois da Revolução, defendem a sinização de qualquer doutrina que possa inspirar mutações económicas e sociais, começando pelo marxismo.” (Silva, 2021:19). Há ainda, a registar, acrescento, que esta “sinização” se apresenta com características muito próprias, eivadas de um pensamento poético fortemente metafórico, repleto de imagens, susceptíveis de se tornarem motes políticos, retiradas à paisagem, incluindo todos os seres naturais, dos rios às montanhas e aos céus, das moscas aos tigres, ou dos ratos aos gatos e aos dragões, ilustrando na perfeição o cruzamento da tradição naturalista chinesa com o ecossocialismo filosófico proposto pelo presidente Xi Jinping.

 

Referências Bibliográficas

Alves, Ana Cristina. 2021. Cultura Chinesa, Uma Perspetiva Ocidental. Coordenação de Carmen Amado Mendes. Coimbra: Almedina e Centro Científico e Cultural de Macau.
Basto, Abílio. 1998. Os Exames Imperiais na China. Organização, Prefácio e Notas de António Aresta. Macau: Fundação Macau.
José Morais, Carlos. 2022. “Como chegou a China à ‘Nova Era’”. www.hojemacau.com.mo 28.10.2022 sexta-feira Disponível em: https://hojemacau.com.mo/wp-content/uploads/2022/10/HM-28-10-22.pdf
Portuguese.china.org.cn (Ed.) 2014. “Atravessar o rio sentindo as pedras (Aprofundar a reforma em todos os aspectos)”. Conhecer a China Através de Palavras-Chave. Disponível em: http://portuguese.china.org.cn/china_key_words/2014-11/18/content_38618330.htm., acedido a 7 de janeiro de 2023.
Silva Tavares da, Jorge. 2021. Xi Jinping – A ascensão do novo timoneiro da China: o homem, a política e o mundo. Faro: Sílabas & Desafios.
Xi Jinping. 1990. 《念奴娇·追思焦裕禄》. cpc.people.com.cn. Disponível em: http://cpc.people.com.cn/n/2014/0318/c64094-24663299.html, acedido a 8 de janeiro de 2023.
Vermelho, a Esquerda bem informada (Ed,)2015.Mao Tsé-Tung, o Poeta. Vermelho. Org.br. Disponível em: https://vermelho.org.br/2015/07/03/mao-tse-tung-o-poeta/, acedido a 8 de janeiro de 2023.

16 Jan 2023

Poesia chinesa e psicanálise

Por M. Ângela Andrade

 

O que há de peculiar na forma na poesia chinesa,1 que leva Demiéville2 a comparar a sua tessitura com a arte de “fritar peixinhos sem destroçá-los”? Há uma alusão à sua leveza e subtileza. Mas esse savoir-faire implica ainda exercitar-se pela repetição, pois os chineses imitam e repetem sempre os códigos poéticos, os mitos e os ritos ancestrais. Para além do saber fazer, da habilidade, o que confere à poesia charme irresistível é o estilo e a singularidade, tal como o demonstra a caligrafia chinesa.

O que se apreende é que a repetição chama o novo. Na tessitura de uma poesia provisória, a apreensão do ser sempre escapa. Daí ser “poesia ténue, sempre prestes a se desfazer na via do apagamento, sempre capaz de evitar o desaparecimento, ameaçada de extinção e, no entanto, sempre renascendo. Afinal inextinguível, por tocar nos contrastes da língua em si, da qual se desprende a linguagem.” 3

Antes de prosseguir lendo como Albert Nguyen articula as relações entre poesia chinesa e psicanálise, cumpre notar dados historiográficos da relação de Lacan com a China, sua língua e pensamento: Jacques Lacan sempre fora atraído pelo Extremo Oriente e sabe-se que, durante a Ocupação, havia aprendido o chinês na Escola de Línguas Orientais. Em 1969, quando elaborava sua teoria do discurso a partir da divisão wittgensteiniana do dizer e do mostrar, voltou a mergulhar com paixão no estudo da língua e da filosofia chinesa.†

Em outra ocasião procurei tratar aqui das referências sobre a língua chinesa nos seminários de Lacan, principalmente as do seminário XVIII. No presente trabalho busco apresentar aspectos das indicações de Lacan a respeito de poesia chinesa: “Se vocês são psicanalistas, vocês verão que é o forçamento por onde um psicanalista pode fazer ressoar outras coisas, outra coisa que o sentido. (….) O sentido, isto tampona; mas com a ajuda daquilo que se chama escritura poética vocês podem ter uma dimensão do que poderia ser a interpretação analítica. É absolutamente certo que a escritura não é aquilo pelo que a poesia, a ressonância do corpo, se exprime. É aliás completamente surpreendente que os poetas chineses se exprimam pela escritura e que para nós o que é preciso é que tomemos na escritura chinesa a noção do que é a poesia.

Não que toda poesia… seja tal que a possamos imaginar pela escritura, pela escrita poética chinesa, mas talvez vocês sintam aí alguma coisa que seja outra, outra que aquilo que faz que os poetas chineses não possam fazer de outra forma senão escrever…”4

A poesia chinesa, porém, só pode ser lida conhecendo o contexto em que brota, ou seja, os fundamentos filosóficos, particularmente taoístas em que está alicerçada. Ainda sobre o contexto: o solo em que florescem essas tradições gerou uma combinação particular de vertentes filosóficas heterogéneas que, no entanto, se revelam bastante assimiladas na cultura chinesa. Nguyen indica ainda os trabalhos de Isabelle Robinet e François Julien que demonstram indiscutivelmente a incidência e força destas doutrinas, tanto na poesia como na estratégia e política da China. O artigo em questão destaca três grandes poetas chineses para ilustrar cada tradição: Wang Wei (budista), Li Po (taoísta) e Du Fu (confucionista). Escolhi para ilustrar a presente exposição, a poesia de Wang Wei.

