Olímpicos. E Macau?

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]grande tema de destaque deste mês são os Jogos Olímpicos, que se realizaram no Rio de Janeiro, e não podia deixar de abordar este tema. Até o nosso Secretário Alexis Tam foi aos Jogos, mesmo que nenhum atleta de Macau tenha participado na competição.
É difícil não criticar o facto de se estar a desperdiçar dinheiros públicos para organizar a visita de uma delegação de “amigos” ao Rio de Janeiro, incluindo os subordinados José Tavares, Alex Vong e o deputado Chan Chak Mo. Foi dito que estão ligados ao desporto olímpico e que a sua participação visa “fortalecer as relações com outros países de raiz portuguesa e ganhar experiência para promover a actividade desportiva em Macau”.
Senhor Secretário, considera que a sua participação em jogos tão importantes pode fazer com que os atletas de Macau participem nos Jogos Olímpicos da próxima vez, mesmo que Macau não faça parte do Comité Olímpico Internacional? Ou a participação serve apenas como visita pessoal?
Não me parece que as pessoas de Macau vejam muito os Jogos Olímpicos, os quais quase não têm uma relação directa com o território. Quem vê gosta de admirar os atletas estrangeiros ou está interessado nas modalidades. Uma outra parte talvez aplauda os atletas de nacionalidade chinesa quando ganham prémios e se levanta a bandeira nacional. Apesar de tudo, sinto que usamos uma identidade e o papel de quem está “de fora” a ver os Jogos, porque não fazemos parte e não podemos apoiar a “nossa equipa”. MBDRUBR EC003
Talvez haja quem considera que este pequeno território, com apenas 30 quilómetros quadrados, possa ter atletas com nível internacional, nem que seja possível termos o bilhete de acesso aos Jogos Olímpicos. A culpa não pode ser só da falta de apoio ou de estímulo ao desporto pelo Governo, mas sim a estrutura da sociedade e economia.
Há imensos jovens de Macau que gostam de praticar desporto. No entanto, desporto significa para muitas pessoas um interesse ou um hábito para preencher os tempos livres. Raramente o desporto é considerado uma profissão, ou não se vêem muitas perspectivas nesse sentido.
Os pensamentos dos nossos pais – ter um trabalho fixo e ganhar mais dinheiro – ainda passam de geração em geração, pelo que é difícil a uma pessoa de Macau tornar-se um atleta profissional, como a famosa atleta de triatlo, portadora de deficiência auditiva, Lorna Hoi (Hoi Long). Esta já venceu vários prémios em competições internacionais e nunca está ausente das competições locais. Numa entrevista assumiu, contudo, que não encara o desporto como uma profissão, nem nunca esperou ganhar dinheiro ao participar em competições. Actualmente, Lorna Hoi (Hoi Long) é funcionária pública.
Outro factor triste é que em Macau há falta de espaços para treino de atletas. Para além dos campos de futebol ou de piscinas, nunca ouvi falar da existência de, pelo menos, um local para o treino de ciclistas, já para não falar de outras modalidades.
“Macau mantém a ambição de fazer parte do Comité Olímpico Internacional”, disse o chefe de gabinete de Alexis Tam. É bom ter ambição e esse é um desejo para muitas pessoas em Macau, mas não há uma data para que isso possa acontecer.

23 Ago 2016

Porque é que Chui Sai On não vai limpar a praia?

