Terceira viagem marítima de Zheng He (VI)

A Noroeste de Nanjing, na área exterior da muralha junto à Porta Yifeng, em Xiaguan desde 1407, por ordem do Imperador Yongle (1402-1424) a pedido de Zheng He, estava a ser construído o Templo em honra de Mazu, deusa que salvara a armada de um naufrágio na costa do Reino do Sião (Tailândia) em 1406, durante a primeira expedição.

Agora, no primeiro mês do sétimo ano do reinado de Yongle, em 1409 realizava-se a cerimónia da abertura do Longjiang Tian Fei Gong presidida pelo próprio Imperador, onde, além de conferir à divindade Mazu o título de Tian Fei (Concubina Imperial Celeste), deu a ordem para se realizar a terceira viagem marítima, endereçando-a a Zheng He, Wang Jinghong e Hou Xian. No entanto, andava Zheng He ainda por Malaca, pois só no final do Verão desse ano de 1409 regressaria a Nanjing, terminando assim a segunda expedição marítima.

Segundo o livro “Xin Cha ShengLang, ‘Levantamento dos Países Estrangeiros’”: “No 22.º dia da nona Lua do sétimo ano do reinado do Imperador Yongle (1409) o Imperador ordenou que Zheng He e Wang Jinghong partissem em missão aos territórios bárbaros com uma armada de 48 juncos e uma tripulação de 27 mil homens.” A terceira viagem seria similar à segunda, visitando mais ou menos os mesmos locais.

Do estuário do Rio Yangtzé, partindo do porto de Liujia (刘家港) em Taicang a armada chegou na 10.ª Lua a Changle, próximo de Fuzhou, onde Zheng He ainda nesse mês visitou o Templo a Tian Fei, tendo no 12.º mês saído de Changle e por Wuhumen entrou para o Mar do Sul da China.

A viagem até Champa durou dez dias e em Vijaya (Qui Nhon) a armada dividiu-se, partindo uma frota para o Sião, outra foi para Palembang e Surabaya e a armada principal dirigiu-se para Malaca.

Wang e Hou seguiram para o Sião, Semudera, Coulão e Cochim, enquanto a armada principal comandada por Zheng He foi a Malaca deixar o Rei Parameswara, que em 1409 partira na segunda viagem para visitar a China. Mas outras fontes referem ter o Rei de Malaca embarcado apenas na terceira viagem para pagar tributo ao Imperador chinês, pois quando em 1410 Zheng He chegou ao Reino de Malaca aí instalou o Rei Parameswara no trono, presenteando-o com um robe, chapéu e cinto de oficial e um carimbo de prata. O Almirante dirige-se depois para Calicute e no caminho ter-se-á reunido aos restantes juncos na ponta setentrional da ilha de Sumatra, em Samudra (actual Aché).

Daí acompanhado por a frota capitaneada por Wang Jinghong e Hou Xian, Zheng He na passagem por o Ceilão (Xilanshan, hoje Sri Lanka), em Galle colocou em 1410 uma estela feita em Nanjing a 15 da segunda Lua de 1409 que referia ser este porto vassalo do Império Ming. Estava escrita em três idiomas diferentes e cada um dos textos endereçava homenagem e orações respectivamente a Buda, no texto chinês, a Xiva no tamil e a Alá no texto árabe.

Em chinês podia-se ler: “O Grande Eunuco do Império Ming Zheng He e Wang Jinghong oraram a Buda com o seguinte desejo: Nós pedimos ao benevolente Buda que dê a sua bênção a quem vier ao Templo pedir a bênção. O Imperador Ming enviou-nos a visitar os países do Oceano do Oeste. A nossa viagem foi segura e pacífica. Nós nos lembraremos da benevolência de Buda e a sua protecção para sempre. O donativo que presenteamos ao templo inclui fundos para a construção em mil qian de ouro [3,78 kg], cinco mil qian de prata, 50 rolos de seda e tafetá, quatro pares de bandeiras bordadas a ouro (duas vermelhas, uma amarela e uma verde), cinco incensórios de bronze, cinco incensórios vermelhos, cinco pares de flores de lótus em ouro, 2500 cates de óleo, dez pares de velas e dez pares de incenso de sândalo.”

No final pedia-se a bênção e protecção para as viagens, seguindo a data, sétimo ano do reinado de Yongle (1409). [Esta estela foi levada por um engenheiro britânico em 1911.] O Almirante Zheng He ofereceu tributo a cada um dos deuses.

Viagem de regresso

De Galle, a armada entrando no Mar Arábico percorreu a costa do Malabar (hoje Kerala) na parte Sul do lado Ocidental da Índia, onde se situava Coulão, ou Quilon (Xiaogelan para os chineses), seguindo depois Cochim (Kezhi) e por fim Calicute, hoje Kozhikode. Zheng He apenas aportou em Calicute (Guli) para a sagração do novo Samorim Mana Vikraan, sendo a cidade o maior centro de comércio do Malabar e para além das especiarias era famosa por os panos de calico, ou chita.

Para o Golfo de Cambaia, a Noroeste da Índia (actual Gunjerate), terá seguido talvez a frota capitaneada por Wang Jinghong e Hou Xian, pois a cidade de Cambaia era na altura um importante centro de comércio, que privilegiava os tecidos de algodão (chader cambaiate) em vez das especiarias, mais enraizadas na Costa do Malabar.

No regresso de Calicute, Zheng He ao passar na costa Noroeste da ilha do Ceilão escutou muitas queixas dos reinos vizinhos, então tributários dos chineses, sobre os problemas criados e os actos hostis de pirataria levados a cabo por o autoritário Vira Alakesvara.

Este, também conhecido por Vijayabahu VI, entre 1397 e 1408 fora Rei de Gampola e já em 1406 criara problemas a Zheng He, na primeira viagem da armada chinesa quando passara por o Ceilão, resolvendo o Almirante deixar a ilha e seguir para o destino final, Calicute. Em 1408, Vira Alakesvara perdeu a soberania do reino de Gampura (1341-1410) afastado por Parakramabahu VI (1408-1410), que foi o último rei desse reino, e então dirigiu-se para Kotte, no Sudoeste do Ceilão, onde se instalou e na zona estendeu a governação.

Aí, no reinado de Vikramabahu III (1357-1374), ainda como ministro (1370-1385) do Reino de Gampola tinha feito uma fortaleza e fundara a cidade de Kotte. Agora, em 1411 nesta terceira viagem voltaram os problemas com Vira Alakesvara. Após a armada chinesa aportar em Colombo, Zheng He quis falar com Vira Alakesvara (Rei Alakeshivara) para o colocar na ordem, mas como ele se encontrava em Kotte (Sri Jayawardenepura Kotte), mandou um convite para o Almirante ir até à sua capital. Zheng He dirigiu-se a Kotte por terra com um séquito de 2000 soldados.

O plano de Vira Alakesvara era, enquanto Zheng He estivesse fora, cortar-lhe o caminho e separá-lo dos seus homens que ficaram nos barcos da armada, lançando um ataque-surpresa para os cingaleses pilharem os juncos em Colombo.

Ao saber o que estava a acontecer, Zheng He com a sua tropa e um contingente a ajudar de dois mil cingaleses, descontentes com o rei descendente tamil, invadiu e conquistou a capital Kotte. As tropas do Vira (Rei), à volta de 50 mil, cercaram a capital, mas as inúmeras tentativas falharam, não conseguindo reconquistá-la, pois perderam todas as batalhas.

Os chineses capturaram Vira Alakesvara e destronaram-no, colocando Parakramabahu VI, então Rei de Gampola entre 1409 a 1412, a governar Kotte, que desde então ficou a capital do Reino de Kotte (1412-1597). O ambiente hostil acalmou e a armada não teve mais problemas durante a estadia na ilha. Quando deixou o Ceilão, Zheng He levou preso para a China Vira Alakesvara, com toda a família e muitos oficiais cingaleses.

Voltando a Malaca (Manlajia), Zheng He opôs-se à pretensão do reino de Java no controlo do reino de Malaca e terá então embarcado o Rei Parameswara e esposa com um séquito de 540 pessoas para irem à China prestar tributo ao Imperador da China.

A armada chegou a Nanjing no dia 16 da sexta lua no nono ano do reinado de Yongle (1411). Alakeshvara foi levado à presença do Imperador, que ordenou a sua libertação e retornou no ano seguinte ao Ceilão, tal como o Rei Parameswara, que passou dois meses na capital chinesa.

17 Fev 2023

Falando sobre as raízes da sabedoria – Cai Gen Tan 菜根譚

Tradução de André Bueno

 

(continuação)

101.
Quando um coração atinge a sinceridade perfeita, pode nevar no verão, as muralhas caírem, e a rocha mais dura ser gravada.
Uma pessoa falsa não é mais do que uma casca vazia; sua natureza apodreceu, ele é odiado pelos demais, e somente atrai vergonha sobre si mesma.

102.
Quando um escrito alcança a perfeição, não é porque contenha algo extraordinário, mas porque está escrito de forma apropriada.
Quando uma pessoa eleva seu caráter à perfeição, não tem em si mesmo nada de estranho ou secreto, mas simplesmente alcança sua verdadeira natureza.

103.
Nesse mundo de palavra e ilusões, tanto a riqueza quanto as posições, e mesmo os membros de nosso corpo, tudo nos foi concedido por certo tempo.
No Caminho correto, não apenas pais e irmãos, mas as dez mil coisas do mundo formam uma só coisa com o ser humano.
Se uma pessoa for capaz de ver além das diferenças, e reconhecer o verdadeiro, ele pode se responsabilizar por todas as coisas debaixo do Céu, e tomar as rédeas do mundo em suas mãos.

104.
As comidas gostosas e delicadas são como venenos, que apodrecem o intestino e corrompem os ossos; ao comer, apenas se sacie, sem causar exageros.
As coisas que provocam prazer estragam o corpo e destroem o caráter; somente desfrutando-as, na medida correta, não haverá arrependimento.

105.
Não reprove aos outros por suas pequenas transgressões, não divulgue seus segredos vergonhosos, não pense em suas faltas passadas.
Essas coisas refinam nosso caráter, e mantém afastada a desgraça.

106.
Um Educado não deve ter uma conduta frívola. Se ele for frívolo, as coisas externas o afetarão, e ele não conseguirá se aperfeiçoar.
Ao usar sua mente, não a carregue de coisas pesadas. Se a mente estiver pesada, as coisas emperram, e não se pode desfrutar das atividades prazerosas.

107.
O Céu e a Terra duram para sempre, mas a vida humana não. A vida humana dura cem anos, e seus dias passam depressa.
Dispondo apenas desse tempo, evite desperdiçar o tempo com preocupações desnecessárias, e saiba viver feliz.

108.
Encontrar inimizade graças a sua virtude, ou as pessoas que se sentem agradecidas contigo; mas não pense que inimizade e gratidão são diferentes.
Pode haver ressentimento devido a sua bondade, ou pessoas que o reconheçam pelo que você é; mas não pense que a bondade faz desaparecer o ressentimento.

109.
A velhice traz consigo doenças, e todas elas têm raízes na juventude;
Na decadência se cometem excessos, e todos tem origem nos tempos de prosperidade;
Por isso, o sábio é cuidadoso, e mantém seus passos retos nas épocas de plenitude.

110.
Negociar com a gratidão não é tão bom quanto ajudar sem interesse;
Fazer novos amigos não é tão bom quanto tê-los há muito tempo;
Criar uma boa reputação não é tão bom quanto guardar a virtude do silêncio;
Dedicar-se a condutas espalhafatosas não é tão bom quanto levar a cabo pequenas coisas com esmero.

111.
Não transgrida contra o justo, ou se envergonhará para sempre.
Não vá onde se usa o poder com fins egoístas, ou será desacreditado para sempre.

112.
É melhor despertar a perfídia dos outros por agir de modo correto, do que perverter o caráter para agradar aos outros.
É melhor ser caluniado sem ter cometido faltas, do que ser reconhecido sem ter feito coisas boas.

113.
Quando uma desgraça se abate sobre a família, mantenha-se tranqüilo e não se desespere.
Quando um amigo erra, tente corrigi-lo, e não deixe que ele se perca.

114.
O verdadeiro herói não desdenha os pequenos detalhes, não comete maldades escondido dos demais, e nem mede esforços para enfrentar obstáculos formidáveis.

115.
Mil peças de ouro não compram um momento de amizade verdadeira;
Uma comida simples, oferecida com amor, merece toda uma vida de gratidão.
Um amor, levado ao extremo, pode despertar a inimizade;
Mas uma amizade pura, e sem amarras, pode transformar o rancor em alegria.

116.
Disfarce seu talento com inaptidão, e use sua luz em segredo; encubra sua claridade, encolha-se, para depois expandir-se.
Essas técnicas são como um vaso para preservar alimentos, ou como o coelho que têm três tocas.*
*[Preserve-se, esconda-se, surja somente no momento oportuno e necessário.]

117.
As causas da decadência estão presentes nos tempos de prosperidade; e uma nova vida surge quando tudo está podre.
Assim, o sábio, nas épocas de paz e abundância, está atento as possibilidades de desastre; e nos tempos turbulentos, mantém-se firme e olha para os êxitos que vêm adiante.

118.
Quem é fascinado por maravilhas e novidades, não obtém um conhecimento profundo e extenso.
Quem persegue a virtude em completa solidão, não conseguirá manter seu sossego por muito tempo.

119.
Quando a fúria de alguém é como fogo, seus desejos como água fervente, e mesmo sabendo que está errado, ele persiste em suas ações;
Essa pessoa sabe que está errada; mas quem é o ‘alguém’ que a obriga a continuar errando?
Se neste momento ele subitamente pondera, então, seu demônio interior pode virar um mestre.

120.
Não veja apenas um lado da moeda, pois os maus o enganarão; não se obstine no egoísmo, ou serás sempre impulsivo.
Não use sua força para subjugar os fracos; não faça com que sua inépcia atrapalhe os talentos dos outros.

121.
Para emendar as faltas alheias, use meios indiretos; ao usar meios bruscos e reveladores, você usará suas próprias faltas para atacar os outros.
Para lidar com uma pessoa obstinada, deve-se ser sutil e amável; se você se enojar, ou se enjoar, ante tais atitudes, estará usando sua própria obstinação para vencer a do outro.

122.
Ao encontrar uma pessoa calada e reservada, não revele seus pensamentos.
Ao encontrar uma pessoa orgulhosa e soberba, guarde bem suas palavras.

123.
Quando sua mente estiver confusa e dispersa, você deve saber se concentrar e estar alerta.
Quando ela estiver confusa e tensa, você deve saber relaxar seus pensamentos.
De outro modo, a confusão se tornará enfermidade, e trará constante mal-estar adiante.

124.
Um Céu claro e ensolarado pode, rapidamente, se converter em nublado e tormentoso.
O vento forte e a chuva podem se converter, rapidamente, em uma paisagem clara a luz da lua.
Podem os movimentos da natureza cessarem por apenas um momento? Pode a essência do universo ser captada nas coisas mínimas?
A essência do coração humano tem essa mesma natureza.

125.
Alguns não dominam seus desejos mundanos porque não os percebem a tempo; outros os percebem, mas falham em resistir às tentações da carne.
A percepção é uma pérola para enxergar os demônios da mente; a vontade é uma espada poderosa para afugentá-los.
Não podemos permitir, nunca, que nossa percepção e vontade decaiam.

126.
Ao encontrar alguém que te engana, não o denuncie; ao ser insultado, permaneça impassível.
Assim você terá um bom humor infindável, incontáveis benefícios e vantagens.

127.
A adversidade e a privação forjam e temperam as pessoas excepcionais, como se fossem um martelo e uma bigorna.
Essas provas beneficiam o corpo e coração, e sua ausência causa a deterioração do corpo e do coração.

128.
O corpo humano é um pequeno universo; se a alegria e a tristeza tiverem seu tempo certo, se os gostos e aversões tiverem sua justa medida, isso será resultado da habilidade em seguir as propensões naturais.
O universo é como pai e mãe das coisas: evitar que as pessoas se ressintam, que sejam afetadas por desastres, essa é a natureza pacífica e sincera do universo.

129.
Não se deve conspirar e atacar os outros, mas precisamos saber nos defender. Essa é uma advertência para os que são negligentes em apreciar o caráter das pessoas.
É melhor equivocar-se do que ser enganado, ou pensar que os outros querem nos enganar. Essa advertência é para os que falham ao julgar as pessoas.
Mantenha consigo essas advertências, e você se destacará como alguém perspicaz e honesto.

130.
Não vacile em suas convicções porque outros duvidam delas, não se obstine em suas opiniões, e descarte a dos demais;
Não conceda favores triviais em prejuízo aos seus princípios, e não aprove a opinião pública para satisfações pessoais.

131.
Ante uma pessoa virtuosa, não é correto incomodá-la, apressá-la ou abordá-la de modo inconveniente, pois isso a exporia a calúnia dos ignorantes.
Ante uma pessoa má, não a corte bruscamente, nem a desmascare antes do tempo; fazer isso provocaria uma onda de desastres.

132.
A virtude é como um sol brilhante no Céu claro, que se cultiva em meio a um lugar escuro e invisível.
Adquirir a habilidade para manejar as coisas do mundo é um processo longo e lento, como desfiar um casulo de seda.

133.
Um pai é fraterno e amoroso com seus filhos, os irmãos mais velhos são cordiais com os menores; ainda que isso seja levado à perfeição, não é mais do que obrigação, e não deve ser causa de gratidão.
Se aquele que distribui bondade se orgulha disso, e os que recebem se sentem agradecidos, então os familiares se convertem em estranhos, e suas relações se transformam em negócios.

134.
Se há beleza, certamente haverá fealdade; se não me incomodar com a beleza, quem me achará feio?
Se há limpeza, certamente haverá sujeira; se eu mesmo não me limpar, quem poderá me sujar?

135.
Ser ‘frio e quente’* é coisa muito mais dos ricos do que dos pobres; brigas e ciúmes são mais fortes entre familiares do que entre estranhos.
Ao tratar com as pessoas, sem o ventre livre* e o espírito equilibrado, até mesmo o brilhante perde sua luz, e fica-se constantemente preocupado e incomodado.
*Frio e quente = simpático e solícito
*Ventre livre= aberto, simpático (contrário da pessoa com ‘prisão de ventre’, ou ‘ventre preso’ = antipática, insensível, pesada). A analogia é semelhante a que encontramos no Brasil.

136.
A respeito dos méritos e faltas dos outros, não deve haver confusão ou ambigüidade; senão, os corações se assustarão, e ficarão inertes.
Os favores e os rancores não devem ficar bem definidos; senão, as pessoas desejarão trair.

137.
Nunca fique numa posição muito alta, ela traz perigo; nunca ganhe demais, isso gera decadência; nunca se orgulhe de ser virtuoso, isso atrai calúnia e ruína.

138.
Teme o mal à noite; teme o bem de dia.
O mal feito de dia é superficial; mas na escuridão é profundo.
O bem feito de dia é superficial; mas na escuridão, ele é magnânimo.

139.
A virtude é senhora do talento, e o talento é servo da virtude. O talento, sem virtude, é como uma casa sem amo, controlada pelos servos; quantos demônios e monstros não surgirão assim?

140.
Ao afugentar traidores e aduladores, é necessário deixar-lhes uma via de escape; se não os deixar escapar, é como encurralar um rato, que rói e destrói todas as suas coisas para fugir.

(continua)

* O Cai Gen Tan菜根譚foi escrito no século XVI pelo erudito Hong Yingming 洪應明 (ou Hong Zicheng洪自誠, 1572-1620), próximo ao final da dinastia Ming大明 (1368-1644). (…) Hong buscava estabelecer uma analogia entre as três grandes correntes do pensamento chinês em sua época: Confucionismo, Daoísmo e Budismo Chan (Zen). O livro de Hong é uma apresentação de trezentos e sessenta aforismos sobre os mais diversos aspectos da vida, sempre baseado nos ensinamentos das três grandes linhas

16 Fev 2023

Li Bai – Poemas da Guerra

Tradução e texto* de António Izidro

 

PROVAVELMENTE a pergunta terá sido feita com raiva — quantos nos pudestes devolver com vida? A dinastia Tang havia consolidado o poder e tornara-se militarmente forte, mas as batalhas nas fronteiras não davam sinais de terminar. Na mente de Li Bai perpassam memórias da série de conflitos armados que desgastaram o Estado e sacrificaram o povo. Eram as lutas fratricidas, as revoltas populares, guerras entre reinos e os bárbaros do Norte que cobiçavam terras mais produtivas.

O posto de vigia, as montanhas e a Lua, a simbiose que o poeta escolheu para descrever os campos de batalha do Monte Branco e do Lago das Águas Límpidas, palco onde durante largos anos muito sangue correu de pobres soldados que eram obrigados a alistarem-se nas fileiras do exército. Uma sentinela que guarda o posto de vigia, o sentimento de saudade, a família que anseia pelo seu regresso, descritos em versos.

A sentinela sob a Lua
A Lua brilha sobre a celeste cordilheira,1
num infindo mar de esparsas nuvens,
dez mil lis viajaram estes ventos,
pela Porta de Jade trespassam a fronteira.2

Marcham os Han pela estrada de Baiteng,3
bárbaros espreitam das margens azuis da baía.
De tanta batalha neste palco cumprida,
quantos nos pudeste devolver com vida?

A sentinela vagamente olha além-fronteira,4
a face crispada de dor, o pensamento no lar
e nos que à noite, na solidão das casas,
entre suspiros, também não podem descansar.

1. Celeste cordilheira Cordilheira dos Qilian, situada no nordeste da China, junto à Mongólia, cobrindo uma extensão de cerca 800 Km.
2. Porta-de-Jade Posto de vigia construído na dinastia Han, junto à fronteira Norte com a Mongólia. As ruínas desta construção podem ser visitadas na Província de Gansu.
3. Han Nome que geralmente designa a principal etnia chinesa e que deriva da dinastia Han, período durante o qual se travaram inúmeras batalhas com as tribos nómadas mongóis, os Xiongnu, que se aliaram aos Tubós Tibetanos em Baiteng (Monte Branco, na região de Shanxi ) e no Lago das Águas Límpidas (Baía), na província de Qinghai.
4. Fronteira Trata-se do Posto de Fronteira de Tiemenguan, situado no actual Xinjiang.

A missão era fazer recuar o inimigo aos Montes Altaicas, na Mongólia, de onde a invasão havia começado. Na Porta-de-Jade trava-se a grande batalha com sérias baixas para o exército real que se viu obrigado a retirar e voltar ao acampamento pelo caminho do Sul. Antecipando-se, os invasores impuseram um apertado cerco. Para poder conduzir as tropas de novo ao acampamento, o comandante apenas tinha uma solução: a cabeça do chefe dos invasores.

Ode à Campanha Militar
Pela Porta de Jade irrompe o exército,
acossando o inimigo na montanha Jinwei,1
a canção das ameixas nas flautas a soar,2
a lua das espadas não cessa de brilhar.3

Rufos de tambores revolvem o Mar,4
bravos soldados as nuvens dominam.
Quando a Danyou a cabeça cortar,5
à nossa fronteira iremos voltar.

Cem batalhas no deserto, armaduras quebradas,
do lado sul, a nossa cidade de hunos cercada.
Mas logrando, num só golpe, Huyan eliminar,6
soldados feridos e mil cavalos podem regressar.

1. Montanha Jinwei Hoje chamada montanha Altai, situada nas fronteiras da China, Rússia, Mongólia e Cazaquistão.
2. Canção das Ameixas Canção antiga intitulada “Quando caem as flores da ameixeira”.
3. Lua das espadas O pomo das antigas espadas era redondo, fazendo lembrar a lua-cheia.
4. Mar “Vasto mar deserto”, como era antigamente designado o deserto de Gobi.
5. Danyou Rei dos Xiongnu, um povo huno.
6. Huyan Um dos quatro principais generais dos Xiongnu.

Da Ásia Central, Mongólia e do Deserto de Gobi, Tártaros, Uigures e povos turcomanos das línguas altaicas ameaçavam seriamente o império da grande dinastia Han, acabando, gradualmente, por se fixarem nas regiões Norte e Noroeste da China sem grande resistência por parte do exército.
Ao cabo de intensas lutas percebeu-se que a estratégia residia na conquista do Monte Yanzhi e obrigar ao recuo dos invasores.
No seu poema, composto na corte, o poeta aponta as falhas da estratégia do rei Han, o que pode ser visto como uma advertência ao imperador Tang, quanto à necessidade de reforçar uma zona do Norte que se revelava mais vulnerável aos ataques dos temíveis Xiongnu.
Curiosamente, as campanhas militares lançadas por volta do ano 745 culminaram na derrota dos invasores que acabaram por aceitar o estatuto de protectorado da corte, juntando-se ainda ao exército real para fazer frente a outras ameaças.

Cântico à fronteira
O grande rei Han estratégia não tivera,
os hunos da ponte de Wei se apoderaram;1
no condado, tropa e rija cavalaria assentaram,
quando sobre Wuyan pairava a Primavera.2

Às fragas d’ Oeste ide como ordenado,
marcharam guerreiros para Yishan,3
e quando o monte Yanzhi tomaram,4
as faces das damas alvas se quedaram.

Pelo Rio Amarelo muito pelejaram
só vitoriosas as armas acalmaram,
por mais de mil lis a paz espalharam,
as ondas do Mar enfim amainaram.5

1. Rio Wei O maior afluente do Rio Amarelo, com cerca 800 km, banhando diversas províncias como Gansu e Xanshi.
2. Wuyuan O condado foi estabelecido durante o reinado de Hanwudi, depois de uma vitória sobre os bárbaros invasores no ano 129 a.C.
3. Yinshan Trata-se da Cordilheira dos Yinshan, situada na Mongólia Interior.
4. Monte Yanzhi Actualmente é mais conhecido pelo nome “Grande Monte Amarelo”. Famoso pelo seu parque florestal e topografia acidentada, o que tornou num ponto estratégico no período das guerras contra as incursões das Tribos do Norte. O nome Yanzhi tem origem na planta que cresce abundantemente nesse monte e donde se extrai o corante que as mulheres usam para ruborizar as faces; a conquista do monte pelo exército real ditou a retirada dos Xiongnus, cujas damas não mais puderam enfeitar-se com aquela substância.
5. Mar Han Hanhai não é um mar, mas a antiga forma como era designado o Deserto de Gobi, situado na região Sul da Mongólia.

Li Bai assiste o embarque de tropas para uma campanha e a voz sai embargada do seu pincel, para contar a tragédia da guerra e o cataclismo que ameaçava o reinado do imperador Tang Xianzong. Expedições, campanhas, incursões, cenários sangrentos de uma luta interminável contra as invasões dos bárbaros do Norte.

As Guerras a Sul da Cidade
Ontem batiam-se no rio Sang,1
hoje guerreiam nas margens do Hedao.2
Limparam-se armas nas águas do Eufrates3
e as montadas pastaram no Monte Celeste.4
Guerras esforçadas, longínquas incursões a quanto obrigas,
exércitos consumidos por anos de arenas,
de matanças fazem os bárbaros sustento,
ontem como hoje, os seus ossos jazem em areia seca.
Dos Tártaros o rei Qin defendeu-se com muralhas,
o tempo jamais apagará as chamas do fogo
que os arqueiros de Han lançaram.
Cruezas mortais, combates sem fim,
corpos tombando em pelejas no campo agreste;
cavalos choram fitando o céu,
corvos famintos arrancam-lhes as entranhas,
devoram-nas em ramos de árvores secas.
O sangue dos soldados ensopa as ervas silvestres
enquanto generais regressam de mãos vazias.
Sabeis que o soldado é sempre uma arma?
Os virtuosos usam-na só quando dela precisam.

(…)

Reino de Shu – Os desafios de uma senda

No período em que a Europa vivia sob o domínio autocrático do Império Romano, desde Heliogábalo a Floriano (218-276), a China encontrava-se dividida em três reinos.
Estandartes com as insígnias Wei, Shi e Wu, desfraldados em campos de batalha, sangue e corpos espalhados em terrenos áridos, peripécias e planos de conspiração nos bastidores das cortes, eram o quadro que perpassava na memória de Li Bai enquanto viajava as terras do antigo reino de Shu, hoje província de Sichuan, cujo terreno acidentado constituía um enorme desafio para as tropas invasoras.
Com as batalhas a não poderem ser resolvidas de forma rápida, a guerra arrastava-se por entre incursões intermináveis, empobrecendo cada vez mais os recursos e aumentando o sofrimento do povo.
Em “Os árduos caminhos do reino de Shu”, Li Bai imagina os obstáculos que os invasores teriam encontrado devido às características topográficas da região, para descrever como teriam decorrido os acontecimentos e dar um alerta, tardio, ao inimigo.