Atalho pela velha floresta; nenhum vestígio
No coração do monte, um som de sino; vindo de onde?
À tarde, sobre o lago deserto, meditando,
Alguém aprisiona o dragão venenoso.

Em Televisão, Lacan fala do estatuto provisório da poesia, fazendo dela uma arte do desprendimento, como aquela que o poeta Wang Wei pratica. No encontro de poesia chinesa e psicanálise surgem interferências e diferenças. Nguyen destaca a ressonância, termo que equivale à interferência, como o alvo da interpretação psicanalítica. As interferências ou ressonâncias são:

1. A natureza, que na poesia chinesa indica o lugar do vazio, o furo. “Lugar de ressonância, lugar de interferência: nada pode ressoar sem um furo: aquilo que no saber constitui o sintoma analítico, aquilo que deixa o poema e o livro inacabados, aquilo da ruptura da tradição que provoca a rã de Bashô, que se lança no poço, plof! e tantas outras indicações desta interferência da ressonância.”

2. A relação com o real. Essa segunda interferência assenta-se no lugar concedido ao real. A relação ao real é distinta na psicanálise. Na poesia chinesa, o real surge como realidade derradeira, sinónimo de Tao. Já a psicanálise confere ao sujeito o estatuto de separado, cortado definitivamente de todo o mundo e de toda cosmologia. Assim, separação, exclusão do sujeito, em oposição à integração taoísta. Poderíamos, talvez, aproximar essa relação ao real no taoísmo com a música tonal, enquanto que a relação ao real na psicanálise com a música atonal. Ou ainda com Badiou: “O real, para Lacan, se dá como ausência de sentido. Mas o que é preciso entender bem, é que ausência de sentido para Lacan, nunca quer dizer não-sentido. Há uma função de sentido do real, enquanto ausência de sentido. Há uma ausência no sentido, uma subtracção ao sentido que não é um não-sentido. É essencial compreender a diferença entre ausência de sentido (ab-sens) e não-sentido (non-sens).”§

3. A mistura, mestiçagem (métis) da linguagem ou do real com a linguagem do simbólico. É a que se contrapõe à linguagem unívoca do Um fálico; a mestiçagem favorece a maleabilidade de espírito.

Efeito de sujeito, afânise, ou o estatuto provisório, evanescente do ser? O sentido de “poesia provisória” diz respeito ao caminho no qual a apreensão do ser sempre escapa. O analisante e o poeta seriam, nesta perspectiva, um efeito poético.

Nguyen conclui seu trabalho com o que nomeia de Lacan chinês. Diz ele: “Como situar esta possibilidade do passo suplementar que Lacan realiza sobre o taoísmo e a poesia? A resposta é dupla. Por um lado, Lacan, ao formular a estrutura, não deixa de examinar o registo da consequência (desenvolvida nesse mesmo seminário).

A causa não porta somente efeito, mas consequências. E por outro lado, esse passo suplementar é autorizado pelo que nomeio de “Lacan chinês” para designar o lugar sempre marcado de referências chinesas em seu ensino, do início ao fim. Lacan começa seu ensino com o Zen e todos conhecem a referência à Índia de Prajapati e o Deus Trovão dos Escritos, mas é principalmente a partir do seminário “A Angústia”, seminário sobre o afecto certeiro da angústia, central em sua elaboração da teoria da causa, que Lacan, a partir do vazio e do feminino – pois é também este um seminário sobre a abordagem do feminino juntamente a uma tentativa de visualizar um para além da rocha freudiana da castração para o final de análise – com Kuan Yin, a fêmea misteriosa da qual ele extrai o olhar como causa, olhar faltante, olhar vazio, começa a marcar aquilo que será uma insistência sobre as referências chinesas.”

Notas

1 “La métis des mots: le poète et le Saint”- Albert Nguyen. BARCA! N. 8. 1997
2 Os interlocutores de Lacan foram inicialmente o sinólogo e tradutor Paul Demiéville, que durante anos dirigiu a École Pratique des Hautes Études, e mais tarde, o escritor e chefe dos trabalhos no Centro de Linguística Chinesa da mesma École, François Cheng, com quem leu textos clássicos em chinês.
3 Ibid. pg 122
4 Lacan. L’insu. pg 129

13 Jan 2023

Primeira expedição marítima de Zheng He (IV)

Com a queda da dinastia Song do Sul (1127-1279) e a ocupação da China pela dinastia Yuan (1271-1368), os mongóis estabeleceram um grande império a atravessar o continente asiático até ao Médio Oriente, dominando a Ásia Central e parte da Índia. Devido à Pax Mongolorum ficavam assim desimpedidos os caminhos comerciais terrestres e, como eram um povo das estepes, sem ligação ao mar, apesar de ensaiarem uma expansão marítima, com tentativas frustradas de conquistar o Japão em 1274 e 1281, entregaram a administração dos seus portos com os respectivos juncos a oficiais estrangeiros, sobretudo mercadores árabes a viverem na China há já algumas gerações.