*por Fa Seong 花想

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]os últimos tempos os temas quentes de Macau estão mais focados nos terrenos: a Fábrica de Panchões Iec Long, o La Scala, o Canídromo… tudo um pouco afastado de um tema que também nos interessa, um outro recurso também importante da nossa vida: a água.
Contrariamente, a cidade vizinha de Hong Kong tem-se focado na poluição marinha, face a alguma polémica. O problema tem sido tema, principalmente após a iniciativa do Chefe do Executivo da RAEHK, C.Y. Leung, que liderou um grupo de governantes para irem juntos limpar uma praia de Hong Kong, há várias semanas. Com uma temperatura de mais de 34 graus, este líder do Governo teve vontade de limpar a praia porque disse ter ficado “comovido” pelos grupos de voluntários que, quando é preciso, limpam as praias de Hong Kong e enfrentam as “ondas” de lixo trazidas pelas inundações do interior da China. O objectivo é que os cidadãos participem mais nestas actividades amigas do ambiente.
Mesmo que haja notícias na imprensa desta região a apontar que viram trabalhadores da limpeza a tratar do lixo na praia com antecedência, para que os governantes as pudessem limpar mais facilmente – levantando a suspeita que os dirigentes fizeram apenas um show – e mesmo que outros considerem que o acto do Governo em nada contribuiu para salvar o ambiente, eu aplaudo a iniciativa. Até porque isso não aconteceu em Macau e penso que deve acontecer.
Sem o Chefe do Executivo, sem os governantes, as praias de Macau estão apenas a ser limpas por uns mini-grupos locais, com a participação de muito poucos cidadãos. O mais recente exemplo é a actividade de limpeza da praia em Coloane, ocorrida no domingo passado e realizada pelo grupo Greenfriends Macau – um grupo criado no Facebook que reúne pessoas que gostam de caminhadas, praias e espaços rurais. Esta actividade reuniu apenas dez participantes mas recolheu 72 quilos de lixo, sendo a maioria garrafas e recipientes plásticos. No entanto, além desse lixo, há imenso esferovite destruído e espalhado em toda a praia, que é quase impossível de ser limpo.
Ainda este ano, uma outra actividade que reuniu mais forças aconteceu no Dia Internacional do Ambiente, em Junho, quando a União Macau Green Student, a Universidade de São José e o Instituto Politécnico de Macau reuniram 150 voluntários e limparam 290 quilos de lixo em três praias de Macau.
Mas tanto as praias de Macau, como as de Hong Kong vão continuar a enfrentar o problema da poluição, não só por causa das inundações mas também por causa das obras contínuas da Ponte Hong Kong-Macau-Zhuhai. É triste: já não podemos ver golfinhos – só conseguimos ver cadáveres de golfinhos encalhados – no mar entre as duas regiões. Só podemos pisar lixo quando passeamos na nossa praia, onde também não é possível nadar.
Chui Sai On, por vontade própria ou imitando a iniciativa de Hong Kong, deve também ir limpar as praias de Macau, sentindo o nível da poluição e dando o exemplo de forma pioneira, para educar outros governantes e cidadãos a reforçar a consciência e a necessidade de diminuir o volume de lixo, bem como de manter o ambiente limpo.
Depois, poderíamos referir a experiência da Coreia do Sul: oferecer subsídios aos pescadores e incentivá-los a ajudar a limpar o lixo no mar. Acredito que isso pode ser outro plano de apoio para os pescadores de Macau durante o período de defeso da pesca, além do plano anual de formação.

