SAFP | Saída de Kou Peng Kuan pode ser reconhecimento, diz analista

Não se podem apontar grandes erros no percurso de Eddie Kou Peng Kuan à frente dos Serviços de Administração e Função Pública, na óptica do académico Bryan Ho, que encara a saída para o Centro de Formação Jurídica e Judiciária como possível reconhecimento. Já Pereira Coutinho não encontra um único ponto positivo na liderança de Kou Peng Kuan

Eddie Kou Peng Kuan esteve oito anos à frente dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP) e, agora, é a vez de passar o testemunho a Ng Wai Han, e desempenhar funções como director do Centro de Formação Jurídica e Judiciária.

Tendo em conta que a área do funcionalismo público sempre foi alvo de inúmeras críticas, devido à burocracia e lentidão dos serviços, analistas ouvidos pelo HM não apontam grandes reparos a Eddie Kou Peng Kuan.

Bryan Ho, docente da Universidade de Macau (UM) e especialista em governança e administração pública, defende mesmo que a nomeação para o Centro de Formação Jurídica e Judiciária pode ter duas leituras.

“Em primeiro lugar, Kou Peng Kuan não cometeu erros graves durante o tempo em que esteve à frente dos SAFP, apesar de algumas dificuldades e desafios que ainda estão por resolver. Em segundo lugar, o seu desempenho relativamente bom e a sua contribuição para a Função Pública e para a sociedade de Macau foram reconhecidos.”

José Pereira Coutinho, deputado e presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM), destaca o facto de o ex-director dos SAFP ser “uma pessoa de bom trato”, mas incapaz de “sobressair devido às anteriores tutelas que nunca tiveram a preocupação de resolver os importantes problemas internos da Função Pública, causadores de inúmeras injustiças”.

Coutinho destaca entre as falhas de Kou Peng Kuan a “contagem do tempo eventual de serviço para efeitos de cálculo das pensões de aposentação, a implementação da retroactividade dos índices de forma igualitária, a pouca transparência da Comissão de Avaliação das Remunerações da função pública” ou ainda “a inutilidade da Comissão de Tratamento e Gestão de Queixas da função pública”.

O deputado e dirigente associativo não consegue realçar, pela positiva, uma única medida de Kou Peng Kuan, que fez parte “do grupo de responsáveis pela criação e extinção de vários gabinetes de apoio”. Em suma, o deputado descreve que “muito pouco foi feito ao nível da simplificação dos procedimentos administrativos” enquanto liderou os SAFP.

“Relativamente bom”

Para Bryan Ho, Kou Peng Kuan teve, nestes oito anos, “um desempenho relativamente bom” na liderança dos SAFP, “empenhando-se na construção de uma Função Pública eficiente para a sociedade”. O académico destaca a criação do serviço de “Conta Única de Macau”, introduzido em 2019 que permite o tratamento online de inúmeras burocracias.

Bryan Ho recorda momentos menos bons do mandato do ex-director, nomeadamente quando o Comissariado de Auditoria “revelou num relatório o aumento da despesa pública relacionado com o sistema de recrutamento gerido pelos SAFP”, e “o desperdício de dinheiros públicos devido à sua ineficiência”. Nessa altura, “os jornalistas perguntaram se Kou assumiria as responsabilidades, demitindo-se do cargo em prol da responsabilização política”. Este manteve-se à frente dos SAFP.

“No contexto de Macau, as questões relativas a um sistema ineficaz e confuso de recrutamento na Função Pública podem ser mais complicadas do que parecem. O sistema de recrutamento foi objecto de reformas e obteve alguns resultados, mas também gerou muitos outros problemas imprevistos”, rematou o académico da UM.

Um novo dia

O ex-director dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP), Kou Peng Kuan tomou posse como director do Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ) na passada sexta-feira, prestando juramento numa cerimónia presidida pelo secretário para a Administração e Justiça, André Cheong, e testemunhada pelo chefe do gabinete do secretário para a Administração e Justiça, Lam Chi Long.

Durante a cerimónia, Kou Peng Kuan agradeceu a André Cheong “pela confiança depositada, afirmando que irá, em conjunto com a equipa, continuar a empenhar-se na prossecução das atribuições do CFJJ”. O novo director prometeu dedicação na “formação profissional nas áreas da justiça e do direito, com base nos trabalhos realizados e os bons resultados obtidos no passado”.

A chegada ao topo da hierarquia do CFJJ é mais um passo numa carreira que começou a ser construída com a licenciatura em Gestão Empresarial pela Universidade Ji Nan, mestrado em Direito Económico pela Universidade Sun Yat-Sen e doutoramento em Administração Pública pela Universidade Popular da China.

O ingresso na função pública aconteceu em 1991, mais precisamente como técnico superior do Centro de Formação para a Administração Pública. Ao longo dos anos, Kou Peng Kuan passou pelos cargos de adjunto da divisão de formação, chefe da divisão de formação e chefe do departamento de modernização administrativa dos Serviços de Administração e Função Pública. A escalada no organismo levaria Kou Peng Kuan a desempenhar o cargo de subdirector dos SAFP em 2011 e director a partir de 2015, cargo que ocuparia até à nomeação para o CFJJ.

História com barbas

Quando Kou Peng Kuan ingressou na função pública, os SAFP ainda não existiam. Na altura, a gestão e operacionalidade dos serviços administrativos estavam fragmentados em vários organismos dispersos, como os Serviços de Administração Civil, as Administrações de Concelho de Macau e das Ilhas e o Posto Administrativo de Coloane. Estes organismos haviam sido criados nos primórdios do Estado Novo pela implementação da Reforma Administrativa Ultramarina de Portugal, através de um decreto-lei aprovado pelo Ministério das Colónias em 15 de Novembro de 1933.

Cinquenta anos depois, ainda durante a administração portuguesa de Macau, era aprovado o decreto-lei que instituiu a Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública, a 1 de Dezembro de 1983.

O novo organismo transferiu e centralizou as competências das entidades da administração ultramarina portuguesa sobre Macau. Além disso, o organismo ficou incumbido das missões de “estudar, promover, coordenar a optimização e inovação das políticas de administração e função pública e impulsionar o aumento contínuo de desempenho administrativo”, assim como “melhorar constantemente o sistema de função pública”. A página dos SAFP acrescenta à lista de missões a formação de uma equipa de trabalhadores altamente eficiente, que estabelece uma cultura de serviços de qualidade.

Ng Wai Han tomou posse como directora da SAFP

A tomada de posse de Ng Wai Han para o cargo de directora dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP) realizou-se na sexta-feira, numa cerimónia presidida pelo secretário para a Administração e Justiça, André Cheong. O governante destacou que os SAFP desenvolveram instrumentos e medidas para melhorar a governação electrónica e a optimização de procedimentos administrativos.

André Cheong exortou ainda Ng Wai Han e os colegas a empenharem-se no cumprimento das suas funções, tendo por base os “trabalhos promovidos no passado, como a reforma da administração pública, optimização do regime jurídico da função pública, promoção da governação electrónica, aperfeiçoamento das acções de formação dos trabalhadores da administração pública”.

Por sua vez, Ng Wai Han prometeu que irá enfrentar os desafios inerentes ao cargo com uma atitude baseada em “pragmatismo, inovação e empenho” e em conjugação com a orientação governativa do Governo.

Ng Wai Han é licenciada em Direito e mestre em Direito Criminal pela Universidade de Zhongshan, de Guangzhou. Em 1999, ingressou na função pública como técnica superior na Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), de 2013 a 2016 desempenhou funções de Chefe da Divisão de Estudos do Departamento de Estudos e Informática, Chefe da Divisão das Relações Laborais do Departamento de Inspecção do Trabalho e posteriormente Chefe do Departamento de Inspecção do Trabalho.

Em Novembro de 2016 assumiu o cargo de subdirectora da DSAL substituta, tendo em Junho de 2017 iniciado funções como subdirectora da DSAL. Desde Junho de 2020 tem exercido o cargo de subdirectora do SAFP.

5 Set 2023

Casa Garden | 40 anos da arquitectura de Eduardo Flores em exposição

“PROVADEVIDA – Eduardo Flores – 40 anos em Macau” é o nome da mostra inaugurada na terça-feira na Casa Garden. Chegado a Macau no início da década de 80, Eduardo Flores tem a sua assinatura em muitos edifícios e infra-estruturas do território, como a piscina de Cheoc Van, a Escola Portuguesa de Macau ou o plano de urbanização do ZAPE. O arquitecto está também a preparar o livro “Biografia na Arquitectura”

 

Fotos de Rómulo Santos

Quando olhamos para a história da arquitectura de Macau no século XX habituamo-nos a ver nomes portugueses. Eduardo Flores é um deles, estando o seu trabalho espelhado em vários recantos do território, a título individual ou em equipa, não apenas em edifícios residenciais que hoje passam despercebidos, mas também em projectos maiores, como a piscina de Cheoc Van, em Coloane, ou a edificação do ZAPE [Zona de Aterros do Porto Exterior].

São 40 anos de arquitectura, iniciados em Portugal nos anos 80, que podem agora ser revisitados em “PROVADEVIDA – Exposição de Eduardo Flores, 40 anos em Macau”, patente na Casa Garden entre 5 e 17 de Setembro. Além disso, Eduardo Flores prepara um livro, em edição de autor, sobre a sua carreira, com fotografias, histórias pessoais e esquissos de projectos edificados ou que ficaram pelo caminho. “Biografia na Arquitectura” é, contudo, um projecto em andamento, sem data de publicação.

A história profissional de Eduardo Flores começa a contar-se com o projecto da Casa da Nazaré, o primeiro, uma encomenda de um cliente, em 1982. “Embora emocionante, não houve receios nem questionamentos existenciais. Tratou-se da renovação de uma casa de férias de família, na malha antiga da Nazaré. Da arquitectura original, projectada e aprovada, não retiro uma virgula, mas o facto de ter-me afastado da obra a meio, por ter de vir para Macau, complicou a qualidade e fidelidade do desenho, mas isso era quase normal”, recordou ao HM.

Pouco tempo depois, chegava ao Oriente e começou a projectar a piscina de Cheoc Van, em Coloane, logo em 1983. Aquilo a que designa como “um projecto da juventude”. “Não gostando particularmente de piscinas, abordei a questão com uma ingenuidade que, julgo, não falhou. Só aquele pedacinho espraiado, onde nos podemos espojar e resfolegar feitos leões marinhos, já valeu a pena. Numa primeira abordagem, o tanque entrava pelo mar adentro, com águas bem separadas e, no entanto, muradas, sem grande entusiasmo. A ideia foi emendada, felizmente”, apontou.

Nos anos 80, além de diversos projectos para edifícios públicos, Eduardo Flores participou no Plano de Intervenção Urbanística do ZAPE, um projecto “complicado”. “O modo como encarámos essa ‘missão’ foi esforçado”, conta o arquitecto, recordando o trabalho com parceiros vindos de Hong Kong.

“Havia, claro e infelizmente, as perfeitamente dispensáveis opiniões de gabinetes completamente incompetentes no assunto, e não estou a falar das Obras Públicas de então, tão sofredoras quanto nós. Não fiquei satisfeito [com o resultado final], até hoje”, confessou.

Na zona norte da península, Eduardo Flores projectou alguns edifícios residenciais da chamada classe M, com poucos pisos. Aqui, não houve grandes desafios. “Na altura, eram muito mais compensadores os projectos públicos, sobretudo intelectualmente, mas os honorários também eram suficientes para, com atenção, não darem prejuízo. Na encomenda privada estávamos sempre espartilhados. Eram prédios muito grandes e densos, normalmente bastante feios. Nada que me envergonhe, mas não consigo definir esses dois prédios [na zona norte].”

O arquitecto recorda que, à época, “as Obras Públicas eram muito pouco ou nada interventivas, como aliás, competia, nas questões de liberdade do arquitecto”, mas com os edifícios de classe M “era uma história, de diversas maneiras, diferente”, “nos edifícios mais altos havia muitas imposições de modelos e tipologias de Hong Kong”.

Restaram, desses tempos, “imensos prédios fantasiosos, invisíveis a não ser em fotografias que tínhamos de nos apressar a fazer antes de ficarem completamente mascarados com grades e prateleiras para vasos”. “Havia a conversa recorrente sobre qual seria o aspecto de Macau se, de repente, tudo fosse retirado e pudéssemos ver os prédios todos no seu estado original. Aposto que seria surpreendente e, talvez, motivo para mais uma exposição”, acrescentou.

Destaque ainda para a participação de Eduardo Flores no projecto de requalificação do bairro de São Lázaro em 2001 em colaboração com a empresa de José Chui Sai Peng, a CAA – Chui & Associates. No livro, o arquitecto descreve que, com este projecto, foi permitido reintroduzir, tal como no Plano do ZAPE, “os mais simples e reais valores urbanísticos que, contrariando o poder do mercado especulativo, pudessem contaminar, de modo positivo, dinâmicas avassaladoras”.

São Lázaro “é um território bem demarcado na malha urbana da cidade”, destaca Eduardo Flores na publicação, sendo também “significante na história política de Macau, na ocupação colonial de mais território, sobretudo com Ferreira do Amaral [Governador assassinado em Macau em 1849], que, por isso, literalmente perdeu a cabeça”.

Eduardo Flores ajudou também a projectar a Escola Portuguesa de Macau, inaugurada em 1998, em parceria com o atelier de Carlos Marreiros. “Simbolicamente, foi o meu último trabalho em Macau, num fecho da história que delimitou o mais importante ciclo da minha vida.” O arquitecto deixou Macau, pela primeira vez, em Agosto de 1999. “Embora doloroso, era o momento certo para o desejado regresso à metrópole”, descreve em “Biografia na Arquitectura”. O regresso ao Oriente fez-se em Agosto de 2001, no pós-transição, para mais esquissos e projectos.

Esquecimentos e cuidados

Muitos prédios de Eduardo Flores e tantos outros projectos, incluindo a piscina de Cheoc Van, parecem estar hoje votados ao esquecimento ou à falta de manutenção. Algo que o arquitecto lamenta. “As cidades, e em particular os edifícios, precisam de cuidados primários para terem saúde”, frisou.

Na vida de um arquitecto nem tudo o que é desenhado e pensado sai do papel. Convidámos, por isso, o arquitecto a olhar para o que correu bem e menos bem nos seus 40 anos de carreira. “Houve projectos muito aliciantes de elaborar e depois construir. A piscina [de Cheoc Van], ainda com a consciência pouco afinada daquilo que um projecto público pode acarretar, chateou até dizer chega”. Seguem-se os “viadutos ZAPE-NAPE”, de 1993, que entraram “num ‘negócio’ quase paralelo, apesar de lhes chamarem ‘obras de arte’. Neste ponto, Eduardo Flores convida a uma visita à exposição para se conhecerem todos os detalhes a fundo da história. Em relação aos projectos que não avançaram, “os enjeitados”, o arquitecto diz apenas que “não há roda onde todos caibam”.

Acima de tudo, 40 anos de arquitectura, grande parte deles passados em Macau, não são mais do que um “drama completo, incluindo cenário e personagens”, ironiza. “Foi um sonho real. Aconteceu-me quase tudo o que desejava de bom, e não havia grandes problemas, só umas chatices de vez em quase. Claro que exagero, mas não de mais. Até porque Macau, por vezes, seria uma paixão um tanto canalha; mas rapidamente sabíamos com que contar.”

Maior qualidade

Quanto ao exercício da profissão no território, até 1999, Eduardo Flores recorda que “nunca houve grandes variações de práticas, tanto do lado privado como do público”. Após 2001, “as relações tornaram-se menos fluídas e até me pareciam menos francas”. “Parece-me não haver dúvidas de que a construção dos novos casinos e hotéis, e a exigência aí exercida, rapidamente se expandiu, influenciado com mais qualidade os hábitos de construção anteriores, que eram, normalmente, muito maus”, frisou.

Em relação aos ganhos e perdas dos profissionais nos últimos anos, Eduardo Flores aponta que “a vida dos projectistas não se facilitou”. “A familiaridade entre técnicos deixou de funcionar tão bem. Além disso, houve subtis alterações de regulamentos e práticas que em nada melhoraram os processos. Ganhámos numa qualidade de execução que podemos mais facilmente exigir – ou que já começa a sentir-se por si. O que se chamava as ‘boas práticas’ construtivas, descuradas com o ‘boom’ dos anos 70 a 90, e que se notam do pouco que sobra de anos anteriores, podem ter regressado”, confessou.

Tanto na exposição, como no livro, Eduardo Flores revela os bastidores da arquitectura, retratos de momentos felizes a projectar e de companheirismo com outros profissionais de Macau, como Mário Duque, João Palla, entre outros. É também dado destaque a viagens e projectos em Portugal, nomeadamente a Biblioteca Municipal da Chamusca, de 1996, ou as Seis Vivendas edificadas em Vila Franca do Campo, na ilha açoriana de São Miguel.

31 Ago 2023

Espaço | China vai apostar em “modelo aberto de cooperação”, diz académico

O académico Diogo Cardoso acredita que a política espacial chinesa irá apostar num “modelo aberto de cooperação”, fomentando um rápido desenvolvimento tecnológico. Num artigo académico, o doutorando da Universidade de Lisboa traça um olhar sobre a história da exploração espacial chinesa

 

A agenda de exploração espacial é uma área de interesse do Governo chinês há décadas. Dos votos de intenção, falta de recursos e intenções militares da era de Mao Tsé-tung até à aposta actual durante a presidência de Xi Jinping, muitos passos foram dados em direcção ao espaço.

Diogo Cardoso, doutorando do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa (UL), analisou o tema vertido num artigo académico publicado na última edição da revista Daxiyangguo – Revista Portuguesa de Estudos Asiáticos, publicação deste instituto.

O artigo intitulado “As políticas do Espaço e de Segurança chinesas de Mao Zedong a Xi Jinping: Em busca do ‘Chinese Dream’ [Sonho Chinês]” e conclui que “nos próximos cinco anos a China deverá fortalecer a capacitação básica da sua indústria aeroespacial”, bem como “avançar na implementação de pesquisas de ponta e implementar grandes projectos científicos e tecnológicos”.

Incluem-se ainda, nesta estratégia, a aposta em “projectos prioritários em áreas-chave, como os voos espaciais tripulados, a exploração lunar, o sistema de observação da Terra de alta resolução, o seu sistema de navegação BeiDou-3, e ainda a nova geração de foguetões de lançamento espacial”.

Desta forma, o país vai continuar a melhorar, “de forma abrangente, a infraestrutura espacial, promover o desenvolvimento da indústria de satélites, conduzir pesquisas científicas em profundidade e aprimorar o desenvolvimento abrangente, coordenado e sustentável da indústria aeroespacial”.

Na ascensão do poder chinês em matéria de política espacial, Diogo Cardoso entende que estão em causa “preocupações gerais com as mudanças na distribuição do poder económico e militar” bem como “preocupações específicas de como esses recursos são alocados e se isso pode levar a um conflito”.

“Resta saber se a mudança nos objectivos espaciais da China, conforme articulado pelos seus cientistas e formuladores de políticas espaciais, para adquirir recursos baseados no espaço, bem como a montagem de uma estação espacial permanente, levarão ao nacionalismo de recursos, territorialismo e expansionismo”, lê-se ainda no artigo académico.

Um modelo aberto

Ao HM, Diogo Cardoso declarou ainda que a China, nos próximos anos, vai “propor um modelo de cooperação aberta no que concerne ao espaço, utilizando inclusive os seus activos espaciais para possibilitar a países em desenvolvimento que tenham acesso a serviços de rede de telecomunicações, navegação por satélite através do serviço BeiDou, agora com alcance global, e até utilização de satélites meteorológicos”.

Para o académico, “todos estes serviços têm um grande impacto no desenvolvimento político, económico e social dos países em desenvolvimento”.

Por outro lado, “a China continuará a apostar no desenvolvimento e expansão da estação espacial chinesa, que já se encontra totalmente funcional, na promoção do seu programa de exploração lunar e de Marte, bem como num grande conjunto de projetos espaciais com possíveis resultados extremamente importantes para a humanidade”.

Importa ainda referir a ligação da política espacial com o projecto “Uma faixa, uma rota”, através da “Rota da Seda Espacial”, com a qual a China “tem promovido uma posição de cooperação internacional, colocando a sua estação espacial Tiangong ao serviço da ciência e da comunidade internacional”.

Pelo contrário, o académico considera que os Estados Unidos “irão adoptar uma estação espacial privada no futuro, o que poderá colocar em causa os princípios de cooperação científica internacional para o espaço, uma vez que a maioria dos países não dispõem de avultados fundos para financiarem viagens espaciais”, aponta Diogo Cardoso.

O doutorando do ISCSP entende que “o Programa Espacial Chinês destaca-se facilmente como uma das joias da coroa chinesa”, sendo que as suas origens remontam a 1955, quando o pioneiro dos foguetes e mísseis Quian Xuesen regressou dos Estados Unidos para a China.

Esta foi a época em que “após um período de consolidação, os líderes da China olhavam para uma agenda em prol do desenvolvimento com papéis-chave desempenhados pela ciência e tecnologia”. Desde então, e ao longo das diversas presidências, a China “é agora um actor importante na arena espacial global.

Um conflito espacial?

Questionado sobre a tensão geopolítica entre a China e os EUA pode chegar ao espaço, Diogo Cardoso relembra que “a guerra comercial [entre os dois países] é, em grande parte, uma guerra tecnológica pela luta pelo domínio [nesta área], bem como nos padrões e normas internacionais”.

“Em relação a um possível conflito espacial, e apesar de existirem armas anti satélite e outro tipo de armas a serem testadas, considero que um possível conflito, a acontecer, seria do tipo não convencional, com o uso de munições e tiros, mas através de tecnologias cibernéticas, que podem colocar em causa a actividade dos satélites de outro país.”

O académico acredita que os EUA “vão adoptar uma postura ainda mais defensiva em relação ao espaço, uma vez que outros países já dispõem de tecnologias espaciais extremamente avançadas, pelo que a sua posição de dominação está ameaçada e, para isso, os EUA tentarão proteger a sua posição”.