Quando a dinastia Ming chegou ao trono em 1368, os juncos foram proibidos de se fazer ao mar e sair do país e passaram até 1398 a navegar apenas no Grande Canal e por os rios da China. Os caminhos terrestres para Ocidente continuaram controlados pelos mongóis, sendo as costas do Sudeste Asiático percorridas por barcos de mercadores indianos do Gujerate, sobretudo do porto de Cambaia, alguns da península Arábica, de Java, dos arquipélagos da Malásia e das Filipinas, existindo uns quantos mercadores chineses desrespeitadores das leis do país, logo piratas, a manter contactos com as comunidades ultramarinas.

Em 1403, uma armada chinesa comandada pelo Almirante Yin Ching aportava em Malaca, encontrando aí barcos de comerciantes do Índico a fazer negócio. Com uma posição geográfica privilegiada, Malaca começava a dar os primeiros passos para se afirmar como um novo território. O então hindu príncipe Parameswara em 1390 fora coroado Maharaja de Palembang, mas tentando tornar o reino independente logo uma expedição de Java o atacou, obrigando-o a fugir de barco para a península da Malásia, onde havia duas forças em conflito, o Sião e Majapahit. Parameswara pouco depois de chegar à península matou o governante siamês em Tanma-hsi e colocou-se como Rei.

Após um ataque dos Tai, em 1398 partia para Malaca, então ainda uma aldeia piscatória onde se estabeleceu. Aí tentava formar um reino, mas devido à sua inexperiência, era constantemente substituído pelos vizinhos Tai, do reino do Sião. Este o cenário encontrado pelo Almirante Yin Ching em 1403 e, por isso, dois anos depois, Zheng He na sua primeira viagem em vez de ir a Malaca seguiu para o reino do Sião.

PARTIDA DO PORTO DE LIUJIA

A Noroeste da cidade de Nanjing, pelas águas do Rio Jia saíram dos estaleiros de Longjiang muitos dos juncos que, seguindo pelo Yangtzé, navegaram até ao porto de Liujia em Taicang, prefeitura de Suzhou na província de Jiangsu, para se reunirem aos muitos barcos aí já ancorados que os esperavam. Na cidade de Taicang (太仓) existia a povoação Liuhe (浏河) onde no Palácio de Tian Fei, um dos quatro maiores templos a Mazu na dinastia Yuan, Zheng He foi pedir à deusa protecção para a viagem, como era tradição dos mareantes.

Em Taicang foram recrutados um grande número de experientes marinheiros, pois durante a dinastia Yuan fora um dos principais portos da China de onde era o arroz transportado via marítima para chegar à capital Dadu (Beijing), devido à dificuldade do trajecto por o Grande Canal. No porto de Liujia, na povoação Liuhe, nos baochuan foram embarcadas mais de um milhão de toneladas de mercadorias, preciosos e delicados produtos como tecidos de seda, porcelana, chá e moedas de cobre, para trocas e prendas aos soberanos dos reinos a visitar.

No porto de Liujia (刘家港), parte da armada aguardava no estuário do Rio Yangtzé, onde não faltavam já dezenas de juncos, com sete mastros e 28 zhang de comprimento e doze de largura, uns preparados com cisternas para água potável, outros para o transporte de mantimentos, animais vivos para consumo durante a viagem e a servirem de hortas para produzir vegetais, como soja, excelente em vitaminas e contra o escorbuto.

A partida ocorreu no dia 15 da sexta lua do terceiro ano do reinado do Imperador Yongle (11 de Julho de 1405).
O Almirante chefe da armada Zheng He ia instalado no maior dos baochuan e ao seu redor barcos mais pequenos de 24 e 18 zhang com seis e cinco mastros para transporte de tropas e de combate, com uma grande mobilidade, usando ainda uma arma do tempo da dinastia Sui, a “lança explosiva”. Seguiram até Wuhumen, em Fujian, onde foram feitos os últimos preparativos e se juntaram à armada muitos juncos provenientes de vários portos chineses de Zhejiang, Fujian e Guangdong.

Reunida toda a frota em Humen, província de Guangdong, em Dezembro de 1405 a armada avançou ao longo da costa pelo Mar do Sul da China, tendo o Almirante Zheng He a coadjuvá-lo como vice-comandante Wang Jinghong, entre outros Grandes Eunucos. A tripulação totalizava 27.800 homens distribuídos por 62 grandes e médios juncos, os barcos do Tesouro e 255 embarcações mais pequenas, seguindo muitos oficiais, astrónomos, intérpretes, geomantes, milhares de marinheiros e soldados, assim como cronistas, médicos, comerciantes e outro pessoal.

PORTOS VISITADOS

Pelo Mar do Sul da China atingiram na última semana do ano de 1405 a cidade de Qui Nhon, no reino de Champa (hoje parte da costa do Vietname), e avançando para Sudoeste chegaram devido ao bom vento três dias depois a Zhenla, para retribuir a visita diplomática da embaixada daí enviada durante o reinado do Imperador Hongwu.

Seguiram para Surabaya, em Java, onde intervêm num problema de sucessão do trono, mas foram apanhados no meio do conflito local. Mais de cem dos seus homens morreram e quando todos pediam ao Almirante Zheng He para serem tomadas medidas militares, este declinou e preferiu aceitar as desculpas dos nativos.

Partiram para Palembang, na ilha de Sumatra e a caminho do Sião (XianLo, Tailândia) a armada foi apanhada por uma terrível tempestade. Nesse momento de aflição apareceu a Zheng He a protectora deusa Tian Fei que evitou uma tragédia.