Os árduos caminhos do Reino de Shu1
Eia! Ai! Ei!2
Vede estes caminhos de Shu! Que perigo! Que alturas!
Mais árduos que escalar ao céu azul.
Can e Yu vagamente são lembrados3
e, desde que este antigo reino fundaram,
quarenta e oito mil anos passaram,
sem que alguém tenha cruzado a fronteira com Qin.
Só um caminho de aves une as duas montanhas,4
de Taibai a oeste até ao cume de Emei.
Mas o chão e a montanha tremeram, esmagando os heróis,
e só esta estrada celeste une os países separados.5
Lá em cima, o grande marco onde os Seis Dragões dão meia-volta!6
Lá em baixo, um rio agitado de vagas e turbilhões!
Por mais alto que voem, os grous não conseguem atravessar,
mesmo os macacos desistem da escalada amedrontados.
Como dá voltas e mais voltas a vereda!
A cada cem passos nove curvas, até aos picos acerados.
Ali podes olhar o céu e afagar as Três Estrelas,
a respiração ofegante, mão no peito procurando fôlego.
Quando voltarás desta viagem ao Oeste,
deste terror de penhascos intransponíveis,
de aves lúgubres, silvando em árvores antigas,
machos voando e fêmeas seguindo-os pelos bosques?
Também se ouve o planger dos cucos,7
sob o assustador luar de serras desabitadas.
Caminhos árduos de Shu,
mais árduos que escalar ao céu azul!
Quando deles se fala, as faces rosadas empalidecem.
Os cumes sucedem-se a menos de um pé do céu;
pinheiros murchos pendurados sobre abismos.
Torrentes e cataratas entrechocam com fragor,
caem de penhascos, arrastam dez mil pedras por barrancos,
em vozes trovejantes ribombando.
Tanto perigo…
ah, homem que vens de longe, para quê enfrentá-lo?
O Passo da Espada, altíssimo e rochoso, imponente, vertiginoso,
apenas um homem basta para o guardar,
de dez mil nem um conseguirá passar.
E se esse guarda for desleal,
no seu lugar surgem os lobos e os chacais.
Fujai! De manhã, tigres ferozes!
Fujai! De noite, enormes serpentes!
Afiam os dentes e sugam-vos o sangue;
massacram homens como se ceifassem linho.
Apesar de dizerem que se é feliz na cidade de Jin,8
é melhor voltar depressa para casa.
Caminhos árduos de Shu,
mais árduos que escalar ao céu azul!
Dou meia-volta, fixo os olhos no Oeste
e longamente suspiro.

1. Shu Reino antigo, corresponde à actual Província de Sichuan, com uma área de 48 mil Km2, caracterizada pela sua peculiar geografia, dominada por grandes cadeias montanhosas, planaltos e desfiladeiros e a célebre falha tectónica de Longmengsha, que marca o grande desnivelamento entre as regiões situadas a Leste e a Oeste.
2. Eia! Ai! Ei! Era costume as cantigas populares começarem com interjeições.
3. Can e Yu, os monarcas Can Cong e Yu Fu, a quem a tradição popular atribui a fundação do Reino de Shu.
4. As duas serras Refere-se à Serra de Taibai e o pico da Serra de Ewei; Taibai situa-se na Província de Sanxi, sendo hoje um importante ponto turístico devido às reservas naturais do Parque Nacional de Florestas. Emei é um dos cumes da serra com o mesmo nome, situada na província de Sichuan, com 4000m de altitude. Notável pela sua riquíssima fauna e flora, de espécies únicas.
5. Escada celeste Está associada à história dos cinco oficiais que, em missão ao serviço do monarca de Shu, sucumbiram numa fenda aberta na terra. Deste acidente geográfico terá partido a formação de cinco elevações e aberto uma via, designada por “Escada do Céu”, ligando o Reino de Shu e as regiões vizinhas.
6. Coche-seis-dragões Alusivo aos seis picos da serra, dispostos em série, lembrando uma carruagem com seis dragões a proteger o Reino de Shu.
7. Planger dos cucos Os chineses tradicionalmente acham que o crocitar do cuco reproduz as palavras “²»Èç歸È¥£¡” – “Volta para trás!”
8. Cidade de Jin Actual Chengdu.

In Li Bai – António Izidro, A Via do Imortal, Macau: Livros do Meio, 2021

15 Fev 2023

Nacionalismo com características chinesas

Não se pode falar de um nacionalismo chinês, mas de vários. Estes desenvolveram-se na sequência de acontecimentos que levaram os chineses a formar determinadas ideias da sua nação. Como lemos no artigo de Jean Pierre Cabestan dedicado a este tema no dicionário Compreeender a China Contemporânea, dirigido por Thierry Sanjuan (2009). O autor distingue quatro tipos de nacionalismo, eu acrescentarei mais um.

Há, por exemplo, um primeiro tipo, quase instintivo, advindo do sentimento de insegurança, que conduz ao fechamento da China sempre que esta se sente atacada do exterior. Recordemos que o país foi várias vezes invadido, tendo mesmo recebido dinastias estrangeiras como a Jin (金, 1115 -1234), a Yuan (元, 1271-1368) e a Qing (请,1644-1911). No entanto, conseguiu resistir parcialmente ao longo das duas Guerras do Ópio (1839-1842;1856-1860), tentou fechar-se, mas foi liminarmente aberta e à força. A insegurança resultante de uma ameaça externa, conduz a um forte nacionalismo, seja ele fruto de guerras ou de epidemias e, consequentemente, a uma tendência para a recriação da grande muralha.

Há um segundo tipo de nacionalismo, que surge no discurso político chinês. Este assume a forma de patriotismo, tendo como objetivo específico fomentar a união das 56 nacionalidades chinesas, as cinquenta e cinco minorias, mais a maioria Han (汉 hàn) em torno de um mesmo amor ao país, o Aiguozhuyi (爱国主义/愛國主義 Àiguózhǔyì) , à letra, o “Amor à Pátria”, que como tive oportunidade de salientar em Cultura Chinesa, Uma Perspetiva Ocidental (Alves, 2022: pp. 64-70) vem colmatar e completar a nova ideologia chinesa, que se desenvolveu num socialismo espiritual e ecológico, manifestado num grande amor à terra, após anos de exploração intensa e pouco ecológica dos recursos naturais.

Encontramos um terceiro tipo de nacionalismo, o vingativo, alimentado pelas elites chinesas, cansadas das incompreensões a que a imagem da China é sujeita nos vários países ocidentais e que alimentam no povo chinês o ódio ao exterior, porque também não recebem dos outros países um tratamento carinhoso. Os chineses recolhem nos meios de comunicação ocidentais uma série de epítetos, dos quais “estranhos” e “distantes” estão entre os mais suaves.

Ainda não há muitos anos, quando a nova vaga de emigração chinesa nos primeiros anos do século XXI chegou a Portugal para estabelecer as suas lojas comerciais, ouviu-se de tudo um pouco contra os reccém-chegados, por causa da concorrência que vinham oferecer à classe média portuguesa, com as suas horas de trabalho a perder de vista e a incapacidade de se regerem pelos padrões horários ocidentais. Foi um passo até se espalhar pela sociedade portuguesa que não havia mortos por entre os chineses, com obscuras insinuações agregadas, e que eram todos espiões das autoridades do país.

Um exemplo bem recente da imagem dos chineses divulgada pelos países europeus, são as supostas esquadras policiais que terão surgido em Portugal, França, etc., ou ainda mais próximo o episódio de um balão meteorológico, supostamente espião, que entrou no espaço americano, mantendo-se a teoria da espionagem e interrompendo-se uma viagem do secretário de estado norte-americano Antony Blinken à China, mesmo depois das autoridades chineses terem apresentado desculpas pelo erro de cálculo que levou o engenho a penetrar no espaço aéreo americano.

Já para não falar das teorias da conspiração que grassaram durante o primeiro ano de guerra declarada a que Rússia forçou a Ucrânia, tendo havido quem afirmasse que estavam os chineses por detrás dos russos a alimentar o expansionismo bélico destes, quando, de facto, os chineses têm vindo a manter, de acordo com a sua tradição pacifista, uma posição de neutralidade relativamente ao conflito em curso.

É por isso natural que encontremos entre a população chinesa, informada pelas suas elites, quem pague da mesma moeda aos ocidentais, formando a pior imagem possível das nossas gentes.

Um quarto tipo de nacionalismo surge em nome da modernização do país e à procura de um lugar de destaque no cenário internacional. Este recua aos tempos de presidência de Hu Jintao (胡锦涛 2003-2013) e à sua ideia de “emergência pacífica” (Cabestan, 2009: 229) e tem vindo a ser oportunamente desenvolvido pelas iniciativas do atual presidente chinês Xi Jinping (习近平, 2013-) , através, por exemplo, da pré-pandémica da Rota da Seda e das ideias de uma Nova Era (新时/時代Xīn shídài) assente nas Quatro Modernizações (四个现代化/四個現代化Sì gè xiàndàihuà), a saber, no campo, na indústria, na ciência e tecnologia, com vista à prosperidade da China e à sua colocação inter pares na nova ordem internacional.

Um quinto tipo de nacionalismo, na minha perspetiva, é aquele com características mais especificamente chinesas, ou seja, um nacionalismo cultural assente na plena consciência da cultura chinesa e no modo como esta é vivida e lida por autores contemporâneos, por exemplo por Lin Yutang (林语堂/林語堂, 1895-1976), que foi inventor, romancista, tradutor e filósofo. Este espírito enciclopédico, tanto se interessou por mecânica, dando ao mundo uma máquina de escrever chinesa, a Mingkwai, ou seguindo o alfabeto fonético chinês atual, a Mingkuai (明快 Míngkuài) que significa “clara e rápida”, tendo sido comercializada durante a guerra com Japão, além de ter desempenhado um papel de relevo durante a Guerra Fria. Mas Lin Yutang é também um filósofo, que andou a conhecer mundo, deixou vasta bibliografia em Inglês e Chinês. Entre a sua criação, gostaria de distinguir o best seller escrito em inglês My Country and My People (吾国与吾民) de 1935, ano em que chegaria aos Estados Unidos.

À época também ele notou que os chineses eram sistematicamente mal compreendidos pela comunidade internacional: “É o destino dos grandes ser mal compreendidos, portanto é também o destino da China. A China tem sido imensa e magnificamente mal compreendida.” (Lin, 1998: 6) E diz-nos mais, com um orgulho claramente cultural a respeito do seu país: “É a nação viva mais antiga com uma cultura contínua” (Lin, 1998: 4) . Adiante, distinguirá como característica da mente cultural especificamente chinesa estabelecer uma ligação direta entre a cabeça e o coração, dando origem à ideia que nós atualmente, na sequência dos estudos do sinólogo e filósofo Chad Hansen, apelidamos de “coração- mente (心 xīn)”, devido à deteção da bem sucedida união entre o coração e a mente, e acrescenta: “estabelecer a união entre a mente e o coração não é um estado de graça fácil, já que envolve nada menos do que resgatar uma cultura antiga” (Lin, 1998: 13).

Ora é esta capacidade de ver com o coração o que torna, segundo o filósofo, os chineses tão únicos no panorama mundial. Ao que se segue um pedido não do distanciamento entre ocidentais e chineses, mas a procura de uma comunidade de valores humanos partilhados por todas as civilizações. Antecipa o mesmo sentido a obra do pensador Gu Hongming (辜鸿铭,1857-1928), de influência claramente romântica, intitulada The Spirit of Chinese People《中国人的精神》, na qual se defende ser a civilização chinesa profunda, vasta e simples, apesar de não ser uniforme e haver diferenças regionais significativas, especialmente entre o Norte e o Sul da China, ainda assim consegue o autor descobrir um traço de união entre todos os chineses, que, tal como sucede com a defesa de Lin Yutang, lhes advém da simpatia e da ligação direta ao coração, que utilizam para comunicar e interpretar a realidade circundante.

Diz-nos o pensador (Gu, 1998: 13): “Os chineses têm o poder da simpatia, porque vivem uma vida totalmente concentrada no coração – uma vida de emoção ou de afectos humanos”, sendo por essa razão que possuem, segundo Gu Hongming, tão boas memórias, “porque se lembram das coisas com o coração e não com a cabeça.” (Gu, 1998:15) e, ainda, parafraseando o pensador, têm uma grande espontaneidade e simplicidade, que se nota por exemplo na língua, manifestação cultural muito valorizada, daí os estrangeiros serem aconselhados a aprender chinês cultivando a simplicidade infantil. (Gu, 1998: 14).

Estes autores concordam para que haja comunicação entre civilizações é necessário desfazer ideias e preconceitos, procurando, por exemplo, através da defesa expressa por Lin Yutang, encontrar valores comuns, acima de todos os nacionalismos, ou, ainda, como Li Xia (李霞) (2009) aconselha em Unravelling The Mystery Chinese Faces/《趣读中国人》, no capítulo Olhar para o Povo Chinês (看中国人去) proceder a uma reavaliação de imagens, quer por parte dos chineses quer por parte dos ocidentais, em nome de um saudável realismo. Seria bom que houvesse mais contacto e turismo cultural entre os povos (Li, 2009: 145): “Há cada vez mais ocidentais a virem para a China, apesar da ambivalência de sentimentos e impressões que têm das muitas faces do nosso povo e da nossa cultura (…) A ideia Ocidental do povo chinês está-se a aproximar muito mais da realidade. O melhor que temos a fazer é continuar a viver as nossas vidas ao máximo e manter a calma e a abertura de espírito quando lidamos com a observação e avaliação Ocidental.”

Do meu ponto de vista, entre os nacionalismos chineses, o mais constante e duradouro é o nacionalismo cultural, pelo que não será preciso muito para nós ocidentais obtermos uma imagem realista dos chineses, basta que procuremos compreender, com igual calma e abertura de espírito, os sinais emitidos pelas várias manifestações culturais chinesas, através das artes como a poesia, a caligrafia, a pintura e a música, ou até as artes marciais, onde bem transparecem o humanismo e pacifismo dos chineses, bem como a vontade deste povo em ser aceite sem preconceitos pela comunidade internacional.

 

Bibliografia

Alves, Ana Cristina. 2022. Cultura Chinesa, Uma Perspetiva Ocidental. Coordenação de Carmen Amado Mendes. Coimbra: Almedina e Centro Científico e Cultural de Macau.
Cabestan, Jean-Pierre. 2009. “Nacionalismo”. Compreender a China contemporânea. Um Dicionário. Direção de Thierry Sanjuan. Lisboa: Edições 70.
Gu Hongming (辜鸿铭) 1998. Spirit of Chinese People《中国人的精神》Beijing: Foreign Language Teaching and Research Press.
Li Xia (李霞) .2009. Unravelling The Mystery Chinese Faces/《趣读中国人》.Beijing: Foreign Languages Press.
Lin Yutang (林語堂). 1998. My Country and My People. Beijing: Foreign Language Teaching and Research Press.

“Este espaço conta com a colaboração do Centro Científico e Cultural de Macau, em Lisboa, sendo que as opiniões expressas no artigo são da inteira responsabilidade dos autores.
https://www.cccm.gov.pt/”

14 Fev 2023

Feng Yuan, o urso preto e a cor vermelha

Gu Kaizhi (c.345-c.405) será o autor de uma memorável pintura narrativa que hoje se pode observar através de uma cópia feita a tinta e cor sobre seda, que se encontra no Museu Britânico. No extenso rolo horizontal Advertências para as senhoras da corte (Nushi Zhentu, 329 x 25 cm) estão representadas situações que ilustram um texto do funcionário e poeta Zhang Hua (232-300).

A que seria a quarta cena mas que no rolo preservado é a primeira por dela faltarem as três primeiras, também consta do Livro de história dos antigos Han (Qian Hanshu, do ano 111 A.D., vol. 9) e relata um facto ocorrido no reinado do imperador Han Yuan (75-33 a.C.), que na altura tentava impor no Império a doutrina de Confúcio, mas era visto como indeciso e incapaz de pôr termo aos conflitos internos que minavam a sua administração.

Essa parábola ilustrada no rolo de Gu Kaizhi envolve a Senhora Feng Yuan (?-6 a.C.) e é descrita em quatro linhas de quatro caracteres que podem ser traduzidos:

«Quando um urso preto saltou da jaula,
Feng Yuan correu para a sua frente.
Como é que ela não teve medo?
Sabia que poderia morrer mas não se importou.»

E o que se vê figurado é só o essencial: o urso preto que se aproxima perigosamente da impassível Feng Yuan de saia rosada e de mãos postas que se interpõe entre a fera e o imperador sentado num estrado, acompanhado de outras senhoras da corte. Junto dela, dois guardas, um dos quais de traje vermelho forte, acorrem de lanças em riste e afastando-se vai a Senhora Fu, rival de Feng Yuan.

Da situação se poderia extrair uma plêiade de sentidos, como o simbolismo do urso, percebido como exemplo da audácia masculina ou mais imediatamente a coragem de Feng Yuan, consciente do seu lugar e papel na ordem social, disposta a dar a vida pelo imperador, assegurando a continuidade da harmonia sob o Céu.

Qianlong, o imperador que reconhecia o fascínio da pintura, guardaria cuidadosamente o rolo atribuído ao pintor da dinastia Jin Oriental, dentro de um estojo de brocado com uma tira beje para o título onde escreveu: «Pintura de Gu Kaizhi das Advertências às Senhoras com texto, uma verdadeira relíquia. Preciosa obra de arte do Palácio interior, classe divina.»

Mas a sua admiração ver-se-ia também no modo como, durante o seu reinado (1735-96), pintores ligados à corte recriaram a história de Feng Yuan. Numa dessas pinturas, a de Jin Tingbiao (?-1767) nota-se outra concepção do espaço; num rolo vertical a acção decorre numa linha oblíqua subindo da direita e vê-se a Senhora Feng com uma fita vermelha no cimo de escadas, único indício do palácio. Na versão de Cheng Zhidao (rolo vertical,tinta e cor sobre papel,193 x 130,8 cm, Museu de Arte de Seattle) activo entre 1726- c.1772, o palácio é figurado em pormenor, ela tem os braços bem abertos evidenciando a parte superior do vestido, toda vermelha.

13 Fev 2023

O papel da analogia no desenvolvimento da filosofia na China

A analogia é um tipo de raciocínio que estabelece uma comparação entre dois objetos, conceitos ou eventos que de outra forma são independentes (Barlow, 2016). Exemplos de analogia incluem metáforas, similitudes e alegorias. De acordo com Rosker (2014), na China, este modo de raciocínio foi moldado pelas condições sociais únicas predominantes durante a era pré-Qin (776-221 a.C.).

No seu artigo intitulado “Características específicas da lógica chinesa”, Rosker discute a estrutura das inferências analógicas na tradição sínica. A autora afirma que as analogias no pensamento chinês seguem uma organização que reúne todos os elementos dentro de um determinado tipo. Um exemplo de analogia na tradição chinesa é a comparação entre a relação entre um governante e seus súbditos com a de um pai e seus filhos. Nesta analogia, o governante é visto como o pai, e seus súbditos são vistos como seus filhos. Ambas as relações envolvem um nível de cuidado, proteção e orientação, e tanto o pai quanto o governante são responsáveis pelo bem-estar de seus respectivos dependentes.

Outro exemplo é a comparação entre o relacionamento entre o sol e a lua com o relacionamento entre dois irmãos, onde o sol é visto como o irmão mais velho e a lua como o irmão mais novo. Esta analogia é usada para explicar o facto de que o sol ilumina o céu durante o dia e a lua durante a noite, assim como cada irmão cumpre um específico papel dentro do clã familiar.

O trabalho de Mozi (墨子 , c. 470 a.C. – c. 391 a.C.) foi fundamental para o avanço da lógica chinesa. Ele foi o primeiro pensador a sistematizar os conceitos de lógica e argumentação, criando uma estrutura de raciocínio baseada em analogias. Seu legado deu início ao que viria a ser conhecido como “Três Modos e Três Estágios”. Esse sistema, como o nome indica, é baseado em três métodos: o método da analogia, o método da média ponderada, e o método da mais forte inferência. Estes três métodos formam as três etapas: a análise de dados, a inferência, e a avaliação da inferência.

A Análise de Dados é a primeira etapa da abordagem lógica dos Três Modos e Três Estágios (Wang, 2011, p. 172.). Nesta etapa, os dados são coletados e organizados de maneira a facilitar a inferência. A Inferência vem a seguir, na qual os dados são usados para formar uma conclusão lógica. Por último, há a Avaliação da Inferência, onde a conclusão lógica é avaliada usando outros fatos e argumentos para verificar sua validade (Wong, 2011, p. 144.). Esta abordagem lógica foi amplamente usada na China e está relacionada à matemática, à lógica moderna, e à lógica da ciência.

Em suma, o analogismo desempenhou um papel significativo no desenvolvimento da filosofia chinesa e moldou a forma como os filósofos chineses abordaram diversas questões filosóficas. Esse modo de raciocinar permitiu que os filósofos chineses explorassem conceitos e relações complexos, estabelecendo conexões entre elementos aparentemente não relacionados, fornecendo uma lógica distinta da ocidental.

Referências:

1 – Barlow, M. (2016). A Arte da Razão Analógica: Um Estudo em Definição e Método. Oxford University Press.
2 – Em termos econômicos, o crescimento das atividades comerciais e a disseminação da moeda levaram a novas formas de pensamento econômico. Em termos culturais, a tradição religiosa taoísta e o confucionismo serviram como base para o desenvolvimento de novas ideias. Esses fatores econômicos e culturais contribuíram significativamente para o desenvolvimento da filosofia chinesa durante a era pré-Qin.
3 – Rošker, Jana. (2014). Specific features of Chinese logic: Analogies and the problem of structural relations in confucian and mohist discourses. Synthesis Philosophica. 29. 23-40.
4 – Para conhecer mais sobre o pensamento de Mozi, convidamos à leitura do artigo publicado: https://hojemacau.com.mo/2022/10/24/amor-universal.
5 – Wang, Li-sheng. The Development of Logic in China: The Three Modes and Three Stages. Brill, 2011, p. 172.
6 – Wong, Kim-chong. A Companion to Chinese Philosophy. Wiley-Blackwell, 2011, p. 144.

Profª Drª Caroline Pires Ting 丁小雨
Pesquisadora de Pós-Doutorado (UFRJ – Faperj Nota 10)
www.carolting.art
contact@carolting.art
CV: lattes.cnpq.br/8196832659963144

 

13 Fev 2023

A ofensiva holandesa a Macau e ao Arquipélago dos Pescadores: Realidade e “história contra factual”

I – Macau 1622

O ano de 1622 foi uma data histórica para Macau, de grande importância para o Estado da Índia. Marcou a tentativa holandesa de conquista da cidade, motivada pela sede expansionista de Jan Peterszoon Coen (1587–1629), ambicioso Governador-Geral da Companhia Neerlandesa das Índias Orientais (Vereenigde Oostindische Compagnie). Os mercadores que então residiam em Macau dedicavam-se à venda de seda da China para diferentes locais, especialmente para o Japão, onde obtinham enormes quantidades de prata para os seus clientes chineses de Guangzhou. Este negócio gerava imensos lucros, parte dos quais eram reinvestidos em Macau.

Consequentemente, ao longo dos anos Macau tornou-se um porto próspero, despertando por este motivo a inveja dos holandeses.

A inveja foi alimentada por outro factor: A Companhia Neerlandesa das Índias Orientais, com sede em Batávia (actual Jakarta) não tinha conseguido penetrar no mercado chinês. Os funcionários da Dinastia Ming e os mercadores tomaram conhecimento que os holandeses eram perigosos e agressivos, por isso, Guangdong e Fujian mantinham os portões fechados e não os deixavam entrar.

A Companhia Neerlandesa reagiu capturando barcos chineses e barcos ibéricos e bloqueando sistematicamente os portos mais importantes. Contudo, estes actos de pirataria não satisfaziam a ambição de Coen. Em 1622, enviou uma frota para Macau, com ordens para conquistar o entreposto português.

Mas o seu projecto não se concretizou: Quando os holandeses desembarcaram na península, encontraram uma forte resistência e tiveram de se retirar, deixando para trás muitos mortos e algum equipamento militar. Os portugueses saíram vencedores do maior episódio da História do Estado da Índia.

Estranhamente, os britânicos apoiaram a Companhia Neerlandesa através do fornecimento de navios. Embora não se tenham envolvido na batalha, violaram o antigo Tratado Anglo-Português de 1373, como na realidade voltaram a fazer, por diversas vezes, depois de 1622. Potenciar os lucros foi sempre mais importante para os britânicos do que respeitar o ideal de “perpétua amizade”. Infelizmente, nunca compensaram Macau pelo sofrimento que causaram aos portugueses.

Não há notícia de no passado, os holandeses ou britânicos alguma vez terem respeitado os chineses ou os ibéricos. Hugo Grotius (1583–1645), nascido numa família calvinista, disse aos seus correligionários “reformistas” que na Holanda as pessoas tinham o direito ao comércio. Se alguém impedisse a sua actividade comercial, era legítimo usar a força.

Seguindo estes rigorosos princípios, o Governador holandês em Batávia não teve quaisquer escrúpulos quando ordenou o ataque a barcos chineses, espanhóis e portugueses, nem quando enviou tropas da Companhia Neerlandesa invadir território estrangeiro. Os britânicos, nem é preciso acrescentar, agiam de forma semelhante.

Naturalmente, o ataque de Coen a Macau implicou um ataque dos holandeses à China do Imperador Ming, porque a batalha teve lugar em solo chinês. Desta forma, os acontecimentos de 1622 marcaram a primeira grande batalha entre potências europeias na zona costeira da China. Tanto os holandeses como os britânicos, movidos por ambições materiais, causaram desnecessariamente tumulto às portas de Guangzhou o que alarmou as autoridades chinesas. Ou por outras palavras, a imagem que os “bárbaros de barba ruiva” deixaram na China a partir dessa altura, só foi de mal a pior.

II – O Arquipélago dos Pescadores 1622–1624

Mas a história não se ficou por aqui. Coen era uma personagem implacável e tinha dado instruções para pôr em acção um “plano B” caso o ataque a Macau falhasse. O plano alternativo era muito simples: As forças holandesas sobreviventes deveriam ocupar o Arquipélago dos Pescadores, ou Penghu qundao 澎湖群島, no Estreito de Taiwan.

Estas ilhas tinham uma posição estratégica. Os barcos que navegavam entre Macau e o Japão e entre Fujian e Manila tinham de passar por lá. Ou seja, a partir do Arquipélago dos Pescadores é possível controlar uma parte substancial do comércio e do tráfego feito no Estreito de Taiwan. Assim, Coen teria todo o interesse que a Companhia holandesa, que não se tinha conseguido estabelecer nas proximidades da China, tomasse as Ilhas dos Pescadores, uma base convenientemente localizada a meio caminho entre Batávia e o Japão.

Registos escritos das Dinastias Song e Yuan demonstram-nos que a China começou a administrar o Arquipélago dos Pescadores muito antes da chegada dos holandeses ao Sudeste Asiático. A arqueologia fornece ainda outras provas da presença de colonos chineses nestas ilhas. Ao que tudo indica, muitos deles viviam da pesca. Isso também explica o topónimo português “Pescadores”.

Além disso, a China tinha enviado para lá alguns militares, principalmente para controlar o contrabando e a pirataria costeira. Claro que Coen sabia muito bem que estas ilhas pertenciam ao Imperador Ming e que se as ocupasse iria enfrentar uma forte reacção. Podemos ainda acrescentar: Já em 1604, dois navios holandeses tinham aportado ao arquipélago.

Nessa altura, o comandante holandês Wijbrand van Waerwijck (cerca de 1566/70–1615), insistiu em iniciar relações comerciais, mas os chineses, bem informados sobre as atitudes agressivas destes hóspedes indesejados, obrigaram-nos a retirar-se.

É claro que, quando a frota enviada por Coen chegou ao Arquipélago dos Pescadores, ainda em 1622, a situação era um pouco diferente. Desta vez, os holandeses chegaram com sete navios de guerra totalmente equipados. Por este motivo, os chineses não conseguiram impedi-los de desembarcar. Além disso, após a tomada das Ilhas, a Companhia holandesa ordenou a construção de uma pequena fortaleza junto à entrada do porto de Magong 馬公, a principal baía do arquipélago.

Mas pior ainda, os holandeses obrigaram os ilhéus a trabalhar como escravos e muitos deles pereceram. Como se não fosse bastante, navios holandeses bloquearam uma força naval Ming perto da China continental. Desta forma, Fujian ficou incapaz de ajudar os ilhéus a combater os maus tratos dos invasores. Em suma, a invasão do Arquipélago dos Pescadores foi, até agora, o episódio mais desagradável da longa lista de confrontos sino-holandeses.

No entanto, o controlo holandês sobre o arquipélago durou pouco tempo. Em 1623/1624, Nan Juyi 南居益 (1565–1644), o Governador da Província (xunfu 巡撫) de Fujian, reuniu várias tropas e navios. Estas unidades de combate navegaram através do Estreito de Taiwan e tentaram expulsar os holandeses das ilhas. Foram travadas várias batalhas e no final os holandeses foram obrigados a partir. Este acontecimento marcou a primeira vitória do exército chinês sobre um poderoso inimigo europeu. Em comparação, o breve encontro entre os portugueses e uma força chinesa no início da década de 1520 – a chamada batalha de Xicaowan 西草灣 – foi um acontecimento pequeno e pouco significativo.