As bases fundacionais para o programa espacial chinês surgiram em 1956 com a criação da Comissão da Indústria de Aviação da China e da Quinta Academia do Ministério da Defesa. O artigo aponta que “o primeiro local de lançamento foi estabelecido em 1958 e o primeiro satélite foi lançado em 1970”.

A primeira nave espacial não tripulada, Shenzhou-1 (Navio Divino 1), foi lançada em 1999, e em 2003 o primeiro astronauta chinês foi ao espaço a bordo da Shenzou-5. Por outro lado, a exploração da Lua foi iniciada em 2003, com o lançamento do satélite Chang’e-1 (Deusa Chinesa da Lua 1) e o primeiro laboratório espacial Tiangong-1 (Palácio Espacial 1) em 2011, descreve o académico no seu trabalho.

Xi Jinping chegou ao poder em 2013 e desde então tem desenvolvido a ideia do “Sonho Chinês”, onde um dos objectivos é fazer com que o país disponha de um “exército forte” e poder espacial até 2030, daí observarem-se “esforços de modernização e fortalecimento do Exército de Libertação Popular (ELP) e das forças espaciais chinesas”. Os diversos Livros Brancos publicados por Pequim dão conta que “a exploração do espaço exterior é parte do desenvolvimento nacional geral”.

Durante a governação de Mao Tsé-tung, “o espaço era visto mais como um gesto político do que uma parte vital da arena militar ou económica”, sendo uma “prioridade inferior” do Governo Central.

Entre 1956 e 1976, a China teve “avanços muito limitados nas suas capacidades espaciais, devido à falta de recursos financeiros, tecnológicos e recursos humanos treinados, bem como às repetidas convulsões políticas que interromperam os esforços de pesquisa”. De frisar que a cooperação internacional em matéria espacial arrancou em 1970.

Deng Xiaoping, por sua vez, “inicialmente fez pouco para promover o desenvolvimento espacial para os sectores militar ou civil”, tendo-se concentrado no processo de abertura e reforma económica do país. Nos anos 90, “o programa espacial beneficiou do investimento e do apoio intensificado de alto nível”, tendo como exemplo a implementação de diversos satélites no período de Jiang Zemin, entre 1992 e 2002. Hu Jintao “manteve o apoio ao programa espacial chinês. Durante os seus dois mandatos” tendo sido implementados, durante o seu mandato, “uma variedade de novos sistemas de satélites”.

Hoje em dia, Xi Jinping olha para o programa espacial chinês “como um reforço do clima de inovação científica, especialmente no campo da robótica, inteligência artificial e aviação”, com um enquadramento na iniciativa “Made in China 2025”. Com o espaço, o Governo e o Partido Comunista Chinês esperam obter “enormes dividendos económicos”.

30 Ago 2023

Tecnologia | Trabalho remoto mantém-se em algumas empresas locais

Num mercado laboral dominado pelo jogo, imobiliário e funcionalismo público, que lugar tem o teletrabalho em Macau no período pós-pandemia? O HM tentou apurar até que ponto um regime de trabalho mais flexível se adequa às características da economia local

Durante a pandemia, em que os contactos próximos tinham de ser evitados ao máximo, o teletrabalho foi a salvação para muitas empresas e trabalhadores. Se no mundo cada vez mais empresas se vêm obrigadas a incluir o teletrabalho ou regimes híbridos para poderem contratar, no período pós-pandemia, como é o caso em Macau, com um mercado laboral dominado, essencialmente, por actividades que não podem ser exercidas remotamente, como o jogo e o turismo? O HM foi conhecer o caso de algumas empresas do sector privado, de várias áreas, que mantém o teletrabalho mesmo depois do regresso à normalidade.

Bruno Simões, director da SmallWorldExperience, empresa ligada à produção de eventos e conferências, adiantou que, durante a pandemia, o teletrabalho foi adoptado “desde o início” e que agora a flexibilidade é a regra. “Actualmente, temos um sistema híbrido, mas não temos um horário fixo. Todos os trabalhadores podem agora trabalhar em casa sempre que necessitem. Tal acontece muitas vezes sempre que há mau tempo, muito trânsito, ou quando estamos a preparar eventos”, acrescentou.

Suzanne Watkinson, directora-geral da agência imobiliária Ambiente Properties, também manteve a sua empresa a funcionar em teletrabalho durante a pandemia, “à excepção de algumas semanas quando o Governo decretou o encerramento dos escritórios”.

“Até certo ponto, o facto de estarmos no negócio do imobiliário faz com que os nossos dias e horas sejam ajustadas às necessidades dos clientes. Então, quando tudo estava mais parado, focámo-nos nas questões administrativas, como a criação do nosso website e questões dessa natureza. Assim, em termos gerais, continuámos a ir ao escritório algumas vezes”, frisou.

Actualmente, a empresa optou por trabalhar com um sistema híbrido. “Alguns membros da Ambiente Properties trabalham num horário flexível, o que significa que o trabalho é feito em casa durante uma parte do dia e, depois, no escritório. Contudo, na nossa empresa continuamos a defender a importância da interacção presencial e as conversações casuais na equipa são a ‘cola’ que precisamos para nos mantermos unidos”, disse.

Suzanne Watkinson acredita que continua a ser fundamental ter reuniões presenciais e partilhar conhecimentos e dados sobre o mercado imobiliário de uma forma mais próxima.

No caso da empresa de comunicação social Project Asia Corp., que detém o portal Macau News Agency e a revista Macau Business, entre outras publicações, o teletrabalho é também usado de forma flexível. “Durante a pandemia a nossa empresa continuou sempre em actividade e com o escritório aberto, sendo que a equipa trabalhou a partir de casa nos períodos de confinamento. Adoptámos também em determinados períodos – seguindo o que as autoridades indicavam – um sistema rotativo, em que metade da equipa trabalhava no escritório e a outra metade a partir de casa. Durante a maior parte desses três anos, tivemos toda a equipa – os que estão em regime de tempo inteiro – a trabalhar presencialmente no escritório, seguindo normas de higiene e cuidados. Além disso, ao longo desses três anos, os trabalhadores que estivessem com sintomas costumavam trabalhar a partir de casa. Hoje em dia trabalhamos essencialmente em modo presencial, sendo que – tal como já acontecia antes da pandemia – colaboradores em regime de part-time, que executam tarefas que não requerem presença no escritório (cujo trabalho pode ser executado e acompanhado on-line) podem fazê-lo a partir de casa.”

Um mercado conservador

O debate a nível mundial sobre a permanência do teletrabalho no mercado laboral após a pandemia tem sido constante. Um dos exemplos mais falados foi o de Elon Musk, patrão da Tesla que defendeu, no ano passado, que “o trabalho remoto já não é aceitável”, tendo alertado os seus trabalhadores que “quem quiser trabalhar à distância deve estar no escritório por um mínimo de 40 horas por semana ou sair da Tesla”. “Isto é menos do que pedimos aos trabalhadores da fábrica”, terá acrescentado, segundo a Bloomberg.

Suzanne Watkinson recorda que “empresas como a JP Morgan, Amazon, Apple ou Disney, que foram grandes defensores de um regime híbrido e do trabalho a partir de casa nos últimos anos, estão agora a exigir aos seus trabalhadores para regressarem aos escritórios, acreditando que a produtividade aumenta quando a equipa está junta “, adiantou.

Importa olhar para as especificidades do mercado laboral local, ainda dominado pelo jogo e pela indústria turística e de serviços, ou seja, trabalhos que não podem ser feitos a partir de casa e com recurso a um computador.

“Olhemos para o mercado local: dos 363 mil trabalhadores no sector do jogo, qual é a percentagem dos que ocupam posições nas linhas da frente [com contacto com jogadores, como os croupiers]. Estes trabalhos não podem ser feitos à distância. No imobiliário, e até certo ponto, este cenário já acontece devido ao abrandamento do mercado e a natureza do trabalho. O trabalho no Governo pode ser feito remotamente, a não ser nos serviços que não o permitam. Restam algumas pequenas e médias empresas. Desta forma, não sei se o teletrabalho é, de facto, uma questão em Macau.”

Bruno Simões, por sua vez, entende que “Macau é bastante conservador em termos laborais”, onde “o relógio de ponto é ainda a norma e o teletrabalho é uma excepção”. “As reuniões virtuais são mais aceites”, apontou.

Para o economista José Sales Marques, “os regimes híbridos são mais aceitáveis, excepto para certas profissões muito específicas”. “Em termos gerais, o mercado de trabalho em Macau oferece empregos na área de serviços, onde existe necessidade de trabalho presencial e contacto intenso com clientes, como quase tudo o que está relacionado com a hotelaria, a restauração, o jogo e o turismo”, acrescentou.

O lado bom e mau

“Working from Home Around the Globe” é o nome do relatório, lançado em Junho deste ano, sobre o panorama do teletrabalho em todo o mundo, da autoria de Cevat Giray Aksoy, Jose Maria Barrero, Nicholas Bloom, Steven J. Davis, Mathias Dolls e Pablo Zarate.

Uma das conclusões do documento prende-se com o facto de os trabalhadores com um trabalho a tempo inteiro terem estado, entre os meses de Abril e Maio deste ano, a trabalhar a partir de casa 0,9 dias por semana, em média. Diz o relatório que “os níveis de trabalho a partir de casa são mais elevados nos países de língua inglesa” e que “os trabalhadores a tempo inteiro trabalharam em média 1,4 dias completos pagos por semana a partir de casa na Austrália, Canadá, Nova Zelândia, Reino Unido e EUA”. Em comparação, “os níveis médios de trabalho a partir de casa foram de apenas 0,7 dias por semana em sete países asiáticos, 0,8 nos países europeus e 0,9 em quatro países da América Latina e na África do Sul”.

Além disso, “67 por cento dos empregados a tempo inteiro trabalham [actualmente] cinco dias por semana nas instalações da empresa”, enquanto 26 por cento têm um regime híbrido. Apenas “oito por cento dos empregados a tempo inteiro trabalham inteiramente a partir de casa”, descreve o relatório.

Alvo de muitas desconfianças, o teletrabalho continua a não ser adoptado totalmente em muitos países. Bruno Simões acredita que “um dos aspectos mais positivos da pandemia foi tornar o teletrabalho uma realidade”, pois “até então as reuniões virtuais e o trabalho a partir de casa não eram aceites”.

Trabalhar a partir de casa pode ajudar a poupar tempo e dinheiro gastos nas deslocações, mas, para Bruno Simões, há o problema “da falta de formação dos jovens”. “Aprende-se muito mais quando estamos fisicamente no mesmo local”, disse.

Para Suzanne Watkinson, os aspectos positivos do teletrabalho prendem-se com a poupança de tempo e dinheiro, enquanto, no que diz respeito aos pontos negativos, exige “um grande nível de confiança entre gestores e empregados para ser um sucesso”, pois “a produtividade pode ser mais baixa se os empregados tirarem vantagens de trabalharem em casa”. Podem ainda ocorrer problemas na comunicação por telefone ou email. “Nada bate a comunicação cara a cara para que as coisas sejam feitas”, frisou.

Se Elon Musk acredita que, em casa, os seus funcionários podem tornar-se mais preguiçosos, a verdade é que trabalhar em casa pode significar precisamente o contrário: dias de trabalho mais longos e menos pausas. Um estudo desenvolvido pelo centro de investigação norte-americano National Bureau of Economic Research em plena pandemia, em 2020, concluiu, segundo o jornal Público, que os dias de trabalho estavam, à data, mais longos, segundo informações disponibilizadas por 3,1 mil trabalhadores.

Em média, o dia de trabalho passou a ter mais 48,5 minutos logo nas semanas a seguir aos primeiros confinamentos, enquanto o número de reuniões aumentou 13 por cento.

30 Ago 2023

Covid-19 | Governo afasta alarme social devido a nova subvariante

A nova subvariante da Ómicron BBX da covid-19, a Éris ou EG.5, representa já mais de 70 por cento dos novos casos da doença na China. Os Serviços de Saúde afastam a possibilidade de perigos maiores para a população, tal como o epidemiologista Manuel Carmo Gomes

 

Com agências

As fronteiras abriram, as restrições foram eliminadas e a vida voltou à normalidade no que à pandemia diz respeito. Mas a verdade é que a covid-19 continua a ser uma realidade para muitas pessoas, ainda que bastante longe do grau constrangimentos ao quotidiano dos últimos anos. Agora a subvariante da Ómicron BBX mais comum é a Éris, ou EG.5, que na China já é responsável por mais de 70 dos casos de infecção.

Em Macau, os Serviços de Saúde (SS) parecem estar descansados relativamente à nova mutação. “De acordo com a última avaliação da Organização Mundial da Saúde (OMS), a subvariante EG.5 apresenta as características de maior capacidade de transmissão e de escape imunológico”, sendo que “não foram encontradas evidentes alterações significativas patogénicas”. Além disso, “não houve um aumento significativo [na nova subvariante] dos riscos globais para a saúde pública”.

Desta forma, as autoridades de saúde da RAEM entendem que “com base nos dados disponíveis, o nível de risco global para a subvariante EG.5 é avaliado como de baixo risco”, sendo que os SSM prometem continuar “a monitorizar a evolução do novo coronavírus e a adoptar oportunamente diversas medidas de prevenção da epidemia”. Assim, as autoridades de saúde parecem não querer voltar ao passado recente, marcado por um uso generalizado de máscaras e mais testagem da população.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) listou a EG.5 como variante de interesse, no entanto, não indicou que represente uma ameaça maior em comparação com outras cepas do tipo de coronavírus. Quem contraiu infecção pela subvariante XBB da Ómicron, entre Abril e Junho, pode ter alguma imunidade contra a EG.5, segundo a organização.

O Centro de Controlo e Prevenção de Doenças da China adiantou na semana passada que a disseminação da subvariante EG.5 não exerceu pressão significativa sobre o sistema hospitalar do país e que é improvável que leve a surtos em massa. “Não há evidências conclusivas que sugiram que a EG.5 possa causar sintomas graves”, afirmou o CDC, citado pelo China Daily.

Preparar para o frio

Na sexta-feira, segundo a agência estatal Xinhua, especialistas chineses afirmaram que a China não deverá ter um novo surto de covid-19 em grande escala tão cedo, mas aconselharam que a população tome precauções devido à chegada do período frio no Outono e Inverno. Li Tongzeng, médico e chefe do Departamento de Doenças Respiratórias e Infecciosas do Hospital You’an, de Pequim, disse que a maioria dos casos de covid-19 actuais apresenta sintomas leves, existindo poucos casos graves.

A imunidade pública ainda é eficaz na proteção contra a variante EG.5, disse Hu Yang, médico sénior do departamento de medicina respiratória e terapia intensiva de um hospital com sede em Xangai.

Huang Senzhong, professor da Universidade Nankai, expressou opiniões semelhantes, dizendo que actualmente são registadas algumas infecções esporádicas na China, mas em número mais baixo e com um menor impacto na sociedade.

Os especialistas apontaram ainda, segundo a Xinhua, a necessidade de reforçar a área da saúde a fim de dar resposta ao período de frio que se aproxima, nomeadamente um aceleramento na investigação e produção de novas vacinas para variantes futuras da covid-19.

O director-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, alertou no início do mês que, embora o risco geral seja baixo, a disseminação global da EG.5 pode contribuir para um aumento de casos de covid-19 em diferentes partes do mundo.

“Não há dúvida de que o risco de morte ou de casos graves é agora muito menor do que há um ano, devido à crescente imunização da população graças a vacinas e infecções, mas apesar da melhoria, a OMS continua a considerar que o vírus representa um risco alto para a saúde pública”, acrescentou.

Embora a OMS tenha declarado o fim da emergência internacional em 5 de Maio, Tedros Ghebreyesus disse no início do mês que o “vírus continua a circular em todos os países e continua a matar e a sofrer mutações”.

Palavra de epidemiologista

Manuel Carmo Gomes, epidemiologista português, garantiu ao HM que a Éris, ou EG.5, deriva da Ómicron XBB.1.9., apresentando duas mutações “que lhe conferem uma capacidade especial para evadir os anticorpos que todos temos por termos sido vacinados, infectados ou as duas coisas”. Assim, “esta capacidade de evasão inclui mesmo os anticorpos de pessoas que foram infectadas com versões anteriores da XBB”, existindo, no entanto, alguns perigos.

O epidemiologista aponta que o vírus pode continuar a evoluir “para se adaptar a uma população mundial que tem uma ‘parede imunitária’ originada pela vacinação e por três anos de infeções naturais”. “Ninguém pode prever que novas direcções vai seguir. Este perigo é conceptual, mas obriga a manter um significativo esforço de vigilância, o qual, infelizmente, decaiu muito desde que a OMS proclamou o fim da situação de emergência internacional”, frisou.

O segundo perigo endereçado por Manuel Carmo Gomes prende-se com o facto de a maioria das pessoas ter “concentrações muito baixas de anticorpos em circulação no sangue porque fomos vacinados ou infectados há mais de quatro meses”. Existe, desta forma, “uma probabilidade alta de sermos infectados pela EG.5, caso tenhamos contacto com o vírus”, sendo que este cenário “deve aumentar muito no próximo Outono”.

Quais são, então, os cuidados a ter? O especialista entende que “para as pessoas mais idosas e os que padecem de doenças de risco para a covid-19, como imunodeficiência, doença pulmonar, doença renal ou neoplasias, o risco de desenvolvimento de formas graves de covid é real”. Pelo contrário, “nas pessoas saudáveis, em princípio, a infecção por EG.5 pode originar sintomas leves que serão ultrapassados com o tempo”.

O cenário de maior mortalidade continua afastado. “Existe evidência de poder infectar e causar doença leve com relativa facilidade, mesmo em pessoas que foram vacinadas ou infectadas no passado, mas não há evidência de que seja mais letal ou mais patogénica”, adiantou Manuel Carmo Gomes.

Outubro com reforços

O HM questionou Manuel Carmo Gomes sobre a eventual necessidade de reforço das vacinas com esta nova subvariante. O epidemiologista disse que “o reforço outonal que será dado a partir do início de Outubro em Portugal e no mundo, deve diminuir significativamente o risco de doença grave, de forma duradoura, e o risco de infecção, temporariamente, causada pela EG.5”.

“A razão é simples: o próximo reforço é uma vacina feita com base na XBB.1.5, uma subvariante muito parecida com a XBB.1.9, a precursora da EG.5”, explicou ainda.

Manuel Carmo Gomes também entende não ser necessário, para já, alterar os planos de combate à doença. “Em Portugal, pelo menos, não há evidência de que a EG.5 venha a causar uma pressão hospitalar maior do que anteriores versões do vírus. Em alguns países, como os Estados Unidos e o Reino Unido, as hospitalizações com covid estão com sinal ascendente, mas estão a partir de níveis historicamente baixos.”

Desde o início da pandemia, no final de 2019, a OMS registou quase sete milhões de mortos em todo o mundo, tornando a crise sanitária uma das mais graves desde a gripe espanhola, em 1918.

Em comparação com os piores momentos da pandemia, em que foram notificados mais de 20 milhões de casos semanais globalmente (no início de 2022 com a variante Ómicron), apenas cerca de 10.000 infecções foram relatadas na Europa e 20.000 nos Estados Unidos, em Julho, embora os números ainda fossem relativamente altos na região da Ásia – Pacífico (288.000 positivos).

Reforço em baixa

Dados fornecidos pelos Serviços de Saúde (SS) ao HM revelam que apenas “mais de 60 por cento dos adultos [vacinados] receberam o reforço” da vacina contra a covid-19 desde o início do programa, em comparação à taxa de vacinação inicial da população alvo em Macau, que ultrapassou os 90 por cento. Por sua vez, “cerca de 70 por cento” das pessoas com idades compreendidas entre seis meses e os 17 anos completaram a vacinação inicial, enquanto em relação aos adultos de 18 aos 59 anos, “mais de 90 por cento completaram a vacinação inicial”. Relativamente à população mais idosa, ou seja, com 60 ou mais anos, “mais de 80 por cento completou a vacinação inicial”, apontam os SS, que prometem continuar a apostar na campanha de vacinação contra a covid-19 “através de publicidade diversificada, incluindo vídeos promocionais, infografias, anúncios online em plataformas de redes sociais, bandeiras e placas publicitárias”.

28 Ago 2023

Óbito | Ng Sio Ngai, veterana jornalista, morre de doença prolongada

Ng Sio Ngai faleceu na madrugada de sexta-feira vítima de doença oncológica. Natural de Zhongshan, a jornalista dedicou-se por inteiro à profissão, e ajudou a criar a Associação de Jornalistas de Macau e o órgão de comunicação social “All About Macau”. É recordada por colegas e membros da comunidade chinesa pelo heroísmo e espírito livre

A classe jornalística, seja de língua chinesa, portuguesa ou inglesa, conhecia-lhe o jeito peculiar de colocar perguntas: pertinentes, incisivas, mas longas e sempre com alguma opinião pelo meio, algo que os manuais de jornalismo não recomendam. Era um estilo próprio de inquirir os poderes dirigentes que, desde os anos 1980, existia na jornalista que passa agora a fazer parte da história do jornalismo em Macau: Ng Sio Ngai faleceu na madrugada de sexta-feira, 25, vítima de doença oncológica.

A notícia foi avançada pelo jornal online “All About Macau”, que ajudou a fundar e de que era dirigente. “É com profunda tristeza que anunciamos o falecimento de Ng Sio Ngai, presidente do ‘All About Macau’, na madrugada de 25 de Agosto, após doença prolongada. O seu falecimento constitui uma grande perda e uma grande tristeza para nós.”

O obituário descreve ainda que a jornalista iniciou a carreira no período em que Macau estava ainda sob administração portuguesa, “cobrindo notícias e escrevendo crónicas de opinião para vários órgãos de comunicação social”.

O “All About Macau” descreve ainda que Ng Sio Ngai “foi uma das principais jornalistas da linha da frente de Macau, testemunhando momentos importantes como as negociações sino-portuguesas [sobre a questão de Macau], a transferência de soberania e as eleições para o Chefe do Executivo, além de ter feito uma cobertura aprofundada de acontecimentos importantes que preocupam a comunidade de Macau, nunca desistindo”.