Após o Sião, atravessando o estreito de Malaca foram pelo Sul das ilhas de Nicobar até ao Sri Lanka, onde a Sudoeste aportaram em Beruwala. Depois seguiram para Cochim (Kezhi) e chegaram a Calicute (Guli), um dos importantes portos do Oceano Índico de especiarias e têxteis, onde foi deixada uma estela e uma embaixada embarcou para visitar a China.

A armada no regresso encontrou-se em 1407 com uma frota de navios piratas, que controlava a navegação no mar do Sudeste da Ásia e aterrorizava a população de Palembang, em Sumatra, onde existia uma grande comunidade da diáspora chinesa. Após derrotá-los no Estreito de Malaca, trouxe o chefe cantonense Chen Zhuyi e os sobreviventes do bando para serem executados em Nanjing, granjeando-lhe assim uma imensa simpatia e o estreitamento das relações com os países e reinos da região, por deixar esse mar livre de pirataria. Em Palembang embarcou também uma embaixada para a China, que regressaria na 2.ª viagem.

A primeira expedição marítima de Zheng He chegou a Nanjing no segundo dia do nono mês lunar do quinto ano do reinado do Imperador Yongle (2 de Outubro de 1407).

13 Jan 2023

Poemas de Uma Monografia de Macau (Aomen Jilue)

Introdução

Aomen Jilue é um relatório sobre Macau, escrito por dois delegados do Imperador, Yin Guan-ren e Zhang Yulin (primeira edição 1751).

Os poemas inclusos tinham a dupla função de testemunho dos relatos e embelezamento do texto.
Esta monografia viria a ser selecionada para fazer parte da famosa “Biblioteca dos Quatros Ramos Literários” (Si Ku Quanshu) , compilada em 1772-1782 por ordem do Imperador Qianlong. Este facto reflecte bem a importância do livro.

Os temas dos poemas englobam descrições de viagens e embaixadas dos oficiais enviados aos países asiáticos com os quais a China mantinha relações na época (o reino de Champa, Malaca, Vietnam, Java, Filipinas e outros estados tributários) ou encontros e trocas culturais com os povos que aqui aportavam vindos do Grande Oceano Ocidental (Portugal, Espanha, Holanda…) Paisagens, costumes, minuciosas descrições da natureza ou dos mitos, nada ficou esquecido.

Não poderemos senão admirar esses testemunhos de encontros culturais muito antes do que teríamos imaginado.
O poder e o brilho da China durante a dinastia Ming estão aqui bem patentes, dado que os principais poetas citados nesta colectânea são monges errantes, letrados e poetas da dinastia Ming e raramente Qing.

Não estão igualmente ausentes temas sobre estados de alma, geralmente expressos pelos Mandarins afastados das suas províncias, que se servem da incessante impermanência dos ritmos da natureza para exprimir o sentimento de exílio e a perplexidade sobre a inconstância do destino. A nostalgia da despedida nos momentos de separação e a esperança de rever os amigos perpassam explicitas ou veladas, em quase todos os poemas sobre viagens.

Os epitáfios e as homenagens póstumas aos embaixadores e outros ilustres oficiais, assim como relatos de peregrinações aos túmulos, com abundância de referências às virtudes e feitos heróicos dos defuntos, são muitas vezes impregnados de nostalgia perante a ironia do destino. Disso ressalta o papel do Budismo que ensina a arte de “desprender-se”. Como abandonar desejos irrealizáveis, como escapar ao sofrimento, onde descobrir a força de encarar a solidão. Uma das vias da fé budista é o desprendimento; e assim manter a tranquilidade de coração, atingindo o estado ideal do ser humano.

Os poemas que descrevem cenas de despedida, passam-se num pavilhão, num miradouro circundado por montanhas, um rio, os pássaros que voam para longe mas não cantam “mudos de desolação”, o sol nascente, a lua, etc., todos os elementos da atmosfera Zen, através da qual os letrados atingiam a harmonia com a natureza. Por vezes perpassam afeições nesses temas do “letrado chinês” amor ao país, aos amigos, à família, e raramente à amada; mas tão discretas são essas alusões que temos que descobri-las como raros tesouros associadas aos elogios dos ilustres do passado, aos relatos de feitos heróicos, à incessante comparação com os mitos.

Antes de Fernanda Dias me ter trazido a sua versão destes poemas, eu nunca tinha considerado Aomen Jilue como integrando uma obra poética. Muitos historiadores usam esta monografia como referência de pesquisa histórica, mas raramente literária. Talvez por isso, nunca reparara que contém tal quantidade de poemas notáveis. Ao colaborar nesta tradução, na passagem de uma língua a outra, na difícil e sempre exaltante comunicação oral, era como se as imagens renascessem, com a frescura da origem.

Sem dúvida graças à sensibilidade de poeta e de pintora, e aos conhecimentos da cultura Chinesa de Fernanda Dias, esta tradução pôde trazer para a Língua Portuguesa as paisagens poéticas em todo o seu colorido e delicadeza pictórica. Cada palavra escolhida no acorde do verso, como o eco da imagem. Uma das razões pela qual a poesia chinesa tem um lugar de realce na literatura mundial, é o facto de ser tão eficazmente pictural.