III – Taiwan: da presença holandesa à governação Qing

Embora os holandeses tivessem sofrido pesadas baixas, continuaram a ser uma ameaça constante. Em vez de se retirarem para Batávia, seguiram para Taiwan onde se estabeleceram na região da actual cidade de Tainan 臺南. Esta base foi sendo gradualmente cercada por uma fortaleza, considerada resistente para os padrões da altura, e acabou por receber o nome de Forte Zelândia. Era o principal reduto holandês das ilhas. As outras instalações eram mini-dependências com pouca importância militar. Além disso, os holandeses nunca conseguiram controlar as densas florestas e regiões montanhosas do interior de Taiwan.

A presença da Companhia Neerlandesa nas ilhas é um assunto sobejamente estudado, mas devemos ter cuidado com os livros e os artigos ingleses e holandeses, porque muitas vezes apresentam os acontecimentos de um ponto de vista que diverge da visão chinesa. Aqui pode ser suficiente dizer que os holandeses exploraram alguns dos recursos naturais de Taiwan.

Um desses produtos, principalmente adquirido pelo mercado japonês, era a pele de veado. A caça ao veado quase levou à extinção desta espécie na ilha. A relação dos holandeses com os grupos autóctones e com os colonos chineses constituía outra dificuldade. A maior parte dos colonos era proveniente de Fujian. Alguns destes migrantes cooperavam com a Companhia Neerlandesa, mas também houve períodos de dissidência de ambos os lados. Na década de 50 do séc. XVII, as tensões levaram a um grande massacre: os holandeses mataram milhares de chineses. Este foi o primeiro crime do género cometido por uma potência colonial em solo chinês.

A deplorável actuação dos holandeses foi um factor importante que motivou os chineses, liderados por Zheng Chenggong 鄭成功 (1624–1662), a atacar o Forte Zelândia. Em 1661, este homem, que controlava diversos pontos ao longo da cintura costeira da China continental, enviou uma grande frota para a zona do Forte. Após um prolongado cerco, as suas tropas desembarcaram, forçando os holandeses a entregar a fortaleza. Este acontecimento teve lugar em 1662. Assim, a presença da Companhia Neerlandesa em Taiwan chegou ao fim em menos de quarenta anos. As forças de Zheng tinham ganhado uma vitória decisiva e rapidamente transformaram Taiwan num estado marítimo quase independente com uma ampla rede comercial, que se estendia do Japão a certas zonas do Sudeste Asiático.

No início da década de 80 do séc. XVII, quando a China era governada pelo Imperador Kangxi 康熙 – tropas da Dinastia Qing conquistaram Taiwan. Daí em diante, Taiwan ficou sob a administração de Fujian (como já tinha acontecido por diversas vezes anteriormente). Foi o início de um longo período caracterizado pela estabilidade regional: a China tinha retomado o controlo sobre o Estreito de Taiwan; o poder colonial europeu estava activo no Sudeste Asiático, ao passo que o Mar da China Oriental lhes permanecia inacessível. Na verdade, Taiwan serviu como uma espécie de barreira contra a expansão a Norte do colonialismo europeu. Esta situação só começou a mudar no final do século XIX, mas isso é outra história.

IV – As possíveis consequências de uma vitória holandesa em Macau

Voltemos agora aos acontecimentos ocorridos no início da década de 20 do séc. XVII: ao ataque dos holandeses a Macau, à sua breve ocupação do Arquipélago dos Pescadores e à sua ida para Taiwan. Tudo isto aconteceu num curto período de dois a três anos, há cerca de quatro séculos. Conhecemos os factos, mas, paradoxalmente, raramente consideramos a sua importância num contexto mais alargado, possivelmente porque o número de homens e navios envolvidos nestes confrontos eram irrisórios quando comparados com os grandes exércitos usados em guerras de larga escala.

Seja como for, às vezes, os pequenos eventos podem mudar o curso da história. Uma forma de perceber a sua importância, é colocar uma questão simples: O que teria acontecido, se estes acontecimentos tivessem tido um desenvolvimento diferente, conduzindo a resultados diametralmente opostos? No contexto do presente artigo: Quais teriam sido as possíveis consequências de um controlo holandês permanente sobre Macau e sobre o Arquipélago dos Pescadores?

Os historiadores raramente colocam questões tão hipotéticas. Consideram que se trata, segundo a sua designação, de “história contra factual” (do latim: contra facta), inútil e unilateral. No entanto, em certa medida, a escrita da História é sempre unilateral. O modelo conceptual que aplicamos ao passado depende da formatação do nosso pensamento. O nosso entendimento da realidade forma-se a partir dos conceitos a que estamos acostumados e envolvem as determinantes culturais que marcaram o nosso crescimento. Por isso, talvez colocarmos as questões “e se”, “o que podia ter sido, se outra coisa tivesse acontecido” – não seja de todo despiciente.

Olhemos primeiro para Macau. Suponhamos que a Companhia Neerlandesa tinha expulsado os portugueses do sul da península. Teria a China reagido e enviado tropas para os escorraçar? As relações entre o Império Ming e Macau beneficiavam de confiança mútua e de proventos materiais. Os Jesuítas na China também eram uma grande ajuda.

Teriam estes factores contribuído para um contra-ataque chinês? Provavelmente a resposta será “sim”. A China tinha tido más experiências com a Companhia Neerlandesa, cujos navios circulavam no Estreito de Taiwan, assaltando inúmeros barcos chineses. Além disso, os Jesuítas e os portugueses em Macau certamente teriam avisado os seus amigos chineses, explicando-lhes a ideia que os Calvinistas tinham de “comércio livre”. Mas teria a China vencido efectivamente a Companhia Neerlandesa? Talvez não de imediato. Um ou dois anos mais tarde a vitória de Zheng Chenggong no Forte Zelândia sugere que uma campanha chinesa em larga escala teria sido bem-sucedida.

Como é que os espanhóis teriam lidado com um “Macau holandês”? Teriam unido forças com os chineses contra a Companhia Neerlandesa? Nessa época, portugueses e espanhóis estavam unidos sob a mesma Coroa, e embora os entrepostos e possessões coloniais continuassem na sua maioria separados, Manila e Macau estavam obrigados a ajudarem-se entre si em caso de ataques externos. Teria isso importância? Ou devemos pensar num cenário alternativo? Ter-se-ia Espanha entendido com os holandeses e aproveitado a oportunidade para aumentar a sua influência sobre as missões Católicas da China continental?

Do ponto de vista puramente comercial, até 1622 encontramos dois importantes corredores comerciais sino-ibéricos, muito bem definidos pelo câmbio “seda por prata”: (1) a ligação Goa-Melaka-Macau/Guangzhou-Japão e (2) a ligação México-Manila-Fujian. Teriam estes circuitos mudado para uma nova constelação: (1) Batávia-Macau/Guangzhou-Japão e (2) México-Manila-Fujian?

Em termos logísticos, os Jesuítas em Pequim, ou em qualquer outra parte da China, dependiam de Macau. É evidente que uma conquista holandesa de Macau teria interrompido este eixo. Por isso, se supusermos que tivesse havido um acordo entre Manila e a Companhia Neerlandesa, é possível que daí tivesse surgido uma nova linha de comunicação: Pequim-Fujian-Manila, um eixo com consequências a longo prazo para a estrutura do Padroado e para os missionários em serviço na China. Podemos ainda argumentar que se as missões sediadas na China não se poderiam ter deslocado numa direcção diferente: nesse caso, os Jesuítas e os seus ideais poderiam não ter sido tão significativos.

Claro que podemos modificar este cenário. Suponhamos que os holandeses tinham alcançado os seus objetivos – mais ainda, suponhamos, que depois da conquista de Macau se tinham entendido com as autoridades de Guangzhou e, depois, ou simultaneamente, tinham impedido o intercâmbio comercial e cultural entre Manila e a China do Sul, principalmente ao tentarem expandir a sua influência sobre os portos de Fujian. Num tal cenário, os missionários católicos na China teriam ficado isolados da Europa. Teria sido difícil ou impossível desenvolverem ligações alternativas via Yunnan e a região do actual Myanmar para Goa, ou através da Ásia Central e da Europa de Leste directamente para Roma. Finalmente, isoladas, as missões católicas teriam provavelmente desaparecido após alguns anos.

Todos sabemos que os Jesuítas, produziram muitos textos eruditos em chinês, que circularam amplamente, mesmo até à Coreia. Tudo isso teria acontecido? Teria a Igreja Ortodoxa, na sequência da lenta expansão da Rússia para o Pacífico, assumido a liderança do empreendimento europeu de cristianização da China? Ou teriam os intelectuais chineses aceitado a cooperação com os ideólogos Protestantes e Calvinistas? A última possibilidade parece ser muito improvável, se considerarmos o facto de que grande parte da doutrina protestante não estar de acordo com a ideologia Confucionista. Portanto, a ideia de que a elite chinesa, ou mesmo a corte de Pequim, teria aprendido com os holandeses, ou os teria admirado, parece muito rebuscada. É verdade que os holandeses levaram para o Japão conhecimentos científicos, mas os intelectuais japoneses eram diferentes dos seus pares chineses.

Outra questão que se apresenta clara leva-nos de volta ao campo político. A hipotética conquista de Macau pelos holandeses teria tornado desnecessária a ocupação do Arquipélago dos Pescadores. Da mesma forma, teria sido muito pouco provável que a Companhia Neerlandesa se tivesse instalado em Taiwan, o que por sua vez, poderia ter tido algumas implicações para os espanhóis. Manila sentiu-se obrigada a estabelecer pequenas dependências no norte de Taiwan, porque acreditava que serviriam para equilibrar a presença holandesa noutras partes da ilha. Se a história tivesse sido outra, provavelmente nada disso teria sido necessário. Finalmente, neste cenário alterado, a emigração chinesa para Taiwan teria seguido outro rumo, e alguns dos episódios associados ao Império não teriam tido lugar. Em suma: Foi principalmente através das potências europeias que Taiwan foi agredida devido a um processo de globalização precoce. Na eventualidade da vitória holandesa em Macau, provavelmente Taiwan não teria passado por este período de instabilidade.

V – As possíveis consequências de uma vitória holandesa nos Pescadores

A China pressionou os holandeses para saírem do Arquipélago dos Pescadores. Suponhamos que a Companhia Neerlandesa, embora enfraquecida pela batalha de Macau, teria conseguido manter a sua posição nestas ilhas. Como já foi dito, nesse caso, a ida para Taiwan e a construção do Forte Zelândia não teria sido necessário. Mesmo assim, parece improvável que a China tivesse aceitado uma presença holandesa permanente perto do porto de Magong.

Além disso, com toda a probabilidade, a Espanha teria reagido de forma semelhante. O motivo é simples: o Arquipélago dos Pescadores situa-se na rota entre Manila e Zhangzhou 漳州 ou Xiamen 廈門, no Sul de Fujian (ao passo que Taiwan está a alguma distância deste corredor). Portanto, podemos imaginar uma série de ataques conjuntos à Companhia Neerlandesa nos Pescadores, comandados pelas forças de Fujian e pelas forças espanholas. Contudo, teria Portugal ajudado Espanha? Ou teria Macau preferido ficar de fora deste conflito e, em vez disso, concentrar-se na manutenção do seu comércio com o Japão?

Uma guerra prolongada entre a Companhia Neerlandesa e a aliança Sino-Espanhola teria enfraquecido o papel dos holandeses no Japão? No início da década de 20 do séc. XVII, mercadores chineses, espanhóis e portugueses estavam presentes em Nagasaki; poderemos afirmar que um cerco prolongado dos Pescadores teria obrigado os holandeses a enviar mais tropas para as ilhas levando ao inevitável enfraquecimento da sua presença no Norte do Mar Oriental da China? Claro que se trata de pura especulação e não há respostas para esta pergunta.

Apesar de tudo, um outro aspecto parece ser certo. Uma presença permanente dos holandeses nos Pescadores não teria perturbado a logística dos Jesuítas na China, a sua “descida” para Macau e, a partir daí, para Goa e para Roma.

No pior dos casos, teria perturbado a actividade dos missionários enviados de Manila para Fujian. Mas talvez possamos levar as coisas um pouco mais longe. Havia alguma rivalidade entre os grupos Católicos presentes no Extremo Oriente. Os exaltados espanhóis estavam descontentes com o Tratado de Saragoça (1529). Alguns representantes do clero e a “comunidade” mundial tinham apoiado o sonho da expansão da influência espanhola a muitos pontos da Ásia insular. Teriam estes sonhos sido postos de lado, de uma vez por todas? Ou teriam ressurgido e alimentado uma forte reacção espanhola contra a presença holandesa às portas de Fujian? Além disso, com os holandeses a tentar cimentar as suas possessões nos Pescadores, teria Espanha seguido a mesma política em relação a Taiwan, que efectivamente adoptou após a construção do Forte Zelândia? Ou seja – teria Manila estabelecido algumas bases em Taiwan? Da mesma forma, teria uma ocupação holandesa dos Pescadores conduzido a um padrão diferente da migração chinesa de Fujian para Taiwan? E a uma diferente distribuição regional destes grupos na ilha?

Mais uma vez, é impossível encontrar respostas apropriadas a todas estas questões, mas pelo menos parece útil colocá-las, porque sugerem que muitos acontecimentos potenciais podem ser ligados à cadeia de eventos que ocorreram no início do século XVII.

VI – Rumo a uma perspetiva mais alargada

A fim de rematar o panorama acima descrito, podemos adicionar algumas notas para uma perspectiva geo-política mais ampla. A perda de Macau para os holandeses em 1622 teria sido um golpe terrível para o Estado da Índia. Nessa altura, Macau era um dos portos mais prósperos do Estado da Índia. Provavelmente, depois de uma ocupação holandesa, alguns residentes portugueses teriam emigrado para Manila, exortando a Espanha a organizar uma campanha em larga escala contra a Companhia Neerlandesa. No entanto, é igualmente possível que Goa tivesse abandonado as suas actividades no Extremo Oriente.

O comércio continuo entre Melaka e o Japão teria sido arriscado e pouco lucrativo. Além disso, uma queda de Macau em mãos holandesas teria tido implicações negativas para a presença portuguesa na região de Timor. O comércio florescente de sândalo de Timor, via Macassar (no sul de Sulawesi), para Macau, ou de Timor directamente para Macau, e daí para Guangzhou – em meados do séc. XVII – especialmente após o confinamento do Japão em 1639/40 – não teria acontecido, ou teria tido um formato diferente.

Salientemos ainda outro aspecto: Ainda no séc. XVI, foi proposto que Portugal se deveria focar no Brasil em vez de se tentar expandir através da vasta rede asiática. Existia uma constante falta de fundos, de navios e de mão-de-obra, o que tornava difícil a manutenção dessa rede. Assim sendo, uma possível queda de Macau para os holandeses poderia ter revitalizado esses debates e conduzido a uma “divisão do trabalho” geográfica na Ásia insular, com Portugal a limitar o seu comércio às zonas ocidentais do Oceano Índico e do Sri Lanka, e os holandeses a concentrarem as suas actividades no universo malaio, nas zonas costeiras da China e no Japão, e assim, tirando enormes lucros do câmbio “da seda por prata”.

Finalmente, dependendo da situação no Estreito de Taiwan e do comportamento dos holandeses, a Espanha provavelmente teria decidido enviar mais homens e equipamentos do México para Luzon e para outros locais próximos, com o propósito de estabilizar as suas posições no Sudeste Asiático. É óbvio, que tais actividades teriam implicado uma intensificação do comércio e do tráfego através do Oceano Pacífico. Aqui podemos pensar nos mercadores de Fujian e do Japão, nos funcionários, e noutras pessoas que viajavam a bordo dos navios espanhóis para o Novo Mundo. De uma forma mais geral, provavelmente a “globalização” teria progredido mais rapidamente se tivesse havido uma participação indirecta (ou directa) mais forte de certas regiões asiáticas nesse processo.

As sugestões acima apresentadas dizem principalmente respeito ao século XVII. As consequências a longo prazo de uma presença holandesa em Macau ou no Arquipélago dos Pescadores, para lá do séc. XVII, são uma questão de ordem diferente. Como foi mencionado, provavelmente teria havido vários confrontos militares entre a Companhia Neerlandesa e a China. O século XIX proporciona um cenário comparável: Nessa altura, os britânicos tentaram forçar as portas da China.

A primeira fase foi marcada por uma diplomacia arrogante, depois Londres usou a força bruta para alcançar os seus objectivos. O mais interessante é que, durante estes anos, a Grã-Bretanha também tentou engolir Macau, mas o Império Qing ficou firmemente ao lado dos portugueses. Na maior parte do tempo, as relações Sino-Lusitanas eram cordiais e o passado ensinou à China que era impossível estar de boas relações com os grupos “reformistas” do Nordoeste Europeu, portanto, a China apoiou Macau. Ou seja, a relação indefinida entre a China e Portugal proporcionou mais estabilidade do que o Tratado Anglo-Português de 1373.

Regressemos agora à Companhia Neerlandesa. Como já foi dito, é extremamente improvável que se tivesse desenvolvido uma relação cordial entre Pequim e Batávia, nem no séc. XVII nem posteriormente. Na melhor das hipóteses, podemos simplesmente imaginar a existência de um grande complexo urbano nos Pescadores – do género de Hong Kong – com mão de obra chinesa barata, ferozmente explorada pela elite colonial. Um local principalmente ou exclusivamente interessado no lucro, sem uma estrutura intelectual de apoio no continente comparável à dos primeiros Jesuítas.

Admito que esta visão é unilateral. A “História contra factual” funciona assim. Não pode considerar todas as possibilidades. Por exemplo, podemos argumentar, os primeiros britânicos não receberam atenção suficiente neste artigo. No entanto, o que foi dito anteriormente mostra que podemos atribuir bastante peso aos acontecimentos do início do séc. XVII, há quatrocentos anos. De uma forma mais geral, as guerras geralmente mudam os mapas e a rede de relações internacionais. Uma longa ou permanente ocupação holandesa de Macau e/ou do Arquipélago dos Pescadores teria alterado o curso da História de forma significativa, possivelmente com resultados duradouros.

Somos ainda tentados a prolongar esse pensamento até aos nossos dias e a discutir o caso de Taiwan, agora exposto a um novo poder, que se expande gradualmente através do Pacífico, impulsionado pela ganância e pela crença na sua própria superioridade, não muito diferente dos holandeses e dos britânicos dos primeiros tempos – mas claro que isso é um assunto diferente.

7 Fev 2023

Falando sobre as raízes da sabedoria – Cai Gen Tan 菜根譚

Tradução de André Bueno
(continuação)

61.
Aquele que estuda deve pensar de modo consciente e cuidadoso, deve ter gostos e modos apropriados.
Se ele se apega a alegrias e tristezas mundanas, ele decairá como o outono, e não será forte como uma primavera.
Dessa forma, como pode fazer florescer as dez mil coisas?

62.
Uma pessoa verdadeiramente honesta não tem fama de honesta; os gananciosos é que querem essa reputação.
Uma pessoa realmente talentosa não alardeia suas habilidades; os inaptos é que fazem tal alarde.

63.
O cântaro Qi* se derrama quando está cheio; o cofre Puman* continua intacto mesmo quando está vazio.
Assim, o sábio prefere morar num lugar em que não haja ambições constantes; e deseja viver num lugar que ainda esteja incompleto, sem terminar.
*o cântaro Qi era um antigo vaso de bronze que só se equilibrava quando estava pela metade: quando vazio, ele caía; cheio, ele derramava. O vaso era usado perto dos governantes, para advertir contra os excessos e ausências. O cofre Puman era feito de barro, e era quebrado quando estava cheio de moedas.

64.
Aquele que não se livrou da ânsia de reconhecimento, pode desdenhar mil riquezas e se comprazer em viver livremente, mas ao final se perderá na vulgaridade do mundo.
Aquele que é cerimonioso, mas não compreendeu o significado dos costumes [ritos], por mais que sua influência se estenda pelos quatro mares, e dure por dez mil gerações, ao final, seus gestos serão vazios.

65.
Se os pensamentos de uma pessoa forem claros, ela terá o Céu azul, mesmo no meio de um quarto escuro.
Se seus pensamentos ocultam intenções obscuras, mesmo em um dia brilhante, haverá demônios [em sua mente].

66.
As pessoas sabem que um cargo e a fama fazem alguém feliz; mas não sabem que aquele que é mais feliz, é o que não tem nem cargos, nem fama.
As pessoas sabem que a fome e o frio preocupam; mas não sabem que se preocupar sempre é pior do que a fome e o frio.

67.
Se uma pessoa faz algo errado e tem medo que os outros saibam, ainda assim ela tem consciência em meio ao mal.
Se uma pessoa faz algo correto e quer que todos saibam, ainda assim sua bondade está contaminada pelas raízes do mal.

68.
O poder do Céu e a força das coisas não têm medida; às vezes restringem, às vezes expandem, movem e dirigem os heróis, derrubam tiranos.
Quando um sábio encontra a adversidade, exercita sua paciência; quando vive na tranqüilidade, ele pensa no perigo.
Mesmo o Céu não pode influenciar sua natureza.

69.
Uma pessoa irascível é como um fogo devorador; tudo que ela encontra, ela consome.
Uma pessoa malvada é fria como gelo; tudo que ela encontra, ela dana.
Uma pessoa obstinada e inflexível é como água estacada ou madeira podre; sua vitalidade está extinta.
Essas pessoas vivem se preocupando em conseguir as coisas, mas a felicidade continua escapando delas.

70.
A felicidade não pode ser conseguida; manter o espírito feliz é a essência da felicidade. Isso é tudo.
A desventura não pode ser evitada; expulsar os pensamentos daninhos mantém a desventura longe. Isso é tudo.

71.
Se de dez frases ditas, nove forem corretas, não se receberá crédito; mas se uma frase for falsa, se carrega toda a culpa.
Se de dez planos traçados, nove se realizam, não se receberá felicitações pelo talento demonstrado; mas um plano que fracassa atrai todas as críticas.
Uma pessoa realizada prefere o silêncio à ação impetuosa, e prefere parecer um bobo a talentoso.

72.
Há um espírito do Céu e da Terra*; quando ele é cálido, faz com que as coisas cresçam; quando ele é frio, faz com que as coisas morram.
Assim, quando o espírito humano é frio, ele é triste; mas quando um coração é cheio de calor, ele é feliz e benévolo.
*Vento

73.
O Caminho do Céu é muito amplo; se o coração se inclina em sua direção, ele se expandirá e brilhará em seu peito.
O Caminho do desejo humano é muito pequeno; quem caminhar por ele, encontrará espinhos e lamaçais.

74.
Vivendo a constante alternância entre tristeza e alegria, chega-se à verdadeira felicidade; provando por si mesmo a dúvida e a certeza, alcança-se o verdadeiro conhecimento.

75.
O coração não deve estar cheio de desejos; apenas vazio, ele recebe a presença da razão.
O coração não deve estar sem substância; somente assim ele impede a entrada das tentações.

76.
Em lugares sujos, muitas coisas florescem; às vezes, nas águas cristalinas, não há peixes.
O sábio deve preservar a paciência em seu coração, pois ele não estará sozinho, o tempo todo, desfrutando de suas virtudes.

77.
Um cavalo impetuoso pode ser domado e cavalgado; as gotas de ouro que caem de um forno podem voltar ao molde; mas uma pessoa capaz, que tenha perdido seu entusiasmo, e está parado, não poderá progredir.
Baisha* disse: ‘as pessoas cometem erros, e isso não é causa de vergonha; mas uma vida toda sem erros, isso sim me preocuparia!’.
Sábias palavras!
*Sábio Confucionista do período Ming.

78.
Se apenas um pensamento errado entra na mente, a força se converte em fraqueza, a inteligência se confunde, o Humanismo se desvia, o espírito puro se corrompe, e a virtude acumulada por toda uma vida se perde.
Assim diziam os antigos: ‘não corrompa seus tesouros’; e puderam vencer a ambição durante todas as suas vidas.

79.
O olho e ouvido vêem e enxergam as coisas que lhe atraem, externas e enganadoras.
A mente tem seus desejos e paixões, íntimas e enganadoras.
A pessoa de mente clara não se confunde; ela se coloca no centro de sua casa, e converte os inimigos em hóspedes.

80.
Planejar, para alcançar aquilo que não se tem, não é melhor do que progredir, e se expandir, com o que se tem.
Arrepender-se dos erros passados não é tão bom quanto prevenir-se de enganos futuros.

81.
O espírito humano deve ser elevado e amplo, mas não disperso ou fechado; deve ser meticuloso e detalhado, e não insosso ou trivial; o temperamento deve ser tranqüilo e sensível, mas sem ser insípido ou monótono; suas ações devem ser ordenadas e imparciais, mas não extremas e inflexíveis.

82.
O vento agita um bosque de bambus, sopra, e não deixa nem um silvo atrás de si; um pato voa sobre o lago no inverno, passa, e ao ir embora, sua imagem não permanece na água.
Assim, o sábio vai até o problema e se concentra nele; depois que termina, seu coração volta a repousar.

83.
Ser puro, mas tolerante com os demais;
Ser humanista, e tomar decisões justas;
Ser claro, mas criticar sem ferir;
Ser reto, mas sem se exceder;
Assim como as frutas em conserva não devem ser muito doces, nem a comida do mar muito salgada, tudo isso* forma a virtude perfeita.
*O equilíbrio, a justa medida das coisas.

84.
Um homem pobre capina o baldio até ele estar pronto; a mulher pobre lava a pele até deixá-la limpa. Essas cenas não parecem bonitas, mas sua grandeza as reveste de elegância.
Assim, quando um Educado encontra pobreza e austeridade, porque razão ele desistiria de seus ideais?

85.
No ócio, não desperdice seu tempo; há sempre algo com que ocupar-se.
Na tranqüilidade, não deixe de fazer as coisas; há sempre um bem que se possa fazer.
Na obscuridade, não deixe que sua mente trame ou se engane: é benéfico manter o pensamento claro.

86.
Se seu pensamento busca o Caminho dos desejos, então o traga de volta; ao notar uma idéia impura, pegue-a e a jogue-a fora.
Assim, se transforma a desventura em felicidade, e se afasta a morte.
É um momento crucial, em que não deve haver pressa.

87.
Na tranqüilidade, os pensamentos são claros como a água, e se pode ver a verdadeira essência do coração;
Nos momentos de ócio, o espírito não está perturbado, e se podem ver as verdadeiras intenções do coração;
Em uma vida simples, a atitude é modesta e moderada, e assim se pode sentir a verdadeira essência do coração;
Para examinar um coração, essas são as três melhores coisas.

88.
Estar em um lugar silencioso não é o silêncio verdadeiro; o silêncio em meio aos afãs é que está de acordo com a natureza do Céu.
Estar feliz numa situação alegre não é felicidade verdadeira; a felicidade, em meio à adversidade, é a verdadeira realização do coração.

89.
Ao sacrificar seus interesses, não tenha dúvidas; ter dúvidas atrai vergonha sobre o sacrifício.
Ao ser caridoso, não exija recompensa: exigir recompensa arruína um coração generoso.

90.
Se o Céu me concede uma pequena porção de felicidade, eu acumulo virtude para compensar o que falta.
Se o Céu me enche de adversidades, eu alegro meu coração para compensar as circunstâncias.
Se o Céu põe desvios no meu Caminho, aperfeiçôo meu entendimento para suavizar minha andança.
Sendo assim, o que o Céu pode me fazer de mal?

91.
Um Educado não reza por felicidade, e o Céu, sem mostrar, enche seu coração de felicidade.
O ignorante se concentra em evitar acidentes, e o Céu sempre faz com que ele se perca.
Assim vemos que o poder e a sutileza do Céu são as coisas mais profundas que existem; de que adianta a astúcia contra ele?

92.
Se depois de anos uma cortesã se casa, é porque sua vida passada não foi um obstáculo; se uma mulher virtuosa perde a integridade, tudo que ela fez ao longo dos anos se perde.
Um provérbio diz: ‘ao julgar uma pessoa, olhe seus últimos anos’.
Palavras acertadas!

93.
Se uma pessoa comum está disposta a cultivar a virtude em segredo, ela é como um alto oficial sem fama.
Se um nobre fica apenas tramando meios de aumentar seu poder e fortuna, ele não é mais do que um miserável com um alto posto.

94.
Ao lembrar os méritos de nossos antepassados, graças aos quais podemos desfrutar de nossas vidas, devemos pensar também nas dificuldades pelos quais passaram.
Ao pensar na felicidade de nossa descendência, que aproveitará a herança que a deixarmos, devemos lembrar também o quanto é fácil que eles a dilapidem.

95.
Uma pessoa supostamente justa, que só pretende fazer o bem, não é diferente de um egoísta.
Uma pessoa supostamente justa, que mascara sua conduta, está abaixo de um comum que apenas começou a mudar de vida.