Ainda sobre o “All About Macau”, fundado em 2012, o jornal recorda que a jornalista, juntamente com outro grupo de repórteres, decidiu criar este meio de comunicação online em língua chinesa “dedicado a mostrar uma pluralidade de vozes junto da sociedade e a construir uma sociedade civil juntamente com o público”. No trabalho feito com a Associação de Jornalistas de Macau, da qual foi co-fundadora, em 1998, Ng Sio Ngai “foi uma voz activa na defesa da liberdade de imprensa em Macau”.

“Durante a sua doença, a presidente sempre continuou a prestar atenção à dinâmica da sociedade. Apesar de estar doente, continuou sempre a prestar atenção à dinâmica da sociedade e a persistir no seu amor pelo jornalismo, demonstrando um amor e sentido de responsabilidade sem paralelo pela profissão”, lê-se no obituário.

O jornal destaca ainda que a liderança “extraordinária” da repórter “permitiu que os meios de comunicação social avançassem apesar das dificuldades, transformando-os gradualmente numa plataforma influente com uma diversidade de vozes junto da comunidade”.

Aquilo que é essencial

Carol Law, também jornalista e amiga de Ng Sio Ngai, recorda ao HM que esta fez muito trabalho “por Macau e pelos meios de comunicação social locais, especialmente para os jovens e as novas gerações de jornalistas”.

“Como jornalista cumpriu sempre a sua missão de forma diligente. No período da transição, ainda antes da transferência de soberania, ela procurou, de forma activa, entrevistar responsáveis chineses para saber mais sobre questões como a localização dos quadros [na Administração pública], que era uma das maiores preocupações da sociedade na altura.”

Além disso, recorda Carol Law, quando foi anunciada a construção da nova ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, “ela procurou escrever vários artigos que esclarecessem os leitores sobre os custos da obra e os benefícios que poderia trazer para Macau”.

Acima de tudo, Ng Sio Ngai dedicou-se, ao longo da sua carreira, a “acompanhar a execução da Lei Básica, bem como a facilitar o debate social, reflectindo [no seu trabalho] todas as vozes das pessoas em termos de desenvolvimento sustentável da cidade, igualdade e liberdade”.

Carol Law destaca ainda a defesa firme “da liberdade de expressão e de imprensa”, pois como co-fundadora da Associação de Jornalistas de Macau, “sempre manifestou directamente as suas preocupações, nomeadamente durante as alterações à lei de imprensa e lei de segurança nacional”.

A Associação de Jornalistas de Macau, numa nota de pesar sobre o falecimento da jornalista, recordou que esta nasceu em Zhongshan e que se mudou para Macau com 18 anos “em busca dos seus sonhos”, com um grande interesse pela leitura e pelo taoísmo. Ng Sio Ngai foi “uma pessoa verdadeira e honesta”, que “nunca esqueceu a sua vocação de jornalista, mantendo uma atitude independente e crítica em relação ao Governo”.

Uma figura “heroica”

Johnson Ian, ex-jornalista do jornal Ou Mun, recordou nas redes sociais os dias em que, com Ng Sio Ngai, “andava atrás das notícias, agarrava o microfone e fazia viagens de trabalho”. “Tu eras sempre a primeira ir, sempre a olhar para a frente. Lembro-me das nossas alegrias e tristezas quando fazíamos a cobertura da Assembleia Popular Nacional e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, das gargalhadas que dávamos quando comíamos snacks a altas horas da noite e bebíamos café juntos. Foi óptimo ter-te como jornalista sénior, uma colega de armas, uma velha e boa amiga. Ter-te foi a sorte dos jornalistas da minha geração e também de Macau”, escreveu ainda.

Mas Ng Sio Ngai é também uma personalidade recordada por figuras fora da comunidade jornalística, nomeadamente Scott Chiang, antigo dirigente da Associação Novo Macau e ex-candidato a deputado. Ao HM disse que a jornalista falecida foi “uma figura omnipresente da sociedade civil de Macau”

“Em primeiro lugar, ficávamos surpreendidos pela idade dela, pois era quase sempre a jornalista mais velha da redacção, muitas vezes a fazer trabalho comum junto de um grupo de colegas com um terço da sua idade. Muitos foram deixando a profissão ao longo dos anos, mas Ng Sio Ngai manteve-se sempre a trabalhar. Era, sem dúvida, uma autoridade relativamente ao seu profissionalismo e experiência, embora estivesse longe de ser autoritária. Não podemos, contudo, misturar bondade com fraqueza.”

Para Scott Chiang, Ng Sio Ngai “era uma jornalista muito feroz quando era necessário, especialmente quando a pessoa do outro lado do microfone tentava uma forma fácil de fugir às questões”. “Pessoas como ela deixam-nos um testemunho de devoção e resistência. Lembram-nos que, num mundo de loucura total, é possível manter uma busca pura de ideais”, declarou.

O cineasta local Vincent Hoi também juntou a sua voz a um vasto e heterogéneo grupo de pessoas que recordaram a jornalista nas redes sociais. Ao HM, disse que a sua morte “é uma grande perda para o jornalismo de Macau, sobretudo para os media chineses”.

“Ela tinha um grande sentido de justiça e sempre lutou pela liberdade no jornalismo. O que ela noticiava não era aquilo que o Governo queria, mas era o que os residentes queriam saber.”

Sobre o jornal que ajudou a fundar, Vincent Hoi aponta que “mudou o ambiente do jornalismo em língua chinesa”, num cenário em que “os media chineses, como a TDM e o jornal Ou Mun, são muito conservadores e reportam as notícias que o Governo quer”. Em termos pessoais, Vincent Hoi recorda alguém que tinha amigos de todas as idades, “muito heroica”, que vai deixar saudades.

28 Ago 2023

Fukushima | Descarga de águas origina protestos na Coreia do Sul

As águas residuais da central nuclear de Fukushima começaram ontem a ser despejadas no oceano, situação que levou à proibição de importação de produtos em Macau, Hong Kong e Interior da China. A Agência Internacional de Energia Atómica supervisionou a descarga e indicou que a concentração de trítio na água está abaixo do limite esperado

 

O operador de Fukushima Daiichi, a Tokyo Electric Power Company Holdings (TEPCO), começou ontem o lançamento para o oceano de águas residuais radioactivas tratadas e diluídas da central nuclear.

Num vídeo transmitido ao vivo da sala de controlo da central, a TEPCO mostrou um membro da equipa a ligar a bomba que descarrega as águas para mar às 13h03 (hora local), três minutos após o início da etapa final, num processo que poderá prolongar-se até 2050.

A bomba enviou o primeiro lote de água diluída e tratada de uma piscina de mistura para uma piscina secundária, a partir da qual a água é libertada no oceano, a um quilómetro da costa, através de um túnel submarino.

O arranque aconteceu só depois da TEPCO confirmar que não havia qualquer impacto devido ao lançamento por parte da Coreia da Norte de um alegado satélite espião, que provocou a activação do alerta antimíssil no sul do arquipélago do Japão.

A TEPCO tinha avisado que a central de Fukushima Daiichi poderia, no início de 2024, ficar sem espaço para armazenar cerca de 1,33 milhões de toneladas de água, proveniente de chuva, água subterrânea ou injecções necessárias para arrefecer os núcleos dos reatores nucleares.

A operadora pretende libertar 31.200 toneladas de água tratada até ao final de Março de 2024, o que esvaziaria apenas 10 dos cerca de mil tanques de armazenamento, embora o ritmo de descarga deva aumentar mais tarde.

A preparação tinha começado na terça-feira, após o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, ter dado o aval final numa reunião dos ministros envolvidos no plano, aprovado pela Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA).

Ainda na terça-feira, uma tonelada de água tratada foi misturada com 1.200 toneladas de água do mar, sendo que a mistura foi mantida na piscina primária por dois dias para amostragem final para garantir a segurança, disse um executivo da TEPCO.

Junichi Matsumoto tinha dito que, na primeira fase que deverá durar cerca de 17 dias, iriam ser descarregados cerca de 7.800 metros cúbicos de água contendo trítio, uma substância radioativa que só é perigosa em doses muito concentradas.

“Especialistas da AIEA recolheram esta semana amostras das águas preparadas para as primeiras descargas”, afirmou num comunicado o órgão da ONU que supervisiona a operação. “A análise realizada de forma independente no local confirmou” que a concentração da substância radioactiva trítio estava “bem abaixo do limite operacional de 1.500 becquerel (Bq) por litro”.

Protestos na Coreia

A libertação de água começa quase 12 anos e meio após a fusão nuclear de Março de 2011, causada por um forte terramoto e tsunami. O plano levantou preocupações entre grupos de pescadores japoneses e também nos países vizinhos, provocando protestos de rua na Coreia do Sul, que levaram ontem à detenção de mais de dez pessoas que tentaram entrar na embaixada japonesa em Seul durante uma manifestação, informou a polícia local.

Um pequeno grupo de manifestantes reuniu-se em frente à embaixada, segurando cartazes nos quais se podia ler: “O oceano não é a lata de lixo do Japão”. Por sua vez, a agência sul-coreana Yonhap indica que 16 pessoas, todas estudantes universitárias, foram detidas por esta tentativa de intrusão. Outros manifestantes foram dispersos e a polícia restringiu o acesso ao edifício que alberga a embaixada pouco depois deste incidente.

Seul apoiou publicamente a decisão de Tóquio de descarregar água contaminada da central nuclear danificada de Fukushima, mas apelou a uma maior transparência no processo.

“Apelo ao governo japonês para que publique informações sobre lançamentos de forma transparente e responsável durante os próximos 30 anos”, disse ontem o primeiro-ministro sul-coreano, Han Duck-soo.

O chefe do Governo sul-coreano reconheceu que não há razões para uma “preocupação excessiva”, porque o plano aprovado pelas autoridades japonesas, que recebeu a aprovação da Agência Internacional da Energia Atómica (AIEA), não deverá causar danos significativos.

“Embora o cenário ideal fosse evitar completamente a descarga de água contaminada, os peritos de todo o mundo partilham a opinião de que não é necessária uma preocupação excessiva da população”, sustentou.

Alimentos proibidos

A descarga de águas residuais de Fukushima levou as autoridades de Macau e Hong Kong, bem como a própria China, a proibir a importação de determinados alimentos, tal como peixe, marisco, frutas, legumes, ovos, algas e sal marinho, de dez zonas do país, nomeadamente Fukushima, Chiba, Tochigi, Ibaraki, Gunma, Miyagi, Niigata, Nagano, Saitama e Tóquio. A suspensão de importação poderá afectar o abastecimento de restaurantes japoneses em Macau, foi noticiado esta quarta-feira, apesar de representantes do sector estimarem que o impacto será pouco significativo.

Em comunicado, o Governo de Macau declarou que o Japão “ignorou as fortes dúvidas e a firme oposição da comunidade internacional, lançando forçosamente o plano de descarga de águas contaminadas da central nuclear de Fukushima no mar”, pelo que as autoridades locais estão “muito preocupadas com o incidente”, manifestando uma “forte oposição”. Há vários meses que o Instituto para os Assuntos Municipais tem vindo a realizar análises à comida importada do Japão, a fim de testar níveis de radioactividade e eventuais perigos para a saúde pública.

Segundo a agência noticiosa Xinhua, o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) chinês manifestou-se ontem novamente contra a decisão das autoridades japonesas, tendo solicitado ao Governo de Fumio Kishida o fim da operação.

“A China opõe-se firmemente e condena [este acto] com veemência. Fizemos sérias diligências junto do Japão e pedimos-lhe que pusesse termo a este acto ilícito”, afirmou o porta-voz do MNE num comunicado. O porta-voz afirmou também que a eliminação das águas contaminadas da central nuclear de Fukushima é uma questão importante em matéria de segurança nuclear e que o seu impacto ultrapassa as fronteiras do Japão, não sendo de modo algum um assunto privado do país.

O MNE chinês entende que este acto “é extremamente egoísta e irresponsável que ignora o interesse público global”, pois “o oceano pertence a toda a humanidade”.

“Ao despejar a água no oceano, o Japão está a espalhar riscos para o resto do mundo e a passar uma ferida aberta para as futuras gerações”, adiantou o porta-voz.

Para a China, está em causa uma infracção “dos direitos das pessoas à saúde, ao desenvolvimento e a um ambiente saudável, o que viola as responsabilidades morais e as obrigações do Japão ao abrigo do direito internacional”. O MNE entende ainda que, “a partir do momento em que o Japão iniciou a descarga, colocou-se no banco dos réus perante a comunidade internacional e está obrigado a enfrentar a condenação internacional durante muitos anos”.

Impacto no turismo?

Ouvidos pela rádio e televisão públicas de Hong Kong, a RTHK, dois representantes do sector do turismo comentaram a possibilidade de o sector vir a ser afectado devido à descarga das águas residuais de Fukushima. Steve Huen, director executivo da EGL Tours, especializada em viagens ao Japão, afirmou que o impacto pode ocorrer, sendo, no entanto, de curta duração.

Na quarta-feira, adiantou o responsável, o número de pessoas de Hong Kong que se inscreveram para excursões no país sofreu uma redução de 20 por cento face aos dois dias anteriores. “Não creio que os efeitos sejam duradouros. É claro que toda a gente vai observar a situação, mas talvez quando virem que não há problemas, comecem a viajar para o Japão novamente. Penso que levará muito pouco tempo para os números voltarem ao normal, penso que dentro de duas a três semanas”, disse Huen.

Por sua vez, Fanny Yeung, directora executiva do Conselho da Indústria de Viagens de Hong Kong, fala de um efeito negativo mais duradouro, com uma quebra de 20 por cento no número de visitantes nos próximos meses. “A comida de lá, especialmente o peixe fresco, é algo muito desejado pelos viajantes. Este incidente afecta o seu nível de confiança e a intenção de as pessoas irem de férias ao Japão”, disse à RTHK.

A responsável entende que as agências de viagens terão de considerar outros destinos e mercados para as suas operações. Com agências

25 Ago 2023

Jogo | Analistas entendem que receitas podem chegar a 200 mil milhões em 2024

Ho Iat Seng previu que as receitas do jogo atinjam 200 mil milhões de patacas no próximo ano. Analistas ouvidos pelo HM acreditam ser possível atingir essa fasquia, apesar dos desafios em termos de ocupação hoteleira e infra-estruturas de transportes para acolher mais jogadores

 

Analistas e economistas ouvidos pelo HM acreditam que o sector do jogo pode, de facto, registar receitas na ordem dos 200 mil milhões de patacas no próximo ano, montante previsto pelo Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, na última sessão plenária na Assembleia Legislativa (AL) em que participou. Contudo, há desafios a contornar para que, em coordenação com o sector turístico, aumentar a capacidade para receber e acolher potenciais jogadores.

O economista José Sales Marques baseia-se nos números actuais para fazer uma previsão. “Para as receitas do jogo atingirem as 200 mil milhões de patacas em 2024, as receitas mensais terão de ter um valor médio mensal de cerca de 16 mil milhões. Ora as receitas do jogo de Agosto deverão atingir cerca de 18 mil milhões de patacas. Se a tendência para a recuperação [económica] continuar a evoluir de forma positiva, e se os factores externos tiverem também um comportamento positivo no próximo ano, as receitas do jogo poderão, efectivamente, atingir as 200 mil milhões de patacas”, declarou.

Opinião semelhante tem Alidad Tash, analista e director-executivo da consultora 2NT8 Limited, especialista nas áreas do jogo e resorts integrados. “A previsão do Chefe do Executivo de 200 mil milhões de patacas para 2024 é muito viável”, começou por afirmar o analista. “A minha previsão mais recente indica que [o sector] poderá obter [receitas] de 180 a 190 mil milhões de patacas este ano e de 210 a 230 mil milhões de patacas em 2024, por isso a previsão do Chefe do Executivo é até mais cautelosa. Prevejo um crescimento saudável e contínuo no jogo de massas e um ligeiro aumento no segmento do jogo VIP devido a potenciais desafios com a economia chinesa, que tem um maior efeito sobre os grandes apostadores”, acrescentou.

As salas que contam

Eric Coskun, analista e director da área de projectos de casinos na consultora IGamiX Management & Consulting Ltd, também faz uma previsão superior aos números avançados pelo governante máximo da RAEM, mas mediante determinados cenários. “De acordo com as nossas projecções, Macau deverá atingir este ano 176 mil milhões de patacas [de receitas] e, dada a actual taxa de crescimento, deverá, teoricamente, atingir entre 215 e 220 mil milhões de patacas, se houver uma grande injecção de salas [de jogo].”

Isto porque “actualmente o sector VIP representa apenas 24 por cento do total de receitas do jogo, pelo que as perspectivas de se ultrapassarem as 200 mil milhões de patacas dependem fortemente da entrada em funcionamento de muito mais salas”.

Eric Coskun lembra que o segmento VIP, ou seja, das apostas de valor elevado, “era o principal contribuinte para o total de receitas de jogo”, sendo que “a contribuição de um único jogador VIP para esse total de receitas era, no mínimo, equivalente à contribuição [das apostas] de, pelo menos, dez jogadores do segmento de massas”. Com a gradual redução do sector VIP, o analista pensa que “com um mercado dominado [pelo segmento] de massas, a pressão sobre as salas disponíveis será ainda maior”.

Ben Lee, analista financeiro e sócio da consultora IGamiX, afasta a possibilidade de a fasquia de 200 mil milhões de patacas ser alcançada já este ano, a menos que aconteça um “aceleramento do desempenho” do sector do jogo nos últimos três meses do ano a seguir à semana dourada de Outubro, “ultrapassando significativamente a trajectória actual”.

“O total acumulado de receitas do jogo, até ao mês passado, é de 96,7 mil milhões de patacas. Prevemos que este mês termine com 17 a 17,6 mil milhões de patacas [de receitas], o que nos poderá dar um acumulado de 114 mil milhões de patacas, deixando uma diferença de 86 mil milhões de patacas para os restantes quatro meses do ano”, disse ainda.

Infra-estruturas precisam-se

Na óptica de Ben Lee, para se cumprir a previsão do Chefe do Executivo será necessário desenvolver mais infra-estruturas em matéria de alojamento. “Actualmente, a nossa capacidade está a ser praticamente toda utilizada. A nossa rede de transportes está sob grande pressão, de tal forma que os turistas são levados a utilizar o sistema de autocarros públicos, pois os táxis não estão disponíveis durante todo o dia”, disse.

Também Eric Coskun alerta para o problema dos táxis. “Outro critério que também prejudica seriamente o crescimento [do jogo e do turismo] são os transportes. Temos um dos piores serviços de táxi do mundo e, sem dúvida, o maior rácio visitante-táxi do mundo. Os esforços do Governo para melhorar a situação dos táxis têm sido muito fracos e a sua recusa em autorizar um serviço de transporte de passageiros como [as plataformas] DiDi ou o Uber, apesar de Hong Kong e a China o terem, deixa-nos a todos perplexos. Existem muitos outros problemas em curso que só irão dificultar o crescimento de Macau, mas os quartos e os transportes serão provavelmente os maiores.”

Em matéria de transportes, Alidad Tash entende que a falta de táxis não afecta assim tanto os grandes apostadores, que recorrem a limusinas ou outro tipo de serviço de transporte privado, ou aos próprios autocarros providenciados pelos casinos. “É com o público que não joga, que tem dificuldades em ir a outros locais que não os casinos, que o Governo se preocupa”, rematou.

Relativamente à problemática do alojamento, essencial para a pernoita de potenciais jogadores, o analista sustenta a sua previsão com estatísticas oficiais recentes. “Em Junho, tivemos 2,2 milhões de visitantes, com uma ocupação de quartos na ordem dos 89 por cento. Em Julho, os visitantes foram 2,76 milhões, com uma ocupação de cerca de 94 por cento. Deveremos terminar o ano com cerca de 26 a 27 milhões de turistas. Para atingirmos um total de receitas do jogo de 200 mil milhões, precisaríamos de ver um aumento do número de turistas para 32 milhões. Como já estamos com uma taxa de ocupação hoteleira na ordem dos 90 por cento, onde vamos acomodar os visitantes adicionais?”, questionou.

Sem sustentação

Eric Coskun defende que o sector da hotelaria deveria disponibilizar mais 15 a 20 mil quartos económicos para que haja um “crescimento sustentável” do sector turístico. “No final do primeiro trimestre de 2023, tínhamos 38.000 quartos e 81 por cento eram de quatro ou cinco estrelas. Em todos o lado, os preços dos quartos estavam no máximo, factor que aliado ao aumento dos visitantes e à falta de oferta, agravou os problemas de alojamento dos jogadores do segmento de massas. Muitos optaram por ficar hospedados em Zhuhai e fazer apenas uma viagem de um dia a Macau para fazer compras, refeições, passeios e apostas em casinos num curto espaço de tempo.”

No passado dia 14 de Agosto, o Chefe do Executivo admitiu que o défice orçamental para o próximo ano seria de dez mil milhões de patacas, prevendo receitas do jogo na ordem das 200 mil milhões de patacas em 2024, o que permitiria acabar com o cenário de défice nas contas públicas em 2025.

“Haverá contenção de despesas em 2024, porque segundo as nossas previsões de despesas, iremos registar défice. Com a previsão de 200 mil milhões de receitas de jogo podemos chegar a um equilíbrio. O nosso regime tributário é muito simples e são poucas as receitas provenientes de outras áreas. Não vamos conseguir aumentar os impostos pagos pelas pequenas e médias empresas. Devolvemos 70 por cento do imposto profissional durante a pandemia. Temos de alargar um pouco [as fontes de rendimento] e o sector financeiro terá de contribuir com 12 por cento dos impostos”, adiantou.

24 Ago 2023

BRICS | Cimeira na África do Sul com expansão do bloco na agenda

O grupo dos BRICS, que junta as economias emergentes mais importantes do mundo, incluindo a China, está reunido em Joanesburgo. Da 15ª cimeira, que termina amanhã, podem sair novidades quanto à adesão de novos países. Xi Jinping deverá procurar o reforço da aposta no multilateralismo e no crescimento da influência global da China

Com agências 

 

Xi Jinping está desde segunda-feira na África do Sul para participar na 15ª cimeira dos BRICS, o bloco de economias emergentes da qual a China faz parte juntamente com Brasil, Rússia, Índia e, desde 2010, a própria África do Sul. O bloco de nações representa 40 por cento da população mundial e 26 por cento da riqueza gerada no planeta.