Disse Wang Wei: “Encontramos pinturas nos poemas, e nos poemas, encontramos pinturas.”
Assim, este livro é uma obra poética, mais artística que documental, por isso mais conforme aos sentimentos dos poetas, que ao contexto histórico desse extraordinário relato que é Aomen Jilue.

Stella Lee Shuk Yee

Macau festivamente límpido

Pela enseada, no fim do Outono melancólico
O sol do meio-dia, no zénite, dardeja os ofuscantes raios
Sobre a Baía, esfumam-se nuvens, abre-se a caixa do espelho
Vejo pomares nos recifes, como quadrícula de xadrez
Água rumorejante cai na talha, aqui
Ao longe, ensolarados bosques, bananeiras em flor
Pura frescura verde, através das janelas acenando para nós.

Zhang Rulin

Chegando a Macau

Ao Monte Maior de Afiar-a-Espada
Liga-se Monte Menor de Afiar-a-Espada
Longas praias, brando Outono, velas leves
Até onde chegam meus olhos
Temo pelos pássaros, voando em queda livre
O pescador com sua rede, frente à choupana
Espera em pé sobre as ondas, de coração firme
O claro sol ilumina o Templo de S. Paulo
E a Ilha da Montanha Milenar
Ainda cintilante de orvalho branco
De sete em sete dias, os bárbaros prestam culto
As damas estrangeiras enchem as ruas
Com suas mantilhas e brocados
À sombra da verde ramaria
Combatem galos de esporões de oiro
Chineses e bárbaros, em grupos separados
Ombro a ombro encostados
Ganham ou perdem, cena banal
Os velhos enfeitiçados patenteiam
Em cobiça tenaz a sua vil paixão.

Wang Houlai

12 Jan 2023

Nota sobre o Li (理, lǐ) dos taoistas

Como complemento ao artigo ontem publicado sobre o 理Li, apresentamos hoje a contextualização do conceito no pensamento taoista.

 

O caracter li (理, lǐ), cuja grafia evoca os veios (里) do jade (王), representa a ordem e a coerência que existe na aparente falta de regularidade da textura dos objectos naturais e dos fenómenos da natureza. Os grãos do jade e da madeira têm li, mas também as fibras dos músculos, as nuvens, o mármore e os padrões no fluxo da água. Todos nós reconhecemos o li que se revela nas texturas naturais; mas não há uma maneira simples de o definir.

Os artistas taoistas tentam exprimir a sua essência nas suas pinturas cujo tema é a Natureza. Por extensão, li é também utilizado para exprimir a «textura natural» das situações, ou seja, o «fluir natural das coisas», que um taoista deve seguir para conseguir agir «sem agir», aderindo à coerência das transformações naturais (em harmonia com o Tao). Note-se que, quando se cliva o jade, para que ele não quebre, é preciso fazê-lo seguindo a coerência dos seus veios.

Na obra de Sun Zi só surgem três referências ao conceito de li : quando se diz que um bom general deve adequar o grau de flexibilidade das suas forças à textura (理, lǐ) do terreno; quando se fala na importância de conhecer a textura (理, lǐ) do mover e ficar imóvel do inimigo; e quando se fala na importância de examinar com minúcia a textura (理, lǐ) das emoções humanas. Mas o conceito de li está implícito no modo de proceder recomendado. O general tem de reconhecer e se ajustar às mudanças da «contextura» da situação, ou seja, ao li da situação.

O conceito de li é muito importante no pensamento taoista. Zhuang Zi diz que é reconhecendo e respeitando a textura natural das coisas, ou seja, o seu «li celestial» (天理, tiānlǐ), que se consegue «discernir onde está a segurança e onde está o perigo, ficar sereno perante a adversidade e a sorte , e ser cuidadoso ao se distanciar e ao se acercar delas», evitando assim que alguma coisa nos consiga fazer mal.

Zhuang Zi conta-nos a história do cozinheiro Ting que conseguia talhar um boi sacrificial de um modo extraordinariamente exímio, por o fazer seguindo a textura natural da carne, os «veios celestiais» (天理, tiānlǐ) da carne. Depois de um longo período de aprendizagem, já não via o boi com os olhos, mas com a intuição espontânea do espírito. Assim, as respostas adequadas para cada situação apareciam-lhe espontânea e instintivamente, perante as circunstâncias presentes em cada momento, como se fossem o reflexo da situação num espelho. A lâmina da sua faca avançava seguindo pelos espaços entre as articulações, sem nunca cortar nem rachar, e, ao fim de talhar milhares de bois, estava ainda como nova.

O conceito de li é muito importante na cultura chinesa e tem sido erroneamente associado no Ocidente ao de ideal e de razão. Isso deve-se ao facto dos eruditos chineses do final do século XIX terem criado termos novos com base no conceito de li para tentarem exprimir as noções ocidentais de ideal e de razão, que são estranhas ao pensamento chinês. Para exprimirem o conceito ocidental de ideal (platónico) ou de perfeição, optaram pelo termo «conceber o li» (理想, lǐxiǎng), ou seja, «conceber qual é a textura natural» das situações, o «fluir natural das coisas».

No pensamento chinês, o que pensamos ou fazemos nunca é «perfeito em si», de um modo absoluto. É a harmonia com o todo em que eles se inserem que os podem tornar «perfeitos». Como se diz no Dao De Jing, «A grande realização parece incompleta», mas «o Tao empresta o que falta e completa» o que parece incompleto.