96.
Quando membros de uma família têm suas desavenças, não é apropriado ter ataques de fúria, nem descartar os problemas como se fossem triviais.
A situação pode ser difícil de discutir; assim, é melhor usar de analogias para mostrar o problema. Se isso não funcionar no momento, espere o outro dia para corrigir o culpado.
Como o vento da primavera que descongela, como o calor que derrete o gelo lentamente; esse é o modelo para cuidar de assuntos domésticos.

97.
Se o coração olhasse paras as coisas e achasse tudo bom, todas as coisas abaixo do Céu seriam perfeitas.
Se o coração for habitualmente generoso e sereno, desaparecerão todos os vícios e a malícia deste mundo.

98.
Aquele que não busca fama nem riqueza certamente desperta a inveja do ambicioso; aquele que é moderado em sua conduta certamente desperta o incômodo no falador.
Nessas circunstâncias, o sábio não deve comprometer de modo algum sua conduta, nem mesmo ser condescendente com tais atitudes.

99.
Em meio à adversidade, tudo o que encontramos tem o efeito de agulhas de acupuntura e da medicina dos remédios amargos; essas coisas reforçam nosso caráter, sem que notemos.
Em meio a circunstâncias favoráveis, é como se estivéssemos entre soldados, facas, machados e lanças*, ou como uma lâmpada que vai se consumindo: essas coisas enfraquecem nosso espírito, sem que notemos.
*Desgaste de um combate; Tensão gradual.

100.
Em meio aos luxos e comodidades, uma pessoa é como um fogo abrasador, e sua ânsia de poder é como um incêndio violento.
Se esses desejos não foram moderados com aspirações sensíveis e honestas, esse fogo não consumirá aos outros, mas a si próprio.

(continua)

* O Cai Gen Tan菜根譚foi escrito no século XVI pelo erudito Hong Yingming 洪應明 (ou Hong Zicheng洪自誠, 1572-1620), próximo ao final da dinastia Ming大明 (1368-1644). (…) Hong buscava estabelecer uma analogia entre as três grandes correntes do pensamento chinês em sua época: Confucionismo, Daoísmo e Budismo Chan (Zen). O livro de Hong é uma apresentação de trezentos e sessenta aforismos sobre os mais diversos aspectos da vida, sempre baseado nos ensinamentos das três grandes linhas

5 Fev 2023

A ratazana astuta

Ia adiantada a noite quando eu, Su Dongbo, comecei a ouvir o roer de um rato. Bati na madeira da cama para acabar com o ruído. Parou durante alguns instantes, mas logo recomeçou. Pedi ao meu criado que me trouxesse uma vela e, depois de muito procurar, encontrámos um saco vazio, do interior do qual provinha o barulho. Eu disse: “Ah, a ratazana ficou fechada lá dentro e não pode sair.” Então abrimos o saco, olhámos para o interior e não vimos nada. Levantámos a vela e descobrimos o que parecia ser uma ratazana morta.

O meu criado exclamou, surpreendido: “Como é possível este animal que ainda agora roía a madeira, ter morrido tão depressa? Há pouco, de onde vinha o ruído, não seria o fantasma do rato?” Ditas estas palavras, tirou a ratazana para fora do saco. A bicha, assim que tocou o chão, desatou a correr a uma tal velocidade que nem mesmo o mais rápido estafeta a conseguiria apanhar.

Eu suspirei e disse. “Estranhas as artimanhas da ratazana. Fechada num saco de onde não podia sair, começou a roer, para chamar a atenção, depois fingiu-se de morta e assim conseguiu escapar.”

Tenho ouvido dizer que o homem é o mais inteligente dos seres vivos, consegue domar dragões, vencer infindáveis monstros, caçar unicórnios, subjugar tartarugas. Será, por isso, o mestre de toda as criaturas. E agora, aqui temos um homem enganado pela astúcia de uma simples ratazana, um animal que associa a velocidade da lebre ao comportamento de uma donzela.[1] Eu pergunto, onde está a inteligência dos homens? Sentei-me, num leve dormitar. Interrogava-me quanto a estas questões quando, de súbito, me pareceu ouvir uma voz, dizendo:

“Os teus conhecimentos são demasiado livrescos, procuras o Tao e não o encontras. Em vez da subjectividade, tentas ser objectivo e acabas por te escravizares às circunstâncias. Até o roer de uma ratazana te perturba. És um homem que não sabe viver com jóias raras e lamentas a perda de caldeirões cheios de coisa nenhuma. És capaz de atacar tigres ferozes, mas mudas de côr ao seres picado por uma abelha. Estas são algumas das moléstias que fazem parte de ti e as palavras foram pronunciadas por ti próprio.[2] Já as esqueceste?”

Levantei a cabeça e sorri. Depois, completamente desperto, pedi ao meu criado que me trouxesse um pincel e tinta para eu escrever este texto, nada elogioso sobre a minha pessoa.

Tradução: António Graça de Abreu

[1] “Primeiro assume o comportamento de uma donzela, e o teu inimigo abrir-te-á as portas, depois sê rápido, como uma lebre em corrida e o teu inimigo não terá tempo para se defender.” Citação de Sun Zi (544 a.C.-496 a.C.), Arte da Guerra, cap. 9.
[2] Aos dez anos de idade, a pedido do pai, Su Dongbo escreveu uma pequena composição sobre um homem que não gostava de jóias e queria destruir grandes caldeirões. Atacava tigres ferozes mas mudava a cor do rosto com a picada de uma abelha.

5 Fev 2023

Previsões por animal e ano para 2023 – Parte II

As pessoas que nasceram antes do Lichun (Princípio da Primavera, que este ano e normalmente ocorre a 4 de Fevereiro, mas pode acontecer a 3 ou a 5 desse mês) são nativas do animal do zodíaco respeitante ao ano anterior. Assim quem nasceu em 2023, mas antes de 4 de Fevereiro será do ano do Tigre.
As previsões aqui expressas são a interpretação das ideias escritas por Edward Li.

 

Cabra

No ano de Coelho, a Cabra está com os três que se combinam (三合, San He: Coelho, Cabra e Porco) e por isso, encontra-se nos melhores três animais do ano. Não importa onde chega, terá imensos amigos ao seu redor e nada poderá encobrir a sua luz, pois é encantador e muito charmoso.

Carreira: Ano para poder atingir o topo, pois conta com as poderosas estrelas da sorte Ba Zuo (八座) e Jiang Xing (将星, do General) relacionadas com ficar na posição de comando e ter o poder nas mãos. Como líder, toda a gente o respeita e com um grupo perfeito a trabalhar para si, todos os seus projectos facilmente se concretizam, sendo o muito bom retorno dos investimentos propiciado pela estrela da sorte Jin Kui (金柜, Cofre Dourado).
As estrelas da sorte Tian Jie (天解) e Jie Shen (解神) ajudam a solucionar os problemas e mesmos os causados por acidentes não provocarão qualquer crise. Assim, não importa quão grande é o problema, ou as dificuldades, facilmente consegue resolvê-los, ou alguém o irá ajudar à sua resolução. É ano para levar todos os seus sonhos a tornarem-se realidade.

Amor: No ano que três combinam (三合San He) encontra-se muito atractivo, chamando a atenção sobre si e daí, tenha cuidado pois poderá não conseguir controlar tudo. Uma das fortes más estrelas, Bai Hu (白虎, Tigre Branco) representa problemas proveniente do ser feminino e daí os solteiros nativos de Cabra deverem tomar cuidado e não deitar fora a boa sorte colocando-se em trabalhos complicados. Os casais devem prestar mais atenção à família, pois a harmonia familiar ajuda não só a carreira, mas também engrandece o respeito que as pessoas têm por si.

Saúde: Terá as más estrelas, Chen fu (沉浮, altos e baixos), a representar desequilíbrio emocional e a facilmente ter acidentes e magoar-se e Xue Ren (血刃, Fio da lâmina com sangue) a indicar confronto, ou ter de ser operado, especialmente para o ser masculino devido à má estrela Bai Hu (白虎, Tigre Branco). Assim, em Junho e Julho, meses de maior Fogo, deve equilibrar com o Elemento Água, por exemplo comendo sobretudo cozidos e evitar os fritos e assados.

Os nativos de Cabra nascidos em:
1967 – Uma poderosa ajuda coloca a carreira num novo patamar e ao trabalhar arduamente ganhará mais, mas não se esqueça da sua saúde.
1979 – Ano para experimentar novas áreas pois nos caminhos que escolher conseguirá bons resultados. Importante realizar uma festa de aniversário para juntar os amigos e assim terá boas energias.
1991 – O trabalho preparado até agora dará frutos. Será um ano muito activo, mas deverá tomar cuidado e não beber muito à noite, pois tal pode trazer-lhe problemas. Os seres femininos nascidos neste ano terão uma grande mudança e terão de ter cuidado com tudo.

Macaco

Parabéns aos nativos de Macaco pois este ano estão no primeiro lugar dos animais do zodíaco e contarão com a ajuda de oito estrelas da sorte, a permitir facilmente trepar aos lugares cimeiros. Macaco (shen, 申) é Elemento Metal yang e como normalmente Fogo arde Metal e sendo este yang, alimentado pelo Elemento do ano Madeira transforma-se em aço. Daí a mudança ser completa e apenas precisar de um plano detalhado para agarrar a sorte, a colocá-lo no auge da vida.

Carreira: Zi Wei (紫微) e Long De (龙德, virtude do dragão) são as mais poderosas das estrelas da sorte e representam conquistar poder e ser promovido, sendo muito bom para a carreira e daí o sucesso estar quase todo nas suas mãos. Tal é promovido ainda mais pelas estrelas da sorte Yu Tang (玉堂, lugar cheio de jade), Guo Yin Gui Ren (国印贵人, Carimbo oficial a ajudar) e Tai Ji Gui Ren, (太极贵人), pois devido às muito boas relações com uma honorável e respeitável pessoa, conta com a ajuda de um governante com carimbo de jade a trazer-lhe riqueza. A estrela da sorte Di Jie (地解, Terra e abrir o cadeado) representa solucionar os problemas e a estrela da sorte Ci Guan (词馆, Perfeitas palavras) colocam as pessoas a acreditar e a investir em si só por o ouvir falar.

As más estrelas Bao Bai (暴败, Perdedor e mudanças que não pode controlar) e Tian E (天厄, Catástrofes provenientes do Céu) colocam-no perante um acontecimento imprevisto, mas que não lhe trará graves problemas. Só os nativos nascidos entre 8 de Outubro e 7 de Novembro e os que tenham o bazi cheio do Elemento Fogo precisam de tomar mais cuidado com as ocorrências provocadas por estas duas más estrelas.

Amor: A estrela da sorte Hong Yan (红艳, emoção e amor) representa um ano emocionalmente feliz e não importa se quer casar ou ter uma relação amorosa, conseguirá o que deseja. Apenas precisa de se mostrar e não guarde para si os seus sentimentos, expresse-os em voz alta, pois está no máximo da sua sorte, o que aparece apenas uma vez em cada doze anos.

Saúde: Num ano de sucesso, precisa, no entanto, de ser modesto/a, pois deve manter as emoções equilibradas e tranquilas, assim exige a sua saúde. Os nativos nascidos no Verão, logo com mais Fogo, facilmente terão acidentes ou precisam de fazer uma operação cirúrgica. Por isso, evite discussões e deve ir ao Templo fazer sacrifícios para colocar o ano mais seguro.

Os nativos de Macaco nascidos em:

1968 – Ano para mostrar as suas qualidades e qualificações profissionais, e levar os outros a respeitá-lo. Conseguirá alcançar o que esperava há muito tempo.
1980 – Na área profissional terá uma surpresa, pois poderá ser promovido e alcançar um lugar de destaque. Mas trabalhando arduamente, não se deve esquecer de descansar, e mesmo ao conduzir, pois o mais importante é a segurança.
1992 – Ano para criar o seu próprio negócio, abrir uma empresa, comprar propriedades, sendo ainda bom para casar e constituir família.
2004 – Com os familiares a tomar conta de si, é um importante ano para entrar no mundo social e deve usar essa boa oportunidade para preparar o espaço que se apresenta à frente.

Galo

No ano de Coelho, os nativos de Galo (Elemento Metal) estão em Chong Tai Soi, a colidir com o Deus do Ano, significa que o Metal corta a Madeira, o Elemento do Coelho, mas porque a Madeira é mais forte, pois está em Tai Sui, leva o Metal a quebrar e daí, sem ajudas de estrelas da sorte, os nativos de Galo ficam muito sós. Apenas poderá contar consigo para resolver os problemas. Os nascidos na Primavera e Verão sofrerão mais ainda, sendo um pouco melhor para os nascidos no Outono e por isso é ano para exigir menos e moderar as expectativas.

Carreira: Precisa de se mexer, pode ser mudar de emprego, de casa ou de parceiro. Muitas destas mudanças estarão fora dos seus planos, o que leva a não estar preparado. Irá trabalhar arduamente, mas o que recebe é nada, ou apenas problemas. Não conta ajuda de nenhuma estrela da sorte e as más estrelas Yue Kong (月空, mês vazio) Da Hao (大耗, gastar uma fortuna) colocam-no a gastar muito dinheiro e a não conseguir amealhar. A má estrela Lan Gan (阑干, barreira) indica ter sempre de se confrontar com problemas. Já a má estrela Qiu Yu (囚狱, Dentro da Prisão) previne-o para quando assinar algum documento tomar muito cuidado e evite dar garantias às pessoas. Ano em que menos é mais!

Amor: Ano de Chong Tai Sui combinado com a má estrela Po Sui (破碎, separação) leva a não existirem dúvidas quanto a mudanças que ocorrerão. Se sentir que não consegue decidir, fale com um amigo. Mantenha-se calmo e trate tudo como se fosse uma situação normal.

Saúde: Propenso a ter acidentes, deverá controlar as emoções e evitar qualquer tipo de discussão. Pode-lhe ocorrer não só um AVC, como ter problemas de coração e também de estômago, pele, membros superiores e inferiores. Deve ir ao Templo fazer sacrifícios ao Deus do Ano e não se esqueça de relaxar o mais possível.

Os nativos de Galo nascidos em:
1957 – O mais importante é a saúde e quando falar tome muito cuidado pois poderá causar bastante ruído. Mantenha-se como se estivesse reformado e a não-acção é o estado mais criativo para este ano.
1969 – Ano em que vai usar a sua imobilidade para se confrontar com as mudanças. Não importa na carreira ou no amor, não precisa fazer nada de especial, pois se acontecer, aconteceu.
1981 – Precisa de tomar conta de tudo e trabalhar arduamente, o que o coloca sob pressão, tanto física como emocional. Ano para aprender e deixar andar, melhor do que tentar controlar sempre tudo. Entre o casal haverá imensas discussões. Não se deixe ir em relações amorosas exteriores.
1993 – Ano cuja criatividade e interesses o podem ajudar a tentar experimentar diferentes áreas, mas ter sucesso não dependerá de si, sendo mais importante ganhar experiência.
2005 – Ano para facilmente entrar em depressão e os transtornos de humor tomarem conta da sua vida, por isso procure distrair-se com assuntos do seu interesse, devendo os seus parentes tomar mais atenção e acompanhá-lo.

Cão

Sendo o Cão e Coelho um dos seis pares que se combinam (liu he 六合), no ano de Coelho, os nativos de Cão tornam-se muito simpáticos, tendo boas relações com todas as pessoas e daí todos gostarão de cooperar consigo. Para o seu desenvolvimento, apenas poderá fazer pequenas coisas, pois não é ano de realizar grandes projectos. Relaxe, deixando as coisas ir e vir naturalmente e assim terá uma vida encantadora.

Carreira: A estrela da sorte Yue De (月德, Virtude da Lua) coloca-o muito generoso e amigo, com boas emoções para tudo e todos, o que ajudará no trabalho devido a cooperar muito bem com os colegas. É um ano bom para transformar os inimigos em amigos. Conseguirá resolver a maior parte dos problemas que vinham do passado, mas não deve esperar grandes desenvolvimentos nos projectos, apenas servirá para criar as bases. A má estrela Xiao Hao (小耗, pequenos gastos) poderá até ser benéfica, pois gastando um pouco de dinheiro consegue reunir os amigos em convívio festivo no qual todos gostarão de estar e daí atingir a harmonia.

Amor: A estrela da sorte Xian Chi (咸池) propicia o casamento e boas relações entre pessoas, logo será um ano para começar a namorar e mesmo casar, ou se já for casado poderá ter filhos a trazer-lhe prosperidade. Entre o casal, os problemas que existiam há muito tempo serão resolvidos e será uma boa oportunidade para uma nova lua-de-mel. Assim, para os nativos de Cão este ano nada é mais importante que o amor.

Saúde: Como o Cão (戌, Xu) é do Elemento Terra yang, logo quente, este ano os nativos estarão separados entre os que têm um bazi a precisar de Fogo, como os nascidos no Inverno, e quem já tem muito Fogo, nascido em Março ou Outubro, a ter de tomar cuidado com problemas de coração e fígado, em especial os anafados seres masculinos. A má estrela Shi Fu (死符, sinal de morte) previne-o para ter cuidado pois poderá ter um acidente e por isso deve evitar praticar desportos radicais perigosos.

Os nativos de Cão nascidos em:
1958 – É o mais afortunado dos nativos de Cão. Ano relaxado e fácil, com muitos encontros e convívio com a família e amigos. Por isso, controle bem o estômago e não coma e beba em demasia.
1970 – Tornar-se-á activo a expressar na carreira a sua personalidade e saber, mas estará muito pressionado. Melhor transferir a atenção para a família, pois tê-la harmoniosa traz-lhe boas e saudáveis emoções.
1982 – Sentir-se-ão como peixe na água. As boas relações sociais trarão muitas ideias criativas. Para o ser masculino, a vida terá algumas pequenas ondas. Tome mais atenção à saúde e é importante oferecer sacrifícios ao Deus do Ano.
1994 – Ano muito ocupado e pode vir a casar, ou a ter um novo membro na família. Se nasceu no Verão, precisa ter muito cuidado durante as viagens, ou a conduzir.
2006 – Estudará bem e terá um bom relacionamento com os colegas, sendo mencionado pelos professores como um exemplo e constantemente requisitado pelos outros para participar em actividades.

Porco

Porco no ano do Coelho está em San He (三合, três animais que combinam, Coelho, Cabra e Porco) a representar poder juntar pessoas à sua volta e ser bem-vindo onde chega. Os nativos de Porco gostam normalmente de trabalhar sozinhos e tudo decidir para ter sucesso, mas este ano já estão no momento e lugar certo, faltando apenas trabalhar em conjunto e assim conseguir uma boa cooperação. Essa é a chave para adquirir um poder forte.

Carreira: Contará com três estrelas muito boas, logo o sucesso está à sua frente e apenas precisa de agir. As estrela da sorte San Tai (三台, Três plataformas com Carimbo) coloca-o este ano na posição de chefia e combinada com a Jiang Xing (将星, do General, ligada à carreira, autoridade e ao poder) ajudará as pessoas a seu cargo a trabalhar bem melhor. Só precisa de se colocar no meio das pessoas e organizá-las para as guiar a conseguir maximizar o trabalho conjunto. Ampliar o grupo, diversificar as áreas e ter uma nova estratégia. A estrela da sorte Jin Kui (金柜, Cofre Dourado) traz sorte em assuntos financeiros e acumulação de ganhos e quanto mais trabalha mais recebe. A estrela da sorte Tian Chu (天厨, Cozinha do Céu) permite saborear boa comida.

A má estrela Guan Fu (官符, tomar muito cuidado e não colocar como garantia a sua palavra) adverte não dever usar o caminho fácil e muitas vezes ilegal, mas manter-se na via correcta. Já a má estrela Wu Gui (五鬼, Cinco fantasmas, a representar pessoas a dizer mal de si nas suas costas e que lhe querem mal) não trará problemas se se mantiver escorreito.

Amor: Este ano a sua disposição leva-o a ser muito simpático, cativando as pessoas ao seu redor e apesar de muito solicitado para relações amorosas, por estar muito ocupado com a carreira não terá espaço para nelas se embrenhar. Para os casais, o amor vai-se vivendo em pequenos gestos e actos.

Saúde: A má estrela Yang Ren (羊刃, representa corte a provocar sangue) avisa poder ter de fazer uma operação cirúrgica, precisando os nativos de Porco nascidos na Primavera de tomar mais cuidado. Já a má estrela Wu Gui (五鬼) leva a ser fácil ocorrerem pequenos problemas, como quedas e outros acidentes menores e para os evitar deverá colocar a sua casa com bom Feng Shui (Vento, Água), limpando todo o lixo e a guardar bem os objectos cortantes.

Os nativos de Porco nascidos em:
1959 – Tem muitas oportunidades para ganhar dinheiro, mas deve focar-se no que será bom para si e escolher o momento certo para agir. Ano em que conquista grande respeito.
1971 – Ano muito ocupado. Quanto mais trabalha mais ganha, mas deverá controlar o que bebe e come e moderar as saídas à noite para se manter em forma e com saúde.
1983 – Este ano a sua mente acorda e ilumina-se, conseguindo ter pensamentos argutos e rápidos e contará com a ajuda e apoio de diferentes grupos. Aprenderá muito facilmente e reage rápido. Na carreira, é o melhor entre os nativos de Porco.
1995 – O melhor entre os nativos de Porco quanto a dinheiro, pois este virá ter consigo. Por um lado, precisa de agarrar todas as oportunidades para vencer na competição, mas também deverá dar espaço ao adversário e não lhe tirar a face, criando assim a situação de ganhar e dar a ganhar.
2007- Ano para aprender a cooperar com os amigos. Evite ser muito efusivo e deve saber respeitar os outros, pois ao conseguir conquistar um amigo, deixa de ter mais um inimigo.

Rato

Este ano os nativos de Rato encontram-se em Xing Tai Sui, a ser julgados pelo Deus do Ano, levando a facilmente entrarem em discussões e poderem encontrar-se fora da lei.

Carreira: Em tudo o que fizer este ano, como assinar documentos, deverá tomar muito cuidado e verificar todos os pormenores. Evite dar garantias em assuntos ligados com dinheiro. Se trabalhar como advogado, ou no Tribunal, será um bom ano. Sem estrelas da sorte a ajudar na carreira, no entanto, terá a muito boa estrela da sorte Tai Yin (太阴, Lua) a permitir ampliar o grupo de amigos, pois esta representa boas relações sociais e com esse investimento, consegue transformar o negativo em situações positivas. A estrela da sorte Lu Shen (禄神) leva a não precisar de se preocupar com as finanças e a ter mesmo a possibilidade de arrecadar mais dinheiro do que esperava.

Amor: A estrela da sorte Hong Luan (红鸾, Sorte no Amor) representa matrimónio e só lhe aparece de doze em doze anos, por isso é fundamental não perder esta oportunidade; quem se encontra ao seu lado e o acompanha é a pessoa certa para si.

Saúde: Num ano Fan Tai Sui, o corpo facilmente terá problemas e também estará sob enorme pressão devido a ter de resolver inúmeros problemas. Os seres idosos femininos estão propensos a problemas ligados com o útero, enquanto os masculinos com a próstata, sobretudo os nascidos em 1960. Daí, no início do ano ser melhor fazer um exame de saúde.

Os nativos de Rato nascidos em:
1960 – Irá sentir-se desanimado/a com o demasiado trabalho que tem pela frente, e reconhece que poder e dinheiro são apenas ilusões do momento e o vazio que sente obriga a guardar mais tempo e espaço para si. A saúde é verdadeiramente a essência.
1972 – A carreira continua a desenvolver-se sem problemas. Novas ideias podem ser colocadas em acção, mas precisa de ter cuidado pois poderá encontrar alguém que lhe queira roubar os seus projectos.
1984 – A sua confiança está elevada e daí pode conseguir mais trabalho, mas tome cuidado com a saúde. As grávidas poderão ter de realizar uma operação para dar à luz.
1996 – Terá hipóteses de ser promovido/a, ou de ficar numa posição de chefia. Com ajudas qualificadas, a carreira conseguirá atingir um novo patamar. Realizar uma festa de aniversário leva a ter boas energias e a melhorar a sua vida.
2008 – Está na idade de abrir e descobrir o novo mundo que começa a aparecer-lhe à frente. Explore em conjunto com os amigos a curiosidade por coisas novas e a sexualidade que desponta, devendo recorrer ao saber dos familiares para desfazer dúvidas e não cair em erros.

Búfalo

No ano anterior chegou ao topo do monte e agora começa a fase descendente. Perante esse caminho natural, precisa de se preparar bem e saber aceitar o que tem pela frente. Será um ano em que prefere ficar só e fora do jogo da competição. Sem o apoio de estrelas da sorte, os nativos não irão ter grandes mudanças, tanto na carreira como no amor. Entre os doze animais, os nativos de Búfalo não gostam de se confrontar com algo novo, apenas de se manter como estão e por isso não será um ano difícil. No entanto, a má estrela Sang Men (丧门, ligado à porta da morte) irá afectá-lo emocionalmente, colocando-o muito em baixo durante todo o ano.

Carreira: A estrela da sorte Fu Xing (福星, protectora a limpar o caminho) ajudá-lo-á e mesmo enfrentando alguns problemas, tal não influenciará a sua base. Ano para trabalhar em silêncio, sem espalhafato e daí terá hipóteses de conseguir oportunidades de sucesso. Normalmente trabalha arduamente e o que faz é com seriedade, mas este ano deve orientar-se para tornar fácil e leve a realização do seu trabalho. A estrela da sorte An Lu (暗禄, Dinheiro Sombra, ou da Sorte) significa que conseguirá dinheiro fora das expectativas.

Amor: Como este ano prefere ficar sozinho/a e fora da vida social, pode imaginar o quão fechado/a estará e mesmo sendo convidado/a por alguém que se declara a si, não reagirá. A emoção afectada pela má estrela Sang Men (丧门, ligado à porta da morte) coloca-o/a sem interesse em nada e daí se o parceiro for nativo de Búfalo deve compreender essa tristeza e dar-lhe espaço e mais atenção, tomando conta dele/a.

Saúde: Ano para acompanhar com mais tempo a família, sobretudo dar mais atenção aos idosos. Normalmente fecha-se com os seus problemas, mas este ano tal só lhe fará mal, devendo pedir ajuda para desanuviar a pressão e colocar-se fora das angústias. Os nascidos em 1973 estarão susceptíveis de ter problemas físicos e por isso, no início do ano faça um exame de saúde e evite todo o tipo de desportos radicais.

Os nativos de Búfalo nascidos em:
1961 – Ano em que precisa de trabalhar arduamente e por isso tome cuidado para não ultrapassar as suas capacidades. Será fácil atrair más relações, por isso tenha cuidado para evitar perder dinheiro e face.
1973 – Terão muito apoio dos amigos e é um bom ano para trabalhar em cultura e ligado à gastronomia, mas cuide da saúde dos seus familiares mais velhos. O ser masculino está mais propenso a ter problemas do que o ser feminino e daí é bom ir ao Templo oferecer sacrifícios ao Deus do Ano.
1985 – É bem-vindo no grupo de trabalho, pois todos gostam da sua companhia, mas precisa de abrir mais o seu coração à família. Não importa quantos amigos tem, a família é na realidade o seu apoio mais forte.
1997 – Tudo terá de ser feito passo a passo, pois a rapidez leva a resultados opostos ao que pretende. Ano para parar e visualizar o que se passa à sua volta.

Tigre

Este ano tem a super estrela da sorte Tai Yang (太阳, Sol) e com esse poder os nativos de Tigre mostram-se com uma luz brilhante que tudo ofusca, levando-os a mudar completamente. Poderá ser verdadeiramente um tigre, o rei dos animais. É tão livre que não precisará de se preocupar com a carreira, amor e dinheiro, pois tudo isso o espera. Por isso, goze a vida.

Carreira: Para os nativos de Tigre o centro da vida está na carreira e nada mais importa pois é fascinado pelo trabalho. Mas este ano com a muito poderosa estrela da sorte Tai Yang (o Sol) os nativos ficam muito mais simpáticos, preferindo entregar-se à família e à vida social, sabendo não importar se trabalha ou não, pois tudo está controlado. A estrela da sorte Jin Yu Lu (金舆禄, grande fortuna) também representa facilidades, mas com a má estrela Tian Kong (天空, Vazio Céu) significa ficar confuso e não conseguir escolher pois tem uma grande quantidade de ideias e hipóteses e daí surge a sua indecisão.

Amor: A poderosíssima estrela da sorte Tai Yang em conjunto com a estrela da sorte Xian Chi (咸池, propícia o casamento e boas relações entre pessoas) levam a muita gente gostar de si e você reciprocamente transmite esse sentimento. Com tantas opções, os solteiros podem escolher quem preferem, mas a má estrela Liu Xia (流霞, atraente, mas com rápido terminar do relacionamento) leva a diversificar as pessoas com quem se relaciona, podendo trazer-lhe alguns problemas. Os casais, se a mulher escolher ter um filho poderá quebrar essa cadeia, ou então se realizar uma lua-de-mel, ou uma festa de casamento.

Saúde: Perante muitas relações amorosas, é mais fácil ter problemas relacionados com o sexo. Uma vida nocturna muito activa, com muito álcool leva a perder o controlo emocional e poderá provocar situações de violência. Os nativos nascidos na Primavera e no Verão estão propensos a ter AVC’s e ataques de coração, sobretudo por ainda estarmos num ano de pandemia.