29 Jul 2016

Os sons nunca ouvidos

*por Fa Seong

[dropcap style=’circle’]M[/dropcap]acau, esta pequena cidade próspera e internacional, aparentemente tem tudo: grandes receitas, grandes casinos, grandes edifícios de luxo, segurança social, qualidade de vida (para alguns), pessoas de diferentes países… Mas o facto é que um espaço não pode ser meramente os seus aspectos especiais, os não vulgares, ou que apenas não trilham o caminho comum.
É triste, bem triste, quando ouço que determinadas lojas vão fechar a porta em Macau. Não estou a falar de lojas de marca, nem restaurantes que ofereçam set lunch para aumentar o volume de negócios, mas sim lojas que vendem artigos antigos, produtos criativos e artísticos, ou desta vez, uma loja onde se vendiam discos de música independente. E é este o foco desta minha crónica.
Chama-se Pin-to Música e é (ou era) uma loja escondida no Leal Senado. A entrada e o corredor do edifício onde fica é sempre utilizada por uma sapataria do primeiro andar para colocar cartazes e promover a sua mercadoria “tão barata” (99 patacas). Paisagens que nada combinam com a livraria Pin-to, mesmo no outro lado da sapataria, nem com a loja de música do andar de cima.
Não sei se algum dos caros leitores já teve a oportunidade de ir a essa loja de música, que tem precisamente dez anos de história. A livraria até é conhecida pelas pessoas de Macau – pelos menos todas as vezes que fui lá não fui a única cliente, havia vários outros a escolher livros, a ler livros no sofá ou a brincar com os dois gatos que lá habitam).
Regressei à Pin-to Música há mais de meio ano. O espaço pequeno e super calmo, é um sítio onde se pode ouvir música bem especial: electrónica, Jazz, clássicos experimental… Mesmo que sejam tipos de música que não costumo ouvir nem conheço bem, no momento em que entrei na loja senti-me confortável e especial. Acho que se deve ouvir música sem limites e, com a minha curiosidade de sempre, gosto de conhecer diversos tipos de música.
Mas a página do Facebook da loja trouxe notícias tristes na semana passada. A Pin-to Música vai fechar a porta no fim deste mês, porque o senhorio não renovou o contrato de arrendamento.
“(A abertura da) Pin-to Música foi uma decisão pessoal, caprichosa e inoportuna. Felizmente, nestes anos, a música funciona de acordo com os seus passos. Mas finalmente vamos sair deste pequeno espaço que conseguimos com esforço há dez anos”, escreveu o dono no facebook.
Sem hesitar muito, essa novidade motivou-me a dar mais uma volta à loja. Como de costume, na Pin-to Livros havia vários clientes, mas ao entrar na Pin-to Música, apenas estava a funcionária, sozinha, com a música.
Era para conversar com o dono mas ele não estava, pelo que acabei por falar com a funcionária. Pedi para que me recomendasse uns CDs, preferencialmente de música bem ligeira, e ela apresentou-me uma cantora de Inglaterra e um CD de mistura de piano, guitarra e outros instrumentos.
Durante a escolha, aproveitei para conversar com a jovem funcionária. Para ela, ali não há diferença entre os dias úteis e os fins-de-semana, porque todos os dias são iguais – com poucos clientes. Ela compreende, porque considera que em todo o mundo o mercado de livraria é sempre maior do que o da venda de CDs.
Quis saber qual é o plano depois do fecho da loja, mas a funcionária não quis falar mais sobre isso. Só através do Facebook consegui saber mais. Para o dono, a abertura da loja foi um “acto experimental”. Queria saber como é que neste mercado de música tão pequeno em Macau, as músicas que ele escolhe trazem repercussões ou ressonâncias. Confia que “cada pessoa, desde que aberta a isso, pode sentir a beleza de música” e é possível encontrar amigos do peito mesmo que se goste de música tão pouco popular. E isso tornou-se até o lema que ensinou aos seus funcionários: “apresentar músicas pouco populares com uma atitude amigável”, partilhou no Facebook.
Aprecio muito o espírito do dono: tem recursos limitados e enfrenta este mercado de “lei da selva” (em chinês弱肉強食), mas conseguiu fazer o que gosta, contrariando a regra de criar negócios iguais aos outros e dando, ao mesmo tempo, oportunidade para que sons pouco conhecidos pudessem “estrear” neste território.
“Há quem considere que aquelas músicas são tão insignificantes que não têm nenhuma força de influência, mas para nós deixar aquelas músicas expressarem-se é o significado da abertura da loja”, disse.
Como não sei se posso ainda passear numa loja de música deste estilo comprei ambos os CDs que a funcionária recomendou e tentei mudar um pouco o hábito de, quando quero ouvir música, abrir o YouTube ou uma aplicação no telemóvel. Regressei a um momento que me faz feliz: pôr o CD na aparelhagem durante uma tarde preguiçosa.

15 Jul 2016

Nascer para competir?