Para exprimirem o conceito de razão, os eruditos chineses optaram pelo termo «a sabedoria do li» (理智, lǐzhì), ou seja, «a sabedoria da textura natural». Para tentarem exprimir o conceito de verdade, como no pensamento chinês não existe o conceito de verdade absoluta, no sentido da conformidade do discurso ou da ideia com a realidade, e apenas se discute o certo e o errado (是非, shìfēi), os eruditos escolheram o termo «o li genuíno» (真理, zhēnlǐ).

Como se vê, para os chineses, o ideal, a razão e a verdade, correspondem ao que está em harmonia com o que é natural. Por isso, em vez de procurarem «a verdade», de um modo lógico e racional, pretendem apenas encontrar intuitivamente o que é adequado (o «certo»), seguindo as propensões naturais. Para eles, ficar preso a um modo de pensar demasiado lógico e racional tenderia a dificultar a tomada de decisões atempadas e adequadas, porque perturbaria o fluir natural do pensamento, ou seja, «a sabedoria do li» (理智, lǐzhì).

No modo de pensar chinês, muito influenciado pelo pensamento dos mestres taoistas, tudo o que de relevante se diz sobre a realidade é encarado como uma metáfora que «aponta» para a transformação natural contínua, ou seja, para o Tao, o grande Caminhar do mundo.

11 Jan 2023

Falando sobre as raízes da sabedoria 菜根譚Cai Gen Tan

Hong Yingming

Tradução de André Bueno

A Via do Meio inicia hoje a publicação do livro 菜根譚 (Cai Gen Tan) “Falando sobre as raízes da sabedoria”, de Hong Yingming (1572-1620), numa tradução do sinólogo brasileiro André Bueno.

CAI GEN TAN
Introdução

O Cai Gen Tan菜根譚 foi escrito no século 16 pelo erudito Hong Yingming 洪應明 (ou Hong Zicheng洪自誠, 1572-1620), próximo ao final da dinastia Ming大明 (1368-1644). Apesar de ter publicado vários outros textos, com certeza foi o Cai Gen Tan que teve maior destaque na obra de Hong. O título é de difícil tradução: literalmente, ele significaria algo como ‘Discurso sobre as raízes dos vegetais’. Hong buscava estabelecer uma analogia entre as três grandes correntes do pensamento chinês em sua época: Confucionismo, Daoísmo e Budismo Chan (Zen). Para que as ‘raízes’ das três frutificassem, portanto, precisavam ser cultivadas no intimo do ser humano. Daí, pois, a opção (liberal, admito) por traduzir o livro com o título de ‘Falando sobre as raízes da Sabedoria’. Manter a tradução literal do mesmo seria, para nós, quase incompreensível.
O livro de Hong é uma apresentação de trezentos e sessenta aforismos sobre os mais diversos aspectos da vida, sempre baseado nos ensinamentos das três grandes linhas (tivesse ele colocado mais cinco aforismos, e eu sugeriria que fosse lido um por dia, ao longo do ano…). Hong teria seguido à risca a proposta que ele mesmo apresentou no livro: uma vida simples, desprendida, longe das convenções e dificuldades representadas pelo cotidiano. A prova disso é o quase total desconhecimento de informações sobre sua vida. Muitas suposições (e poucos dados) apontam que Hong tenha vivido o curso de sua existência discretamente. A partir do livro, pois, é que podemos compreender um pouco mais sobre seus pensamentos.
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O Cai Gen Tan está estruturado, como dissemos, nos três grandes ensinamentos: o Confucionismo 儒家, o Daoísmo 道家e o Budismo 佛教Chan禅(em japonês, Zen). Hong organizou seus aforismos em torno de alguns aspectos principais:
• A importância da Educação: a busca de uma vida correta se centra no ideal do Junzi 君子, o ‘Educado’ confucionista. Estudar 学 e Educar-se 教são fundamentais para compreender o Caminho (Dao道), e para adquirir as habilidades sobre uma vivência correta. Estudar, na visão de Hong, inclui não apenas os clássicos confucionistas, mas também, os textos daoístas e budistas.

• A ‘Não-ação’: contudo, a busca constante pela perfeição moral, e pelos ganhos do mundo cotidiano se constitui um erro. O estudo precisa ser contrabalanceado pela ação isenta, ou ‘Não-ação’ (Wuwei 无为), conceito fundamental do pensamento daoísta. A ação isenta de propósitos artificiais permitira um retorno à nossa ‘natureza original’ (Ziran 自然), na qual o ser humano alcança a verdadeira harmonia com a natureza e consigo mesmo.

• Desprendimento, meditação e contemplação: ainda assim, desprender-se do mundo humano não leva ao aperfeiçoamento da mente e da alma. Afinal, pode-se fugir para o meio do mato, e continuar com as mesmas tensões de sempre. Essa interiorização meditativa é trazida pelo aspecto budista da obra. Hong insiste na necessidade da contemplação e na meditação para alcançar o que ele chamava de uma ‘verdadeira essência das coisas’ (o Li 理, ou princípio das coisas). O Budismo de Hong é, claramente, o Chan 禅(ou Zen), cujo impacto da meditação ativa e do desprendimento são características marcantes. O controle da Mente é fundamental na proposta da vida ideal.