Esta é a segunda visita internacional que o Presidente chinês realiza este ano depois do encontro bilateral com Vladimir Putin em Moscovo, no passado mês de Março.

Segundo a agência estatal Xinhua, Xi Jinping chegou na segunda-feira a Joanesburgo, onde foi recebido pelo Presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa e outros dirigentes políticos. Num discurso, o Presidente chinês declarou que iria “trocar opiniões com Ramaphosa sobre o aprofundamento das relações China-África do Sul e questões de interesse comum”. Xi Jinping frisou ainda que “uma relação sólida e crescente entre China e África do Sul não só beneficia os dois povos, mas também traz mais estabilidade a um mundo que está a passar por transformações e turbulências”.

Xi Jinping apontou também que a 15ª cimeira dos BRICS, que arrancou ontem, “tornar-se-á um marco importante no desenvolvimento do mecanismo [do bloco] e ajudará a levar a unidade e cooperação dos países em desenvolvimento a um nível mais elevado”.

O Presidente chinês fez-se acompanhar por Cai Qi, membro do comité permanente do Politburo e director do Gabinete Geral do Comité Central do Partido Comunista Chinês, e Wang Yi, ministro dos Negócios Estrangeiros.

Vários analistas entendem que a presença de Xi Jinping em solo africano constitui mais um passo para cimentar a sua estratégia multilateral em resposta aos avanços geopolíticos dos EUA.

Citado pela CNN Internacional, Steve Tsang, director do Instituto da China da Faculdade de Estudos Orientais e Africanos (SOAS, na sigla inglesa) da Universidade de Londres, defendeu que Xi Jinping “não está apenas a competir com a América na actual ordem internacional dominada pelos Estados Unidos”. “O seu objectivo a longo prazo é alterar a ordem mundial para uma ordem sino-cêntrica. Faz sentido que a China se envolva com o Sul Global, que é muito mais numeroso do que as democracias ocidentais e com uma governança maioritariamente autoritária”, frisou.

De salientar que o embaixador chinês na África do Sul, Chen Xiaodong, defendeu, antes da chegada de Xi, que os BRICS constituem “uma importante plataforma para a cooperação entre nações emergentes e em desenvolvimento”, bem como a “espinha dorsal da equidade e da justiça internacionais”.

Relação com história

Um comunicado da presidência sul-africana, citado pelo Lusa, destaca que a visita de Xi Jinping ao país “ocorre no contexto da celebração de 25 anos de relações diplomáticas entre os dois países, enquanto os laços históricos remontam à conferência de Bandung de 1955”. A visita do Presidente chinês é ainda uma oportunidade para “reflectir” sobre a Parceria Estratégica Abrangente (CSP, na sigla em inglês) e de “aprofundar” a cooperação entre os dois países no âmbito do Programa Estratégico de Cooperação a 10 anos (2020-2029), na óptica dos governantes sul-africanos.

“A China é o maior parceiro comercial global da África do Sul em volume de negócios”, frisou-se na nota, sem avançar indicadores, acrescentando que “a China é também um importante investidor” no país africano.

Nesta visita de Xi, as autoridades de Pretória dizem ter a expectativa de reforçar a cooperação multilateral com Pequim, “especificamente no contexto dos BRICS, G7 mais a China, e G20 e obter o apoio chinês ao apelo da África do Sul e do continente para a reforma das instituições de governança global, nomeadamente o Conselho de Segurança das Nações Unidas”.

Uma faixa, uma rota

Antes da viagem de Xi Jinping, o Governo chinês publicou nos principais jornais da África do Sul uma carta assinada pelo Presidente intitulada “Navegando o navio gigante da amizade e cooperação entre a China e a África do Sul rumo a um maior sucesso”, onde se destaca a ligação do país à política “Uma faixa, uma rota”.

“A África do Sul foi o primeiro país africano a assinar o documento de cooperação ‘Uma Faixa, Uma Rota’ com a China. É o maior parceiro comercial da China em África há 13 anos consecutivos, bem como um dos países africanos com o maior volume de investimento chinês. O bolo da cooperação bilateral está a aumentar”, apontou.

Xi Jinping destacou também o facto de muitas empresas chinesas estarem “a expandir as suas operações e, ao mesmo tempo, a assumir mais responsabilidades sociais na África do Sul”. Além disso, “as empresas sul-africanas também estão a investir no mercado chinês para aproveitar as abundantes oportunidades de negócio, dando um importante contributo para o crescimento económico da China”, frisou Xi Jinping.

Sobre a relação bilateral com o país, o Presidente chinês entende estarmos perante um “novo ponto de partida histórico”. Em relação à cimeira, a China diz estar “pronta para trabalhar com outros parceiros para actuar no espírito dos BRICS de abertura, inclusividade e cooperação com ganhos mútuos”, além de “construir consensos sobre questões importantes e levar adiante a nossa tradição de diplomacia independente”, defendendo “resolutamente a equidade internacional e a justiça”.

Xi Jinping destacou ainda, sobre a cimeira, a importância de instar a “comunidade internacional a voltar a concentrar-se nas questões de desenvolvimento, a promover um papel mais importante do mecanismo de cooperação dos BRICS na governação global e a tornar a voz dos BRICS mais forte”.

Expansão em causa?

A importância desta cimeira não se pauta apenas por ser a primeira desde a pandemia, e também a primeira que conta com a participação de Lula da Silva como Presidente do Brasil no seu terceiro mandato. Em causa pode estar a expansão do grupo fundado em 2006 com a adesão de mais países, existindo 22 nações que já mostraram esse interesse. O próprio Lula da Silva defendeu a entrada de nações como a Argentina, Venezuela, Arábia Saudita e Emirados Unidos no grupo.

Segundo a BBC Brasil, poderão ser mesmo analisados nesta cimeira os critérios e condições de adesão, sendo que um cenário de expansão poderia interessar à China. Em Maio do ano passado, Wang Yi, ministro dos Negócios Estrangeiros, disse mesmo que “a China propõe iniciar o processo de expansão do BRICS, explorar um critério e procedimentos para a expansão e, gradualmente, formar um consenso”.

A expansão do bloco está a ser ponderada para que haja um equilíbrio em termos do interesse dos seus membros. Ouvida pela BBC Brasil, Marília Souza Pimenta, professora de relações internacionais da Universidade Estadual de São Paulo, disse que “a entrada de novos países, a priori, tende a diminuir o poder relativo do Brasil no Bloco rumo à consolidação da liderança e influência chinesa”.

Segundo a Xinhua, Anil Sooklal, embaixador da África do Sul junto dos BRICS, defendeu que 22 países abordaram formalmente os países do BRICS para se tornarem membros de pleno direito. “Há um número igual de países que têm perguntado informalmente sobre a possibilidade de se tornarem membros do BRICS”, revelou o diplomata.

A Argélia foi um dos últimos países a mostrar esse interesse. “Candidatámo-nos oficialmente para fazer parte do grupo BRICS e enviámos uma carta a pedir para sermos membros accionistas do banco (Novo Banco de Desenvolvimento)”, disse o presidente argelino Abdelmadjid Tebboune à Ennahar TV, uma estação de televisão árabe, em 22 de Julho.

A Xinhua cita ainda o jornal Mainichi Shimbun, um diário japonês, que refere que Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Nigéria e outros países produtores de petróleo também apresentaram candidaturas. Caso os processos sejam aprovados, “os membros dos BRICS irão cobrir mais de metade dos recursos mundiais de petróleo e gás”, pode ler-se.

O bloco dos BRICS é ainda descrito pela Xinhua como “uma força positiva, estável e construtiva” em matéria de relações externas”, sendo que o Novo Banco de Desenvolvimento e o Acordo de Reserva Contingente dos BRICS podem “apoiar as economias com dificuldades de pagamento” perante as “rigorosas políticas económicas do Fundo Monetário Internacional”.

Daniel Bradlow, professor na Universidade de Pretória, defendeu que “o Novo Banco de Desenvolvimento se tornou a realização mais proeminente”, conduzindo “ao aumento do comércio entre os países e conquistado alguma atenção internacional”. A Xinhua destacou ainda as palavras do Presidente de Cuba, Miguel Diaz-Canel, sobre o multilateralismo patente na acção dos BRICS. Os membros do grupo “estão a contrariar o conceito da Guerra Fria e a abrir a possibilidade de uma ordem internacional mais equitativa e justa que beneficie o mundo”.

Acima de tudo, observadores consideram que o bloco BRICS vai procurar estabelecer uma nova relevância face à guerra da Rússia na Ucrânia, à competição global entre os gigantes asiáticos China e Índia, e perante a derrapagem da economia da África do Sul, apesar de ser o maior produtor mundial de platina e um dos principais produtores de ouro.

22 Ago 2023

Classe sanduíche | Idades de candidatura iguais à habitação económica

As idades mínimas para concorrer a uma habitação intermédia são de 18 e 23 anos, se os pedidos forem em nome de uma família ou individualmente. Porém, os limites mínimos e máximos de rendimentos são superiores à habitação económica. Os requisitos foram ontem divulgados com a publicação da lei da habitação intermédia para a “classe sanduíche”

 

Os residentes que pertencem à chamada classe média e não conseguem comprar uma casa no mercado imobiliário privado, nem correspondem aos critérios para concorrer a uma habitação económica por terem rendimentos acima dos requeridos, podem agora começar a pensar no futuro de outra forma. Isto porque foi ontem publicado no Boletim Oficial (BO) o regime jurídico da habitação intermédia, destinada à chamada classe média, também conhecida como classe sanduíche.

São, assim, conhecidos os critérios de candidatura para estas casas que, em matéria de idade, são semelhantes aos da habitação económica: caso se candidatem a título familiar, os interessados devem ter mais de 18 anos de idade, enquanto numa candidatura a título individual, os jovens devem esperar um pouco mais para submeter a documentação, só podendo concorrer a partir dos 23 anos.

Todos os candidatos devem ser residentes permanentes e habitantes da RAEM “de forma contínua ou intermitente” há, pelo menos sete anos.

Determina-se ainda que, nos dez anos anteriores à data da apresentação da candidatura, os candidatos ou elementos do seu agregado familiar não podem ter assumido as posições de promitentes-compradores, co-promitentes-compradores, proprietários ou comproprietários de prédios ou apartamentos residenciais, ou ainda de terrenos.

Também não podem candidatar-se concessionários de terrenos do domínio privado da RAEM. De fora ficam também os candidatos ligados a processos de candidatura à habitação económica.

Relativamente aos rendimentos mensais dos candidatos, caberá ao Chefe do Executivo definir os limites mínimo e máximo em despacho. Os limites são, no entanto, superiores aos que vigoram na habitação económica, conforme as percentagens constantes na lei.

Assim, a legislação determina que “o limite mínimo de rendimento mensal do candidato e dos elementos do seu agregado familiar [deve ser] igual a 50 por cento do limite máximo de rendimento mensal fixado para a aquisição de habitação económica”. Por sua vez, o “limite máximo de rendimento mensal do candidato e dos elementos do seu agregado familiar é igual ao limite máximo de rendimento mensal fixado para a aquisição de habitação económica, acrescido de 10 por cento”.

Na prática, um candidato a título individual a uma casa de habitação intermédia não poderá ter rendimentos mensais inferiores a 19,175 patacas, nem mais de 42,185 patacas.

O lado material

Em termos de património líquido, o candidato não pode ser proprietário de apartamentos ou outros bens no valor superior a 1,5 milhões de patacas, mais 20 por cento em relação ao limite máximo definido para cumprir os requisitos de admissão às habitações económicas.

Entende-se por património líquido casas, incluindo as que são adquiridas nos casos de sucessão, bem como “estabelecimentos industriais ou comerciais, quotas, acções, participações ou outras partes sociais do capital em sociedades civis ou comerciais, direitos sobre embarcações, aeronaves ou veículos, valores mobiliários, bem como contas bancárias, numerário, direitos de crédito, obras de arte, joalharia ou outros objectos, de valor superior a 5.000 patacas”.

Cabe também ao Chefe do Executivo definir o preço da venda das casas e o respectivo rácio de compensação, tendo como base “o preço de venda da fracção” e “o valor de mercado avaliado pelo Instituto de Habitação com base no preço dos edifícios habitacionais privados das zonas adjacentes no início da venda das fracções”, entre outros critérios.

Uma ideia antiga

A habitação para a chamada classe sanduíche é um dos muitos programas habitacionais que o Governo está a desenvolver neste momento para dar resposta aos preços elevados do sector imobiliário e às necessidades de muitas famílias que não conseguem adquirir casa própria. Os residentes dispõem ainda da zona A dos novos aterros, que terá habitação pública e privada, e ainda a opção do “Novo Bairro de Macau” na Zona de Cooperação Aprofundada em Hengqin.

O regime jurídico entra em vigor a 1 de Abril do próximo ano e prevê a construção de sete a dez mil casas no total, embora agora se avancem apenas com quatro mil construídos nos terrenos da avenida Wai Long, perto do Aeroporto Internacional de Macau.

O projecto de construção de habitação para a chamada classe sanduíche esteve em consulta pública em 2020. Mas já nos anos anteriores deputados e analistas alertavam para a necessidade de dar resposta ao segmento da população residente que não correspondia aos critérios do Governo para concorrer a uma casa económica ou social, mas para quem o mercado privado era inacessível.

Em Abril de 2021, o então deputado Au Kam San colocou questões sobre esta matéria. “O Governo está a pensar criar habitação para a classe de sanduíche, para satisfazer as necessidades habitacionais e de aquisição de imóveis desta classe. Todavia, esta habitação não deve ser pública, porque se o for, será só uma segunda versão avançada da habitação económica, e mais um ‘beco sem saída'”.

Au Kam San lembrou, à data, que “só com dois tipos de habitação pública – económica e social”, o Governo se encontrava “numa situação dificílima, porque mesmo esgotadas todas as suas forças, não consegue satisfazer as necessidades sociais”. O deputado pedia, assim, uma definição clara de classe sanduíche e quantas casas seriam necessárias para este segmento da população de Macau.

Só em Agosto do ano passado o Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, disse na Assembleia Legislativa (AL) que os terrenos na avenida Wai Long, recuperados pelo Governo depois do polémico caso La Scala, seriam destinados para a habitação intermédia, dado que “muitos jovens estão a trabalhar no Cotai e, se calhar, essas habitações correspondem melhor às suas necessidades”.

E os preços?

À semelhança do que tem acontecido com a habitação pública, os futuros preços das casas de habitação intermédia têm gerado grande debate entre os deputados, que questionam se a nova política vai, de facto, corresponder aos rendimentos da classe média. Mais recentemente, o deputado Zheng Anting interpelou o Governo sobre esta matéria. “Alguns residentes temem que o preço da habitação para a classe intermédia, 5000 patacas por pé quadrado de área útil, segundo a previsão do Governo, seja demasiado alto e incomportável. Como vai o Governo, sem prejuízo da qualidade da construção, reduzir quanto possível os custos de construção e administrativos, para garantir um preço adequado?”, questionou.

Num artigo de opinião publicado em Dezembro no semanário Plataforma, o deputado Leong Sun Iok abordou também a questão dos preços dos apartamentos, defendendo que existe o risco de se fomentar especulação imobiliária. “Com base nas informações apresentadas pelo Governo, a qualidade, tamanho e instalações de apoio ao esquema de habitação para a classe sanduíche são melhores que os da habitação económica. Por isso, há receio de que estas novas habitações se tornem num novo alvo de especulação imobiliária. Não se exclui a possibilidade de repetir a mesma competição feroz do passado, quando a antiga habitação económica estava aberta a candidaturas e negou o acesso àqueles que realmente precisavam.”

Leong Sun Iok falou ainda da necessidade de convergência nas diversas políticas habitacionais em curso. Cabe, assim, às autoridades “preconizar uma maior articulação entre os apartamentos para a classe sanduíche e económica, para que os residentes possam ter, pelo menos, uma oportunidade de troca e assim ir ao encontro das necessidades de desenvolvimento da sua família”.

21 Ago 2023

China | Desafios económicos não afectam de imediato investimento

A economia chinesa abranda e o sector imobiliário é um dos primeiros a dar sinais de alerta, mas nem assim se esperam consequências negativas no investimento que está a ser feito em Portugal. Contudo, o cenário de abrandamento económico pode ter impactos em toda a Europa

O abrandamento da economia chinesa e a crise imobiliária podem afectar a Europa, segundo os economistas consultados pela Lusa, que, contudo, não se mostram apreensivos sobre consequências imediatas para o investimento directo do país em território luso.

De acordo com dados do Banco de Portugal (BdP), o investimento chinês em Portugal – incluindo aquele que é feito através de subsidiárias detidas em outros países – subiu para 12.510 milhões de euros no primeiro trimestre deste ano.

Contudo, a tríade abrandamento económico, crise imobiliária e deflação podem levar a segunda maior potência económica a encolher o investimento directo estrangeiro a nível global.

Apesar de admitir que uma paragem do investimento chinês pode ter repercussões, o bastonário da Ordem dos Economistas e professor do ISEG [Instituto Superior de Economia e Gestão], António Mendonça, em declarações à Lusa, afasta para já a ideia de que a actual situação na China “terá consequências imediatas em Portugal”, acreditando que não abalará o interesse do gigante asiático no país, já que “pode haver situações intermédias”.

A condicionar o investimento poderão estar, antes, decisões políticas internas portuguesas, segundo o economista e presidente do ‘think-tank’ Internacional Affairs Network, Luís Tavares Bravo, que aponta as recentes maiores limitações de acesso ao programa ‘Vistos Gold’ como “um factor adicional de menor investimento proveniente da China, pelo menos durante o primeiro ano de ajustamento às novas regras de acesso à residência fiscal em Portugal”.

Uma questão de números

O investimento chinês em Portugal aumentou no primeiro trimestre deste ano quer face aos 10.744 milhões de euros registados no período homólogo do ano passado quer face aos 11.228 milhões de euros do quarto trimestre de 2022, segundo dados do BdP (que serão atualizados em 21 de Agosto). Os números revelam que este é o nível mais elevado desde o primeiro trimestre de 2019, início da série disponível.

No entanto, a queda do indicador de investimento estrangeiro da China a nível global para mínimos de 25 anos no segundo trimestre, com os passivos a diminuírem para 4,9 mil milhões de euros, fez soar alguns alarmes.

Luís Tavares Bravo considera que “a menor impetuosidade da China, que foi a mais influente no crescimento global da última década pode afectar toda a economia europeia, e também Portugal”.

Destacando que “na última década a China representou cerca de 40 por cento do valor do crescimento da economia global”, salienta que “as notícias recentes dão conta de maior fragilidade económica”, já que “a recuperação da actividade após o levantamento das restrições covid não tem sido o que se esperava”, as exportações estão em queda há três meses consecutivos e as importações há cinco meses, ao que se associa a “queda generalizada de preços que vão desde a componente imobiliária aos bens alimentares”.

“A materializar-se o pior cenário, as repercussões destes factores são obviamente impactantes no gigante asiático e podem condicionar a recuperação da economia mundial afectando a procura global e o comércio internacional – a China, por exemplo, é o maior consumidor mundial de matérias-primas – contrariando inclusivamente as expectativas mais optimistas para este ano, que aguardavam um impulso mais forte por parte dos consumidores da China”, salienta.

Casas sem liquidez

Paralelamente, a China vive uma nova crise de liquidez no imobiliário, com várias construtoras chinesas em risco de entrarem em incumprimento, naquele que é um sector crucial para o país e que viu os preços dos imóveis a caírem, pelo segundo mês consecutivo, em Julho.

Os mais recentes episódios da Country Garden – uma das maiores construtoras do país, que não conseguiu cumprir com o pagamento do cupão de dois títulos obrigacionistas – ou da empresa de gestão de fortunas Zhongrong International Trust – com grande exposição ao sector imobiliário, que deixou também de pagar dividendos em alguns produtos de investimento – levantaram novos receios sobre o impacto no sistema financeiro e na economia.

“A questão está também associada à capacidade de o Governo chinês conseguir intervir de modo a conter a desconfiança que pode advir deste problema, e desta forma conter, por um lado a desconfiança e fuga de capitais deste sector, e por outro uma espiral descontrolada de queda dos preços no imobiliário”, salienta Luís Tavares Bravo.

O economista considera que “à partida, esta bolha poderá ser controlada, mas o Governo chinês tem de facto um delicado exercício de equilíbrios para gerir, uma vez que se encontra também a gerir uma transição de modelo de crescimento da economia”, também esta com um endividamento “significativo”.

Num ‘research’ da Allianz Global Investors (AllianzGI), a que a Lusa teve acesso, o economista da gestora responsável pelo acompanhamento da Ásia-Pacífico, Christiaan Tuntono, assinala esperar que sejam anunciadas medidas de flexibilização nos próximos meses.

O economista considera que poderão ser contempladas medidas quer do lado da procura, como por exemplo, “menor exigência de entrada, definição mais flexível para a primeira hipoteca da casa, relaxamento nas restrições de compra de casa”, quer do lado da oferta, como “apoio financeiro para apoiar a conclusão da casa”.

“Na frente da política monetária, acreditamos que há hipótese de ver mais liquidez bancária e flexibilização da taxa de juros pelo Banco Popular da China [PBoC, na sigla em ingês]”, acrescenta.

Além de responder a estes desafios, a China mostra-se comprometida em “optimizar ainda mais o ambiente para o investimento estrangeiro” e “intensificar os esforços para atrair investimento externo”, tendo o Conselho de Estado chinês publicado directrizes para o efeito.

Economia em mudança

O economista António Mendonça realça que o conjunto de choques externos – que começou com a crise de 2008, a covid-19 e depois a guerra na Ucrânia – acentuaram algumas tendências de transformação da economia mundial: “Estamos a viver um momento de grandes alterações económicas, de alteração de forças”, destaca, defendendo que “tudo aquilo que se passar tem consequências sérias não apenas do ponto de vista interno [para a China] como mundial”.