Os nativos de Tigre nascidos em:
1962 – Terão um novo projecto e hipóteses de adquirir propriedades. Todos os amigos à sua volta o irão ajudar.
1974 – Conseguirá ajuda das pessoas mais velhas da sua família. Não haverá problemas com a evolução na carreira e daí este ano poder relaxar a tensão que normalmente empresta à sua vida. Apenas precisa de tomar atenção para evitar acidentes.
1986 – Com ajudas qualificadas, este ano pode dar asas às suas ideias e actuar livremente sem ter problemas. Será promovido a um lugar de responsabilidade.
1998 – Já com um lugar na sociedade, é ano para tirar resultados do que anteriormente preparou, devendo manter o caminho de desenvolvimento para poder dar continuidade ao seu rumo. É um vencedor tanto na carreira como no amor.

Votos de muito Boa Saúde – 身体健康 (Sun Tan Kin Hong, em mandarim Shen Ti Jian Kang).

3 Fev 2023

Previsões por animal e ano para 2023 – Parte I

As pessoas que nasceram antes do Lichun (Princípio da Primavera, que este ano e normalmente ocorre a 4 de Fevereiro, mas pode acontecer a 3 ou a 5 desse mês) são nativas do animal do zodíaco respeitante ao ano anterior. Assim quem nasceu em 2023, mas antes de 4 de Fevereiro será do ano do Tigre. As previsões aqui expressas são a interpretação das ideias escritas por Edward Li.

 

Coelho

Os nativos de Coelho encontram-se em Zhi Tai Sui, contra o Deus do Ano, e se nos últimos anos esperaram, sem fugir de uma rotineira normalidade, sentindo não ter a sorte a seu lado, agora chega uma nova vaga de mudança, provocada por estar contra o Tai Sui, o que traz boas notícias. É ano para preparar ou cuidar de muitas coisas: Muitos tomarão conta de si e outros pedir-lhe-ão ajuda. Se quer uma mudança completa terá antes de tudo de se esvaziar, deitar fora o que trazia e assim haverá espaço para receber o novo. Conta com cinco estrelas da sorte.

Carreira: As estrelas da sorte Tian Yi Gui Ren, (天乙贵人, poderosa ajuda ligada à criatividade) e Jiang Xing (将星, do General, conectado com carreira, autoridade e poder) trazem bons parceiros e apoio de pessoas qualificadas, que o colocam numa posição de poder, mais activo e a poder actuar. Já a estrela da sorte, Jin Kui (金柜, Cofre Dourado, sorte nos assuntos financeiros e acumulação de ganhos) significa que as suas acções resultarão em dinheiro. As estrelas da sorte Wen Chang (文昌), deus dos Letrados e da Literatura) e Tian Chu (天厨, Cozinha do Céu) trarão sucesso ao trabalho se estiver ligado à cultura ou à gastronomia.

Amor: Terá as relações marcadas por amantes e a sua activa vida social levará a um luminoso conjunto de possibilidades, mas por outro lado arranjará muitos problemas e tudo depende da sua capacidade para controlar as situações. Sendo um ano de mudança, não há dúvida que irá mudar de companheiro/a e por isso não pode colocar-se numa posição intransigente. Goze o tempo em conjunto e não peça resultados.

Saúde: Viajando muito, ou devido às muitas mudanças ficará exposto a acidentes. Tome atenção pois este ano estará sob a influência das más estrelas, Jian Feng (剑锋, ponta da Espada), podendo ocorrer problemas com objectos metálicos, ou ter de ser operado e Fu Shi (伏尸, Corpo Morto, a representar morte) propício a poder ter um grave acidente, especialmente aos nascidos na Primavera. Deve ir ao templo pedir protecção ao Deus do Ano, oferecendo-lhe sacrifícios.

Os nativos de Coelho nascidos em:
1963 – Este ano, tal como no anterior, encontram-se posicionados no topo entre os nativos de Coelho e mais activo, os negócios e carreira contam com um maior desenvolvimento. Terá uma vida cheia e feliz.
1975 – A estrela da sorte Lu Shen (禄神, bom rendimento e boas relações públicas) leva a ganhar dinheiro facilmente. Terá apoio e bons parceiros pois, ou tem um bom patrão, ou conta com bons empregados, por isso não desperdice esta boa oportunidade para ampliar a sua área de actuação.
1987 – Será promovido pois tem fama de trabalhar bem e daí poderá mostrar as suas capacidades, mas tudo deve ser feito degrau a degrau para evitar inveja e competição desonesta.
1999 – Terá a possibilidade de colocar a cabeça fora da toca para poder ser reconhecido, por isso não é ano de esperar, mas de fazer. Isto não lhe trará apenas mais dinheiro, mas também mais experiência para o caminho que se segue.

Dragão

Os nativos de Dragão estão em Hai Tai Sui, magoado pelo Deus do Ano, o que significa ter de se confrontar com muitos trabalhos e problemas. O Dragão nos 12 ramos terrestres (Di Zhi 地支) é chen (辰), Elemento Terra yang, e quando encontra Coelho, que é Madeira, significa a Madeira a beber toda a Água da Terra e daí os nativos sentirem-se vazios, sem força e assim este ano é como se estivessem no intervalo do jogo.

Carreira: Não contará com nenhuma estrela da sorte. Hai Tai Sui significa não ter boas relações com o seu parceiro/a, com quem terá imensas discussões. Mesmo tendo alguns projectos em mãos não conseguirá nenhum proveito. A má estrela Bing Fu (病符, a sinalizar doença) irá criar problemas, não só na saúde, como não terá vontade e interesse no trabalho. Já a má estrela Mo yue, representa não encontrar a direcção e sem acreditar nos outros, apesar de muito pensar, tem grandes dificuldades em tomar decisões. Assim, se nada fizer não haverá problemas, mas se tentar fazer algo só provoca erros. A solução é colocar-se como reformado.

Amor: Magoado pelo o Deus do Ano, não terá boa vida social e mesmo os amigos poderão tornar-se seus inimigos. Não terá desejo de se relacionar com pessoas interessadas em si e daí, se a/o sua/seu companheira/o de vida é Dragão deve preparar-se pois não só se magoarão fisicamente, mas também emocionalmente.

Saúde: Em Hai Tai Sui e com a má estrela Bing Fu (病符, Sinaliza doença) conjuntamente com a maligna estrela voadora 5 Amarelo (Wu Huang) na posição Noroeste (que representa o ser masculino) leva a que este ano o sexo masculino será quem mais sofre, em especial pais e homens mais velhos. É fundamental pedir protecção ao Deus do Ano e ir ao templo oferecer sacrifícios.

Os nativos de Dragão nascidos em:
1964 – Terão menos problemas entre os nativos de Dragão e se entender abrir o seu coração e aceitar não ser este um ano para melhorar a carreira, terá um ano confortável e relaxante.
1976 – Os seres do sexo feminino estarão em melhor situação do que os do sexo masculino. Na carreira, se as mulheres trabalharem bem conseguem proveitos, mas precisam de ter muito cuidado nos investimentos pois é um ano propenso a tomar decisões erradas e a perder dinheiro.
1988 – A segurança é mais importante do que todo o resto. Não espere um ano activo e quanto à carreira, mantenha o que já tem e evite competição, pois só lhe trará problemas. Ano de preparar as bases para o próximo, que será de Tai Sui, logo de mudança.
2000 – Terá de enfrentar muita pressão e por isso deve aprender a lidar com as emoções. Evite desportos pesados e tenha cuidado com os praticados fora de casa.

Serpente

Sem hipóteses de realizar grandes mudanças, este ano deverá preparar-se para contar apenas consigo. Mesmo sendo os nativos de Serpente normalmente de rápidas resoluções e arguta visão, habituados a antecipar e preparar os planos de actuação, as boas decisões são mais difíceis de tomar este ano sem o apoio dos outros.

Carreira: As estrelas da sorte, Tian Yi Gui Ren, (天乙贵人, poderosa ajuda ligada à criatividade) e Tai Ji Gui Ren (太极贵人, alguém a ajudar), trazem normalmente ajudas de qualidade, mas algo estranho ocorre no ano do Coelho, pois os apoios encontram-se nas suas costas. Se eles não agirem não haverá problemas, mas se actuarem, o resultado poderá ser oposto ao que queria ou esperava. Em especial para os seres masculinos nativos de Serpente, que ao quererem ajudar alguém fora dos seus conhecimentos, irão arranjar muitos problemas. Use mais a criatividade, pois se uma porta se fecha, poderá sempre abrir outra.

Amor: Fraco ano para relações amorosas. Não tome decisões precipitadas, pensando ter a pessoa certa à primeira vista. Os casados deverão ser mais pacientes para com o parceiro/a. Com a má estrela Tian Gou (天狗, Cão do Céu) é fácil criar conflitos. Terá gastos monetários imprevisíveis e alguém a enganá-lo/a e daí os nativos de Serpente perderem a confiança nos amigos acusando-os do que lhes acontece.

Saúde: As más estrelas Tian Gou, (天狗, Cão do Céu) e Diao Ke (吊客, morte de um familiar) provocam turbulência emocional, criando distúrbios aos nativos de Serpente. Já a má estrela Fei Ren, (飞刃, fio da lâmina), representa acidente ou operação cirúrgica. Se não sentir a mente limpa e clara é melhor nada fazer.

Os nativos de Serpente nascidos em:
1965 – A estrela da sorte Lu Shen (禄神) traz-lhe um bom ano na carreira e dinheiro.
1977 – Evite expor-se, pois pode provocar inveja aos outros. Bom ano para trabalhar no duro e manter-se em silêncio.
1989 – Ajudas qualificadas colocam-no a facilmente a vencer na sua área. Pode investir num trabalho extra a trazer-lhe mais rendimentos.
2001 – Ano rico materialmente, deve evitar ocupar todo o seu tempo nas relações amorosas e dê mais atenção ao estudo, ou no trabalho. Ano para aprender a aceitar a imperfeição, o que coloca a sua vida perfeita.

Cavalo

O nativo de Coelho, cujo Elemento é Madeira, está na posição Tai Sui e por isso recusa ajudar o nativo de Cavalo, de Elemento Fogo, e daí este ficar em Po Tai Sui (quebrado pelo Tai Sui, leva facilmente a ocorrerem danos), apesar de normalmente serem amigos pois, Madeira faz nascer Fogo. Mas este ano o nativo de Cavalo nada tem a recear já que conta com cinco estrelas da sorte a protegê-lo e assim poderá ter um ano feliz e cheio de riqueza.

Carreira: Sendo um parceiro excelente a trabalhar em equipa, este ano é perfeito pois consegue unir as pessoas e colocá-las a trabalhar muito bem e contentes. Tal deve-se à ajuda das estrelas da sorte Fu Xing (福星) e Tian De (天德), ambas estrelas protectoras que limpam o caminho e Fu De (福德, a trazer riqueza material e protecção pela virtude), significa que com o trabalho normal conseguirá o dobro dos resultados e sendo primoroso, com as três condições perfeitas, tempo certo, lugar certo e pessoas certas, não há dúvida, será um ano de sucesso. Nem mesmo a má estrela Juan She (卷舌, alguém a falar mal de si) lhe trará problemas.

Amor: A auspiciosa super estrela da sorte Tian Xi (天喜, Alegria Celeste, a transformar pequenos infortúnios em bons acontecimentos) e a estrela da sorte Xian Chi (咸池), ambas a propiciar o casamento e a ter boas relações, faz com que todo o ano seja doce e harmonioso. Para os solteiros, havendo um duplo Lichun é perfeito para convidar a/o parceira/o a entrar na sua vida e daí poder surgir um novo membro na família. Para os casais, o melhor é fazer uma nova viagem de lua-de-mel para fortalecer a relação. Quanto aos idosos, é bom fazerem uma festa de aniversário para reunir amigos e família em convívio à sua volta a dar-lhe boas energias.

Saúde: Demasiada vida social, muitas festas e comezainas, poderá levar o seu corpo a ficar fatigado, especialmente os nascidos no Verão e daí facilmente pode arranjar problemas de coração, ou um AVC. Logo, para este ano o mais importante é controlar o estômago e evitar engordar. Deve praticar exercício físico e ter atenção à saúde, pois uma vida demasiada confortável e sempre com comida saborosa é também uma espécie de doença.

Os nativos de Cavalo nascidos em:
1966 – Ano para expressar completamente o seu talento e colocar a carreira numa posição elevada.
1978 – Com imensas oportunidades a chegar até si, é um ano em que trabalha arduamente, mas será bem recompensado e mesmo enfrentando alguns problemas facilmente os resolve.
1990 – Ano muito criativo, cheio de ideias, em que estará extremamente focado no trabalho, mas lembre-se de ter também uma vida familiar e de dar tempo às relações, sendo um ano perfeito para casar.
2002 – Vida socialmente muito activa, terá muita vontade de aprender tudo o que lhe aparece à frente. Os nativos solteiros terão muitas hipóteses para um bom ano amoroso.

3 Fev 2023

Filosofia Clássica com Características Chinesas

Não é segredo para ninguém o grande apego que os chineses têm aos seus clássicos, os Quatro Livros (四書 Sì Shū) e os Cinco Clássicos (五經Wǔjīng), bem como alguns manuais de ensino com pendor filosófico, por exemplo, o Clássico Trimétrico (《三字經》Sānzìjīng), cuja influência chegou aos nossos dias, quando devidamente ultrapassados os excessos da era revolucionária dos primórdios do poder comunista.

O mais interessante é que estes se estenderam não apenas à elite bem pensante como ao comum dos chineses através do pensamento proverbial, de aforismos (格言géyán), provérbios (語俗Súyǔ), cuja tradução literal é “dizeres comuns” ou “ditos coloquiais” , bem como de histórias proverbiais, condensadas em 4 caracteres, os Chéngyǔ (成語), que têm implícito no caractere chéng (成), a meu ver, o potencial desenvolvimento da história, tantas vezes real, para a qual remetem com uma finalidade moral indisfarçável.

Comecemos por provérbios retirados ao Clássico das Mutações (易經Yì jīng), onde o princípio da Unidade (同心 Tóng Xīn) se assume como valor fundamental do pensamento chinês, procurando associar este modo proverbial de apresentar a filosofia, com alcance tão vasto quanto a comunidade chinesa o permite, aos cinco elementos (五行Wǔ Xíng) constantes na filosofia chinesa, a saber: a Terra (土 Tǔ), a Madeira (木Mù) (que corresponde ao Ar no Ocidente), o Fogo (火 Huǒ), a Água (水 Shuǐ) e o Metal (金 Jīn) para que não nos percamos no que se adivinha ser labirinto dos provérbios filosóficos. Ora estes elementos são os representantes do pensamento filosófico que será condensado ritmicamente em frases sugestivas e de fácil memorização para o povo e letrados de todos os tempos.

Penso que não será difícil associar um ou mais elementos a cada uma das principais escolas filosóficas clássicas que têm como ponto de partida o Clássico das Mutações, pelo menos o Confucionismo e o Taoísmo dependem diretamente desta obra.

O Clássico das Mutações inaugura com o Hexagrama do Criativo, composto por dois Trigramas de Céu (乾 Qián), que nos chama a atenção para a importância do Céu e dos seus decretos como condutor essencial dos destinos humanos, desde que as pessoas o saibam entender e, por isso, lemos o seguinte provérbio “Alegremo-nos com o Céu e seus Decretos para que não nos venhamos a arrepender” (樂天知命故不憂Lè Tiān zhī Mìng gù bù yōu). O Criativo é a força divina e inspiradora, a abertura que existe em cada um de nós, sendo representado por 3 linhas contínuas, masculinas. No que respeita às transformações, é o começo, é forte, e, do ponto de vista da relação familiar, é o pai.

Ele é a energia que inicia a transformação no Céu, na Terra e no Homem. A sua cor é o branco, as propriedades: a atividade, a criatividade e a firmeza, expressando-se pela razão, força e durabilidade. Corresponde-lhe em termos de corpo natural a cabeça, sendo o seu animal o cavalo, ainda que também tenha o dragão como imagem, o correspondente natural é o gelo. O Céu é, portanto, o começo, a abertura, a primeira transformação, que se vai conjugar com a segunda transformação, a Terra, para originar os restantes seis trigramas. O Céu, pelo seu poder criativo, energia e durabilidade estabelece uma estreita relação com o Metal, sendo superior a este, como verificamos no seguinte provérbio, que reitera a unidade essencial: “Quando duas pessoas se unem a sua acutilância consegue dividir o metal” (二人同心◦其利斷金◦Èr rén tóngxīn, qí lì duàn jīn), diríamos nós num equivalente possível em Português que “a União faz a força”, sendo superior à pulsão bruta. E, como não podia deixar de ser, há um provérbio para os elementos do Fogo e da Água, figurados no sol e na lua e na constante mutação que estes pelas suas relações cósmicas proporcionam “o sol e a lua girando, o calor e o frio alternando” (日月运行◦一寒一暑◦) organizam e compõem o mundo em nosso redor.

Se no Clássico das Mutações encontramos vários elementos expressos através do pensamento proverbial, já na filosofia confucionista domina o elemento da Terra e a Humanidade que lhe dá o seu máximo sentido, por isso os provérbios possuem quase todos um intuito ético-moral orientado para fins políticos.

A melhor terra será aquela onde foi implementado um sistema benevolente dominado pelas principais virtudes confucionistas com a Benevolência (仁Rén) em lugar de destaque. Esta expressa e associa-se à Tolerância (恕 Shù) e respeito para com os outros, sendo célebre o seguinte aforismo atribuído a Confúcio (孔子, 551-479 a.C.) no Capítulo dos Analectos Senhor Wei Ling, 24: “Não faças aos outros o que não desejas para ti” (Yǐ suǒ bù yù, wù shī yú rén) (論語•衞靈公第十五——二十四). De facto, e se pensarmos bem a Benevolência tem uma tradução prática no relacionamento com os outros onde a captamos como uma forma de tolerância, como nos é dito neste texto que acompanha o aforismo: “Zi Gong perguntou, ‘Existe alguma palavra que uma pessoa possa seguir como princípio orientador de vida? ’Confúcio respondeu: ‘Sim. Será talvez a palavra “tolerância”. Não faças aos outros o que não desejas para ti próprio’ ”.

Passando agora o segundo grande mestre da Escola Confucionista, Mâncio (孟子c.372/289 a.C) encontramos ditos e histórias proverbiais na obra homónima Mencius《孟子》. A este filósofo associo sobretudo os elementos Terra e Madeira.

O autor, cuja influência se prolonga pela tradição, por exemplo no manual para o ensino elementar de pendor filosófico, O Clássico Trimétrico (《三字经》) , onde podemos ler logo na primeira frase do Clássico, que terá grande repercussão a partir dos tempos medievais, a adopção do princípio filosófico fundamental de Mâncio, transformado em provérbio para toda a posteridade chinesa: “A Natureza humana é boa” (人之初、性本善Rén zhī chū, xìng běn shàn).

Nos múltiplos provérbios do texto de Mâncio sempre ligados a uma mundividência agrícola, nota-se a referência a crianças que não caem aos poços, porque a bondade inata das pessoas não o permite, já que mesmo os fora-da-lei, considerados maus, se prontificarão a socorrê-las em tais circunstâncias extremas, porque são afinal naturalmente bons, ou quando o deixam de ser, não é por culpa do Céu, mas sim das más práticas humanas, tal como sucede no Monte Niu (牛山 Niú Shān) , numa parábola em que as pessoas são como árvores, que vão sendo devastadas e roubadas ao monte, que acaba deserto e, portanto, totalmente abandonado e perdido, representando já a ausência do bem.

Entre os ditos, gostaria de destacar uma história proverbial, muito ligada aos elementos Terra e Madeira, para figurar mais uma vez, como a acção humana pode degradar, interromper e aniquilar uma tendência inata para o bem, na qual o Céu dita o tempo certo, a fim de que os seres se desenvolvam, bem como às suas virtudes morais. É então pelo respeito à ordem natural que todos os viventes alcançarão a sua melhor realização.

O Chéngyǔ (成語) é “Ajudando os Rebentos a Crescer” (揠苗助長 Yàmiáo-zhùzhǎng), que se encontra em Gongsun Chou, Primeira parte, Segundo Capítulo (《孟子•公孫丑上篇第二章). Aqui se conta a história de um homem do Estado de Song, que muito impaciente por os brotos de arroz demorarem a crescer, foi para o arrozal, ajudá-los a desenvolverem-se, resultado, matou-os, porque a acção humana sem respeito pelo tempo da natureza acaba por ter consequências trágicas.

Para Mâncio este é um exemplo claro de que somos comandados por ordem superior, através de um Mandato Celestial (天命Tianmìng), que se expressa não só em cada um de nós, na nossa natureza inata, mas também através do povo, pelo que mais importante do que os governantes será a população, já que a suas acções e reacções espontâneas se ligam a essa ordem natural divina. É o que nós ocidentais chamaríamos, mutatis mutandis, “vox populi vox dei”, ou seja, para Mâncio o povo sabe e será sempre quem tem a última palavra porque se mantém espontaneamente imerso e ligado ao Céu.

Continuando, na busca filosófica com características chinesas por via proverbial, encontramos uma outra filosofia, desta feita a taoista, onde também abundam os ditos e as histórias proverbiais, e não nos deixemos enganar pelo o facto de apenas se mencionar uma outra considerada mais exemplar no que respeita à ligação entre os princípios filosóficos e os elementos que melhor traduzem o pensar filosófico destas escolas.

O elemento preferido pelo alegado fundador do Taoísmo, Laozi (老子) para expressar a sua filosofia é a Água, que é empregue como imagem metafórica para representar o bem supremo, na sequência de duas outras expressões proverbiais conhecidas por todos os chineses, com as quais inaugura o Clássico da Via e da Virtude (《道德經•第一》) :“O Tao/Dao que se pode indicar não é o verdadeiro Tao. O nome que pode ser dito, não é o verdadeiro nome” (道可道,非常道。名可名,非常名Dào kě dào, fēicháng dào. Míng kě míng, fēicháng míng).

Seguindo esta lógica, compreendemos por que motivo nos surge o seguinte dito no Capítulo VIII (《道德經•第八》) “O Bem Supremo é como a água” (Shàng shàn rú shuǐ). Depois, pelo desenvolvimento do texto, somos esclarecidos relativamente à imagem, porque o filósofo recorre às características deste elemento que se adequam perfeitamente à expressão da bondade máxima de acordo com o seu modo de pensar, senão vejamos, a água nutre, beneficiando todos os seres, tem uma natureza flexível, não entra em conflito, penetrando em toda a parte, mesmo nos lugares que as pessoas desprezam

A Água torna-se assim a imagem modelar do bem supremo mas também do agir do Santo Taoista (聖人 Shèng Rén), que é espontaneamente bom, sendo a sua maior força a aparente fraqueza e flexibilidade, sem se impor a ninguém, nem exercer a força ou o poder, consegue que tudo siga o seu rumo natural sem que nada fique por fazer.

Gostaria ainda de referir a filosofia proverbial do segundo maior filósofo taoista, Zhuangzi (莊子,396-286 a.C) onde encontramos uma aliança entre os elementos da Água e da Madeira/Ar, com predominância para os seres do ar. O melhor exemplo do espaço onírico em que Zhuangzi se move é, sem dúvida, a história proverbial “Zhuangzhou sonha que é uma borboleta”(莊周夢蝶Zhuāngzhōu-mèngdié ) , que surge no livro homónimo nos Capítulos Interiores,

Segundo Capítulo, intitulado “A Uniformidade de Todas as Coisas” (《莊子•内篇•齊物論第二》), no qual o filósofo conta que sonhou ter-se transformado numa borboleta para defender a sua tese principal que há uma uniformidade essencial entre todos os seres, estes diferem apenas no acidental, mas não no essencial e, por isso, recorrendo às práticas físicas e mentais correctas se podem transformar uns nos outros, porque o essencial está na raiz o Tao, que nos nutre a todos, viabilizando qualquer transformação..

Seguindo esta lógica, apresenta-se uma outra proverbial, com a qual se estreia a obra, pelo que atente-se à importância da mesma, retirada do primeiro capítulo, intitulado “Vagueando em Absoluta Liberdade”, dos Capítulos Interiores de Zhuangzi (《莊子•内篇•逍遙遊論第一》), a saber, “No Mar do Norte Há um Peixe” (北冥有魚 Běimíng -yǒuyú), que aqui se resume:. no Mar do Norte existia um peixe muito grande chamado kun (鲲) que se metamorfoseou num pássaro igualmente grande denominado peng (鹏), esta possibilidade de mudar de elemento, da Água para a Madeira/Ar e de peixe para pássaro foi-lhe oferecida pela uniformidade básica dos seres, quer dizer, por estarmos todos dependentes da mesma raiz, o Tao, no entanto quanto maior for a metamorfose mais nos aproximamos do princípio divino e maiores maravilhas poderemos operar, mais filosóficos nos tornamos.

Mas para tal é preciso criar as condições e a postura existencial correta, se não o fizermos, nasceremos e morremos peixinhos, nunca alcançaremos o nível de enorme peixe das profundezas oceânicas, nem tão pouco seremos capazes de nos transformar em enormes pássaros que percorrem o mundo vagueando a seu bel-prazer ou em total liberdade.

Concluindo, observa-se nesta filosofia proverbial clássica chinesa, retirada do Clássico das Mutações e das escolas confucionista e taoista um pendor acentuado para o estabelecimento da relação com os elementos do mundo natural circundante, especialmente com os Cinco Elementos básicos, o pensador nunca está sozinho, encontra-se atento ao meio que o rodeia, expressando através de ditos, muitas vezes associados a pequenas histórias proverbiais, princípios filosóficos abstractos que assim ganham corpo, podendo mais facilmente ser transmitidos a toda a coletividade que os recebe com imenso agrado devido ao ritmo e cor naturais com que são ilustrados os fundamentos teóricos destas filosofias.

 

Bibliografia

Abreu Graça de, António (Trad e Org). 2013. Laozi. Tao Te Ching. O Livro da Via e da Virtude. Lisboa: Vega.
Alves, Ana Cristina. 2005. A Sabedoria Chinesa. Casa das Letras.

《論語》1994. Analects of Confucius. Tradução. para Inglês de Lai Bo (赖波) e Xia Yu He(夏玉和) e para Chinês Moderno de Cai Xiqin (蔡希勤) 北京,華語教學出版社.

蔡志忠. 2008. 《中國思想隨身大全》Portable Chinese Classics in Comics. 台北: 英屬蓋曼群島商網路與書服份有限公司.

Smith H., Arthur. 1988. Pearls of Wisdom from China. Singapura: Graham Brash.
Wilhelm, Richard. 1989. I Ching or Book of Changes, versão inglesa de Cary F. Baynes, Prefácio de C.G Jung, 4ª ed. London: Arkana Penguin Books.

Zhuangzi (《庄子》). 1999. Vol. I e II Tradução para Inglês de Wang Rongpei (汪榕培) e para Chinês moderno de Qin Xuqing e Sun Yongchang. (秦旭卿、孙雍长) .Hunan, Beijing: Hunan People’s Publishing House, Foreign Language Press.

 

Referências

Citação do excerto do capítulo O Senhor Wei Ling, 24, dos Analectos: 子貢問曰: “有一言而可以終身行之者乎?子曰:其恕乎!已所不欲,勿施於人”
A primeira edição do Clássico Trimétrico foi compilada na dinastia Song do Sul (1127-1279 ) por Wang Yinglin (王應麟,1223-1296), tendo sido completada posteriormente até aos tempos da primeira república chinesa.
Citação do excerto do capítulo VIII do Clássico da Via e da Virtude: 《上善如水˙水善利萬物˙而不争˙處衆人之所惡˙》
O excerto de Zhuangzi, retirado do Segundo Capítulo, dos Capítulos Interiores: 《昔者莊周夢為蝴蝶栩栩然蝴蝶也,自喻適志與!不知周也。俄然覺,則蘧蘧然周也。不知周之夢為蝴蝶與,蝴蝶之夢為周?週與蝴蝶,則必有分矣。此之謂物化。 》
O excerto de Zhuangzi, retirado da abertura do Primeiro Capítulo, dos Capítulos Interiores: “北冥有魚,其名為鯤,鯤之大,不知其幾千里也;化而為鳥,其名為鵬,鵬之背,不知其幾千里也。恕而飛,其翼若垂天之雲。是鳥也,海運則徒於南冥者,天池也。”

2 Fev 2023

Tao Yuanming – Três poemas

Tradução de Manuel Afonso Costa

 

No 11º mês do ano yi si.