Hong, porém, balanceava todas essas coisas. Seu sábio ideal bebe, canta, estuda, passeia pelos bosques, mas sabe também agir em meio à multidão. Ele medita, contempla a natureza, adora a Lua, a simplicidade, o despojamento, mas conhece as armadilhas do mundo material. Os aforismos do livro se dirigem, portanto, a necessidade de cuidar com as ilusões da vida. Em alguns trechos, o livro nos aconselha a pensarmos na morte, e encararmos a vida como algo passageiro. Se bem compreendidas, essas passagens nos esclarecem que a vida é curta demais, e que deve ser vivida de modo feliz; e para se alcançar essa felicidade, seria importante retornar a simplicidade.
Por fim, a mentalidade presente no Cai Gen Tan é um produto típico do pensamento chinês que busca, na síntese das idéias, a harmonia das visões de mundo. Para um pensador típico dessa civilização, Confucionismo, Daoísmo e Budismo são visões incompletas do todo; são, justamente, Caminhos (Dao道) para se alcançar a Harmonia 和 (ou, ‘Equilíbrio’). Todavia, cada uma dessas propostas foca em um aspecto determinado, e disso resultam suas incompletudes. Durante séculos, diversos pensadores chineses se debruçaram sobre o problema de como aproveitar os melhores aspectos, de cada uma das três grandes linhas, em um único sistema coerente. Hong nos oferece, no livro, sua visão das coisas. Ele viveu num momento histórico em que a economia chinesa era uma das maiores do mundo, e a ideologia da riqueza fácil pulsava em meio à sociedade. Por isso, existia uma grande preocupação entre os intelectuais chineses quanto à degradação de sua cultura e dos valores morais e sociais. A queda da dinastia Ming, em 1644, é em parte atribuída, pelos historiadores tradicionais chineses, a essa crise moral que assolou uma China rica, poderosa e, porém, corrompida.
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É costume afirmar que o Cai Gen Tan não foi muito lido na China, mas isso não me parece exato. Apesar de ser razoavelmente divulgado, o livro não fazia parte dos cânones tradicionais das três grandes escolas (Confucionismo, Daoísmo e Budismo). Esse era o custo de Hong Yingming ser um pensador independente. Sabemos que ele era lido pelos intelectuais chineses da época, sendo citado, ocasionalmente, em um ou outro texto; todavia, era um escrito que encontrava mais ressonância no leitor comum, interessado em aprender um pouco mais sobre sabedoria.
Foi no Japão que o livro encontrou a sua total redenção. O Sankontai (pronúncia japonesa) se tornou um absoluto sucesso, por conta de sua simplicidade e elegância. Os japoneses apreciavam bastante o livro, por entender que ele resumia, de maneira direta e profunda, os ensinamentos das três grandes escolas. Contudo, o Sankontai fazia mais: ele se tornara um guia para a vida cotidiana.
Passados quase quatrocentos anos, o livro continuou a ser um dos clássicos mais admirados e consultados pelos japoneses. Foram eles, de fato, que ajudaram em sua divulgação maciça no Ocidente. Falando sobre as raízes da sabedoria é um dos textos preferidos no país, sendo amplamente citado e utilizado na educação, no pensamento e no trabalho. De fato, essa ampla divulgação reascendeu o próprio interesse chinês pela obra.
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Quanto às traduções, podemos encontrar um bom número delas em outros idiomas – principalmente em inglês, mas existem duas boas em espanhol. Essa é a primeira tradução que tenho notícia em português. Como sempre, pode-se optar por dois tipos de tradução: uma mantém a estrutura original do texto, incluindo as imagens poéticas e a terminologia específica do mesmo. Exemplo: usar o termo original chinês ‘dez mil coisas’, que significa ‘tudo’. Na maior parte dos casos, preferi usar essa opção, para familiarizar o leitor. O outro modo de se traduzir é ‘transcriar’ a passagem, empregando um termo que corresponda ao sentido original. Exemplo: traduzir ‘as dez mil coisas abaixo do céu’ simplesmente como ‘mundo’. A questão é que, em alguns casos, Hong variava o uso das expressões. Acoplar sentidos é uma opção do tradutor, do qual me valho ocasionalmente quando vejo que o texto fica incompreensível. Contudo, entendo que a ‘tradução do sentido’ deve ser uma opção, quando não há solução viável, e não uma regra. Se assim fosse, a compreensão do livro seria dada por minhas interpretações pessoais, o que acaba sendo um tanto problemático e limitador. Por outro lado, toda tradução não deixa de ser um conjunto de opções do tradutor. Então… Decidi, por fim, manter sempre que podia o mais próximo do original, e adaptar quando necessário.
Em comparação com outras traduções, essa versão em português parecerá, assim, simplista e direta. Entendo que esse era o estilo de Hong. Como dizia Confúcio, o ‘sabio não maltrata nem as pessoas nem as palavras’. Hong assimilou isso perfeitamente, e escreveu em aforismos curtos, belos e elegantes. Porque gastar palavras demais?

O TEXTO

1.
Aquele que preserva sua virtude, sofre de solidão.
Aquele que vive atrás do poder e da riqueza, sofre uma miséria sem fim.
Aquele que aspira a verdade, e vê além das coisas materiais, prefere sofrer de solidão, e evitar a miséria sem fim.

2.
Quem experimenta as coisas do mundo de modo superficial, traz consigo as marcas da superficialidade; quem conhece as tramas da vida, vive da astúcia.
Quem busca virtude, prefere a simplicidade ao invés da astúcia; e se desfaz das coisas, ao invés de ficar preso a elas.

3.
O coração do virtuoso é claro como Céu azul, e ele não é mal interpretado.
Os talentos de um virtuoso devem ser como jades e pérolas ocultas, de modo que eles não sejam facilmente conhecidos.