O bastonário considera que além dos factores de natureza internacional, poderá existir “a necessidade de o próprio modelo de crescimento chinês ser objecto de revisão”, para um em que “a procura interna passe a ter um peso mais importante”.

Tal também iria permitir, refere, “contrabalançar as próprias restrições que estão a ser colocadas pelo Ocidente, nomeadamente pelo EUA e Europa”.

“Por um lado, a Europa quer diminuir os laços de dependência com a China, por outro depara-se com a China ser o maior parceiro comercial. Se houver uma ruptura muito rápida originará consequências negativas”, alerta, acrescentando que caso se adicione “a toda esta complexidade, os factores de natureza política e de geopolítica temos uma panela de pressão”.

Excluindo o investimento directo português no próprio país (ocorre quando o investimento tem origem e destino em Portugal sendo feito por entidades intermediárias residentes noutros territórios, como o Luxemburgo ou Países Baixos), a China é o quarto país que mais investe em Portugal, sobretudo através de subsidiárias no Luxemburgo e Hong Kong, nas áreas da electricidade, gás e água e serviços.

Não considerando a utilização de outros mercados como veículos para investir em território português, o valor do investimento chinês em Portugal situa-se muito abaixo destes níveis, com o país a sair do ‘top cinco’.

No primeiro trimestre deste ano, o investimento directo de contraparte imediata chinês cifrava-se em 3.294 milhões de euros, uma subida face aos 2.983 milhões de euros no período homólogo e aos 3.220 milhões de euros do quarto trimestre de 2022.

20 Ago 2023

Educação | Escolas com autonomia para definir regras do uso de telemóveis

Desde 2021 que na China as escolas proíbem os alunos de usar telemóveis nas salas de aula. Em Macau, o Governo dá orientações, mas cada escola define as regras para o uso de telemóveis. Pais e professores defendem a integração dos aparelhos no sistema de ensino

 

Vivemos colados ao ecrã do telemóvel grande parte do dia, respondendo a mensagens e vendo as últimas actualizações das inúmeras aplicações e publicações de redes sociais. No caso de crianças e adolescentes, esse fenómeno é também evidente, debatendo-se cada vez mais qual deve ser o lugar do telemóvel, tablet ou smartwatch [relógios inteligentes, com funcionalidades semelhantes a um telemóvel] na sala de aula, tendo em conta que o excesso de horas a olhar para o ecrã pode ser prejudicial para a saúde, além de reduzir drasticamente o nível de atenção nas aulas.

Na China proíbe-se, desde 2021, o uso de telemóveis nas salas de aula das escolas do ensino não superior. No caso de Macau, as escolas têm autonomia para regular este comportamento, apesar de a Direcção dos Serviços de Educação e de Desenvolvimento da Juventude (DSEDJ) estar atenta à problemática, tendo fornecido informações de referência através do Guia de Funcionamento das Escolas. Aponta a DSEDJ que “as escolas de Macau definem, de acordo com a sua organização das aulas, as regras para o uso de equipamentos electrónicos nas escolas”.

O organismo acrescenta ainda, em resposta ao HM, que, através do Guia de Funcionamento das Escolas, são feitas sugestões sobre “a utilização dos materiais informáticos e o apoio aos alunos para estes aproveitarem [as vantagens] da Internet”, sendo aconselhado que “as escolas planeiem as actividades pedagógicas e a distribuição dos trabalhos de casa realizados com meios electrónicos”.

As directivas emitidas pela DSEDJ têm como referência as sugestões dos Serviços de Saúde sobre o número de horas diárias de utilização dos dispositivos electrónicos com ecrã em diferentes faixas etárias. Desta forma, “pretende-se orientar os alunos a utilizarem, de forma razoável, os produtos electrónicos na aprendizagem, orientando-os para uma atitude e hábitos de utilização correcta da Internet e do telemóvel, equilibrando, deste modo, os seus tempos lectivos e de lazer”.

Além da adopção deste Guia, a DSEDJ afirma que “tem mantido uma comunicação estreita com todas as escolas de Macau, aconselhando-as sobre os aspectos a terem em atenção e realizando, com estas, intercâmbios sobre diversos assuntos de interesse social, de modo a facilitar a elaboração e a implementação de políticas educativas”.

EPM proíbe

No caso da Escola Portuguesa de Macau (EPM) as regras estão há muito definidas no estatuto da própria instituição de ensino, lendo-se que “nas salas de aula é expressamente proibido o uso de telemóveis, smartwatches e de quaisquer outros equipamentos que perturbem o normal funcionamento da aula”.

Filipe Regêncio Figueiredo, presidente da Associação de Pais da EPM, entende que o sistema, em termos gerais, “tem corrido bem”, embora defenda que a EPM deveria apostar na criação de “mecanismos para ensinar os miúdos a usar o telemóvel”, pois a questão mais importante não é a sua utilização em contexto escolar. “Não basta proibir. Não vale a pena esconder uma realidade tão evidente. Se os miúdos usam o telemóvel, muitas vezes mal, preferia que a escola pudesse integrar a sua utilização para que as crianças percebessem que o uso de equipamentos informáticos pode ter utilidade.”

Assim, o responsável considera que a escola poderia fazer um trabalho de “pedagogia sobre a utilização saudável sobre este tipo de aparelhos”.

Usar com autorização

No caso da Escola Oficial Zheng Guanying, as regras para o uso de dispositivos electrónicos definem-se no Código de Conduta dos Alunos. Assim, logo a partir do ensino primário, lê-se que o aluno se responsabiliza com a seguinte regra: “Devo cumprir que não trago telemóveis e computadores tablet para a escola, sem autorização expressa, por escrito, da escola”. Semelhante directiva existe para os alunos do ensino secundário, cujo uso do telemóvel é bastante mais frequente, adicionando-se ainda que, durante as aulas, se deve “colocar em cima da mesa apenas o livro e o material escolar necessário”.

Natacha Gonçalves é professora de inglês do ensino primário nesta instituição de ensino, cujos alunos não usam ainda telemóvel ou outro tipo de dispositivos. Ainda assim, recorda o episódio de um estudante que recebeu dos pais um smartwatch que recebe telefonemas. “Ele usou aquilo durante uma hora apenas, dentro da sala de aula. A directora de turma avisou-me logo que os miúdos não poderiam usar esse tipo de aparelhos.”

Além do que consta no Código de Conduta dos alunos, ficou definido, desde o Verão passado, que os alunos do ensino secundário devem deixar os telemóveis numa caixa fechada à chave assim que chegam ao recinto escolar. “Só a funcionária tem a chave e mesmo nos intervalos grandes os alunos não têm acesso ao telemóvel, recebendo-o apenas à hora de almoço”, aponta Natacha.

A docente aponta ainda que, no caso da EPM, onde os seus filhos estudam, faz-se uma gestão autónoma da questão, dependendo da turma e do professor. “Na EPM os meus filhos sempre tiveram os telemóveis dentro das salas, nos bolsos. Quando fazem barulho eles vão ver as mensagens que receberam, sendo que alguns professores reclamam, outros não. Os docentes acabaram por gerir a situação e habituaram-se à forma de agir dos miúdos. A escola não regula que eles têm mesmo de entregar os telemóveis.”

Natacha Gonçalves entende que existem diversas perspectivas, negativas e positivas, sobre o uso de telemóveis nas salas de aula, podendo até ser integrados no sistema de ensino. “Caso trabalhemos com alunos adolescentes, e se estivermos a ensinar uma língua estrangeira, deveria ser instituído o uso do telemóvel para a pesquisa de certos termos e conceitos. O telemóvel acaba por ser uma ferramenta de trabalho engraçada”, disse.

Desta forma, a professora de inglês acredita que “deve haver um equilíbrio”, lembrando que, acima de tudo, um telemóvel é um bem pessoal que não pode ser retirado de ânimo leve ao seu proprietário. “No meu caso odiaria que me tirassem o telemóvel ou me impedissem de o usar. Será que podem ter direitos sobre uma coisa que nos pertence? Acho que há aqui várias questões [a ter em conta]”, rematou.

Segundo a Xinhua, as regras definidas para o ensino fundamental e médio na China, em 2021, com base numa informação do Ministério da Educação, proíbem mesmo o uso de telemóveis. Caso os estudantes tenham mesmo de usar o telemóvel nas instalações de ensino deve ser submetido um pedido próprio, com o consentimento, por escrito, dos encarregados de educação. Caso este pedido seja aprovado, os estudantes devem deixar os aparelhos com os funcionários, não os podendo usar durante o período de aulas.

O relatório anual da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) sobre a tecnologia na educação, divulgado no mês passado, deixa recomendações para o uso de telemóveis na sala de aula, não só por poderem perturbar a ordem da aula e a atenção do estudante à matéria dada, mas também devido à possibilidade de ocorrência de casos de bullying digital.

Segundo o jornal Público, o relatório aponta que o uso de telemóveis deve limitar-se apenas às actividades curriculares, sendo recomendável a proibição de utilização caso se verifique que a integração dos aparelhos com os conteúdos pedagógicos não funciona na prática, ou perturba o normal funcionamento da aula. Alémdo problema do bullying digital, estar demasiadas horas a olhar para um ecrã pode resultar em problemas do foro físico e mental para os mais novos.

18 Ago 2023

Família | Estudo defende incentivos a empresas para colmatar falta de apoios

Dois académicos da UPM entendem que o Governo pode incentivar as empresas “a conceder subsídios e inovar o regime de férias” relativamente às medidas de apoio às famílias, que não estão ainda generalizadas na sociedade. O estudo de Chong Leng Leng e Yin Yifen sugere a diferenciação entre os conceitos de políticas destinadas à família e políticas sociais

 

Um estudo recentemente publicado na revista “Administração”, publicação da Direcção dos Serviços de Administração Pública, conclui que não cabe apenas ao Governo desenvolver as políticas de apoio à família, mas que este tem um “papel predominante” que “pode traduzir-se em incentivos às empresas para conceder subsídios e inovar o regime de férias”.

A ideia é deixada pelos autores do estudo, Chong Leng Leng, doutoranda pela Universidade Politécnica de Macau (UPM) e vice-presidente da Associação Geral das Mulheres de Macau, e Yin Yifen, professor da UPM, no estudo intitulado “Compreensão das Políticas de Macau Favoráveis à Família”, um “resultado intercalar” de outro trabalho, o “Estudo sobre a Inovação do Sistema de Gestão da Região Metropolitana de Nível Mundial da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”, projecto desenvolvido com o apoio do Fundo Nacional para as Ciências Sociais.

Os autores da análise frisam que “a concretização das políticas favoráveis à família não depende só do Governo”, mas sim “das relações de cooperação com o mercado e a sociedade”, permitindo a formação de um “quadro institucional em que o Governo, as organizações a comunidade e as associações sociais” trabalham em conjunto.

Ao Governo compete ainda estabelecer condições para “mobilizar plenamente o entusiasmo da sociedade e das empresas” em prol do “desenvolvimento das políticas de Macau favoráveis à família”.

Os académicos entendem ainda que, neste contexto, é fundamental ter em atenção que, hoje em dia, as mulheres trabalham cada vez mais fora de casa, contam no currículo com habilitações de estudos superiores, e não se dedicam apenas à família. Assim, “a promoção do desenvolvimento das mulheres e a igualdade de género devem ser nucleares para a futura implementação das políticas de Macau favoráveis à família”, contribuindo “para promover de forma eficaz a sua optimização e implementação”.

Licença para ser mãe

O estudo aponta também que “com o aumento da proporção de mulheres e mães na força laboral que as políticas favoráveis à família têm vindo a ganhar cada vez mais atenção”. Do rol de medidas destacam-se a licença de maternidade e o tempo de amamentação.

Enquanto a amamentação tem sido alvo de debate na sociedade, os autores destacam que a licença de maternidade aumentou nos últimos anos, sendo hoje de 70 dias pagos, e que foi estabelecida a licença de paternidade de cinco dias.

Outra medida destacada no estudo é o aumento do subsídio de nascimento, por filho, no valor de 5418 patacas.

São ainda apresentados vários exemplos do prazo da licença de maternidade noutros países, nomeadamente a Dinamarca, onde o casal usufrui, no total, de 52 semanas de licença parental, sendo que, destas, 18 são de licença de maternidade. No Reino Unido a licença parental legal é de 54 semanas, incluindo 39 semanas de licença de maternidade remunerada, duas semanas de licença de paternidade remunerada e 13 semanas de licença parental legal e não remunerada.

Na Alemanha são atribuídas, por exemplo, 14 semanas de licença de maternidade para mães solteiras, enquanto as mães que estão num relacionamento têm direito a 12 semanas.

No caso da China, os autores do artigo citam outros académicos quanto ao facto de as políticas do sistema de segurança social chinês não chegarem a todos. “Com a excepção do seguro de maternidade, as medidas favoráveis à família apenas beneficiam algumas famílias e grupos especiais”, além de que “a protecção é bastante limitada”. Desta forma, “um tal sistema de segurança social necessita de uma reforma à luz da nova política populacional”.

Políticas não generalizadas

Uma crítica deixada pelos autores do estudo publicado na revista Administração aponta para a falta de generalização deste tipo de políticas, tendo em conta os resultados do “Inquérito sobre a situação actual das políticas favoráveis à família na sociedade de Macau”, lançado em 2021. Ou seja, os autores entendem que “embora as políticas de Macau favoráveis à família tenham conhecido um certo desenvolvimento nos últimos anos, as medidas de harmonia familiar ainda não foram generalizadas na sociedade”, existindo ainda “muito espaço para melhoria” destas medidas.

O referido inquérito, citado pelos autores do estudo, revela que mais de 84 por cento dos trabalhadores entrevistados afirmaram sofrer de “limitações físicas e psicológicas devido ao desequilíbrio na vida profissional”, algo que “afecta os cuidados da família”.

Por sua vez, “cerca de 70 por cento dos trabalhadores entrevistados afirmaram que a empresa não implementou medidas favoráveis à família”. Apenas 35 por cento dos inquiridos disseram que a empresa onde trabalham implementou “opções flexíveis” em matéria de férias.

Clarificações por fazer

Chong Leng Leng e Yin Yifen destacam no seu trabalho que as autoridades desenvolveram, nos últimos anos, diversas políticas de apoio às famílias, destacando também a implementação da nova lei de prevenção e combate à violência doméstica, em 2016. Ainda assim, entendem que devem ser promovidas “medidas eficazes de harmonia familiar”, lembrando que não é ainda clara a definição de medida social e medida do âmbito familiar.

Isto porque não existe, no território, “um critério absoluto correcto inerente ao desenvolvimento das políticas de Macau favoráveis à família”. Desta forma, e tendo em conta diversos factores interligados com as políticas familiares, estas devem definir-se consoante “a situação real da cidade”.

“De acordo com a situação actual, o mais importante é identificar a fase e os problemas em que se encontram as políticas de Macau favoráveis à família, a fim de definir o rumo de aperfeiçoamento das políticas.” Os autores descrevem, ser “necessário proceder a uma investigação profunda e a uma análise sobre a situação actual e as necessidades das políticas favoráveis à família”, a fim de ajudar “as famílias em que ambos os elementos do casal tenham empregos a aliviarem a pressão sentida tanto no trabalho como na família”.

Além disso, os académicos não esquecem o contexto demográfico e o facto de Macau estar a enfrentar uma situação de envelhecimento populacional com tendência crescente, associada “ao aumento da taxa de emprego feminino e a uma diminuição da taxa de fertilidade”.

Dados da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC) mostram que Macau tinha, em 2017, 74.100 idosos com idade igual ou superior a 65 anos, representando 12,8 por cento da população local. Em 2020 havia já 88.300 idosos com 65 ou mais anos, representando 15,7 por cento da sociedade.

Relativamente, à mão-de-obra feminina, esta constituía, em 2017, 66,3 por cento de toda a força laboral, com 191,4 mil mulheres no activo, número que passou para as 202,3 mil mulheres no mercado de trabalho local em 2020. Os autores destacam também que, “nos últimos anos, a taxa de natalidade em Macau tem vindo a diminuir de ano para ano”, de 11 por cento em 2016 para 8,1 por cento em 2020.

16 Ago 2023

Novo Bairro de Macau | Previsto impacto reduzido no imobiliário local

Em Setembro começam a ser vendidas casas no Novo Bairro de Macau em Hengqin, mas analistas acreditam que, a curto e médio prazo, o impacto no mercado imobiliário local será pouco visível. Além dos preços das habitações não serem acessíveis a muitos residentes, existem ainda constrangimentos legislativos e logísticos a ter em conta

 

A Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin soma uma longa variedade de planos e projectos em curso, sendo um deles o do Novo Bairro de Macau, com capacidade para quatro mil apartamentos destinados a residentes da RAEM. Mas até que ponto este projecto, que visa fomentar a cooperação e integração regional entre Macau e Hengqin, irá ter impacto no mercado imobiliário local? Analistas ouvidos pelo HM dizem que as repercussões a curto e médio prazo serão reduzidas.

Rose Lei, académica da Universidade de Macau (UM) e especialista em imobiliário, adiantou que o “impacto poderá ser diferente ao longo do tempo”. Para já, “não é ainda muito perceptível, porque a ideia de viver nessa região é ainda nova”. “As pessoas podem optar por esperar para ver. Se este primeiro lote de unidades [residenciais] vender bem, as pessoas começarão a adaptar-se à possibilidade de se mudarem para Hengqin. Como consequência, o preço da habitação [no território] será afectado de forma negativa. Outro factor a ter em conta é o número de residentes com emprego em Hengqin, que, de momento, não é grande”, acrescentou.

Rose Lei entende que “será natural considerar Taipa e Coloane como as primeiras zonas afectadas” caso haja um impacto do Novo Bairro de Macau no imobiliário local, embora “não seja necessariamente esse o caso”. “O projecto afectaria, sobretudo, as unidades habitacionais de dimensão e qualidade semelhantes, que sejam propriedade de residentes que trabalhem em Hengqin ou que tenham flexibilidade suficiente para viver em Hengqin”, frisou.

Suzanne Watkinson, directora-geral da agência imobiliária Ambiente Properties Limited, diz não acreditar que o projecto do Novo Bairro de Macau “venha a ter impacto nos preços da habitação em Macau”, pois com apenas quatro mil fracções terá capacidade para acomodar menos de um por cento da população local, “o que não é suficiente para movimentar o mercado”.

No entanto, “se o projecto se revelar um catalisador para a deslocação de muitos milhares de pessoas para outros projectos de habitação em Hengqin ou Zhuhai, então poderá haver um impacto a longo prazo”.

Se o projecto urbanístico vier a afectar o mercado imobiliário local, este impacto será mais visível “nas zonas mais antigas da península, atraindo reformados, jovens que compram casa pela primeira vez e aqueles que procuram melhorar as suas propriedades em Macau”. Depois seguir-se-á o impacto nas ilhas de Taipa e Coloane.

Procura reduzida

A agente imobiliária não tem dúvidas de que “a curto e médio prazo a procura pelo Novo Bairro de Macau por parte dos residentes será reduzida”, pelo menos até que infra-estruturas sociais estejam mais desenvolvidas. “A zona é bastante remota”, disse, além de que “a maioria das pessoas em Macau procura maior comodidade do que um nível de vida mais elevado”.

Suzanne Watkinson entende que “os habitantes de Macau estão ainda relutantes em atravessar uma ponte de Macau para a Taipa, pelo que se prevê a mesma relutância em fazer uma viagem diária entre o norte de Hengqin e Macau”. Além disso, “não é conveniente realizar compras na zona, e vemos que, actualmente, há apenas um conjunto de pequenas lojas que servem o Novo Bairro e que parecem estar a perder dinheiro, pelo que poderão não conseguir sobreviver por muito mais tempo e ter de fechar”.

Além disso, em termos de opções educacionais para famílias, a agente imobiliária pensa que “os habitantes de Macau hesitam em transferir os seus filhos para escolas na China, preferindo mantê-los no sistema escolar de Macau”.

O facto de a ideia de viver em Hengqin parecer descabida para muitos residentes poderá estar relacionada com o facto de ainda existirem “dificuldades de integração de Hengqin e Macau devidas às políticas de entrada, controlo alfandegário, inspecções sanitárias, medidas de prevenção e controlo da epidemia, entre outros factores”, conforme descreveu o economista Lao Pun Lap num estudo recente, publicado pela revista Administração. O autor frisou mesmo que “até este momento o número de residentes que optam por se deslocar à Zona de Cooperação é relativamente reduzido”.

Legislação e investimento

Suzanne Watkinson defende ainda que o Novo Bairro de Macau “não é popular como [forma de] investimento”, e as razões prendem-se com a necessidade de cumprimento de legislações diferentes. “A compra de um imóvel na China está sujeita aos caprichos da regulamentação local. No caso do projecto do ‘Novo Bairro de Macau’, os regulamentos da cidade de Zhuhai determinam que as casas recém-adquiridas devem ser registadas durante três anos após a obtenção do ‘Certificado de Propriedade Imobiliária’ e só após um total de cinco anos podem ser transferidas, sem penalizações, para um residente de Macau que cumpra os requisitos”, alertou a responsável.

“Sabemos de pessoas que compraram em Zhuhai e agora as suas propriedades valem uma fração do custo”, sendo este “um problema comum da oferta e procura na China”, onde há “demasiada nova oferta” em termos de imobiliário.

A responsável alerta ainda para os preços elevados das habitações no Novo Bairro, que rondam os três e quatro milhões de renminbis, sendo que “para quem precisa de uma hipoteca, com juros, custará cerca de cinco a seis milhões”.

Assim, “as muitas unidades residenciais subsidiadas pelo Governo que estão a ser construídas na zona A serão provavelmente uma opção mais popular quando estiverem concluídas e disponíveis”.

O facto de existirem diferentes legislações em Macau e Hengqin pode ainda trazer problemas caso o residente queira vender a sua casa no Novo Bairro. “Será que os fundos podem ser transferidos para Macau? Continuamos a ouvir histórias de residentes de Macau que tentam transferir fundos das suas contas em Hengqin de volta para Macau, mesmo que sejam apenas algumas centenas de milhar de renminbis, e descobrem que as suas contas foram congeladas.”