Enfim! Regresso,
os campos e o quintal já devem estar cobertos de mato
porque não regressei mais cedo?
porque deixei que o corpo abusasse da alma?
é inútil ficar abatido, desiludido com a sorte
pois sei que se não há remédio para o passado,
é pelo menos possível tentar mudar o futuro
enfim, estou certo de que não perdi o rumo ainda
escolhi apenas o caminho errado,

o barco desliza protegido por uma brisa suave,
sinto-a através da roupa
interrogo quem passa para não me perder,
lamentando a indecisão matutina da luz
quando de repente vislumbro
sob uma luz crepuscular
a cabana, minha humilde morada
e logo desato a correr em viva excitação
o criado jovem, alegre vem ao meu encontro,
os meus filhos esperam-me na soleira da porta
os caminhos foram invadidos por ervas daninhas
e quase desapareceram
mas os pinheiros e os crisântemos estão intactos
de mãos dadas com as crianças entro em casa
onde me espera um jarro de vinho
na sala bebo um copo sozinho
ao ver as árvores e os campos alegra-se meu coração
apoiado no parapeito da janela que dá para sul
mastigo um desdém imenso pelo mundo
e deixo correr a felicidade
quem com pouco se contenta com pouco se satisfaz
ao longo dos dias por puro prazer passeio pelo jardim
a cancela continua fechada
de bengala na mão ando, passeio e descanso
de vez em quando levanto a cabeça e olho para longe
as nuvens aparecem e desaparecem, sem tréguas,
no cimo das montanhas
os pássaros invadidos pelo temor
sabem que é a altura de voltar a casa
a luz do Sol diminui, o pôr do Sol está breve
encosto-me, com melancolia, a um pinheiro solitário

agora sei que regressei ao lar
que tudo fiz para romper com o mundo,
ele e eu nunca nos demos bem
para quê alimentar ilusões? Não há nada a procurar
agrada-me mais uma boa conversa com a família e os amigos,
gozo o qin e os livros, são eles que curam as preocupações
quando a Primavera chega, os camponeses dão-me conselhos
é preciso trabalhar os campos a Oeste
às vezes dou uma volta numa pequena carroça
outras, remo um pouco na minha barca solitária
seguindo as águas mansas e serenas
ou penetrando ravinas profundas,
até ao inesperado de fontes silenciosas
é uma maravilha o mundo com tanta beleza
os ciclos inexoráveis da natureza
e comovo-me ao pensar que a minha vida
também se aproxima do fim, mas sem drama,

É tão pouco o tempo
que aos homens é dado sobre a terra,
enfim, é a vida! por quanto tempo ainda?
então sigamos apenas a voz do coração
a gente afadiga-se, a gente agita-se,
e onde é que isso nos leva!?
não tenho desejos de riqueza
e nem quero alcançar o céu
não quero mais que aproveitar os dias,
fazendo cera,
e andar por aí sozinho
a caminho dos cimos assobiando alegremente,
por margens de ribeiros de águas límpidas
ou mesmo fazendo poemas

sigo o curso das coisas até ao fim,
e se me regozijo com a ordem do céu
o que é que pode preocupar-me deveras?

Depois do incêndio a meio de Junho do ano wu sheng

A minha casinha de campo
ficava situada numa alameda afastada
foi por minha decisão que renunciei a mordomias
um dia em pleno Verão, levantou-se de súbito
um vento forte e violento,
as casas, rodeadas de árvores,
de repente ficaram em chamas
nem um só tecto, o fogo poupou

só o barco diante da casa ficou para nos abrigar
foi tão longa, tão longa essa noite
de um Outono inesperado
e a lua tão alta, tão alta e quase cheia
as árvores de fruto e os legumes
mal começavam a desabrochar,
assustados os pássaros não regressaram
no meio da noite, durante um breve espaço de tempo
fiquei de pé a contemplar a distância
com um golpe do olhar abracei os nove céus
desde criança, com os cabelos ainda em chinó
a minha pose já estava toda lá
e sem dar por isso já passei os quarenta

afinal o meu corpo segue o curso da natureza
mas o coração mantém-se livre e íntegro,
pois adamantina é a minha vocação
mais dura e resistente que uma pedra de jade
penso agora na época em que reinou Tung Hu ,
quando podíamos amontoar grão abundante
na borda dos campos
as pessoas, de barriga cheia,
viviam então sem medo
pela aurora, levantavam-se,
reentravam em casa para dormir ao anoitecer

uma vez que não nasci nesse tempo dourado,
não há nada a fazer
senão mesmo ir regar a horta.

Elogio da pobreza
Yuan An,
encurralado pela neve, recusou pedir ajuda
por orgulho

Mestre Chuan,
quando uma vez tentaram corrompê-lo,
nesse mesmo dia abandonou o emprego, …

afinal dorme-se quentinho no feno,
e respigar uns grãos silvestres dá para
um dia de comida

pode parecer duro e penoso, é verdade
mas eles não temiam
nem fome nem frio

pobreza e prosperidade podem ser inimigas,
mas como é o tao que decide,
nunca se preocuparam

a virtude de um reinava no seu país natal
a integridade do outro iluminava
a Passagem de Oeste

1 Fev 2023

A lentidão no lago de Feng Dayou

Zhao Gou (1107-87), o imperador dos Song Gaozong (r.1127-62), abdicou em 1162, com apenas 55 anos, assumindo o título tradicional de Taishang huang, «o imenso imperador anterior» como já fizera por exemplo o seu pai, o soberano esteta Huizong, com a faculdade de influenciar o futuro exercendo poderes de forma discreta. E a partir daí dedicou-se a cultivar as artes na companhia da esposa, a imperatriz Wu (1115-97).

No retrato oficial que se encontra no Museu do Palácio Nacional em Taipé (rolo vertical, tinta e cor sobre seda, 185,7 x 103,5 cm), ele está sentado com uma simples veste vermelha e o barrete preto utilizado por altos funcionários dito zhanjiao putou, «barrete de chifres estendidos», com longas asas estreitas, estendidas na horizontal que podiam medir até um metro, que se diz ter sido desenhado pelo imperador Taizu (r.960-76) para que em assembleias os burocratas não pudessem dizer segredos aos ouvidos uns dos outros.

Morosos enfeites descobrem o estatuto do retratado; na esquina do espaldar da cadeira, minuciosamente esculpida uma cabeça de dragão, almofadas nas costas e nos pés finamente bordadas a ouro; e o colarinho e os punhos deixam entrever delicadas roupas interiores cor-de-rosa.

Esse jogo de revelar, escondendo, notar-se-á na popularidade que então alcança o uso de leques, em particular o leque rígido circular tuanshan, dito em forma de lua com um pequeno pau para o segurar. Usado de modo expressivo no ritual do casamento, quando a noiva esconde o rosto atrás do leque queshan, aprofundando o mistério, a timidez e exorcisando espíritos malignos, só se destapando quando o noivo a impressiona, escrevendo ou lendo um poema, por exemplo. Na dinastia Song torna-se comum os literatos escreverem poemas e pinturas nesses leques, trocando-os como presentes.

Feng Dayou (1130-69), um pintor de Suzhou, colaboraria com o imperador Gaozong fazendo uma pintura num leque em que o observador se sentirá imerso na minuciosa lentidão da vida de plantas e animais de um lago.

Em Lago Taiye com lótus, que se apresenta como uma folha de álbum (tinta e cor sobre seda,23,8 x 25,1 cm, no Museu do Palácio Nacional em Taipé), o pintor representou uma visão consoladora com três pares de patos, símbolos da união do casal; borboletas, as graças do romance mas sobretudo a pintura é um panorama cheio de flores de lótus, as bênçãos da paternidade numerosa, alternando brancas e cor-de-rosa, algumas ainda em botão, embaladas no vento suave onde voa uma andorinha.

O imperador reforça essa impressão de prenúncio do advento da estação mais fria, escrevendo na sua caligrafia um poema de Wang Ya (764-835) Pensamento numa noite de Outono, do outro lado do leque. O nome do lago – Taiye, «a grande piscina líquida», refere um venerável lugar do passado que servirá de referência simbólica em futuras edificações de jardins.

31 Jan 2023

Vivendo as montanhas no verão

Em um poema escrito nalgum ponto do século IX, Yu Xuanji (魚玄機, 844-869 d.C.) descreve sua vida veranil em montanhas que apenas a biógrafos é dado conhecer. Na tradução brasileira de Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao, assim sabemos de sua estada montesa:

“VIVENDO NAS MONTANHAS NO VERÃO

Aqui, onde habitam os deuses, fiz minha morada
Bosques e arbustos misturam-se à revelia
Roupas lavadas penduro à menor das árvores
Sento-me à fonte; das pedras, nasce meu vinho
Abro as janelas à trilha dentre os bambus
Finas sedas tornaram-se embrulho de livros
Remando desço o rio, entre cantos à lua
leva-me o vento ao retorno: e ainda recito”

É sabido que a poesia chinesa manifesta certas tendências de sua cultura letrada, especialmente por suas temáticas e imagens recorrentes, sua autorreferência e a continuidade de vínculos e influências clássicas em seus versos. No poema acima, vemos duas presenças cruciais para a tradição poética — e mesmo espiritual — chinesa: as montanhas e, por paradoxal que seja, a própria noção de ausência: o vazio.
Yu Xuanji abre seu poema com uma afirmação categórica e muitíssimo relevante: ela faz sua morada nas montanhas, “onde habitam os deuses”. Não há dúvidas quanto a isso; seja pela própria deidade das montanhas, do espírito do vale taoísta, do caminho natural que a tudo conduz e que, nas montanhas, ganha concretude; seja pelas deidades que na montanha vivem, povoando todas as tradições religiosas, místicas, indígenas, exógenas, taoístas, budistas, ancestrais, a verdade afirmada pela poeta é esta: a montanha é a morada dos deuses. Local, também, em que a poeta vai morar.
Um texto bem conhecido do budismo Zen japonês, O Sermão das Montanhas e Águas do Mestre Dogen, manifesta em suas linhas o mesmo apreço pelas montanhas, a mesma consideração divinal e cosmológica, que nossa poeta chinesa parece indicar. E isso porque, embora japonês, o Mestre Dogen foi profundamente marcado por sua circulação pela China, onde aprendeu com monges, mestres, pessoas comuns e laicas, pescadores, habitantes de montanhas e muitos eventos mais. O Zen japonês, por exemplo, não existiria sem o Chan chinês; e o próprio Chan, pode-se aventar, não existiria sem a profundidade que na China já se encontrava desde antes do Dharma ali chegar.
Fato é que, para Dogen, falar de “montanhas e águas” — como se intitula seu discurso — é compreender “um panorama natural; ou a própria natureza […] Olhar a natureza é olhar a própria verdade budista. Por tal razão, mestre Dogen acreditava ser a natureza tal qual os sutras budistas. Neste capítulo, expõe a forma real da natureza, enfatizando sua relatividade” (DOGEN, 2007, p. 217, n.t., tradução nossa).
As montanhas são morada dos deuses porque, dentre outras razões, os deuses ali se percebem natureza. E porque a poeta assim percebe as montanhas, e os deuses, e um lugar possível para si no seio da sociedade em que vive, vai ela viver nas montanhas no verão. Yu Xuanji viver na singeleza do espaço, do território montanhoso que lhe dá guarida, e as pequenezas se lhe apresentam: os arbustos, a menor das árvores que lhe serve de varal às roupas, as pedras da fonte que lhe derramam vinho, a água pura e decerto fresca da terra, a fina seda que lhe embrulha os versos, os livros, os clássicos… Não admira que uma poeta — e que a poesia chinesa, muitas e muitas vezes, ao longo de todo o tempo que há no mundo; e não apenas a poesia, mas também a pintura, toda forma de arte, ascetismo, caligrafia, eremitérios — não admira que uma poeta se vá refugiar nesse espaço dos deuses, na própria deidade montanhosa. Afinal, para lermos tal movimento com Dogen uma vez mais:

“Normalmente, vemos as montanhas como pertencentes a um território, mas as montanhas pertencem às pessoas que as amam. Montanhas sempre amam seus ocupantes, e por isso os santos e sábios, pessoas de extrema virtude, seguem para elas. Quando santos e sábios vivem nas montanhas, porque as montanhas pertencem a eles, árvores e rochas abundam e florescem, e pássaros e mamíferos se tornam misteriosamente sublimes. Isso acontece porque os santos e sábios as cobriram de virtude.” (DOGEN, 2007, p. 224).

Santos e sábios e santas e sábias e poetas e poetas — este termo que, ao menos no Brasil em que ora escrevo, tem servido a homens e mulheres que deitam seus versos ao papel e ao mundo —, assim, são co-habitantes das montanhas, ao lado dos deuses, das águas e da natureza que, de certo modo, também ali habita. E por serem santas e sábias e poetas e atentas, pessoas com a sensibilidade de Yu Xuanji também apontam para a natureza daquilo que, na natureza espiritual da China, seja taoísta, seja budista, fundamenta a concretude do mundo, dos fenômenos todos, inclusive materiais: o vazio.
Vejam-se os versos “Abro as janelas à trilha dentre os bambus” e “Remando desço o rio, entre cantos à lua// leva-me o vento ao retorno: e ainda recito”. Contrastando-se às imagens materiais da montanha onde os deuses habitam (bosques, arbustos, roupas lavadas, a menor das árvores, fonte, pedras, vinho, seda e livros), temos o coração do vazio manifesto: à trilha entre os bambus que, do vão da janela, anuncia o veio pelo qual a energia da montanha há de fluir — e os caminhos de quem a ela acede, santos e sábios e poetas e deuses, provavelmente percorrem.
Esse vazio, complementando a concretude da paisagem natural e da vida material da montanha, dá o tom da experiência de se estar habitando tais paragens: é por essa estrada, pelo caminho, pela via do meio que se abre entre os bambus, que a poeta segue remando rio abaixo, entoando loas à lua, inspirada pelo vento que talvez lhe suba do vale e recitando um poema que havemos de ler em algum lugar. Nesta ou em outras traduções, séculos após sua morada.

Bibliografia

DOGEN, Zenji. Shobogenzo: The True Dharma-Eye Treasury. Vol. 1. Taisho Volume 82, Number 2582. Tradução do japonês de Gudo Wafu Nishijima e Chodo Cross. Tradução do Sermão das Montanhas e Águas, Carl Bielefeldt. Berkeley: Numata Center for Buddhist Translation and Research, 2006.
YU, Xuanji. Poesia Completa de Yu Xuanji. Tradução, organização e notas de Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao. São Paulo: Editora Unesp, 2011.

31 Jan 2023

Falando sobre as raízes da sabedoria – Cai Gen Tan 菜根譚

Tradução de André Bueno

41.
Uma pessoa de pensamento magnânimo trata a si mesmo, e aos outros, com respeito; e por isso, sua grandeza está em toda parte.
Uma pessoa de pensamento mesquinho trata a si mesmo, e aos outros, com pequenez; e por isso, sua malícia está em toda parte.
Uma pessoa virtuosa evita o luxo e a ostentação, e se afasta do aborrecimento e do pessimismo.

42.
Outros têm riquezas, eu tenho o humanismo. Outros têm cargos importantes, eu tenho a beleza interior. Um Educado não se apega as aparências.
Uma pessoa verdadeira pode conquistar o Céu, sua vontade dirige seus pensamentos e emoções. [Por isso] O Educado não se sujeita aos ganhos materiais.

43.
Estar no mundo, sem ideais dignos, é como limpar a roupa com pó, ou lavar os pés com lodo; como realizar-se [interiormente], dessa forma?
Atuar no mundo, sem saber adaptar-se, é como ser uma mariposa que se lança na lama, ou como um carneiro que prende os chifres na cerca; como encontrar paz e alegria dessa forma?

44.
Todos que estudam devem recolher seus pensamentos dispersos, e concentrá-los numa única direção.
Se ao cultivar a virtude, espera-se uma boa reputação, com certeza falhará.
Se ao estudar, pretendem-se apenas belos poemas, com certeza nada se arraigará no coração.

45.
Todas as pessoas têm a capacidade da compaixão. Wei Mo*, um açougueiro, ou um carrasco não se distinguem em sua natureza humana. Em todo o lugar, existe algum tipo de comunhão com a natureza.
Um palácio de ouro ou uma cabana não se distinguem na Terra que as assenta. Mas o desejo obstrui a generosidade pura, e se impondo a ela, separam-se uma da outra como se estivessem a mil li** de distância.
*Vimalakirti, santo budista.
** Li=500 metros

46.
Para ir pelo Caminho da virtude, a mente precisa ser como madeira e pedra*. Se a tentação pela fama e riqueza for maior, com o tempo se fica no mundo dos desejos.
Aquele que quer ajudar o mundo, deve desejar como as nuvens e as águas**. Mas se a tentação pela notoriedade for insaciável, ele atrairá perigo.
*Pureza e Fortaleza, respectivamente.
**Apenas seguir o curso, sem impor a vontade própria.

47.
As ações de uma pessoa correta são serenas, seus sonhos são calmos.
As ações de uma pessoa má são perversas, e suas conversas sempre têm intenções nefastas.

48.
Quando o fígado está doente, os olhos não vêem; quando os rins ficam doentes, os ouvidos não podem escutar. A doença está em um lugar eu não se pode ver, mas seus efeitos são visíveis.
Assim, o Educado, se não deseja que suas faltas apareçam no exterior, corrige primeiro seus erros interiores.

49.
Estar feliz ou não depende de quantas preocupações se têm.
Estar entristecido depende do quanto o coração está disperso.
Só quem está cheio de preocupações sabe que ter poucas levam a felicidade.
Só quem tem um coração tranqüilo sabe que a agitação atrai problemas.

50.
Em tempos tranqüilos, seja correto como um quadrado. Em tempos de desordem, seja correto como um círculo*. Em tempos de decadência, combine o quadrado e o círculo.
Ao lidar com gente boa, seja correto e generoso; ao lidar com gente má, seja correto e rigoroso; ao lidar com gente comum, combine generosidade e rigor.
*Quadrado=retidão, Círculo=flexibilidade

51.
Não me recordo do que fiz pelos outros.
Não me esqueço dos erros que cometi.
Não me esqueço da bondade dos outros.
Não me recordo das ofensas dos outros.

52.
Um benfeitor não considera suas ações boas, nem que ajudou alguém.
Desse modo, um punhado de grãos se transforma num celeiro.
O ganancioso pensa no retorno do que dá, e calcula seus lucros sobre quem ajuda.
Desse modo, uma fortuna eterna não vale uma moeda de cobre.

53.
Cada um tem sua vida, com ou sem fortuna; como saber quem é mesmo afortunado?
Cada um tem sua cabeça, com ou sem estudo; como exigir dos outros o entendimento?
Desse modo, se pode comparar as pessoas, e observar suas condutas.

54.
Somente uma pessoa de bom coração pode apreciar a sabedoria dos antigos pelo estudo dos clássicos.
Os maus roubam os antigos, usam-nos em benefício pessoal, e disfarçam com palavras boas as suas ações nefastas.

55.
Para quem vive no luxo e na extravagância, a riqueza nunca é suficiente.
Para quem vive na frugalidade, o pouco que se têm pode ser repartido.
Uma pessoa de talento se esforça, mas só consegue o ressentimento da sociedade.
Uma pessoa simples age de modo simples, e dessa maneira, vive sem preocupação e mantém-se imaculado.

56.
Estudar, sem buscar a virtude dos sábios, é ser um mero copista; ter um cargo oficial, sem amar o povo, é ser um ladrão bem vestido.
Dar lições de virtude, sem praticá-la, é como recitar os clássicos sem compreendê-los; realizar um trabalho, sem visar à virtude, é tão efêmero como a vida das flores ante os olhos.

57.
No coração das pessoas existe um livro da verdade; mas o texto está incompleto, e as folhas estão rasgadas.
O espírito das pessoas guarda uma melodia da verdade; mas ela está encoberta por músicas e danças sensuais e superficiais.
A busca da virtude deve apagar todas as coisas externas e penetrar na raiz das coisas, na origem de sua natureza íntima.
Só assim se alcançará um verdadeiro aprendizado.

58.
No meio das dificuldades, pode-se encontrar a alegria.
No orgulho dos próprios estratagemas, pode-se encontrar a decepção.

59.
Se a riqueza e a reputação vierem do cultivo da virtude, elas serão como flores nas montanhas e bosques; florescem naturalmente e em abundância.
A riqueza obtida pela artimanha é como as flores dos jardins e canteiros; florescem rápido, e acabam logo.
A riqueza obtida pelo poder e autoridade é como as flores de vasos e jarros; sem raízes fortes, apenas aguardam o dia de sua morte.

60.
Quando chega a primavera, o clima é agradável, as flores cobrem a Terra de cores, e os pássaros entoam belos cantos.
Os letrados se alegram de estar nas listas dos aprovados nos exames públicos, e voltam a se vestir e comer bem.
Mas, se nesse tempo eles não prestarem atenção em dizer palavras justas, e realizar ações meritórias, ainda que vivam cem anos nesse mundo, suas vidas inteiras não terão mais significado do que viver um dia apenas.

* O Cai Gen Tan菜根譚foi escrito no século XVI pelo erudito Hong Yingming 洪應明 (ou Hong Zicheng洪自誠, 1572-1620), próximo ao final da dinastia Ming大明 (1368-1644). (…) Hong buscava estabelecer uma analogia entre as três grandes correntes do pensamento chinês em sua época: Confucionismo, Daoísmo e Budismo Chan (Zen). O livro de Hong é uma apresentação de trezentos e sessenta aforismos sobre os mais diversos aspectos da vida, sempre baseado nos ensinamentos das três grandes linhas

30 Jan 2023

Su Dongpo | O vinho enquanto segunda vida

Texto e tradução de António Graça de Abreu

 

O grande poeta Su Dongpo gostava de se reunir com os amigos, comiam, bebiam gloriosamente, diziam ou compunham poemas, pintavam. Um deles, Huang Tingjian黄庭坚 (1045-1105), a seu respeito, escreveu:
“Ele adorava viver mas, após três ou cinco copos, já ébrio, parecia meio morto. Deitava-se sem cerimónia num qualquer recanto e ressonava com o ruído de um trovão. Algum tempo depois despertava, sentava-se à mesa e começava a escrever ou a pintar com a velocidade do vento.”

Nestes encontros de amigos e em momentos de solidão prevalecia a exaltação das bebidas fortes e encorpadas. O vinho, 酒 jiu em chinês, ou melhor, as vinte mil variedades de bebidas alcoólicas, fazia parte dos quotidianos de quase toda a gente.

Nos seus poemas e na sua prosa, Su Dongpo faz referências frequentes ao vinho e aos prazeres do álcool. O que bebiam não era propriamente vinho de uvas, também existente em algumas regiões da China, mas sobretudo baijiu, aguardentes destiladas a partir do sorgo, do painço, do arroz, de uma série de plantas e frutas que, levedadas, produziam néctares de elevada graduação que chegavam aos sessenta graus. Fabricavam-se também os mais variados licores e xaropes com menor teor de álcool e era vulgar uma espécie de cerveja que se obtinha misturando aguardentes e fruta com água, o que resultava numa bebida leve que alegrava o espírito de quem a bebia, mas não embebedava. Todos estes derivados alcoólicos se chamam jiu, normalmente traduzido por “vinho” mas os chineses, tal como acontecia com o chá, sabiam muito bem diferenciar os diversos jiu.

Num texto que intitulou “Em louvor do vinho forte” Su Dongpo vai longe na definição e valorização dos supremos néctares, em palavras que por certo grandes beberrões subscreveriam, poetas como Horácio, Ronsard, Baudelaire, Omar Kahyan, Alberti, o nosso Fernando Pessoa:

“Nos homens é preferível um temperamento brando, mas no vinho não se devem evitar a potência e a força. É através do vinho que se esquecem os sonhos de uma noite e com ele se chega a entender as verdades do universo. O vinho é para os homens como uma segunda vida e frequentemente é só no estado de abençoado conforto e maravilhosa tranquilidade criada pelo vinho que alguém pode ter a sensação de encontrar a própria alma.”

E escrevia assim, em sublimes poemas:

Fraco, o vinho

O pior de todos os vinhos, melhor do que água quente. Trapos, melhores que nada ter para vestir. Uma mulher feia, uma concubina conflituosa, melhores do que ter a casa vazia.

Quanto mais fraco o vinho, mais fácil emborcar dois copos,
quanto mais fino o tecido da cabaia, mais fácil vesti-la, a dobrar.
Existe a contradição entre o feio e o belo,
mas, quando embriagado, uma coisa tão boa como a outra.
Esposas mal-parecidas, concubinas briguentas,
quanto mais velhas, mais se assemelham.
Impossível saber como será o final dos nossos anos,
toma apenas por conselho o teu bom senso.
Evita audiências imperiais,
os grandes governantes do reino, o salão Florido do Leste,
a poeira do tempo, o vento na Passagem do Norte.
Cem anos, parece uma eternidade, mas, célere, tudo chega ao fim,
nós acabamos por cumprir tão pouco.
Vale tanto o cadáver de um rico como o cadáver de um pobre,
no rico, para conservar o corpo, pedras de jade,
pérolas colocadas na boca do ilustre defunto.
Não são grande ajuda, mil anos depois enriquecem ladrões de túmulos,
por recompensa, apenas uma ou outra referência literária.
Felizmente gente tonta pouca importância dá a tudo isto,
enganam meio mundo, enrubescem de contentamento,
homens justos são seus inimigos.
Para o mérito, um bom vinho por recompensa,
em toda a parte, o bem, a alegria, a tristeza,
simples manifestações de um mesmo todo, o Vazio.

O mau vinho é como os maus homens

Bebendo com Liu Ziyu, no templo da Montanha Dourada. Ébrio, adormeci no terraço da meditação. Despertei a meio da noite e escrevi este poema nas paredes do terraço.

O mau vinho é como os maus homens,
ataca, é mais mortífero que flechas ou facas.
Alquebrado, desmaiei no terraço,
foi necessário decretar tréguas.
O velho poeta é um homem de coragem,
gentis, profundas, as palavras do mestre budista.
Demasiado ébrio para tudo entender,
esbatida a mente em vermelhão e verde,
horas depois, acordei, já a lua se afundava no rio.
Diferente o bramido do vento,
num altar do templo,
ainda o leve fulgor de uma lamparina.
Os meus dois heróis, desapareceram. [1]

Imagens perfeitas

Os vapores húmidos do vinho
revolteiam-me as entranhas.
Dos pulmões, do fígado,
numa torrente, como numa avalanche,
saltam rochas e bambus.
Pinto-as na parede côr de neve,
imagens perfeitas.

[1] Lin Ziyu, amigo do poeta e Pao Xue, o superior do templo budista.

30 Jan 2023

Previsões para o mundo em 2023

O ano de 2023 faz de fronteira entre o fim do 8º período (yun) de 20 anos, que começou a 4 de Fevereiro de 2004 às 19h56m e finalizará às 16h28m de 4 de Fevereiro de 2024, quando abre o 9º período. O Grande Ciclo de 540 anos, Da Yuan (大元) é dividido em três Zheng Yuan (正元), com 180 anos cada e dentro de cada um existe San Yuan Jiu Yun (三元九运), três ciclos de 60 anos: o ciclo alto (shang yuan 上元) contém os períodos (运, yun) 1, 2, 3 de vinte anos cada um; o ciclo médio (zhong yuan中元) inclui os períodos (yun) 4, 5 e 6; e o ciclo baixo (xia yuan下元) inclui o período 7 (1984-2004), o período 8 (2004-2024) e o período 9 (2024-2044). Encontradas no quadrado mágico Luo Shu as direcções do posicionamento das nove Estrelas Voadoras para 2023, deixamos aqui as previsões por nós entendidas das feitas por Lei Koi Meng (Edward Li), sobre o que ocorrerá no mundo.

Na direcção Centro (com o Elemento Terra), onde se encontra a China, este ano está dominada pela benéfica estrela voadora 4 Verde (Si Lü) (Madeira), com aspectos positivos e negativos no actual período 8, representa refinamento e educação. Para a China é um ano de muitos desafios pois a política de combate à pandemia colocou o país nos últimos três anos com a economia estagnada e os efeitos negativos aparecerão totalmente este ano. Já quanto ao mercado imobiliário haverá fortes mudanças e o choque dessa grande onda trará um impacto negativo a envolver todos os sectores da sociedade, sobretudo industriais e comerciais. Prevê-se a ocorrência de um tremor de terra de grande amplitude.

Na direcção Norte (com o Elemento Água), correspondente a Beijing [capital da República Popular da China] e à Federação Russa, estará a benéfica estrela voadora 9 Púrpura/Roxo (Jiu Zi) (Fogo). Representar harmonia e paz, cooperação e o visionar do advir, é uma Estrela Ampliadora dos efeitos das outras estrelas, pelo bem, assim como no mal. É também a secundária Estrela da Riqueza pois 2023 é um ano de mudança e no ano 2024 inicia-se o Período 9 que faz dela a Estrela da Riqueza do Futuro e Estrela da Felicidade.

Nas relações exteriores, a China terá relações mais activas e profundas com os países do Sudeste asiáticos e haverá maior cooperação com a Federação Russa e Médio Oriente. A Rússia este ano economicamente estará melhor e a imagem que dela é transmitida irá mudar. Como em 2022, na altura em que a guerra na Ucrânia começou, o Fogo era forte, pois a Madeira estava sob Madeira, e este ano em Agosto o Fogo encontrar-se-á já muito fraco, espera-se daí poder ser um sinal para a guerra parar.