4.
Quem não está perto do poder e de seus luxos é limpo; quem está perto, mas não se contamina, é mais limpo ainda.
Quem não conhece as artimanhas do mundo é nobre; mas quem as conhece, e não as usa, é mais nobre ainda.

5.
Escutamos com freqüência palavras desagradáveis, nossa mente é incomodada por provocações, e nossa conduta moral é criticada como uma pedra de afiar facas.
Se tudo que escutássemos fosse agradável, e se tudo que víssemos fosse conveniente, isso seria como afogar-se em vinho venenoso.

6.
Com ventos ruins e chuvas fortes, as aves estão cansadas; com sol forte e brisas suaves, a vegetação floresce.
Assim, no mundo não há um só dia que seja desprovido de paz, como no coração das pessoas não deve haver um só dia desprovido de alegria.

7.
As melhores bebidas, e as comidas mais saborosas, não contêm o sabor verdadeiro; o sabor verdadeiro é insípido.
O fazedor de prodígios não é verdadeiramente um sábio; o sábio vive em paz no dia-a-dia.

8.
O mundo parece parado, mas suas partes se movem; sol e lua se mexem com rapidez, dia e noite, e brilham sempre.
Assim o sábio, quando não está ocupado, cuida com o que pensa; e quando está ocupado, fica em paz.

9.
Nas profundezas da noite uma pessoa, só e quieta, senta e esquece.* Então, os pensamentos impróprios desaparecem, e os verdadeiros permanecem. Quando termina, a pessoa se deleita com sua inspiração interior; mas se algum pensamento impróprio não foi eliminado, ela sente um grande incômodo, e se envergonha de si mesma.
*Meditar

10.
A sorte pode trazer calamidades; em tempos de alegria, reflita sobre o futuro.
Depois de uma derrota, pode vir a vitória; mas para isso, pondere sobre o que preocupa o coração, antes de eliminar a causa.
(continua)

11 Jan 2023

Fantásticas miragens no mar

Su Dongpo
Tradução de António Graça de Abreu

Oiço, há muito tempo, falar em miragens fantásticas que aparecem sobre o mar na costa de Dengzhou.[1]As pessoas mais antigas do lugar disseram-me que, normalmente, aparecem na Primavera e no Verão, e como eu cheguei tarde já não esperava vê-las. Cinco dias depois de ocupar o meu posto, recebi ordens para regressar à corte. Fiquei aborrecido por não ter a possibilidade de ver as miragens e decidi fazer uma oração ao Deus do Mar, o Rei da Ampla Virtude. No dia seguinte, consegui vê-las e escrevi:

A leste, nuvens e mar, vazio e mais vazio,
será que os imortais se passeiam nas luzes do vácuo?
Todas as formas nascem do ondular de um mundo flutuante,
não existem portas de conchas fechando palácios de pérolas.
A minha mente sabe, é tudo uma grande ilusão,
mas meus olhos pedem, desejam a invenção dos deuses.
O dia frio, o mar gelado, lacrados céu e mar,
por bem, deixem-me acordar os dragões adormecidos.
Torres inclinadas, colinas verdes embebidas na geada da noite,
aí estão as miragens, maravilhas para assombro dos velhos.
Neste mundo, tudo se consegue com o labor dos homens,
nada mais existe por detrás do outro lado do mundo.
Mas quem concebeu tanto deslumbramento?
Inventei justificações, as divindades concordaram.
Confundir as coisas tem a ver com os homens,
não se trata de pragas caídas do céu.
Quando o governador de Chaoyang[2]
regressou ao norte, após o seu exílio
alegrou-se ao ver os picos aguçados de Hengshan[3]
considerou que o seu honesto coração
tinha comovido os espíritos da montanha.
(afinal o Criador apenas tivera pena do velho!)
Viveu um raríssimo momento de prazer,
os deuses concederam-lhe breves benesses.
Aqui, o sol desce, um pássaro solitário perde-se na distância,
contemplo o esverdeado do mar,
como um espelho de bronze polido.
Para que serve este poema,
este mágico entrelaçar de palavras?
Como todas as coisas, desaparecerá, pouco a pouco,
quando soprar o vento leste.

[1] Em 1085, Su Dongpo foi nomeado governador de Dengzhou, na província de Shandong, mas permaneceu apenas uma dúzia de dias no lugar porque, logo após a sua chegada, foi mandado regressar a Kaifeng para desempenhar funções mais importantes na corte.

[2] O governador de Chaoyang é o poeta e prosador Han Yu 韓愈 (768 – 824). Em 819 foi exilado para o sul da China. Amnistiado três anos depois, regressou a casa, tendo cruzado parte da montanha Hengshan, em Hunan. Han Yu escreveu: “O mais perfeito dos sons humanos é a palavra. A poesia é a forma mais perfeita das palavras.” Ver Quinhentos Poemas Chineses, coord. António Graça de Abreu e Carlos Morais José, Lisboa, Vega Ed., 2014, pags. 185 e 186.

[3] A montanha Henghshan, na província de Hunan, é uma das cinco montanhas sagradas do taoismo chinês. Han Yu, ao passar por aí, os cumes de Hengshan estavam cobertos de névoa. O poeta rezou então aos espíritos da montanha e logo depois toda a névoa desapareceu. Ele considerou que isso aconteceu devido à honestidade que continuava a prevalecer no seu coração.

10 Jan 2023