Uma experiência “inédita”

Suzanne Watkinson entende que o Novo Bairro de Macau em Hengqin “é uma experiência inédita” cujo modelo, se for bem-sucedido, “poderá ser replicado”. “Uma das razões culturais e sociais pelas quais mais pessoas de Macau e de Hong Kong não se mudam para o continente é o facto de algumas preferirem viver com vizinhos que são seus compatriotas de Macau ou de Hong Kong em vez de viverem na China. O projecto do Novo Bairro de Macau constituirá uma experiência social interessante a este respeito.”

Acima de tudo, a directora-geral da Ambiente Propterties Limited pensa que o Governo Central “não irá permitir a ocorrência de uma crise imobiliária prolongada em Macau”, intervindo “através de medidas de adaptação caso as circunstâncias o exijam”. “O objectivo [do Novo Bairro de Macau] é proporcionar mais espaço e melhorar a vida da população de Macau, e não diminuir o património líquido dos muitos proprietários locais”, frisou.

Para o economista José Sales Marques, o projecto do Novo Bairro de Macau “é interessante e inovador”, sendo também “uma alternativa de boa qualidade para o mercado habitacional dos residentes”. Ainda assim, “é ainda muito cedo para se saber se o mercado imobiliário de Macau entrará em crise, caso a oferta de habitação no Novo Bairro alcance o sucesso e os fins que foram projectados”.

Sales Marques recorda que a grande maioria dos apartamentos do Novo Bairro será de tipologia T2, cujos preços, embora mais baixos do que os praticados em Macau, “não são acessíveis a todas as camadas da população”. Para a deslocação de uma família com filhos há diversos factores a ter em conta, como a contratação de empregadas domésticas ou facilitação da própria mobilidade.

“A política de contratação de mão-de-obra não-residente e as condições de acesso serão factores importantes a ter em conta, bem como outros custos, nomeadamente de mobilidade através da fronteira de Hengqin, os custos relativos à educação, bem como as perspectivas de mobilidade futura para quem compra uma unidade dessas, nomeadamente quanto ao acesso a crédito e custo do investimento, à possibilidade de revenda ou a evolução do mercado imobiliário de Hengqin”, rematou.

14 Ago 2023

Hengqin | Políticas ainda colocam entraves à integração plena, diz estudo

Um estudo do economista e ex-deputado Lao Pun Lap concluiu que existem “dificuldades de integração” entre Macau e a Zona de Cooperação Aprofundada de Hengqin, em grande parte devido aos constrangimentos fronteiriços. O trabalho defende a necessidade de clarificar o estatuto jurídico e divisão de competências na gestão da zona

 

É certo que a Zona de Cooperação Aprofundada de Hengqin tem marcado a agenda política e económica de Macau e Guangdong, mas até que ponto entrou no quotidiano dos residentes? Muito pouco, segundo as conclusões de um estudo da autoria de Lao Pun Lap, presidente da Associação Económica de Macau, e publicado na mais recente edição da revista “Administração”, uma publicação da Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública. Recorde-se que o autor foi deputado nomeado por Edmund Ho e coordenador do Gabinete de Estudo das Políticas do Governo.

O estudo concluiu que, actualmente, existem “dificuldades de integração de Hengqin e Macau devidas às políticas de entrada, controlo alfandegário, inspecções sanitárias, medidas de prevenção e controlo da epidemia, entre outros factores”. O autor aponta que “até este momento o número de residentes que optam por se deslocar à Zona de Cooperação é relativamente reduzido”, sendo ainda “difícil haver uma integração concreta da vida entre os dois lados”.

O estudo, intitulado “Situação actual, questões e sugestões referentes ao desenvolvimento da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin” aponta também a “necessidade de articulação entre a Administração Pública de Hengqin e de Macau” no que diz respeito “à mentalidade e formas de trabalho”. Isto porque “neste momento, o pessoal dos diversos serviços é composto principalmente por funcionários do Interior da China, recrutados localmente pela Comissão Executiva, e por funcionários de Macau destacados pelo Governo da RAEM”.

A articulação constitui “um factor crucial para os trabalhos de promoção da divulgação, a nível internacional, da Zona de Cooperação, de captação de negócios e de investimentos, de introdução de indústrias, de exploração de terrenos, de construção de projectos e de gestão dos assuntos respeitantes à vida da população”, refere o autor.

Lacunas jurídicas

Outra das grandes conclusões do estudo prende-se com a necessidade de clarificação do estatuto jurídico da Zona de Cooperação, pois a “Lei da Zona de Cooperação” não está ainda elaborada. Esta tem um estatuto superior às “Normas para a promoção do desenvolvimento da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin”, em vigor desde o dia 1 de Março deste ano.

Assim, esta lei é importante para fundamentar a constituição e o funcionamento da Comissão Executiva da Zona de Cooperação Aprofundada como entidade legal, aponta Lao Pun Lap. “Não estão ainda claras as categorias administrativas dos diversos níveis da estrutura de gestão da Zona de Cooperação Aprofundada”, destacou.

Neste contexto é também fundamental clarificar “a delegação de poderes pelo Governo local”, pois, segundo as normas em vigor, cabe às autoridades de Guangdong e Zhuhai a delegação “das competências de gestão a nível provincial e municipal na Comissão Executiva da Zona de Cooperação Aprofundada e nas entidades de execução dos trabalhos”. Contudo, “até este momento, a delegação de competências e as tarefas a cargo não estão ainda muito claras”, lê-se no estudo.

Lao Pun Lap não esquece ainda os “obstáculos” existentes na “articulação das regulamentações entre Hengqin e Macau”, pois estas envolvem áreas diversas como a economia, o planeamento urbanístico ou o Estado de Direito, entre outras. Assim, “tendo em conta o principio ‘Um País, Dois Sistemas’, existe ainda uma grande discrepância entre Hengqin e Macau em termos do sistema jurídico e do nível de abertura, não havendo exemplos de sucesso que sirvam de referência”.

Que sector ganha?

Em termos económicos, o trabalho de Lao Pun Lap destaca a existência na Zona de Cooperação de “fraqueza da base de desenvolvimento sectorial”, com um desenvolvimento acelerado do sector financeiro em comparação com outras áreas económicas. Os números, citados no estudo, mostram esta diferença: o sector financeiro, bem como as receitas dos impostos cobrados, contribuem actualmente 40 por cento do bolo económico da Zona de Cooperação, enquanto os restantes sectores tidos como prioritários, como “a indústria de investigação, de desenvolvimento científico e tecnológico, a indústria manufactureira de alto nível e outras indústrias estão ainda por desenvolver”.

Foram alcançados “certos resultados em 2022” nas áreas das indústrias de circuitos integrados e de biomedicina, mas “a envergadura do conjunto sectorial é ainda relativamente pequena”, além de que os seus “efeitos e dinamismo são ainda insatisfatórios”. Lao Pun Lap aponta também que “os quadros qualificados, o mercado e as técnicas, que servem de suporte ao investimento e desenvolvimento de indústrias, não são ainda encorajadores”, pelo que “recorrer apenas aos benefícios fiscais para atrair investimentos não permite obter um desenvolvimento estável e sustentável”.

O estudo refere, apesar das críticas apontadas, que a Zona de Cooperação tem obtido alguns resultados. Um deles é o facto de o Produto Interno Bruto (PIB) da Zona, em 2022, ter sido de 46,179 mil milhões de renminbis, enquanto o PIB do primeiro semestre deste ano foi de 23,634 mil milhões de renminbis, “uma subida anual de três por cento”.

Até final do ano passado, a Zona tinha um total de 699 empresas do sector financeiro, sendo que essa área obteve, também em 2022, um valor acrescentado de 16,4 mil milhões de renminbis, um aumento de 8,1 por cento comparativamente ao ano anterior, ocupando 35,5 por cento do PIB da Zona. Já as receitas tributárias provenientes do sector financeiro atingiram 11,2 mil milhões de renminbis, um aumento de 9,9 por cento em comparação com ano anterior, o que corresponde a 30,7 por cento das receitas tributárias da Zona.

Até ao primeiro semestre deste ano o valor das liquidações em moeda chinesa efectuadas nos bancos da Zona de Cooperação atingiu 210 mil milhões de renminbis, um aumento de mais de 40 por cento em relação ao período homólogo do ano anterior.

Lao Pun Lap acredita que, “com o lançamento de uma série de medidas de apoio ao desenvolvimento do sector financeiro e aa listagem de empresas na bolsa de valores, o sector financeiro entrará numa nova era de desenvolvimento contínuo e acelerado”.

Tecnologia e habitação

Em termos de empresas do ramo tecnológico, são hoje mais de dez mil na Zona, sendo que 800 foram criadas com capital de Macau, enquanto 326 são empresas nacionais de alta tecnologia e 16 são startups ligadas a Zhuhai.

Quanto ao “Novo Bairro de Macau”, projecto habitacional da Zona de Cooperação destinado a residentes, contém uma “superestrutura de 27 prédios e escolas”, e “mais de sete mil residentes de Macau são proprietários de imóveis na zona”. O estudo aponta também, em matéria de circulação automóvel, que desde a entrada em funcionamento do novo Posto Fronteiriço de Hengqin, em Agosto de 2020, e até ao primeiro semestre deste ano, o mesmo foi atravessado por cerca de 21,30 milhões de visitantes e de 3,07 milhões de veículos, sendo 1,95 milhões veículos de matrícula única emitida na RAEM.

Apesar de apontar dificuldades de entrada na Zona, Lao Pun Lap considera também que “é cada vez mais fácil os profissionais trabalharem em regime transfronteiriço”, tendo-se registado “mais de 1.200 profissionais de Macau da área da arquitectura, do turismo e dos cuidados de saúde, entre outras, que obtiveram a qualificação para o exercício das suas actividades na Zona de Cooperação Aprofundada”. Até Abril deste ano registaram-se 7.418 residentes que trabalham e vivem na Zona de Cooperação Aprofundada e 1.130 quadros qualificados, aponta ainda o estudo.

9 Ago 2023

Camilo Pessanha | Editada colectânea de estudos e escritos do poeta

“China e Macau – Camilo Pessanha” é o nome da nova obra do académico Duarte Drumond Braga que reúne e dá nova roupagem a textos de e sobre o poeta português falecido em Macau. Destaque para a reedição inédita de “Leituras Chinesas”, obra pedagógica lançada em 1915 por Camilo Pessanha e José Vicente Jorge destinada a portugueses que queriam aprender chinês

Muito já se escreveu sobre Camilo Pessanha, poeta e figura máxima do Simbolismo português falecido em Macau em 1926, território onde também foi docente e jurista. Mas a editora portuguesa Livros de Bordo, que conta no seu catálogo uma panóplia de títulos dedicados ao Oriente, acaba de editar um livro que reúne num volume estudos sobre Pessanha, bem como escritos e traduções de sua autoria.

Coube ao académico Duarte Drumond Braga, que há vários anos se debruça sobre a obra e vida do poeta português, fazer o trabalho de pesquisa, recolha e selecção que dá corpo a “China e Macau – Camilo Pessanha”, tendo como base muitas das obras editadas nos anos 90, algumas delas em Macau, e que são hoje difíceis de encontrar no mercado editorial.

Ao HM, Duarte Drumond Braga conta que se baseou, essencialmente, em duas obras editadas por Daniel Pires, um dos estudiosos de Pessanha. São elas “Camilo Pessanha – Prosador e Tradutor”, editado pelo Instituto Cultural de Macau em 1993, e ainda “China – Estudos e Traduções”, editado em 1993 em Portugal pela editora Vega. Enquanto a primeira obra “continua a ser a edição de referência para quem quer ter acesso, num só volume, à prosa de Pessanha”, descreve Drumond Braga, a segunda inclui textos “de âmbito escolar e sobre figuras de Macau” que não terão sido compilados em Portugal, limitando-se “a textos de tema chinês”.

Assim, “China e Macau – Camilo Pessanha” congrega “textos que já saíram, mas que têm agora uma organização e estruturação diferentes”, incluindo “a maior parte dos textos [de Pessanha] sobre a China e Macau que já estavam indisponíveis”.

O autor inclui ainda na obra um ensaio seu “sobre a relação de Camilo Pessanha com a China e Macau, e talvez aí se apresentem abordagens e perspectivas novas”.

Neste ensaio, Duarte Drumond Braga descreve a descoberta da China por Camilo Pessanha como sendo “autêntica, fruto de séria investigação e fora do vulgar para um português da sua época”.

Acrescenta-se que “as potencialidades de um posto numa colónia remota” proporcionam a Pessanha “um corpo fundamental de reflexão em prosa acerca do País do Meio”, ou seja, a China. “É, todavia, necessário recuperar o contexto em que Pessanha viveu e estudou a China: um continente visto de esguelha, a partir dos pequenos pontos em que os europeus eram autorizados a estanciar”, lê-se.

A obra inclui ainda um capítulo dedicado a “Textos sobre Macau”, onde se incluem, por exemplo, títulos como “Macau e a Gruta de Camões” ou “Homenagem aos gloriosos aviadores Brito Pais, Sarmento de Beires e Manuel Gouveia, heróis do raid LisboaMacau”, viagem que se realizou em 1924, entre outros escritos.

Na óptica do autor, a edição de “China e Macau – Camilo Pessanha” permite um acesso mais facilitado aos escritos de Pessanha sobre a Ásia aos leitores interessados. “Uma das características desta edição é que os textos mais específicos sobre história ou figuras históricas de Macau, ou a gruta de Camões, estavam dispersos em vários volumes, estando agora agrupados.”

Duarte Drumond Braga fez algum trabalho de pesquisa, nomeadamente na Biblioteca Nacional, onde se encontra o espólio de Camilo Pessanha, adquirido em 1979. Para este trabalho de investigação contou com o apoio de Daniel Pires. “Incluo aqui as versões completas de alguns textos [que tinham sido parcialmente editados nos livros anteriores]. Fiz ainda pequenas correcções. Não pude conferir as primeiras edições de alguns dos textos que estavam em Macau, e aí baseei-me no trabalho de Daniel Pires. Refiz as transcrições dos textos a partir dos jornais e isso dá sempre novas perspectivas”, explicou o autor.

O trabalho feito por Daniel Pires, em 1992, torna “bem evidente a sua actividade [de Pessanha] enquanto intelectual activo e empenhado”, descreve Braga. Além disso, “a correspondência e abundante documentação reunidas por aquele investigador deixam entrever um programa emancipador, de perfil republicano e nacionalista, presidindo às actividades cívicas e políticas do autor, além da raiz laica, anticlerical e maçónica”.

Pessanha tradutor

Uma das grandes novidades de “China e Macau – Camilo Pessanha” é a reedição, pela primeira vez desde 1915, da obra “Leituras Chinesas”, de nome chinês ” Kuok Man Kau Po Shü”, um manual de cariz pedagógico da autoria de Camilo Pessanha e José Vicente Jorge destinado ao ensino do mandarim a portugueses que viviam em Macau. Duarte Drumond Braga reeditou, assim, as traduções dos textos em português, uma vez que não teve acesso aos originais em chinês.

“Os autores apresentam [nesta obra] textos com o vocabulário todo discriminado, traduzidos depois por Pessanha e Vicente Jorge. Camilo Pessanha sabia chinês, mas José Vicente Jorge foi um dos mestres de chinês de Pessanha. É um trabalho a quatro mãos, o que é interessante. Pessanha daria, provavelmente, um arranjo final aos textos em português.”

Duarte Drumond Braga frisa que “este livro não serve de muito a quem quiser aprender chinês hoje em dia”, pois é ensinado o chinês tradicional, além de que “os métodos de ensino mudaram bastante”. Ainda assim, “os originais em chinês são textos importantes, da tradição taoista, por exemplo”.

“Pareceu-me importante reeditar este livro porque as traduções não eram muito consideradas. Aqui vê-se o Camilo Pessanha tradutor, e penso ser importante valorizar isso”, disse o autor.

Um regresso ao poeta

Camilo Pessanha, cujo corpo jaz no cemitério de São Miguel Arcanjo e que deixou descendência em Macau, tem sido lembrado entre Macau e Portugal através de diversas actividades culturais e edições de livros. Duarte Drumond Braga é um dos autores que consta na última obra lançada em Lisboa sobre o poeta, focada na sua obra maior: “Clepsydra 1920-2020 – Estudos e revisões”.

O livro, lançado em 2021, teve coordenação da académica Catarina Nunes Almeida e apresenta, conforme a mesma recordou ao HM à época, “uma releitura” de Clepsydra, única obra de poesia que Pessanha deixou e editado em 1920 graças ao esforço da amiga Ana Castro Osório.

A obra, que contou com o apoio do HM, inclui ainda textos de autores como Paulo Franchetti, Rogério Miguel Puga ou Carlos Morais José, entre outros, que se debruçaram sobre a vida e obra de Pessanha, profundamente ligada a Macau.

Camilo Pessanha foi para Macau em 1894, tendo sido “fundador da Maçonaria em Macau”, um “jurista temido” e ainda um inveterado fumador de ópio”, conforme descreveu Daniel Pires aquando do lançamento de “Clepsydra 1920-2020 – Estudos e Revisões”. Pessanha fez ainda amizade com diversas personalidades políticas de Macau numa altura em que o território vivia no rescaldo das duas revoluções republicanas – na China, em 1911, e Portugal, em 1910. O poeta foi próximo do republicano e governador Carlos da Maia e de Sun Yat-sen.

6 Ago 2023

JMJ | Em Lisboa, jovens acreditam num catolicismo vivo em Macau

Foto principal da agência Lusa

Três jovens católicos de Macau que participam este ano na Jornada Mundial da Juventude defendem que praticar a religião no território tem as suas características próprias e acreditam que esta se vai manter, apesar da redução da comunidade portuguesa no território. Uma organização católica da Coreia do Sul está de olho na possibilidade de o evento decorrer no país no próximo ano

 

A fé vive-se de diferentes formas na Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que termina no domingo em Lisboa, e estar na sala de cinema é uma delas. À porta dos Cinemas São Jorge, na avenida da Liberdade, vários jovens peregrinos de diferentes nacionalidades vão-se juntando para assistir às várias películas de teor católico que constam no cartaz em exibição.

Num dos intervalos, o HM conversou com três jovens que integram o grupo de língua portuguesa que representa a Diocese de Macau nas JMJ. Muitos vieram por vontade própria ou da família, mas todos dizem sair com a fé reforçada deste evento que tem juntado largas centenas de milhares de jovens na capital portuguesa só para estar perto do Papa Francisco. Todos mantêm viva a sua fé em Macau, apesar dos desafios diários.

“A prática da fé católica em Macau não vai desaparecer. Na paróquia onde estou, tentamos aprofundar [esse assunto] e realizar mais actividades, por isso acho que se vai manter [a prática da religião] entre as pessoas que estão agora a crescer com a fé. Não sei como vai ser em relação às pessoas mais velhas”, contou Carolina Figueiredo, que diz ter começado a ser católica praticante por sua iniciativa, há cerca de dois anos, embora a religião sempre tenha feito parte do seu dia-a-dia.

“Estou aqui pela experiência, para aprofundar a minha fé e encontrar novas pessoas, bem como fazer novas memórias. Espero levar comigo novas amizades e um melhor entendimento da fé”, adiantou.

Sobre o Papa Francisco, destaca o facto de este ter conseguido “cativar a atenção dos jovens por todos os assuntos que aborda e pela proximidade que tem” com as pessoas.

Salvador Rodrigues, de 14 anos, decidiu participar nas JMJ por ser “um evento internacional que move muitos jovens” e “uma maneira divertida e religiosa de passar férias”. “A comunidade internacional é diferente, mas todos praticam a mesma religião, e com [a presença] de diferentes culturas dá para conhecer novas pessoas. Isso é o mais importante destas jornadas”, disse.

Salvador acredita ser importante “preservar a fé” em Macau “mesmo que muitos católicos estejam a ir embora”. “Há que manter, pelo menos, as raízes da fé cristã, porque mostra a presença dos portugueses em Macau ao longo da história “, frisou.

De um modo geral, o jovem destaca a forma como o Papa Francisco tem comunicado com a comunidade internacional, “o que faz com que todos gostem dele”. “Isso é o mais importante, termos um Papa que dá o exemplo às pessoas na prática da fé cristã”.

No caso de Miguel Rezende, de 15 anos, a sua participação fez-se muito à conta de pressão familiar, mas a realidade que encontrou em Portugal confere-lhe um sentimento de gratidão pelo “empurrão”. “Vim por causa dos meus pais, fui quase obrigado a vir. A minha família disse-me que ia ser muito divertido, e como também vinham os meus amigos, acabei por vir. Estou satisfeito com a escolha dos meus pais, e minha também, está a ser incrível. Fomos muito bem tratados. Vai ser uma experiência que vou guardar para sempre.”

A família desejava que, com as JMJ, Miguel se pudesse “aproximar mais de Deus e conhecer novas pessoas, criar memórias”.

Hoje, o jovem assume que, quando reza, nunca se sente sozinho. “Comecei muito cedo por me ligar à religião, os meus avós levavam-me à missa já em criança e estou feliz com isso. É algo que me preenche e quando rezo sinto que não estou sozinho, como se tivesse uma companhia ao meu lado.”

Sobre a permanência do catolicismo em Macau, o jovem nota que há menos católicos, pois “muita gente saiu”. “Mas eu continuo a ir à missa e vejo lá muita gente, sempre”, frisou.

Coreia à espreita

À porta dos Cinemas São Jorge descansa um grupo de jovens da Coreia do Sul também aguardando pela exibição de um filme. Em conversa com o HM, o padre John Kisok Pak, director e assistente eclesiástico da ACN Internacional (Aid to the Church in Need), uma organização católica sul-coreana, fala da presença desta entidade em Lisboa, com um pequeno grupo de oito pessoas.

“É a primeira vez que estamos em Portugal e também neste evento. Fala-se que uma das edições das JMJ será na Coreia do Sul, e espero que finalmente possamos receber o evento. Estamos aqui para ver como corre e para experienciá-lo, porque no nosso país teremos de organizar uma série de actividades.”