Na direcção Sul (Fogo), que compreende a Grande Baía, Macau, Hong Kong e países da Oceânia, está a benéfica estrela voadora 8 Branco (Ba Bai) (Terra), Estrela da Prosperidade e Saúde, a melhor e de mais sorte entre todas as nove estrelas voadoras. Com o início da política de abertura, este ano na Grande Baía imediatamente os frutos aparecem, levando a rápidos ganhos e grandes proveitos económicos e sociais, sendo na China a zona que mais rapidamente chega à normalidade. Para o Feng Shui, a zona da Grande Baía no ano de 2025 será a mais bafejada de toda a China e este ano, contará com novos investimentos provenientes da Bolsa de Hong Kong, incluindo dinheiro do Médio Oriente e Coreia do Norte. Já a Austrália e Nova Zelândia mudarão a política com a China, resultando daí boas notícias para as suas economias.

Na direcção Oeste (Metal), onde a Europa Ocidental e Grã-Bretanha se situam, está a benéfica estrela voadora 6 Branco (Liu Bai) (Metal), Estrela da Bênção Celeste com potencial de inesperadas vantagens e riquezas, mas enfraquecida no período 8 do ciclo do Feng Shui. A morte da Rainha, que representava o poder da Grã-Bretanha no mundo, levou à perda de influência nos restantes países normalmente seus aliados e assim, o seu foco vira-se para reparar a relação com a União Europeia. Ano em que espera para ver o que ocorrerá. A Europa economicamente fraca, com grande inflação, contará com constantes e variadas manifestações de protesto nas ruas. Havendo diferentes argumentos como resolver a situação, ocorrem nas discussões grandes divergências entre os países europeus, perdendo-se a unidade. França e Alemanha unir-se-ão e abrirão a comunicação com a China para uma cooperação económica. As relações com os EUA ficarão complicadas.

Na direcção Leste (Madeira), EUA, Japão e Taiwan encontram-se sob a influência da maligna estrela voadora 2 Preto (Er Hei) (Terra), Estrela da Doença que traz longas e incuráveis enfermidades. Nos EUA será um dos anos mais perigosos para a economia e mesmo na política haverá grandes confrontações entre os dois partidos, tendo de enfrentar muitas manifestações contra a inflação e desemprego. Ao mesmo tempo terá de lidar com a pandemia e diversas catástrofes naturais. Nas relações exteriores enfrenta uma grande competição e para proteger o poder do dólar as suas finanças irão cair num buraco negro, puxando o mundo para esse redemoinho. Já o Japão escolhe não seguir as medidas para combater a inflação, usadas nas políticas do sistema financeiro mundial, levando a sua economia a ficar em maus lençóis. Nas relações com os países vizinhos envereda por uma política de confrontação, o que trará grandes trabalhos ao governo. Outros graves problemas que terá pela frente estão ligados aos desastres naturais devido à influência da estrela Er Hei. Taiwan continuará a criar pequeno ruído e a imagem clara aparecerá em 2024.

Na direcção Sudoeste (Terra), que corresponde ao Médio Oriente e Índia, encontra-se a benéfica estrela voadora 1 Branco (Yi Bai) (Água), Estrela da Prosperidade para o que vem, traz sucesso pelo posicionamento político e boas relações de amizade. Para estes países este ano como há a cooperação com novos parceiros no plano económico ocorrerão mudanças, trazendo novas oportunidades e a conquista de novos espaços de actuação e investimento. Mas por outro lado, a instabilidade política causará problemas. A Índia estará muito ocupada a tratar dos desastres naturais e na economia terá uma nova política a alavancar um novo desenvolvimento.

Na direcção Sudeste (Madeira), onde se posicionam os nove países do Sudeste da Ásia, estará a maligna estrela voadora 3 Jade (San Bi), (Madeira), Estrela de Conflito Beligerante, a trazer disputas e caos. Nas questões políticas os países como a Malásia, Myanmar, Camboja, Tailândia, Laos, têm os governos instáveis, com muitos problemas a ocorre, havendo constantes conflitos bélicos entre as diferentes facções em cada país, a não lhes dar estabilidade. A Indonésia, com a quarta maior população do mundo, após a reunião do G20 mostrou as suas qualificações conseguindo fazer o equilíbrio entre Ocidente e Oriente, criando aí uma base sustentável para o mundo, e colocou o país numa importante posição nas relações internacionais. Singapura, ao abrir mais cedo do que os restantes países, colocou-se um passo à frente, conseguindo assim na região ganhar mais espaço de actuação política e económica.

Na direcção Noroeste (Metal), onde se situam os países da Escandinávia, está a maligna estrela voadora 5 Amarelo (Wu Huang), (Terra), Estrela da Fatalidade e da Ruína de forte pendor negativo. Traz má sorte, instabilidade e é causadora de obstáculos e problemas de maligna influência. Os cinco países do Norte da Europa continuarão como no ano anterior com relações externas tensas e mesmo mais agravadas, logo a situação piorará.

Na direcção Nordeste (Terra), nas Coreias, encontra-se a maligna estrela voadora 7 Vermelho (Qi Chi) (Metal), estrela de energia violenta, a trazer injúrias, muitas disputas e perdas financeiras. O líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un tem aparecido acompanhado pela filha e como para o bazi a filha representa o poder do pai (zhengguan) tal indica para este ano o país apresentar uma abertura ao mundo com uma nova imagem e daí o estar focado num novo desenvolvimento económico. Na Coreia do Sul politicamente o governo não está estável, levando a complicar as relações com o Norte, podendo originar atritos, mas sem graves problemas.

A nível mundial, este ano será muito seco devido à falta de água, colocando problemas à agricultura e haverá devastadoras pragas de gafanhotos. Logo a comida, tal como a água irá rarear. Os problemas de saúde estarão também em primeiro plano por todo o mundo.

27 Jan 2023

Dias melancólicos se encontram no Outono

NASCIDO EM 1963, em Zigong na província de Sichuan, Zhen Danyi, vive actualmente em Hong Kong, onde publica na Sixthfingerpress, uma editora-oásis, digamos assim, no ténue contexto cultural de Hong Kong.

A sua mãe era actriz, uma intelectual que a Revolução Cultural poupou lançando-a para uma fábrica de açúcar para o resto da vida. Algumas das primeiras palavras que Danyi disse quando nos encontrámos foram: “odeio açúcar”.Os poemas aqui apresentados são de “Wings of Summer”, uma colectânea que reúne poesia de 1984 a 1997 em tradução inglesa de Luo Hui.

É curioso encontrar um poeta que, ao contrário do cinismo em moda na Europa, não aposta em desdenhar do seu ofício. Em Portugal, por exemplo, tornou-se fino entre poetas dizer que “a poesia não interessa” (um famoso dictum de T.S. Eliot). Até faz sentido, para quem escreve nos subúrbios da vida, por tédio.

Não no caso de Zheng Danyi, onde a escrita e a vida não são separáveis. Na sua poesia, como em muita da arte contemporânea chinesa, há uma crueza e um desassombro por vezes quase brutais que têm obtido uma recensão fora da China que as considera como violência gratuita ou como estranheza deliberada. Mas que outra coisa esperar de uma crítica e de uma sociedade que se habituaram a ver a arte como mero exercício?

Como posso fazer-te acreditar que isto é o
/Outono
Quando tudo aqui
Prova o oposto!
Quando a mais fria água pega fogo

Quem sabe – colo o meu ouvido
A um sino. Quem sabe –
Encomendei uma rajada de vento! Num mês

As folhas caíram
O sino esgotou o seu repique
Como pode ter sido vinho
A privar-me do meu desgosto!
Como podes tu, caminhando sozinho
Ter-te tornado escravo da tua alma

Como podem os pássaros, mortos há muito
Subitamente reaparecer no céu?

Outono. Dias indescritíveis
Dias em que o fogo extingue fogo
Não, como posso fazer-te acreditar
Que estes são dias em que electricidade se
/ dobra em metal!

Estes são dias de apocalipse! Quando eu,
/ para ti
Escancaro a porta da morte…

Agora entra. Perplexas faces, gloriosas faces
Dias melancólicos se encontram no Outono!

QUANTOS OUVIDOS DA ALMA OUVEM

Quantos ouvidos da alma ouvem idade
Ou solidão? A última, a única liberdade
Está desfeita. Quando intoxicada

No cume da felicidade
Nas profundezas de enormes plantas

Quantos ouvidos da alma ouvem
Rodas de pequenos dentes, girando
Infinitamente girando
Violentas línguas enredadas sob água
Prodigalizando flores e interminável
/ bom vinho

Porém cada nascer é um salvamento
Como banquetes, uns a seguir doutros
Pois o terror é bastante. Pois a terra
Rouba antes de dar de novo
Demasiado obsoleto! Por favor –
Quantos ouvidos da alma ouvem

O seu próprio arquejar, ou as batidas
/ do coração
De crianças cantando
Em punido ar
A derradeira canção de inocência

PRIMAVERA

Como uma palavra de veias cortadas
Isto é Primavera
Após numerosas Primaveras
Certos inimigos acordam
Como um suave jardim
Ervas, chuva, ou uma aguda vedação
Tais coisas, no passado poderiam ter sido
Espadas e adagas

Amor, solidão… deixa estar
Entre sonhos e fantasias
Estão essas flamejantes pétalas
Línguas traindo o amor

Ou veias
Secretamente quebradas?

O vidro faz progressos
Carregado com órgãos internos…Árvores
/ palácios
Fazem progressos
Em direção a gentileza, ou a cristal ou sal?

Olha, vermiculares dedos, rostos
Como Terreiros de execução –
Meras folhas de papel branco
Como poderemos suportar assaltos de sangue

Olha, o que faz
Este planeta de valas comuns entontecer,
/ cansar
Não! Certamente não
Costumes, morte, nascimento…ou um jardim

Nas margens da carne destinadas a rebentar
A terra está preparar, a devorar
Outra Primavera

CONHEÇO OS SONHOS DESTA REGIÃO

Conheço os sonhos desta região
Ao lado de uma ave fugitiva e de um sino
/ que toca
Em Nanjing. Rochas para rochas se retiraram
De Edifício graves
Deixando muito espaço para árvores

Flor de primavera, lua de Outono, ano sim,
/ ano não
Paisagem e beleza desfilam, ar púrpura
Fugindo de templo e igreja

Buscando um cheiro, um bando de corvos
Paira sobre o quarteirão…Um bando
/ de corvos
Relutantes na partida, até
Turistas serem trazidos ao alto do monte
A mais bela
Capital que já vi – a invernosa Najing
Na margem da morte
Mostrando paisagem. Secreta, serena…Até
Carnudos remoinhos
São trazidos de labirintos subterrâneos

Abrupto ar de entardecer espalha ansiedade
/ e medo
Uma ave fugitiva
Sonhos de um sino que toca

A capital foi para norte, as pessoas
/ ergueram-se
E eu sei segredos mais profundos
Para além da vista. Em delapidados
Palácios, uma pérola única
Ou uma cabeça tombada
Causaram enorme incêndio

Em Nanjing, metade do fogo penetrou
/ a poesia. A outra metade
Contida por montes e lagos
Imagens rectificadas por paisagem
Torre subidas para ver –

Nunca curta semana, a frente fria cruzou
/ o Yangtze
Vestido em roupa almofadada
Eu regressei
À outra margem da morte…Oh

Os meus passos apressados me envolveram
Em sonhos desta região. Buscando um cheiro
Repetindo faces fictícias

A última noite trouxe grande neve
Um par de sapatos de algodão me acenou
Adeus às portas da cidade…
A ave fugitiva, de novo, sonhou com um sino tocando

Janeiro de 1989

OITO POEMAS CHAMADOS ESTILHAÇOS

1. O VENTO BATE COM SUAVES CASCOS
O vento bate com suaves cascos nos vidros
/ da minha janela
Eu balanço como água num copo
No corredor branco do tempo
Como um copo de água não me posso
/ inclinar

O vento, depois dos bosques, varre agora
/ as ruas….
O vento, saindo da cidade…a um distante
/ vale

Abre: castanha felicidade engarrafada
Olho para dentro de mim…O vento
Fica no copo, por isso só posso tremer
Tremer. Ecoar
O som das rochas despejadas nos tímpanos
/ do vale

2. POESIA

O horário marcado, papel preparado, sangue
/ grita em calma
Um som inclina-se para a frente
Uma sombra varrendo diz: Agora
A escrita começa
Quando o vale mistura a sinfonia das canções
/ de amanhã

Rasgo as ligaduras
Rasgo a pele da dor para veres –

Olha, aqui
Poesia – este pássaro a ficar cor-de-rosa
Penas cheias, músculos fortes, ossos
/ embrulhados
Cordas vocais prateadas e finas como asas
/ de cigarra
Todo completo…E aqui
O crescimento no céu

E fundos arranhões que deixou no papel…

3. RECUSA

Toneladas de gelo flutuando no céu
Chamamos-lhe nuvem
Toneladas de raiva agitando-se no céu
Chamamos-lhe trovão

No cálice do universo
Relâmpago gelado junta-se de novo a carne
Toneladas de carne
Chamamos-lhe amor

Chamamos-lhe: qualquer coisa –
Até que finalmente lhe chamamos; ódio
Flutuando no coração
Um pedaço de rugoso osso

Entre estas linhas
Nuvens de diferentes designações recusam-se
/ a fundir

4. VOCABULÁRIO BRANCO
Então, deve ser assim que se cospe gravilha
“Sobe rochas, esmaga…”
Então, deve ser assim que se limpam
/ feridas mortas
“Luvas, rochas, serra eléctrica…”

Já não sonhamos para além de amanhã
Nas rochas, vocabulário branco
Paciente aguarda que a ordem esguiche,
/ em massa

5. MAS UM POETA É SÓ

Mas um poeta é só um rádio amador
No coração de sal e cristal, rápido nevoeiro
/ prevalece

Cristal, olhos translúcidos, fixa blocos
/ de cimento
Organizados como caixões ao longo
/ do céu
Mais alto, num inferno de cimento, é salve-se
/ quem puder

Mas um poeta pode voar – no sonho
De um objeto voador feito de gralhas e papel
/ encharcado

Mas um poeta é só alguém que fala no
/ nevoeiro
Só um falante
Em espesso nevoeiro
Um archaeopteryx, exalando quentes
/ baforadas

6. COM POESIA

Escuridão. Escuridão continua
Um brilho branco no crânio
Nunca pode ser esmagado

Começo a limpar sangue em cadáveres
Com poesia, começo a rezar
Deixo sair calor aprisionado nos membros
/ de vocabulário
Com poesia – o radiador inquebrado

Quando no meu vas deferens algo se agita…

7. VIDA

Vida, o que podes espremer agora
A parte perecível pereceu
A parte que abana foi abanada
O que pode ser perdido, perdido
O que pode ser sobreviver, sobrevive…
Oh, Vida, a que me espreme

Mas já não podes espremer mais, nem sequer
Uma lágrima forçada

8. APARTAMENTOS DE CIMENTO

Recuas perante ti mesmo, recebes
O lençol branco com clavículas

As portas estão sendo instaladas, uma a uma
A cama, amarando as suas oito pernas,
/ não está disposta a suportar –
Um frio

Desejo de se erguer ocupa o leito de morte
Desnecessariamente largo

Com expressões presas e câmara lenta
Novos inquilinos estão-se a mudar
Erguendo-se, caindo, em fila

As portas estão numeradas por dentro,
/ com endereços…
Como pedras tumulares erigidas na mente
“Não mais escrita – não mais!”

Um cheiro ardente penetra as narinas
Ela jaz na cama como suave fio
Queimado por um sonho de alta voltagem…

Maio de 1985

De Dezasseis Poemas, 1988
Introdução e Tradução de Rui Cascais

26 Jan 2023

2023 Ano de Água Coelho

O ano lunar de 2023 começa a 22 de Janeiro e terminará a 8 de Fevereiro de 2024, sendo que para o Feng Shui o início do ano do Coelho é o dia 4 de Fevereiro de 2023, quando se celebra o Lichun, Princípio da Primavera.

Este ano haverá um duplo Lichun, por isso será bom para casar e um duplo mês lunar a ocorrer na segunda lua.
A China, com uma existência de setenta e oito ciclos, cada um de 60 anos, para este ano apresenta o número 40 a corresponder a Gui Mao (癸卯, em cantonense kouai máo), ‘Coelho correndo para a floresta’.

No Caule Celeste, o Elemento Gui (癸), Água yin, tem a direcção Norte, e no Ramo Terrestre, Mao (卯) Coelho/Lebre (nome comum Tù) é regido pelo Elemento Madeira yin, com direcção Leste.

Água alimenta a Madeira, o que é uma boa cooperação entre os elementos, mas o problema está na Água yin pois é pouca e é toda absorvida pela madeira, o que representa o ano a manter-se ainda seco. 2023 será uma cópia do ano de 2022, com a diferença de ser menos intenso, pois o ano transacto era Água yang e Madeira yang e este ano será de Água yin e Madeira yin. Assim os problemas ocorridos no ano anterior, as catástrofes, como a guerra, tremores de terra, erupções de vulcões, desastres de avião e a pandemia continuarão, mas serão mais leves e diluídos. Gui Mao (癸卯 Água yin e Madeira yin) combinado com a palavra-chave de pandemia Wu Xu (戊戌) leva à manutenção da situação de Fogo, mas tudo irá continuar a ocorrer, no entanto, com menor intensidade. Devido aos três anos de pandemia e aos problemas económicos por ela causados, que levaram a um buraco negro financeiro, já com as pessoas habituadas à recessão, tal não as apavora, nem provocará nenhum choque e assim a confiança pode voltar a aparecer, sendo a saúde o foco principal para 2023.

FUN TAI SOI

Este ano o Tai Soi (Deus do Ano) localiza-se na região Leste (75°-105°), devendo evitar-se a direcção oposta (255°-285°) para praticar actividades de peso e fazer reconstruções.

Os efeitos do Tai Soi começam após o Lichun, 4 de Fevereiro de 2023, quando se inicia a Primavera, no momento em que o Sol está em 315° da eclíptica. No Fan Tai Soi (ofende o Deus do Ano), o Coelho encontra-se em Zhi Tai Soi, contra o Deus do Ano e em oposição, o Galo está em Chong Tai Soi, a colidir com o Tai Soi do Ano. Já o Rato, está em Xing Tai Soi, significando Xing ser julgado pelo Deus do Ano. Em Po Tai Soi estão os nativos de Cavalo sendo por isso fácil ocorrer-lhes danos, devidos a encontrarem-se entre os seis que se combinam (no grupo de Rato, Tigre, Coelho, Dragão, Serpente, Cavalo). Os nativos de Dragão estão em Hai Tai Soi, magoado pelo Tai Soi pois o animal com que combina, o Galo está a colidir com o Tai Soi do Ano.

O mês do Coelho ocorre entre 6 de Março e 4 de Abril de 2023. Nos dias de Coelho e de Galo deve evitar-se iniciar qualquer actividade e em 2023 eles ocorrem no dia 8 de Fevereiro, o do Galo, e seis dias depois, 14 de Fevereiro o dia de Coelho. Também entre as 5 e as 7 horas da manhã (Coelho) ou 17 e 19 horas da tarde (Galo) são períodos a evitar tomar decisões.

Para o ano de Água Coelho, os nativos de Macaco e Cabra estarão no topo da boa sorte, sendo os melhores colocados no Zodíaco. Os nativos de Cão e Tigre estão propensos a saltitar por entre namoricos. Já os nativos de Búfalo e Serpente não contarão com a ajuda de boas estrelas da sorte. Os nativos de Porco, se fugirem para fora do habitual e fizerem algo que normalmente não realizam terão surpresas e sucesso.

Macau está em Fan Tai Soi, pois renasceu no ano do Coelho em 20 de Dezembro de 1999, e o seu bazi não gosta nada de Água, como ocorreu em 2022 com forte Água (yang), sendo o de 2023 Água yin, o que leva a que este ano tudo seja menos complicado, mas falta-lhe Fogo, para conseguir recuperar os níveis que anteriormente alcançou. Tal só ocorrerá em pleno no ano de 2026, Bingwu (丙午), cujo ramo terreste é Wu (午), cavalo, Elemento fogo yang e direcção Sul e caule celeste Bing(丙) Fogo yang, com a direcção Sul.

PI SHI, DEUS DO ANO

O Deus do Ano (Tai Sui, em cantonense Tai Soi) de 2023 é o Grande General Pi Shi, reconhecido por acções militares heróicas e administrar com justiça o território a si confiado, no entanto, no fim da vida desgraçou-se devido ao consumo de muito vinho, sendo açoitado com vara de bétula após constantes bebedeiras.

Pi Shi nasceu com o nome Pi Xi em Yu Yang (hoje arredores de Tianjin) na dinastia Wei do Norte (386-534) filho do General Pi Bao Zi, que logo com tenra idade o colocou a praticar artes marciais, onde ganhou competências tácticas e ampla visão estratégica. Daí a facilidade com que foi promovido a general, atribuindo-lhe o Imperador Wen Cheng Di (Gaozong, cujo nome próprio era Tuoba Jun, 452-465) o mais alto grau da carreira militar. Vivia-se uma época muito turbulenta, com constantes mudanças políticas e sociais e a dinastia Wei do Norte procurava unificar o Norte da China e terminar com o caótico período dos Dezasseis Reinos.

Pi Xi era um guerreiro muito competente e conseguiu impressionantes vitórias nas batalhas que travou. Conteve a invasão da tribo estrangeira Tuyuhun à região que representa hoje a prefeitura de Wuwei na província de Gansu e consolidou as fronteiras. Ao ganhar esse conflito, o Imperador colocou-o à frente da guarnição de Cinco Zhou (Cinco Estados). Como era justo e um bom organizador, os locais ficaram muito contentes e agradecidos pelo seu excelente trabalho, contribuindo para dar dignidade à carreira militar. Assim, conquistou um forte apoio das populações locais, sendo glorificado ainda em vida por todo o seu percurso meritório.

Uma das suas maiores proezas ocorreu em Novembro do ano 477 na área de Chouchi [onde se situava o antigo Reino de Chouchi (c.184-371), hoje a prefeitura de Cheng (Cheng Xian) em Gansu] quando o então Imperador Xiao Wen Di (471-499), na Era Taihe (477-499) o enviou para aí combater uma rebelião chefiada por Yang Wen Du. No mês seguinte dominou a revolta e após capturar o líder, cortou-lhe a cabeça e enviou-a para a capital Datong.

Devido a tal sucesso, foi colocado a governar em vários outros locais, mas em Yuzhou acabou por cair em desgraça, sendo uma das principais razões beber de mais. Foi punido com açoites, os seus títulos retirados e acabou por ser demitido.

Por volta do ano 484, Pi Xi passou desta vida já com uma idade avançada, mas manteve a reputação de herói. As suas contribuições nunca foram esquecidas e, após a sua morte, recuperou a honra e o bom nome e o governo restitui-lhe a sua posição como Grande General, oferecendo-lhe o título de Gonggong pelos grandes serviços prestados ao Reino Wei do Norte.

O dia de ir ao templo oferecer sacrifícios ao Deus do Ano General Pi Shi é o oitavo da primeira Lua, que ocorre a 29 de Janeiro de 2023.

25 Jan 2023

Cao Zhibai – A neve, o céu sombrio e os pinheiros irmãos

Huang Gongwang (1269-1354), o pintor literato da dinastia Yuan, ao criar o extraordinário rolo de pintura horizontal conhecido como Retiro nas montanhas Fuchun alcançou numa síntese de opostos, uma inesperada, intemporal e dinâmica harmonia que resultando do encontro com a natureza, é uma outra compreensão da existência.

Nessa pintura, hoje dividida em duas partes, a mais longa designada como Rolo do mestre Wuyong, no Museu do Palácio Nacional em Taipé (tinta sobre papel, 33 x 636,9 cm) ele escreveu que fez o aspecto geral da pintura numa única ocasião e depois foi realizando os detalhes do cenário ao longo de três ou quatro anos, numa engenhosa manipulação do tempo. No que é apenas um de muitos outros opostos.

Como o próprio tema da pintura que pode ser entendido como um elogio ao destinatário, comparado aos nobres reclusos da antiguidade, que porém nem sequer estão figurados no rolo. Dir-se-ia que o próprio ambiente em que se movimentavam os literatos daquele tempo e lugar a Sul do delta do rio Changjiang provocava essa resposta, ancorada numa longa tradição.

Um pintor literato poderia, por exemplo, numa conhecida proposição de Laozi; Zhiqibai, shouqihei, que se pode ler como; «Conhece a claridade (branco) mas guarda a obscuridade (o negro)» perceber um guia do seu processo.

Um outro pintor dessa área florescente e em cujo nome estavam os mesmos caracteres zhi e bai exemplificaria de maneira original essa síntese de opostos. Cao Zhibai (1272-1355), o pintor de Huating (actual Xangai, Jiangsu), fez-se notar no modo como representou paisagens de neve, como as duas pinturas que estão no Museu do Palácio em Taipé, Neve nas montanhas (rolo vertical, tinta sobre seda, 97,1 x 55,3 cm) ou Picos de montanhas clareando depois da neve (rolo vertical, tinta sobre seda, 129,7 x 56,4 cm), onde a alvura da neve sobressai mas não cancela a obscuridade do céu.

Cao Zhibai, que também usou o nome Yunxi, «a nuvem Ocidental», participou das tradições de amizade e cortesia entre literatos, que trocavam pinturas e poemas como forma de mútuo reconhecimento. Na pintura feita no dia 6 de Fevereiro de 1329, dedicada ao seu amigo de origem khitan (qidan) Shimo Boshan (1281-1347), «como materialização da nossa mútua amizade», representa dois pinheiros irmanados no seu crescimento conjunto.

Nesses Pinheiros gémeos (rolo vertical, tinta sobre seda, 132,1 x 57,4 cm, no mesmo Museu de Taipé) através da sucessiva diminuição da dimensão das árvores, mostra a distância em profundidade (shenyuan) reforçando o simbolismo das duas árvores que resistem verdes aos tempos mais severos. Na folha de álbum Verdejante no frio do anoitecer (tinta sobre seda, 21,1 x 2,2 cm, no Museu de Xangai) uma estranha árvore sem folhas dobra-se diante do homem que viaja numa embarcação, como que saudando quem vem ao seu encontro.

19 Jan 2023

Falando sobre as raízes da sabedoria – Cai Gen Tan 菜根譚 *

Tradução de André Bueno

(continuação)

11.
Aqueles que comem e bebem, de modo simples, são claros como gelo e puros como jade.
Aqueles que usam roupas finas, e comem sofisticadamente, encontram deleite na adulação de seus escravos.
As aspirações nobres vêm da pureza do coração, e a virtude pode ser alcançada abandonando-se os prazeres materiais.

12.
Seja reservado, mas também tolerante e generoso, e as pessoas não ficarão ressentidas.
Assim, suas obras durarão muito tempo, e as pessoas o recordarão com saudade.

13.
Dê um passo atrás, e deixe passar aquele que está no seu Caminho.
Essa é uma das condutas sociais mais agradáveis e seguras.

14.
Para viver de modo verdadeiro, não é preciso nenhum talento; apenas abandone os sentimentos vulgares, e isso a tornará uma pessoa autêntica.
Para seguir nos estudos, não é preciso nenhuma habilidade especial: apenas afaste as preocupações que o perturbam, e isso o aproximará do mundo dos sábios.

15.
Para fazer amigos, precisa-se de certa cortesia.
Para fazer-se verdadeiro, necessita-se de um coração puro.

16.
Não se adiante aos outros para receber favores e benesses; não recue por agir de modo correto; não se exceda na sua posição; não aceite favores; não se detenha num problema até esgotar o seu talento.

17.
Ao conduzir o povo, o Educado deve ser respeitoso e deixar a passagem livre. Ele dá um passo atrás, para depois avançar resoluto. Tratar as pessoas generosamente é parte da própria felicidade, e ajudar aos outros é ajudar a si mesmo.

18.
Todos os méritos e conquistas podem ser arruinados com apenas uma palavra desastrosa;
Todos os crimes e pecados podem ser absolvidos com apenas uma palavra de arrependimento verdadeiro.

19.
Uma boa reputação e uma moral elevada não devem servir somente a si mesmo, mas devem ser compartilhadas; assim, afastam-se os perigos.
Uma má reputação e uma conduta vergonhosa não devem afetar aos outros, senão a si mesmo; assim, se ocultam os talentos e se cultiva a virtude.*
*[No caso, a má reputação não é causada, necessariamente por um defeito moral da pessoa: ele pode ser vítima de uma intriga, e por isso, deve resguardar-se.]

20.
Em tudo que faço, deixo sempre uma pequena parte incompleta; assim, Deus não se incomodará, e os espíritos não me perturbarão.
Se em todos os negócios eu buscar a perfeição, e se em todas as coisas mundanas eu desejar ir além, não estarei incorrendo em nenhum erro íntimo, mas atrairei muita desgraça externa sobre mim.