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ou o tipo de pessoa que pensa e reflecte muito, por mim e pelos outros, por tudo ou por nada. “Fa Sheng” em Chinês é qualquer coisa como “pensamento floreado”. E eu estou sempre a pensar.
É com muito prazer que vos apresento esta minha coluna de opinião. Estreio-me com um assunto bem quente. Há pouco tempo explodiu nas redes sociais o caso de uma mãe que já está a trabalhar para o sucesso do seu filho, quando este ainda nem sequer nasceu. Sim, a criança ainda está dentro da barriga da sua progenitora e a mãe já está a planear a sua vida. Ainda assim, nota a publicação, a mãe acha que já vai tarde. A preparação, diz, deveria começar antes sequer de ficar grávida.
O caso suscitou uma enxurrada de opiniões. O tema ocupa espaço ainda num programa produzido pelo canal televisivo chinês de Hong Kong, a TVB, que pretende, de forma bem irónica, retratar este tipo de casos. Os pais assumem, pelo canal, o papel de “monstros” da organização, dos preparos, do futuro dos seus filhos, que ainda bem pequeninos já têm de saber coisas que só dizem respeito, ou deveriam dizer, aos adultos. Que só eles sabem e que é inútil às crianças.
No programa, existem uma mãe e uma criança de quatro anos. A progenitora prepara a sua filha para aprender várias línguas, para além da língua materna. Mas não só. É preciso ainda dominar a matemática, a dança, o piano e, ao mesmo tempo, ser master em programação. Os pais acreditam que com mais conhecimentos, capacidades, qualificações e, até, prémios, os miúdos ganham um estatuto que lhes permite entrar numa escola de renome e alta qualidade. Chega-se ao ponto de uma mãe exemplificar que existem escolas – “conhecidas e boas” – que apenas admitem alunos que tenham nascido em Janeiro, portanto é preciso pensar que para o filho ter sucesso tem de se calendarizar a ejaculação do pai. Não vão as contas baterem errado.
Acredito piamente que esse conceito existe também entre os pais de Macau. Vejo que as famílias mais abastadas metem sempre os seus filhos em escolas consideradas as melhores. Pensam que podem ter melhor formação, ou apenas querem mostrar aos outros pais que os filhos são alunos de boas escolas. Escolas que normalmente ensinam em Inglês ou Português. Escolas como a Pui Ching, que é considerada muito boa, mas cujos alunos já foram descobertos a roubar em lojas e a matar animais na rua. (Devo dizer que esta situação é muito mais notória em Hong Kong).
No caso que menciono das redes sociais, a mãe já está a sofrer por causa da questão das creches. Qual será aquela que o seu filho poderá frequentar? A progenitora já se está a comprar livros e álbuns de músicas – tudo em Inglês – e vai lendo para o seu filho para que ele – ainda dentro da barriga – comece a ficar familiarizado com a língua…
Mais vale prevenir do que remediar, porque no caso desta mãe, o seu filho mais velho não foi muito bem sucedido na entrevista para o jardim-de-infância. A mãe acha que não lhe preparou bem o futuro e, por isso, o filho não conseguiu expressar as suas capacidades tão bem quanto outras crianças. Comparado com essas, o seu filho não conseguia contar nem dizer as letras do abecedário e a mãe achou mesmo ele tinha um atraso mental. Posto isto, não há dúvidas: a mãe sente que tem de preparar o seu segundo filho melhor.
Já não bastava um mundo de competição entre os adultos? Agora começa-se desde criança? Precisam mesmo de competir antes de nascerem? Compete-se pelos bons serviços de saúde, pelas vagas em creches, nos jardins-de-infância, nas escolas e depois nas universidades. Uma vida de competição.
Uma outra mãe admitiu no programa que exige ao filho saber como são os amigos, para poder comparar e saber quem é o melhor. Um dos pais falou mesmo numa geração “zombie”, onde os jovens se comportam de igual modo, uns atrás dos outros, onde ninguém foge ao estipulado, nem se questiona, até porque nem sabem como agir de outra forma.
É verdade que todos os pais querem o melhor para os filhos, querem que eles sejam os melhores, que tenham um bom futuro, mas não percebo desde quando é que a escola perdeu o poder de ensinar e passar bons conhecimentos aos alunos. Desde quando é que deixou de ser suficiente, sendo necessário encher os calendários dos miúdos cheios de actividades extra-curriculares. Tudo em nome de certificados e prémios. Tantas crianças sem vida social, sem contacto com o mundo lá fora só pelo “bom futuro”, só por “dinheiro”.
Nós adultos, quando enfrentamos muitos afazeres, reclamamos muito. “Quem me dera voltar aos meus tempos de criança. Bons velhos tempos”, dizemos tantas vezes. Relembramos vidas desafogadas, horas de brincadeira, erros sem pressões. Era-nos possível errar. Parece que isto deixou de existir na sociedade actual. Com estes pais exigentes, em nome dos seus próprios interesse e não das crianças, estamos a criar adultos infelizes, atrofiados e sem amor à vida.

Fa Seong 花想

1 Jul 2016