Para o pároco, receber as JMJ no seu país significa chamar a atenção para a tensão militar que há muito divide Coreia do Sul e Coreia do Norte. “Estamos divididos com o norte e precisamos de paz. Não queremos guerra, nem um conflito nuclear. As JMJ podem ajudar a reflectir sobre essa questão.”

Em relação à prática da fé, John Kisok Pak confessa que ser católico num país de maioria budista é desafiante. “A nossa religião está, de facto, em minoria. Tentamos introduzi-la na população mais jovem, disseminar os seus valores.”

“Muitos jovens estão errados em relação a Deus e a presença neste evento pode permitir-lhes conviver de perto com o seu amor. Podem ainda ter mais contacto com a Europa e com jovens de países ocidentais”, conta John Kisok Pak quando questionado sobre a importância de estar em Lisboa num evento desta natureza.

Segundo o jornal Religion Digital, a edição de 2027 da JMJ deverá realizar-se na Coreia do Sul. O diário digital espanhol revelou que “no dia 6 de Agosto, durante o encerramento da JMJ em Lisboa, o Papa Francisco anunciará o local do próximo encontro de jovens católicos, previsto para 2027. E será a Coreia do Sul, especificamente a sua capital, Seul”.

A informação não está confirmada oficialmente, mas também ninguém a desmentiu até ao momento. O arcebispo de Seul, Peter Soon-Taick apresentou a candidatura para a organização da jornada e espera uma confirmação oficial do Vaticano. Para a JMJ de Lisboa deste ano, vieram 60 jovens peregrinos da Coreia do Sul que ficaram alojados em casas de famílias de Vila Nova de Famalicão.

O Papa Francisco chegou a Lisboa na quarta-feira, tendo sido recebido pelo Presidente da República e demais governantes. No primeiro dia das JMJ, terça-feira, o evento no Parque Eduardo VII, no coração da capital lisboeta, recebeu 240 mil peregrinos.

Chegado de cadeira de rodas, com um estado de saúde fragilizado, o Papa remeteu as primeiras palavras para algumas problemáticas que se vivem na Europa, lamentando as hesitações da “velha Europa”, incapaz de pôr um ponto final “ao descarte dos idosos, os muros de arame farpado, as mortandades no mar e os berços vazios”.

3 Ago 2023

Turismo | Primeira metade do ano “satisfatória”, mas ainda há desafios

Seis meses depois da total reabertura de fronteiras, o panorama turístico parece risonho, com 11,64 milhões de turistas registados no primeiro semestre e 2,2 milhões apenas em Junho. Luís Herédia, da Associação de Hotéis de Macau, espera um segundo semestre ainda melhor, apesar da falta de mão-de-obra que ainda afecta o sector. O académico Glenn Mccartney alerta para a concorrência do outro lado da fronteira

 

De oito a oitenta. A conhecida expressão portuguesa parece assentar que nem uma luva no actual panorama turístico de Macau. Depois de muitos meses praticamente sem turistas e com as ruas vazias, o território parece ter voltado à azáfama habitual de turistas oriundos, sobretudo, da China, com autocarros cheios e receitas do jogo bastante animadoras.

Conhecidos os números seis meses depois da total abertura do território em contexto de covid, as perspectivas para o sector do turismo parecem animadoras: Nos primeiros seis meses do ano, Macau recebeu 11,64 milhões de turistas, sendo que, em Junho, a fasquia foi de 2,2 milhões. Por sua vez, a taxa de ocupação hoteleira da primeira metade do ano foi de 78 por cento.

Ao HM, Luís Herédia, presidente da Associação de Hotéis de Macau, entende que estes dados “são satisfatórios para um semestre imediato após a abertura às restrições”, tratando-se de “um novo período que estamos a entender”.

“Trabalhamos para atrair turistas, temos um produto que é procurado, mas é preciso responder às expectativas e, se possível, superá-las”, disse, adiantando que não basta ter as infra-estruturas suficientes, mas também recursos humanos e outro tipo de meios “capazes de fornecer serviços de alta qualidade”.

Nos meses imediatos à abertura do território, muitos hotéis não puderam operar a cem por cento devido à falta de empregados. Situação que melhorou, embora a situação esteja ainda “numa fase muito instável”. “Não só precisamos de recrutar mais trabalhadores ao exterior, como tem havido muita mobilidade nesta fase pós restrições. Tal obriga a uma gestão de recursos humanos muito exigente e a um esforço maior na formação e preparação de equipas”, disse ao HM Luís Herédia.

Ainda assim, o responsável prevê que o segundo semestre “deverá ser melhor e satisfaz-nos em termos de negócio”, embora se esperem meses “desafiantes e preocupantes na gestão”.

“Temos de ser competitivos como os melhores destinos turísticos, precisamos de maior estabilidade nos recursos humanos. Há ainda falta de trabalhadores, precisamos de equipas estáveis que garantam uma oferta de serviços de alta qualidade”, adiantou.

Concorrência do lado de lá

Glenn Mccartney, especialista em turismo e académico da Universidade de Macau, defende que há vários factores a ter em conta na hora de analisar os números registados nos primeiros seis meses do ano.

“É importante notar que a duração média da estadia [por visitante] se mantém em 1,3 dias, com uma divisão de cerca de 50/50 entre os visitantes que pernoitam e os que visitam Macau no mesmo dia”, sendo que em 2019, período pré-covid, “47 por cento dos visitantes pernoitaram e 53 por cento viajaram durante o dia”.

O académico recorda que “aumentar a duração da estadia dos visitantes de Macau tem sido um desafio histórico que remonta ao início da década de 2000”. Na fase actual, conseguir esse feito depende “do marketing e da promoção do destino”.

Contudo, Glenn Mccartney recorda que, do outro lado da fronteira, nomeadamente Zhuhai, há alojamento a preços mais acessíveis, além de que na cidade, e também em Hengqin, “a oferta hoteleira tem aumentado, disponibilizando mais opções aos visitantes de Macau, tendo em conta que 65 por cento das visitas [ao território], no primeiro semestre, são provenientes do Interior da China”.

Desta forma, “o desafio de Macau é ainda maior no que respeita ao incentivo a estadias mais longas na cidade”. Uma das possibilidades avançadas pelo académico passa por encontrar “uma forma de colaboração entre a Cotai Strip e Hengqin, bem como com agências de viagens, que poderá resultar em estadias mais longas e taxas de ocupação mais elevadas”.

Fronteiras mais acessíveis

Na análise ao desempenho do turismo do primeiro semestre, o académico da UM opta ainda por comparar os preços do alojamento e transportes, pois existe uma crescente acessibilidade dos postos fronteiriços.

Assim, “a questão de o visitante calcular o tempo gasto para ir e voltar de Macau para Zhuhai, ou Hong Kong, pode não ser uma questão-chave”, além de que existe a ponte HKZM e os ferries diários, o que significa que “os visitantes de Hong Kong, que representaram 30 por cento das visitas no primeiro trimestre, também podem ir a Macau durante o dia”.

O lugar do MICE

Apesar da oferta de alojamento de baixo custo nos últimos meses ter aumentado, Glenn Mccartney defende que Macau “precisa de mais alojamento do tipo económico”. Tal “não significa que o visitante gaste menos, mas sim que o turista tem mais para gastar e mais tempo para o fazer, no jogo e fora dele, seja em lojas, restaurantes, eventos e espectáculos, ou a oportunidade de passear pela cidade, gastando mais nos estabelecimentos comunitários locais”.

Ainda sobre a ocupação hoteleira, Glenn Mccartney entende que “as cidades [que acolhem] convenções e exposições podem ter estadias mais longas, uma vez que os viajantes em negócios podem ficar três ou quatro dias para uma conferência durante a semana, enquanto as viagens de lazer se concentram mais ao fim-de-semana”.

Desta forma, o sector MICE [Exposições, conferências e convenções” também tira partido da existência de mais alojamento económico, defendeu. Este sector pode ajudar “a superar o desafio turístico da sazonalidade, em que há uma ocupação mais baixa de segunda a quarta-feira e uma ocupação mais elevada ao fim-de-semana”. Assim, “Macau tem procurado aumentar o segmento dos visitantes [do sector] MICE, [tendo em conta o contexto] em que as taxas de ocupação hoteleira têm tendência a ser mais elevadas aos fins-de-semana e feriados, devido ao facto de os viajantes em lazer constituírem o principal segmento [no sector do turismo]”.

De destacar que, em Julho, Helena de Senna Fernandes, directora dos Serviços de Turismo (DST), disse esperar que o número de turistas chegue aos 24 milhões em termos anuais.

“Estamos a trabalhar para isso. E as férias do Verão, particularmente Agosto, é tradicionalmente a época alta do turismo de Macau, seguida por Dezembro. Portanto, na segunda metade do ano teremos muitos eventos, esperamos muito que possamos atingir esse número, e assim todos os sectores podem beneficiar”, indicou.

A responsável frisou ainda que “o número de visitantes do Interior da China a Macau recuperou 60 por cento do nível pré-epidémico e o de visitantes de Hong Kong voltou a 90 por cento, enquanto o mercado do exterior restaurou apenas por 20 por cento”, adiantou.

Helena de Senna Fernandes também classificou como “satisfatório” o desempenho do turismo nestes seis meses, que pode ter beneficiado de várias acções promocionais da DST no exterior, em países e regiões asiáticos, como Tailândia, Malásia, Indonésia, Singapura e Coreia do Sul. As autoridades têm também apostado no convite a operadores turísticos e influencers para chamar a atenção daquilo que melhor Macau tem para oferecer.

3 Ago 2023

Jornada Mundial da Juventude | Diocese de Macau participa com dois grupos

Começaram ontem em Lisboa as Jornadas Mundiais da Juventude, evento anual que reúne jovens católicos e o Papa Francisco, que chega hoje ao país. A Diocese de Macau faz-se representar com dois grupos de jovens, de língua portuguesa e chinesa, num total de 69 pessoas

 

“Participar nas Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ) é algo marcante na vida de um jovem católico”. A frase é do padre Daniel Ribeiro, radicado em Macau, responsável pelo grupo de 30 pessoas pertencentes ao grupo da comunidade católica em língua portuguesa que representa a Diocese de Macau nas JMJ que arrancaram ontem em Lisboa e que chegam ao fim no domingo, dia 6. A diocese faz-se também representar por um grupo de língua chinesa liderado por Tammy Chio.

O momento alto do dia de hoje é a chegada do Papa Francisco ao país, prevendo-se uma agenda cheia de actividades em toda a cidade de Lisboa e na zona do Parque Tejo, entre os concelhos de Lisboa e Loures, onde foi construído, nos últimos meses, um altar onde o Papa irá falar aos jovens católicos. Segundo a agenda do evento, o Papa permanecerá em solo luso até domingo.

Chegados a Portugal na passada terça-feira, o grupo coordenado por Daniel Ribeiro é composto por dois padres, um seminarista, um adulto e vários jovens de Macau, Portugal, dois da Guiné-Bissau e duas jovens da Venezuela e Argentina. Na sua maioria, “são catequistas ou pessoas que ajudam no coro das igrejas da Sé ou da Taipa”. Todos eles “residem em Macau e participam nas actividades da Igreja, à excepção da jovem da Argentina”, contou ao HM.

A primeira paragem do grupo foi na Diocese de Leiria-Fátima, com a realização de uma caminhada de peregrinação de cinco quilómetros até ao Santuário de Fátima. Aí, o grupo de Macau ficou em casas de famílias locais, em jeito de “preparação para o encontro com o Papa”.

Para o padre Daniel Ribeiro, as JMJ são importantes pela possibilidade de “ver jovens do mundo todo em oração com o desejo de aprofundar a vivência da fé, algo valioso”. Além disso, “Portugal é um país que trouxe a fé cristã e católica para Macau, pelo que [a presença da Diocese de Macau nas JMJ] é mais significativa. Os jovens estão muito animados. A JMJ é um momento em que todos percebem a importância da unidade na diversidade.”

O pároco já participou noutras edições das JMJ, nomeadamente em Madrid e no Rio de Janeiro. “Vivi momentos que marcaram para sempre a minha vida, que ganhou um significado mais profundo. A presença de Jesus vivo e próximo de cada um de nós é muito forte na JMJ”, contou.

Questionado sobre a importância da presença da Diocese de Macau no contexto das relações entre a China e o Vaticano, Daniel Ribeiro apenas referiu que “quando existe um diálogo verdadeiro e respeitoso, tudo fica mais fácil”. “Como padre e para os jovens de Macau, a nossa missão é rezar para que a paz possa reinar nas relações internacionais e no coração de cada pessoa”, frisou.

Encontro na fundação

O grupo de língua portuguesa reuniu, na última semana, com membros da direcção da Fundação Jorge Álvares. Citada por um comunicado, a presidente da entidade, Celeste Hagatong, adiantou que foi disponibilizado um “apoio financeiro para os casacos personalizados com a inscrição ‘JMJ Lisboa 2023 – Diocese de Macau’, usados pelos jovens durante o evento”.

Desta forma, a fundação “colabora na participação da juventude de Macau neste encontro entre jovens católicos de todo o mundo com a Sua Santidade o Papa Francisco, para celebrarem a fé, participarem em actividades religiosas e culturais e compartilharem experiências e valores comuns, que jamais esquecerão na sua vida”.

“Acesso ao mundo”

O HM conversou ainda com Tammy Chio, responsável pelo grupo que se exprime em cantonês e que inclui 39 pessoas que começou a sua jornada no Porto. A vice-directora da Comissão Diocesana da Juventude confessou que “depois de três anos de pandemia é a primeira vez que organizamos um grupo de grandes dimensões para participar num programa mundial ligado à nossa igreja”. “Este é um tempo para os jovens terem acesso ao mundo e conectar-se com pessoas que partilham a mesma fé. É um grande evento para os jovens e todos esperam encontrar-se com o Papa e desfrutar [da presença em Portugal]”, adiantou.

Em declarações ao Clarim, em Outubro de 2022, antes do arranque do evento e quando Macau vivia ainda sob as restrições impostas para combater a pandemia, com dificuldades em viajar, não era ainda certa a presença da Diocese de Macau em Lisboa. Ainda assim, Tammy Chio falou da importância dos jovens de Macau se prepararem para este evento de cariz mundial. “Se os jovens quiserem estar presentes, têm de se preparar. Têm de estudar, ter algo para partilhar com os jovens de todo o mundo com que se vão cruzar em Lisboa.”

Estar nas JMJ constitui “uma boa oportunidade para que os jovens e a nossa Igreja ‘local’ continuem a estudar e a aprender mais sobre a nossa fé”, acrescentou.

Uma questão polémica

Em Portugal, as JMJ têm estado envoltas em polémica por dois motivos: a descoberta de casos de abuso sexual de menores na Igreja portuguesa e os elevados montantes públicos que estão a ser investidos pelas câmaras municipais de Lisboa e Loures na construção de infra-estruturas e preparação de todo o evento, que promete parar a cidade.

Confrontado com o facto de as JMJ se realizarem no mesmo ano em que foram descobertos os casos de abuso sexual cometidos por padres, Daniel Ribeiro destaca que “os escândalos devem ser investigados com seriedade e a justiça deve ser feita”. “Portugal é um país de maioria católica, que tem uma fé viva e muito bonita. A JMJ será um grande presente para todos aqueles que participarem e de certa forma estiverem envolvidos. Os jovens, mais do que nunca, precisam de ambientes saudáveis e de valores para crescerem. A JMJ será uma bênção para os portugueses. Como brasileiro, posso dizer que até hoje colhemos os bons frutos do encontro de 2013”, adiantou.

Milhares de peregrinos

Dados avançados na passada segunda-feira pela organização das JMJ mostram que 78 mil peregrinos já se encontravam em Lisboa, divididos em 3.110 grupos. Desse total, 351 grupos, representando 10.700 peregrinos, fizeram a entrada nas paróquias das chamadas dioceses de acolhimento – Lisboa, Santarém e Setúbal. Segundo os últimos números divulgados pela organização da JMJ Lisboa 2023, estão inscritos mais de 313 mil peregrinos de todos os continentes.

A abertura oficial fez-se ontem com uma missa celebrada pelo cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, no Parque Eduardo VII.

As JMJ nasceram por iniciativa do Papa João Paulo II, após o sucesso do encontro promovido em 1985, em Roma, no Ano Internacional da Juventude. O primeiro encontro aconteceu em 1986, em Roma, tendo já passado, nos moldes actuais, por Buenos Aires (1987), Santiago de Compostela (1989), Czestochowa (1991), Denver (1993), Manila (1995), Paris (1997), Roma (2000), Toronto (2002), Colónia (2005), Sidney (2008), Madrid (2011), Rio de Janeiro (2013), Cracóvia (2016) e Panamá (2019).

A edição deste ano esteve inicialmente prevista para 2022, mas foi adiada devido à pandemia de covid-19. O Papa Francisco foi a primeira pessoa a inscrever-se na JMJ Lisboa 2023, no dia 23 de Outubro de 2022, no Vaticano, após a celebração do Angelus.

O dinheiro gasto nas JMJ e os casos de abuso sexual têm levado a alguns protestos em Lisboa contra a realização do evento. Um dos exemplos foi o artista Bordallo II que invadiu o recinto, no Parque Tejo, e estendeu nas escadas do altar um tapete com notas de 500 euros estampadas, chamada de “passadeira da vergonha”. Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, publicou nas redes sociais um vídeo em jeito de resposta, onde surge a estender um pequeno tapete que dá as boas-vindas aos participantes.

Já o Bispo auxiliar de Lisboa, Américo Aguiar, disse desdramatizar os protestos e viver bem com a liberdade de expressão. O responsável pediu “um voto de confiança de que [as JMJ] são uma coisa boa, positiva, importante para os jovens do mundo inteiro, para os jovens portugueses, e que as contas se fazem no fim”.

“Nós vivemos num Estado de Direito, vivemos num regime democrático que vai fazer 50 anos. Vivo bem, vivemos bem com aquilo que é a liberdade de expressão dos cidadãos. O que eu peço é que aconteçam [eventuais protestos] sempre no maior respeito uns pelos outros, quer quando seja a meu favor, quer quando seja contra”, disse Américo Aguiar à agência Lusa. Com Lusa

2 Ago 2023

Timor-Leste | António Costa defende importância da língua portuguesa

Terminou ontem a curta visita do primeiro-ministro português, António Costa, a Timor-Leste, inserida num périplo pelo sudeste asiático, com paragens na Indonésia e Filipinas. O governante argumentou que o português “faz a identidade” de Timor, defendeu a aposta nas energias renováveis e visitou o Cemitério de Santa Cruz

 

O primeiro-ministro português, António Costa, chegou na terça-feira a Timor-Leste para uma visita oficial em que se fez acompanhar por outros membros do Executivo, nomeadamente a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, e também o ministro dos Negócios Estrangeiros.

Na sua primeira visita ao país na qualidade de primeiro-ministro, e também a primeira a decorrer em Timor desde que o novo Governo timorense tomou posse, a 1 de Julho, Costa destacou a presença da língua portuguesa num país onde o tétum é o idioma dominante. O governante disse mesmo que a língua “faz a identidade” do país do Sudeste Asiático. Num discurso perante dezenas de alunos do Externato São José, o chefe de Governo destacou a importância da língua portuguesa em Timor-Leste, o único país lusófono na Ásia.

O português “não é só mais uma língua, é a língua que faz a diferença”, defendeu. “É esta diferença que reforça a identidade de Timor-Leste, faz a identidade de Timor-Leste”, acrescentou. “Foi essa identidade que fez com que na luta armada, na acção diplomática, ou no trabalho cultural e educativo, tenham resistido ao invasor e recuperado a liberdade e a independência”, disse o primeiro-ministro, referindo-se à ocupação indonésia, entre 1975 e 1999. O primeiro-ministro defendeu ser “muito importante que o ensino da língua [portuguesa] prossiga e que se desenvolva”.

Na terça-feira, António Costa tinha confirmado o apoio ao alargamento do projecto bilateral dos Centros de Aprendizagem e Formação Escolar (CAFE) – financiado conjuntamente por Portugal e Timor-Leste – a todos os postos administrativos no país. O primeiro-ministro prometeu ainda reforçar o apoio à Escola Portuguesa de Díli, instituição que visitou ontem.

João Gomes Cravinho disse à Lusa que a “convergência entre aquelas que são as prioridades do Governo timorense e aquelas que são as mais-valias portuguesas, que vão passar, seguramente, (…) por um renovado ênfase na língua, no ensino, na formação”. Nos “próximos dois ou três meses”, disse o chefe da diplomacia portuguesa, os dois países vão começar a negociar um novo quadro da cooperação estratégica entre 2024 e 2028. A cooperação deverá apostar também “na descoberta de novas oportunidades (…) no quadro da economia azul”.

Na terça-feira o primeiro-ministro de Timor-Leste, Xanana Gusmão, disse, no âmbito desta visita, que o país quer “colher da experiência, conhecimento e inovação dos portugueses” para desenvolver uma economia do mar sustentável. Gusmão lembrou ainda que o novo Governo quer definir “uma política nacional para a economia azul”.

“A partir do mar há todo um conjunto de sectores que se apresentam como um potencial instigador de desenvolvimento sustentável, desde os sectores tradicionais aos sectores mais recentes”, defendeu.
Gusmão lembrou que “Portugal está também a apostar na economia azul, não só para gerar riquezas para a sua população, mas para reforçar o clima e o oceano”. “Gostaríamos por isso que também a nossa estratégia (…) pudesse colher da experiência, conhecimento e inovação dos portugueses, navegando juntos no estabelecimento de uma economia azul sustentável em Timor-Leste”, disse o primeiro-ministro timorense.

Outro objectivo do novo Executivo timorense é a descentralização, tendo o chefe de Governo dito que Portugal também pode ajudar nesta área. “A experiência portuguesa no domínio da administração pública e municipal é uma fonte de conhecimento e excelência que podemos absorver para avançar nesta nossa prioridade”, disse Gusmão.

Lembrar o massacre

Ontem António Costa esteve presente no Cemitério de Santa Cruz onde colocou flores na Cruz dos Mártires, em homenagem às mais de 300 vítimas mortais do massacre de 12 de Novembro de 1991, durante a ocupação indonésia.