21.
Nas disputas, existem regras de cortesia;
Na vida cotidiana, se encontra o Caminho;
Se as pessoas praticassem a sinceridade e a harmonia, usando palavras boas e ponderadas, pais e filhos não estariam separados.
A troca de idéias e o diálogo são melhores do que os exercícios respiratórios e as meditações.

22.
Uma pessoa ativa é como um relâmpago no meio das nuvens, ou como uma luz no meio da tormenta.
Uma pessoa inativa é como brasa que se apaga, ou uma árvore morta.
A essência do Caminho está no movimento da quietude, e na quietude do movimento, do mesmo modo com um pássaro atravessa as nuvens imóveis no Céu, ou um peixe nada pelas águas quietas do lago.

23.
Ao censurar alguém pelas suas faltas, cuide com seu temperamento;
Ao ensinar a moral para alguém, considere suas propensões.

24.
O besouro que vive no excremento é sujo, mas um dia vira cigarra, e bebe do vento outonal.
A erva podre não brilha, mas nela nascem os vaga-lumes que cintilam abaixo da lua de verão.
Assim, a pureza pode surgir da impureza, e o claro pode vir do obscuro.

25.
Presunção e arrogância são os extremos; controle-os, e cultivará atitudes saudáveis.
Desejos e enganos vêm de pensamentos impróprios; largue-os, e realizará sua verdadeira natureza.

26.
Quem come apenas para se saciar desfruta a verdadeira saciedade, e a gula desaparece.
Quem faz sexo apenas para se saciar desfruta a verdadeira calma, e a luxúria desaparece.
Por isso, se uma pessoa puder se arrepender de seus erros e se desfazer de suas obsessões, então sua natureza se acalmará e se centrará, e suas ações serão sempre sem erro.

27.
Ao estar na Corte, não se esqueça do cheiro da montanha e dos bosques;
Ao estar só no meio da floresta, não esqueça do cheiro dos livros.

28.
Ao viver em sociedade, não busque com ansiedade o êxito; não cometer erros já um mérito.
Ao tratar os outros com Humanismo*, não espere gratidão em troca; se eles não virarem seus inimigos, isso já é gratidão.
*Ren 仁, o Humanismo Confucionista, também traduzido como ‘Altruísmo’ ou ‘Benevolência’.

29.
Se mortificar por ações virtuosas é moralmente belo, mas sofrimento demais traz um grande desassossego interior.
Desprezar o poder e a riqueza é uma qualidade notável, mas privações demais dificultam a própria caridade com os outros.

30.
Ao julgar alguém que arruinou-se, compreenda seus propósitos.
Ao julgar alguém que alcançou sucesso, conheça seus fins.

31.
Aquele que tem um alto posto deve ser generoso e evitar a intriga; do contrário, agirá como uma pessoa inferior. Como poderia, assim, desfrutar de seu cargo?
Aquele que for Educado deve ocultar seus talentos, e evitar a presunção; de outro modo, ele agirá como um bobo. Como poderia, assim, evitar a ruína?

32.
Quem morou em um lugar baixo, sabe o perigo de ir para o alto. Quem esteve na escuridão, sabe o quão deslumbrante é a luz.
Para manter-se sossegado, conheça as preocupações que o afligem. Quem sabe cultivar o silêncio, sabe quanto é incômodo o falatório.

33.
Ao abandonar os desejos de poder e riqueza, livra-se das tentações do mundo.
Ao extrair do coração as limitações da moralidade, pode-se entrar no reino da sabedoria.

34.
O desejo não dana o coração puro, mas pensar em si mesmo, apenas, é uma praga.
O prazer não é um obstáculo ao Caminho da virtude, mas o uso inadequado da inteligência é.

35.
Os sentimentos humanos mudam, o Caminho da vida é difícil.
Ao se deparar com um obstáculo, saiba dar um passo atrás.
Ao avançar sem problemas, deve-se abrir Caminho para os que vêm atrás.

36.
Ao lidar com os maus, não é difícil ser correto, difícil é não odiá-los.
Ao lidar com os sábios, não é difícil ser respeitoso, o complicado é agradá-los.

37.
Conserve a simplicidade natural, não busque o sofisticado, e deixe uma influência pura no mundo.
Se satisfaça com o simples, abandone os luxos, e deixe um nome puro no mundo.

38.
Para conquistar os demônios, primeiro conquiste o próprio coração. Quem conquista seu coração, submete os demônios.
Para controlar a violência, primeiro se controlam os motivos. Se o espírito estiver calmo, a violência externa não poderá invadi-lo.

39.
Ensinar as crianças é como educar boas moças; o mais importante é mostrar a sabedoria de escolher boas amizades.
Ser íntimo dos maus é como jogar má semente em boa Terra; com o tempo, a colheita será arruinada.

40.
Ao estar de posse de coisas materiais, não se apresse a tê-las em demasia. Fazer isso o jogará num poço profundo e difícil de sair.
Ao estar de posse da virtude, não retroceda nem um passo diante das dificuldades. Fazer isso o levará longe, a mil montanhas de distância.
(continua)

* O Cai Gen Tan菜根譚foi escrito no século XVI pelo erudito Hong Yingming 洪應明 (ou Hong Zicheng洪自誠, 1572-1620), próximo ao final da dinastia Ming大明 (1368-1644). (…) Hong buscava estabelecer uma analogia entre as três grandes correntes do pensamento chinês em sua época: Confucionismo, Daoísmo e Budismo Chan (Zen). O livro de Hong é uma apresentação de trezentos e sessenta aforismos sobre os mais diversos aspectos da vida, sempre baseado nos ensinamentos das três grandes linhas

19 Jan 2023

Reflexões sobre a simbologia animal no Zodíaco Chinês – Ano do tuzi 兔子 (2023)

Ultimamente, académicos chineses e “ocidentais” têm debatido o papel dos animais na história e a forma como o mundo zoológico foi apercebido no passado remoto. Alguns especialistas têm argumentado que os antigos gregos tentavam entender a fauna de uma forma tal como ela é, enquanto os chineses ancestrais relacionavam os animais com um conceito cósmico mais alargado. Afirmavam que relacionar as aves e outros animais com os cinco elementos das forças do Yin e do Yang, impedia os antigos chineses de definir as differentiae zoológicas baseadas na observação biológica e na análise rigorosa dos animais em si mesmos.

Tal ponto de vista é, naturalmente, muito unilateral. A grande variedade de termos para designar os animais, encontrada em textos chineses tradicionais – que incluem diversas obras dos períodos Zhou, Qin e Han – sugerem que os chineses de outrora tinham efectivamente um amplo conhecimento da fauna. Se virmos os antigos trabalhos lexicográficos, datados da época Han – o Erya 爾雅 e o Shuowen jiezi 説文解字 – torna-se claro que os académicos da época levaram a cabo uma enorme tarefa de classificação dos animais de acordo com a sua aparência, comportamento, entre outros factores. Mencionemos apenas um exemplo: Muitas criaturas receberam nomes com o elemento 鼠. Este caracter, que se pronuncia shu, aplica-se a ratazanas e a ratos. Consequentemente, aparece em caracteres complexos usados para roedores.

Obviamente, hoje em dia não conseguimos identificar todos os nomes de animais mencionados nos textos tradicionais chineses. Em muitos casos, são apenas nomes genéricos. Isso significa que não os podemos atribuir a famílias animais específicas, definidas pela taxonomia moderna. e também é geralmente difícil associar estes nomes a espécies individuais. As variantes regionais constituem outro problema. Na antiga China, encontramos várias línguas e dialectos. Daí, por vezes, alguns textos dão dois ou três nomes à mesma criatura, ou ao mesmo grupo de animais, e não podemos determinar exactamente qual a origem regional desta nomenclatura.

Não obstante, temos de admitir que os conceitos cósmicos desempenhavam um papel importante no passado da China e que o mundo animal, além de não ser examinado de um ponto de vista proto-zoológico, muitas vezes era percebido como um estrato de um todo muito maior. Um dos aspectos desta percepção é a emergêcia gradual do zodíaco animal, com as suas doze criaturas, designado em chinês por shi‘er shengxiao 十二生肖. Este ciclo liga-se ao calendário tradicional chinês e à astronomia, a diferentes formas de adivinhação e a outras características que moldavam a vida quotidiana na China antiga.

Infelizmente, já não conseguimos reconstituir o gradual aparecimento do zodíaco animal. Só podemos afirmar o seguinte: A sua forma original não era idêntica ao ciclo actual. Alguns dos animais, que hoje o integram, não estavam presentes nas primeiras versões. Além disso, encontramos ciclos comparáveis em muitas partes da Ásia, mas que frequentemente diferem do zodíaco chinês. Em segundo lugar, interrogamo-nos porque é que animais com que estamos familiarizados não estão presentes no zodíaco chinês. Por exemplo, como é que se pode explicar a ausência das aves? A única que se encontra no zodíaco actual é o galo (ji 鷄). Mas porque é que o pato não está presente neste ciclo, nem os grous, tradicionalmente entendidos como símbolo de longevidade? Podemos explicar a ausência do gato pelo facto, muito provável, deste animal só ter sido domesticado muito tempo depois. Além disso, a ausência do veado e do urso pode significar que o ciclo actual surgiu em regiões onde estes animais raramente eram encontrados.

Os elefantes e os rinocerontes também não aparecem, pelo que deveremos excluir categoricamente a China do Sul e a China Central como pátrias do ciclo actual? Pode acrescentar-se que, nos tempos ancestrais, ambos os animais podiam ser encontrados nestas regiões.

Outra questão importante é a seguinte: Embora as pessoas decorassem as sepulturas com animais do zodíaco, e embora os encontremos em inúmeros espelhos de bronze do período Han, aparentemente os chineses antigos raramente acreditavam em espíritos animais. Na generalidade, esta crença só foi divulgada posteriormente. Assim, no período Tang, as pessoas temiam o espírito dos gatos. As narrativas de raposas, que se transformavam em belas mulheres para seduzir estudiosos inocentes, eram também comuns nessa época. No entanto, a raposa não tem nada a ver com o zodíaco. O mesmo se aplica ao lobo, outro animal importante na tradição asiática.

O lobo transporta-nos ao Norte asiático, onde se encontram cultos totémicos. Aparentemente, tais cultos não eram importantes na antiga China. Locais e etnias individuais raramente relacionavam o seu aparecimento e segurança com animais ou divindades animais. No entanto, e por outro lado, os animais tornaram-se símbolos de todos os tipos de coisas. As pessoas pensavam que o comportamento animal reflectia as condições sociais, o bom ou o mau desempenho de Reis e Imperadores e as relações complexas entre o Céu e a Terra. Assim sendo, nos anos maus, certos animais apareciam na estação errada, e nos anos bons não acontecia nada de especial, ou então as pessoas avistavam pássaros e outros animais que representavam uma governação equilibrada e harmoniosa. Tais crenças deram lugar ao aparecimento da “Fénix” e de outras criaturas idealizadas.

Outra questão a ter em conta é a metamorfose. É óbvio que os antigos chineses devem ter reparado nas transformações dos insectos. Presumivelmente, baseados nestas observações, chegaram à conclusão que os mamíferos e as aves também se podiam metamoforsear. Isto, por sua vez, podia estar relacionado com condições e ciclos sazonais, bem como com padrões éticos e morais. Finalmente, sabemos que os antigos chineses atribuíam certas características humanas ao mundo animal. Isto implicava que alguns indivíduos e os seus comportamentos eram comparados, ou identificados, com um animal em particular, com o seu presumível temperamento e com as suas características físicas observáveis.

Em suma, os antigos chineses abordavam e faziam uso da fauna de muitas e variadas maneiras. Uma análise cuidada das fontes escritas aponta para a existência de conceitos biológicos, mas também revela elementos religiosos e “ecológicos”, princípios cósmicos e outras facetas associadas ao mundo animal.

Agora podemos regressar ao zodíaco animal. A 21 de Janeiro de 2023, a China entrará no “Ano do Coelho”. Em inglês “year of the rabbit” e em espanhol “año del conejo”. O termo chinês é tuzi nian 兔子年. Porque é que menciono os diferentes idiomas? Alguns dicionários antigos – por exemplo, o de R. H. Mathews – diz-nos que, este será o “year of the hare” (ano da lebre). A tradução alemã convencional de tuzi nian é “Jahr des Hasen”; “Hase” significa “lebre”.

Por isso, qual é a verdadeira tradução de tuzi nian: “ano do coelho” ou “ano da lebre”? O zodíaco actual, como podemos ver, não é de forma alguma claro.

Na verdade, a zoologia moderna não nos ajuda a resolver o puzzle. A actual taxonomia associa duas famílias à ordem dos Lagomorpha (Tuxingmu 兔形目): (1) Os Leporidae (coelhos, lebres) e os (2) Ochotonidae (picas, etc.). Existem vários géneros dentro de cada família e várias espécies dentro de cada género. Em chinês, a família Leporidae recebe o nome de Tuke 兔科 e os Ochotonidae são chamados de Shutuke 鼠兔科. O último termo é interessante porque associa ratos/ratazanas (shu) com coelhos/lebres (tu). Isto não é nada rebuscado, porque os animais pertencentes a essa categoria agrupam hamsters e outros pequenos roedores, que têm focinhos que em muito se assemelham aos coelhos e às lebres.

A zoologia também nos diz que diversas espécies das duas famílias se encontram com abundância em várias partes da China. Possivelmente, devido a mudanças climáticas, o habitat destas espécies mudou ao longo da história. Assim, não se sabe ao certo se a espécie Lepus sinensis (Huanantu 華南兔) esteve sempre restrita à região a sul do Rio Yangzi River, como o seu nome científico sugere, ou não. Da mesma forma, o Lepus capensis (Caotu 草兔) pode não ter sido tão comum como é na actualidade. Assim, devemos voltar a perguntar: O que é que designava o termo tu na antiguidade, quando o coelho/lebre entrou no zodíaco animal?

Sobre este assunto não existem certezas: Não podemos dizer com exactidão quando, onde e porquê o tuzi começou a fazer parte dos doze animais do ciclo. Textos chineses antigos como o Shi jing 詩經, o “Livro dos Cantares”, mencionam o tuzi, mas não conseguimos encontrar os atributos deste animal claramente definidos – ou seja, características que nos permitam estreitar as possibilidades de pertencer a um pequeno número de espécies.

O Shanhai jing 山海經, ou “Livro das Montanhas e Mares” e outras obras famosas com raízes muito antigas também mencionam o tuzi. No entanto, mais uma vez, enfrentamos os mesmos problemas ao tentar equiparar esta criatura com uma das categorias zoológicas actuais. Além disso, os estudiosos sugeriram datas diferentes para muitos textos antigos, o que torna extremamente difícil a reconstrução da trajectória do tuzi através dos tempos. As provas arqueológicas são igualmente vagas. O tuzi aparece em documentos do período Shang (cerca de 1050 AC), e temos vasos antigos de bronze, e outros objectos manufacturados, decorados com coelhos/lebres, mas não se pode adiantar muito mais sobre o papel destes animais na antiga civilização chinesa.

A questão tuzi mostra como é difícil lidar com o ciclo animal chinês. Tornou-se moda usar este ciclo para uma infinidade de coisas e, hoje em dia, as pessoas citam muitas histórias mais recentes que associam o tuzi à Lua, ao elemento Yin, e a outras dimensões, mas o simbolismo original ligado a este animal permanece desconhecido.

Actualmente, o tuzi está associado à rapidez na acção, à inteligência e à diplomacia. Além disso, em alguns lugares associa-se o coelho/lebre à fertilidade. Os antigos romanos associavam-no a Afrodite e pertencia também à esfera de Dionísio. Sem dúvida, as potencialidades eróticas permanecem bem vivas: as coelhinhas da Playboy são disso um excelente exemplo.

Não conseguimos dizer até que ponto eram importantes as características reprodutivas do coelho/lebre na antiga China – ou mesmo se tinham qualquer importância. Talvez houvesse variações regionais e os rituais relacionados com o tuzi não passassem de histórias que circulavam para trás e para diante na antiga Rota da Seda. Será este argumento válido para excluir certas espécies, especialmente as picas, a candidatos ao tuzi “original”?

É evidente que a questão do tuzi tem pano para mangas. Milhares de videntes profissionais ganham a vida a interpretar o ciclo animal e a oferecer os seus serviços a todo o tipo de clientes. Na verdade, a multiplicação “tipo coelho” da economia e de outros elementos determinam o incremento do capitalismo. Assim, podemos embelezar este artigo adicionando alguns dados biográficos: Lionel Messi (*!987) nasceu num ano tuzi. O mesmo aconteceu com Albert Einstein (*1879). De acordo com a interpretação popular, isto aponta para velocidade e capacidade fora do vulgar.

Macau também é “coelho”. Pedro José Lobo (*1892, no final de um ano tuzi) encontrava-se entre os empresários e políticos mais bem relacionados. Muitas obras contam-nos que ele contribuiu muito para a sobrevivência de Macau durante a 2ª. Guerra Mundial, quando a cidade, apinhada de refugiados, passou por um período de sofrimento extremo. Finalmente, aqueles que acreditam com convicção nas semelhanças entre homens e animais, podem lembrar-se da questão das características físicas e da aparência: Hans-Dietrich Genscher, um antigo ministro alemão dos Negócios Estrangeiros (*1927), respeitado mundialmente por ser perspicaz e diplomático, era conhecido pelas suas orelhas particularmente grandes.

18 Jan 2023

Breve introdução à vida e obra de Tao Yunming

“Não há muitos anos, os deuses da poesia decidiram convidar os maiores poetas da China para um banquete de príncipes e letrados, algures num terraço entre nuvens pendurado numa das montanhas mágicas do velho Império do Meio. Vieram Qu Yuan (343 – 278 a.C.) nostálgico e triste, Tao Yuanming (365-427), precocemente envelhecido, sereno, sobraçando um ramo de crisântemos, Li Bai, (701-762), imortal no exílio, com uma botija de vinho (…)”
António Graça de Abreu ,
in Prefácio, Poemas de Han Shan

 

A. Vida

Alguns sinólogos europeus chegam a falar de Idade Média para caracterizar o período da História da China que fica situado entre o fim da Dinastia dos Han (220 d. C.) e a breve dinastia dos Sui (589 d.C.). Esse período que, como disse, chega a ser classificado de uma verdadeira Idade Média da história chinesa é mais vulgarmente designado por Época das Seis Dinastias; liu chao, se as entendermos como sendo as Seis Dinastias puramente chinesas (han) do Sul ou Nan bei chao, se as considerarmos as Dinastias do Sul e do Norte. Bem a meio desta época, de intensa divisão nacional e por isso também muito conturbada, viveu o poeta Tao Yuanming, mais concretamente entre 365 e 427.

Tao Yuanming nasceu em Chaisang, no sopé Noroeste da montanha Lu. Se bem que Tao Yuanming seja muito mais um poeta do Tempo do que do Espaço, tudo leva a crer que o fascínio do lugar terá desempenhado um papel importante tanto na formação da sua sensibilidade como nas oscilações permanentes do seu modo de vida.

Assim, se Tao Yuanming acedeu ao mandarinato com a idade de 28 anos, a verdade é que interrompeu esta actividade muitas vezes. Em todas elas é possível estabelecer uma relação entre essas interrupções e profícuos regressos ao campo. E estes regressos ao campo são mesmo escolhidos pelos estudiosos da sua obra como marcos referenciais da sua evolução poética.

Durante o primeiro regresso ao campo (400-401) ele escreveu Voltando à minha antiga morada, poderoso poema onde a alegria se mistura com a angústia.

O segundo regresso ao campo (402 a 404), por ocasião do luto por sua mãe, corresponde, sabe-se, ao período provavelmente mais tranquilo da vida do poeta, período durante o qual escreveu os vinte poemas subordinados ao tema do vinho. Se alguma vez Tao Yuanming foi feliz terá sido durante este segundo regresso ao campo e pelo menos por três motivos. Antes do mais porque o evento do luto, permitindo-lhe um prolongado retiro o poupou aos acontecimentos sangrentos desencadeados pela rebelião de Huan Xuan contra o poder imperial, que só acabou quando Liu Yu, que se manteve fiel ao imperador, debelou a rebelião e restaurou a dinastia Jin. Em segundo lugar porque ao longo destes anos o poeta se exercitou nas práticas agrícolas, tão do seu agrado. Finalmente, porque embora hesitando ainda entre o mandarinato e a agricultura, ele adquiriu, durante este retiro, a consciência inequívoca da sua condição de poeta, tal foi o volume da sua escrita nesta época.

Segue-se o ano de 405, tão terrível, que no ano seguinte começará o retiro definitivo do poeta, cuja primeira parte vai de 406 a 412 e cuja segunda parte culminará na sua morte em 427.

O Grande Retiro que vai afinal de 406 a 427 será poeticamente inaugurado pelo célebre poema longo precedido de uma introdução não menos longa e intitulado Finalmente regresso a casa. Este é provavelmente o mais emblemático poema da obra de Tao Yuanming, pois nele o poeta explana de forma sistemática a sua ideologia de retiro, culto pela humildade e modéstia.

Antecipando-me a considerações que farei mais adiante, pergunto-me. Qual a natureza da motivação destes retiros, tão decisivos tanto na vida quanto na obra do poeta. Tradicionalmente enfatizam-se duas formas de aproximação: A hipótese do princípio moral e a hipótese da inclinação. Recusa da corrupção do regime ou eremitismo confuciano por um lado ou vocação campesina por outro. Por mim, como se verá, inclinar-me-ei mais no sentido de uma espécie de Pastoral on the Self, de grande modernidade e onde o retiro é colocado ao serviço de desígnios literários, embora estes desígnios literários sejam inseparáveis de uma posição moral onde a vida simples é promovida em detrimento da vida palaciana.

B. Obra

I. Generalidades

1. Apontamentos históricos comparativos

Haverá provavelmente uma afirmação que se pode fazer sem correr grandes riscos, a de que Tao Yuanming ou Tao Qian, como se preferir, é o mais aclamado poeta chinês anterior à grande época poética da História da China que foi o período da Dinastia Tang. É um dado adquirido que entre os séculos VII e X (618-907), a China conheceu o apogeu de uma tradição poética que contudo possuía já todos os seus alicerces. E um desses alicerces foi sem dúvida o grande Tao Yuanming. O poeta da reclusão cultivou todos os grandes temas da tradição poética chinesa e fê-lo em grande estilo. É portanto também um dado adquirido que antes da época que imortalizou figuras como Li Bai, Wang Wei, Bai Juyi, Du Fu, Han Shan, Jia Dao, Li He, e cito apenas os mais consensuais, costumam referir-se sempre dois grandes poetas, que podem ombrear pela qualidade da obra com estes grandes vultos. Estou a referir-me ao poeta Qu Yuan que viveu entre os séculos IV e III anteriores à nossa era; e claro a Tao Yuanming que viveu como já vimos entre os séculos IV e V da nossa era.

Sabe-se ainda que Tao Yuanming tentou bastantes vezes afeiçoar-se a uma carreira de funcionário por necessidade e, eventualmente, pelo pudor que sentia atendendo ao facto de poder ser condenado por levar uma vida demasiado ociosa; mas jamais por vocação, pois essa estava reservada exclusivamente à poesia e à vida campestre, como aparece claro em muitos momentos da sua obra. Até que definitivamente venceu a propensão do poeta para uma vida retirada, discreta e em larga medida contemplativa.

E digo ‘em larga medida’ porque, de facto, o seu retiro foi sempre acompanhado de afazeres rurais, pequenas coisas contudo, mais jardinagem do que agricultura propriamente. Se eu tivesse que — à semelhança dos modelos ocidentais — situar Tao Yuanming no quadro de uma pastoral do retiro, situá-lo-ia mais no domínio da bucólica do que na geórgica, uma vez que os trabalhos agrícolas têm o sabor de uma evasão e jamais a carga muito ocidental e cristã de ganhar a vida com o suor do rosto. A geórgica ocidental evoluiu rapidamente do didactismo de Os Trabalhos e os Dias de Hesíodo e das Geórgicas de Virgílio, ainda didácticas mas já muito poeticamente sublimadas, para uma perspectiva pós-adâmica e portanto pós lapsária (após a queda), em que o trabalho, mesmo quando em contacto com a natureza, ganha o sabor de um castigo, que nunca tem por exemplo na obra de Tao Yuanming. Nem didactismo, a não ser moral, nem castigo e sofrimento, antes evasão e entretenimento.

Mas a verdade é que há trabalho rural e por vezes chega a ser do fruto desse trabalho que o poeta sobrevive. E mesmo assim eu acho que se trata de um trabalho evasivo, concebido como interlúdio entre o qin e os livros, afinal tão lúdicos uns quanto os outros.

Mas, por outro lado, o trabalho da terra, o trabalho em contacto com a natureza possui sempre o valor de uma purificação e de uma regeneração. No Ocidente esta purificação e esta regeneração têm tendência a dramatizar-se religiosamente numa economia complexa do bem, do mal e da culpa. Na China não me parece. E esse trabalho rural, quando não possui as características referidas, não possui senão o valor de uma purificação moral e de um complemento saudável ao trabalho espiritual. Convenhamos que há mais idílio e bucolismo do que qualquer outra dimensão pastoral1.

Atrevo-me contudo a pensar que em Tao Yuanming haveria também uma espécie de auto-consciência pragmática de que o regresso ao campo poderia favorecer e potenciar as energias criativas, no caso dele poéticas sobretudo, e nesse enquadramento psicológico, muito particular, poderíamos falar também de uma Pastoral On The Self, que na Europa culmina no século XVIII mas que teve em Petrarca provavelmente o primeiro teórico e a primeira forma de realização. Lembremo-nos do que Petrarca disse, na época em que já se havia decidido pelo seu retiro em Vaucluse, em a Posteritati: “(…) Encontrei um pequeno vale, solitário e ameno chamado Vaucluse, a quinze milhas de Avignon.

É lá que nasce o Sorgue, duma fonte que é a rainha de todas as fontes. Encantado pelo charme deste lugar, instalei-me aí com todos os meus livros (…)”2. E também o que pela mesma época confessava a um amigo: “Esperando curar na frescura destas sombras o meu ardor juvenil que, tu o sabes me queimou durante tanto tempo, eu tinha o hábito de me refugiar muitas vezes aqui desde a minha adolescência, como numa fortaleza inexpugnável”3.

E, esta evocação ganha ainda mais sentido se tivermos em conta que Tao Yuanming cultivou com denodo uma sempre continuada procura da solidão. Ora, Vaucluse é antes de tudo o mais, parece-me, a fundação do mito da vida solitária, que irá marcar a cultura ocidental até aos nossos dias. Menos de dez anos depois da sua chegada a Vaucluse, Petrarca escreveu o tratado De Vita Solitaria, que entretanto dedicou ao seu amigo Philippe de Cabassole que possuía um castelo sobre um dos flancos do vale.

O carácter de isolamento assim como o pragmatismo da escolha do lugar é referido pelo poeta de uma forma inequívoca em 1351 num epigrama que enviou a Philippe de Cabassole: “Não há lugar sobre a terra que me seja mais querido que Vaucluse, nem lugar afastado que seja melhor adaptado aos meus estudos”4. A prova de que a escolha do lugar não só obedeceu a esse critério, mas ainda que tal escolha foi bem sucedida, está na extrema produtividade do poeta durante o tempo que ali residiu. Aí de facto começou e acabou pelo menos numa primeira versão, obras tão importantes como: o De Vita solitária que já referimos, o De Otio religioso, o Secretum, além de numerosas éclogas do seu Bucolicum Carmen, cartas, epístolas e ainda a segunda versão do Canzoniere.

Em muitas outras circunstâncias e textos encontramos esta apologia da vida solitária como o ideal para que o poeta possa prosseguir o seu trabalho de reflexão. Não nos admira, uma vez que isso está de acordo com o que ele pensava da vida agitada das grandes cidades como Avinhão a quem ele chamou depreciativamente a grande Babilónia, assim como das actividades que preferencialmente aí se desenvolvem: o negócio o carreirismo politico ou eclesiástico com o seu cortejo tradicional: ganância, orgulho, vazio existencial, baixeza, imoralidade, etc. E está ainda de acordo com as suas grandes paixões culturais à cabeça das quais é justo colocar a Filosofia estóica em geral e o grande filósofo romano Séneca em particular. Muitas vezes, ao ler Tao Yuanming, eu senti que nele se exercita a mesma aversão pela cidade e pelas actividades que aí predominam.

Ora as comparações valem o que valem e quando são tão diferentes as situações, quer no tempo quer no espaço, devem ser olhadas com parcimónia. Mesmo assim não deixo de enfatizar algumas coincidências:
— A procura da solidão.
— O reconhecimento de que o retiro liberta tempo e paz para a criação.
— O discurso sobre as babilónias deste mundo. Lugares que perturbam a tranquilidade, corrompem moralmente, e até alienam aquilo que é essencial.
Curiosamente, porém, é o facto de que tanto em Petrarca como em Tao Yuanming predomine uma certa tensão entre elementos clássicos e elementos maneiristas e barrocos, continuando a utilizar as categorias temáticas e periodológicas europeias. (continua)

17 Jan 2023