O governante português referiu, numa conversa com um dos sobreviventes do massacre, que “é bom manter a memória viva”. “É uma forma de os homenagear e também de dar força e consolidar os valores pelo qual deram a vida”, acrescentou o primeiro-ministro.

Antes, o timorense, que tinha 28 anos à data do massacre, dissera ao primeiro-ministro que a visita de António Costa “repete uma solidariedade” mantida com Portugal que espera que “continue a se fortificar”, já que “Portugal é um país que é irmão” e “sempre prestou um papel muito importante durante (…) a luta pela independência nacional”. Num dos momentos da visita, Costa deteve-se junto à sepultura do jornalista australiano Max Stahl, que morreu em Outubro de 2021, fundamental na cobertura do conflito armado em Timor-Leste, nomeadamente do massacre no cemitério.

A visita do Executivo português a Timor-Leste terminou ontem e incluiu ainda uma passagem pelo Parlamento Nacional, actualmente presidido por Fernanda Lay, a primeira mulher a ocupar o cargo em Timor-Leste. A agenda do primeiro-ministro português incluiu também a inauguração das novas instalações do Centro de Língua Portuguesa na Universidade Nacional Timor Lorosa’e.

Apostas económicas

Uma vez que a visita da comitiva portuguesa a este lado do mundo tem também uma componente económica, João Gomes Cravinho adiantou ontem que Portugal “tem cartas a dar” no que toca à cooperação nas energias renováveis com o Sudeste Asiático. O diplomata disse que as energias renováveis estão entre “as indústrias do futuro”, numa “área em que todos os países estão à procura de atingir a neutralidade carbónica”. “Portugal tem cartas a dar nessa matéria, é um país procurado”, sublinhou.

Finalizada a visita a Timor-Leste, a comitiva portuguesa partiu para as Filipinas. João Gomes Cravinho reúne hoje em Manila com o ministro da Energia filipino, Rafael Lotilla, no âmbito da primeira visita bilateral de um chefe da diplomacia portuguesa ao país. “Vamos fazer o mapeamento das potencialidades no relacionamento Portugal-Filipinas também nas energias renováveis”, disse o ministro.

A questão também já tinha sido discutida na segunda-feira, num encontro entre João Gomes Cravinho e a ministra dos Negócios Estrangeiros da Indonésia, Retno Marsudi. O desenvolvimento das energias renováveis é “um enorme desafio para a Indonésia”, país onde Portugal “já tem uma presença muito significativa, através das EDP Renováveis, no solar e também na transmissão de electricidade por cabo submarino”, disse o diplomata.

Depois de décadas de relações diplomáticas cortadas devido à ocupação de Timor-Leste, João Gomes Cravinho falou de “sementes para um futuro de maior proximidade económica” com a Indonésia. O ministro destacou o potencial de cooperação na economia do mar, “uma área de grande interesse para Portugal” e onde a Indonésia, um país com mais de 17.500 ilhas, tem “enormes potencialidades económicas”.

A economia azul pode também ser “uma área de grande cooperação” com as Filipinas, um país “com o qual Portugal tem relações amigas, mas com pouca concretização económica”, lamentou João Gomes Cravinho.

Amanhã o ministro português será recebido pelo homólogo filipino, Enrique Manalo, para debater o papel das Filipinas como coordenador das relações entre a UE e a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). “Portugal tem de estar mais presente no Sudeste Asiático e este é um momento particularmente propício para isso”, disse João Gomes Cravinho, referindo-se à entrada de Timor-Leste na ASEAN.

Os líderes dos actuais Estados-membros da ASEAN aprovaram em Maio um roteiro para a adesão plena deste país de língua oficial portuguesa ao bloco económico, que conta com 650 milhões de habitantes. “Isso abre portas para Timor[-Leste] e abre portas também para Portugal no Sudeste Asiático”, defendeu João Gomes Cravinho.

Na terça-feira António Costa, defendeu em Díli que as empresas portuguesas devem “aumentar a sua presença” em Timor-Leste e aproveitar a “enorme oportunidade” criada pela entrada do país na ASEAN.

Combater ilegalidades

A visita dos governantes portugueses a Timor-Leste incluiu ainda o diálogo sobre as ilegalidades cometidas no processo de emigração de milhares de timorenses para Portugal nos últimos meses. Costa disse que está a ser criado um modelo conjunto “para combater circuitos paralelos de imigração ilegal, tráfico de seres humanos e exploração de pessoas”.

Ontem foi assinado um protocolo que permite “seguir uma boa prática” e “fazer formação no país de origem para as pessoas desenvolverem uma actividade profissional ou no país de origem ou em Portugal, mas já com formação feita”. “A única forma eficaz de combater a imigração ilegal e o tráfico de seres humanos é termos canais legais de migração. É isso que estamos a fazer e a construir”, frisou.

26 Jul 2023

China | Trabalhadores migrantes em crise buscam empregos temporários

Emprego temporário para trabalhadores que procuraram as cidades em busca de melhores condições de vida é uma das consequências do menor crescimento da economia chinesa, espelhado nos mais recentes dados do Produto Interno Bruto. Os cerca de 296 milhões de trabalhadores migrantes existentes no país procuram trabalhos a tempo parcial para se conseguirem sustentar

 

O abrandamento económico da China deixou trabalhadores migrados nas grandes cidades a lutar por trabalho temporário, enquanto economistas reconsideram previsões, até recentemente tidas como certas, sobre a ascensão do país asiático a maior economia mundial.

Na vila de Houchang, situada no norte de Pequim, em frente à sede da rede social Baidu, símbolo do desenvolvimento tecnológico da China, milhares de trabalhadores rurais saem todos os dias em busca de trabalho temporário: na construção, mudanças ou entregas ao domicílio. “Ocasionalmente aparece trabalho, mas a maioria tem agora pouco que fazer: estão praticamente desempregados”, descreve Wang Yushua, um trabalhador oriundo da província de Henan, à agência Lusa.

A China tem cerca de 296 milhões de trabalhadores migrantes – oriundos do interior chinês, radicados nas prósperas cidades do litoral. No primeiro trimestre do ano, o seu rendimento médio caiu para 4.504 yuan, de 4.615 yuan no ano passado, segundo dados oficiais.

A economia chinesa cresceu 0,8 por cento, no segundo trimestre, em comparação com os três meses anteriores. Isto representa uma desaceleração, em relação ao primeiro trimestre, quando a economia cresceu 2,2 por cento. Estas taxas de crescimento contrastam com a média de quase 10 por cento ao ano, alcançada entre 1979 e 2019.

Uma mudança de paradigma para taxas de crescimento menores tem impacto para trabalhadores como Wang. Com 44 anos, nota que, para a sua geração, é “imprescindível” ganhar dinheiro: “devemos cuidar dos familiares mais velhos e dos mais jovens, antes de pensar em nós mesmos”.

Este novo paradigma acarreta também consequências para a posição global da China: ultrapassar os Estados Unidos como a maior economia do mundo teria especial importância para Pequim, num período de crescente competição ideológica, geopolítica e tecnológica com Washington. Até recentemente, muitos economistas davam como certo que o PIB da China ultrapassaria o dos EUA até ao final desta década.

Seria o culminar daquela que é considerada a mais extraordinária ascensão económica de todos os tempos: de um país pobre e isolado, a China converteu-se no principal mercado do mundo para várias matérias-primas e produtos com valor acrescentado. A procura chinesa tornou-se fundamental para determinar o preço da soja, petróleo ou minério de ferro e para os resultados trimestrais das principais marcas mundiais.

Covid e liquidez

Mas as perspectivas deterioraram-se nos últimos anos, face a uma crise de liquidez no sector imobiliário, fraco consumo interno ou altos níveis de endividamento dos governos locais. Estes factores foram agravados pela política ‘zero covid’ e crescentes fricções geopolíticas.

A situação está a criar dúvidas sobre com que tipo de modelo a China poderá realizar a transição, quando um crescimento assente no consumo interno parece improvável, já que os salários permanecem baixos, e a aposta em sectores de alto valor acrescentado sofre grande resistência externa, com os Estados Unidos a imporem sanções e a restringirem a venda de tecnologia à China.

Pequim lançou um plano, designado “Made in China 2025”, para transformar o país numa potência tecnológica, com capacidades nos sectores de alto valor acrescentado, incluindo inteligência artificial, robótica e carros eléctricos.

No sector automóvel, a China conseguiu gerar marcas como a BYD [Build Your Dreams], NIO ou Xpeng, capazes de ameaçar o ‘status quo’ de uma indústria dominada há décadas pelas construtoras alemãs, japonesas e norte-americanas.

“A minha pergunta é: será que há deste tipo de empresas em número suficiente?”, aponta Richard Koo, economista na consultora japonesa Nomura Research Institute.

O dividendo demográfico que propiciou o rápido desenvolvimento económico do país chegou também ao fim. A ONU projecta que a população da China em idade activa vai diminuir em mais de 100 milhões, na próxima década.

A consultora Capital Economics estima que, se o PIB da China não ultrapassar o dos Estados Unidos até meados dessa década, talvez nunca o venha a fazer.

Ruchir Sharma, presidente da gestora de ativos Rockefeller Capital Management, concorda: “uma crise demográfica, baixos níveis de produtividade, altos níveis de endividamento e crescente rivalidade com os EUA, significam que o período de trepidante crescimento económico da China chegou ao fim”.

Posições revistas

Outros economistas continuam a antever a ascensão do país à posição de maior economia mundial, mas estão também a rever as suas previsões.

O Centro de Estudos Económicos e Empresariais, um grupo de reflexão com sede no Reino Unido, diz agora que a China vai ultrapassar os EUA apenas em 2030, dois anos mais tarde do que a previsão original. O Centro de Pesquisa Económica do Japão, com sede em Tóquio, também adiou em quatro anos, para 2033, a consagração da China como ‘número 1’.

Há cerca de uma semana foram divulgados os dados semestrais do desempenho da economia chinesa, tendo-se registado um crescimento homólogo de 6,3 por cento no segundo trimestre, um valor bastante aquém das expectativas dos analistas, ainda que esta percentagem tenha sido superior à de 4,5 por cento registada nos meses de Janeiro a Março. No entanto, a economia cresceu apenas 0,8 por cento no segundo trimestre.

A expansão robusta, em termos homólogos, deve-se em grande parte ao crescimento de apenas 0,4 por cento, durante o segundo trimestre de 2022, quando o país impôs rigorosos bloqueios em Xangai e outras cidades, visando conter surtos de covid-19. Os analistas previam que o crescimento se fosse fixar acima dos 7 por cento. O Governo chinês estabeleceu a meta de crescimento económico deste ano em “cerca de 5 por cento”. Para alcançar aquele valor, o PIB vai ter que crescer mais rapidamente nos próximos meses.

Relativamente às exportações, estas caíram 12,4 por cento em Junho, em termos homólogos, devido a uma menor procura global potenciada pelo aumento das taxas de juros na Europa, Estados Unidos e outros países, que visam conter a inflação.

Ao contrário do resto do mundo, a China não enfrenta altas taxas de inflação, mas pode acabar por registar o oposto: a queda dos preços, ou deflação, devido à fraca procura.

Nos últimos meses, as autoridades tentaram estimular o crédito e gastos.

Se nas grandes cidades os trabalhadores migrantes buscam emprego temporário, ou estão mesmo desempregados, a realidade não é muito melhor para os jovens. Actualmente, a taxa de desemprego entre os jovens urbanos da China, dos 16 aos 24 anos, é de 21,3 por cento, tendo atingido um novo recorde histórico no mês passado.

O Gabinete Nacional de Estatística avançou ainda que a taxa de desemprego urbano, no primeiro semestre, foi de 5,3 por cento, sendo que Pequim estabeleceu, ainda para este ano, a meta de criar cerca de 12 milhões de novos empregos nas cidades. A China tem mais de 96 milhões de jovens com idades entre 16 e 24 anos, entre os quais mais de 33 milhões deles ingressaram este ano no mercado de trabalho.

25 Jul 2023

EUA-China | Visita de Kissinger a Pequim vista como um aproximar de relações

Tido como um “velho amigo” da China, Henry Kissinger, antigo secretário de Estado norte-americano, terminou recentemente a sua visita a Pequim onde foi recebido ao mais alto nível e deixou várias sugestões de paz e diálogo entre os EUA e a China. Académicos entendem que esta é uma viagem simbólica, e que Pequim recorre a Kissinger para enviar sinais de uma certa aproximação

Antigo secretário de Estado de Richard Nixon, Henry Kissinger é há muito conhecido como um “velho amigo” da China, país que já visitou inúmeras vezes. A sua mais recente estadia em Pequim, onde chegou a reunir com o Presidente Xi Jinping, “tem um imenso simbolismo”, isto numa altura em que as relações entre a China e os EUA acarretam algumas tensões.

“A China também está a jogar, utilizando um pouco a figura de Kissinger para dar um sinal aos EUA. Ele [Kissinger] é um líder histórico e também é respeitado pela própria elite política americana, sendo uma figura lendária da diplomacia americana que se aproximou muito da China”, defendeu ao HM Jorge Tavares da Silva, analista de assuntos chineses ligado à Universidade da Beira Interior, em Portugal.

Outrora uma influente figura política no panorama norte-americano, Kissinger é hoje “uma espécie de lobista pró-China”, pois “durante muitos anos ajudou empresas americanas a entrar na China”. O antigo secretário de Estado tornou-se, assim, “quase uma espécie de diplomata a defender a imagem do país”, acrescentou o académico.

Com esta visita, a China quer, no fundo, mostrar que “se predispõe a fazer uma aproximação aos EUA, uma vez que os americanos também fazem algum esforço para se aproximarem da China”. “Há tensões que não vão mudar, há a questão da tecnologia e do Mar do Sul da China, mas os EUA tentam agora uma certa aproximação, o que sucedeu com algumas visitas [John Kerry]. Tentam chamar a atenção para certas questões, como a questão climática, que pode avançar. É fundamental que os dois países não entrem numa escalada de tensão. Os EUA estão preocupados com isso, e Kissinger está a ser usado para a China dar um sinal de que o caminho certo é o do diálogo”, frisou o académico.

A jogada da Casa Branca

Tiago André Lopes, especialista em assuntos asiáticos e docente na Universidade Portucalense, defendeu ao HM que a visita de Kissinger não é mais do que uma “diplomacia de celebridade”, pois o antigo secretário de Estado “usou o seu estatuto académico-diplomático para encetar uma verdadeira operação de charme, sabendo que Xi Jinping é um fã confesso da política de Kissinger que terminou com o isolamento da RPC, que a alavancou para o Conselho de Segurança da ONU e que permitiu à China ter uma palavra dizer no sistema internacional”.

O académico entende que a visita é, também, uma “jogada diplomática da Casa Branca que sinaliza a sua vontade de ter uma cooperação mais estreita com Pequim, sem, contudo, se comprometer aberta e publicamente com os resultados da visita”.

Desta forma, os EUA pretenderam “relembrar a China que, no quadro da diplomacia triangular, o país, durante a Guerra Fria, era uma espécie de contra-peso ao jogo de influências travado entre a URSS e os EUA”. Assim, a Casa Branca “parece querer voltar à ideia do ‘Condomínio a Dois’, avançada no final da Guerra Fria, no qual a estrutura internacional seria bipolar, mas de matriz cooperante e não de matriz conflitual”.

Acima de tudo, a ida de Henry Kissinger à China não pode ser encarada como sendo apenas “um acaso de agendas”, acrescentou Tiago André Lopes. “Há muitas camadas de análise e intenção e não há inocência no ocorrido. Washington percebeu, no ano passado, que Pequim está com uma postura mais assertiva e até de cariz mais beligerante, pelo que importa tentar aliviar tensões e esclarecer mal-entendidos, antecipando desde já a previsível fúria de Pequim quando o candidato ao governo de Taiwan passar pela América Latina e se encontrar com representantes políticos dos EUA. A visita de Kissinger tenta instaurar uma nova fase de cooperação pragmática na Ásia Oriental, mas creio que Pequim tem menos interesse nessa cooperação neste momento”, adiantou.

Um homem “pragmático”

Jorge Tavares da Silva entende que Henry Kissinger foi, nos anos 70, um político “pragmático” na sua tentativa de encetar o diálogo bilateral numa altura em que a China comunista estava fechada ao mundo. Numa viagem secreta a partir do Paquistão, Kissinger vai a Pequim onde se reúne com o então primeiro-ministro chinês, Zhou Enlai, para discutir os pormenores da viagem. Em 1972, Richard Nixon aterrava em solo chinês para uma viagem que ficou para a história, que ficou conhecida como “A semana que mudou o mundo”.

“Foi ele iniciou negociações para o restabelecimento das relações bilaterais entre os países. O momento histórico era terrível, porque a China e a URSS estavam num período de tensão e os EUA aproveitaram esse momento para se aproximarem da China. O país tornou-se comunista em 1949 e nos EUA as autoridades questionavam como tinham perdido a China, o que foi um grande abalo para os interesses americanos no mundo. Durante muitos anos nunca se reconheceu a RPC”, descreveu Tavares da Silva.

Na década de 70 a China dava sinais de uma aproximação, mas “Kissinger foi o interlocutor máximo, encontrando-se com Zhou Enlai nessa viagem secreta”. Contudo, só em 1979 é que as relações diplomáticas entre os dois países seriam formalizadas, com Deng Xiaoping e Jimmy Carter no poder.

Na sua passagem pela China, Henry Kissinger deixou vários recados em prol do relacionamento bilateral EUA-China, apelando a que se “eliminem mal-entendidos e coexistam pacificamente [os dois países]”, disse, durante um encontro com o ministro da Defesa chinês, Li Shangfu.

Segundo um comunicado emitido pelo ministério da Defesa chinês, Kissinger afirmou que, no mundo actual, coexistem desafios e oportunidades, e que Pequim e Washington devem “evitar a confrontação”. O veterano político norte-americano disse esperar que as duas potências façam o seu melhor para alcançar resultados positivos no desenvolvimento da relação bilateral, de forma a salvaguardar a paz e a estabilidade mundiais. “A história e os factos mostraram repetidamente que EUA e China não podem arcar com o custo de se tratarem como oponentes”, realçou.

A visita não anunciada de Kissinger coincidiu com a presença na China do enviado especial dos EUA para os Assuntos Climáticos, John Kerry, que também foi secretário de Estado, entre 2013 e 2017, durante parte do mandato presidencial de Barack Obama.

Na quarta-feira, Xi Jinping, Presidente chinês, destacou o significado da deslocação a Pequim de Kissinger, lembrando que ele fez recentemente 100 anos e já visitou a China por mais de 100 vezes. “Este resultado de ‘duzentos’ torna a visita significativa”, disse o também secretário-geral do Partido Comunista da China.

O Presidente chinês sublinhou que, há 52 anos, os dois países viviam um “momento crítico”, mas que graças à visão estratégica dos líderes da época, foi tomada a “decisão certa” de retomar a cooperação sino – norte-americana. Xi referiu-se ao veterano político norte-americano como um “velho amigo da China”.

Kissinger expressou a sua “honra por visitar novamente a China”, no mesmo local onde se encontrou, pela primeira vez, com os líderes chineses, em 1971, e sublinhou que a relação entre os dois países é “importante” para a “paz mundial e o progresso da sociedade humana”.

24 Jul 2023

Ruby Hok Meng O, Sociedade para a Saúde Alimentar e Ambiental: “A população preocupa-se com o ambiente”

Em pouco tempo, a Sociedade para a Saúde Alimentar e Ambiental, criada em 2021, já chegou a escolas e grandes empresas promovendo a aposta na sustentabilidade e na redução do desperdício alimentar e do uso do plástico. Ruby Hok Meng O, fundadora e presidente da organização, considera que a sociedade de Macau está cada vez mais vocacionada para a protecção ambiental

 

Criou a Sociedade para a Saúde Alimentar e Ambiental [Society of Food & Environmental Health] em 2021. Como analisa o trabalho desenvolvido até aqui?

Uma das principais razões que me levou a criar esta organização foi o facto de ver muitas pessoas com dificuldades em aderir a um estilo de vida que implique a redução da sua pegada de carbono ou com vontade de melhor proteger os recursos naturais. Juntando um grupo de amigos, e pessoas ligadas às áreas da restauração e segurança alimentar, podemos usar a alimentação como um meio para aumentar a consciência das pessoas, incluindo residentes, turistas e representantes de todo o sector turístico [de Macau], com destaque para as indústrias alimentar, de catering e de hotelaria. Todos nós temos um papel muito importante na mitigação das emissões de carbono, reduzindo o uso do plástico e tentando fazer com que Macau seja um destino turístico de baixo carbono, onde é servida comida saudável e onde são respeitados os recursos naturais. [É importante] ter uma indústria de catering mais consciente do que se passa em questões de segurança alimentar ou a poluição causada pelo plástico, tentando criar novos valores. Criámos então esta associação tendo a alimentação como foco e tentando promover uma boa conexão entre as pessoas e o ambiente.

Arrancaram em plena pandemia. Foi uma altura particularmente desafiante para começar um projecto que implica a criação de laços e contactos?

Estava tudo muito calmo e queria aproveitar essa oportunidade para estar mais tempo na minha cidade e com a minha comunidade, com pessoas apaixonadas pelas questões da sustentabilidade, tentando criar um projecto inspirador que tentasse compreender e transformar comportamentos no dia-a-dia, e eventualmente transformar a própria cultura [de relacionamento com o meio-ambiente]. Tentámos apostar na literacia sobre a alimentação, formação e workshops. Foi algo que criámos e que levámos a diferentes escolas secundárias, por exemplo a Pui Ching, Santa Rosa de Lima, Sagrado Coração, entre outras. Tentámos uma aproximação junto da indústria, dizendo-lhes que os alimentos não são apenas bens de consumo, e que cada vez existem mais pessoas a dedicarem-se à protecção dos recursos naturais e a tentar perceber o caminho do desperdício alimentar. Até à data, conduzimos cerca de seis ou sete workshops e debates em escolas do território. Sentimos que grande parte dos comportamentos [que implicam maior desperdício] devem-se ao facto de as pessoas não estarem conscientes do gasto em energia e recursos e de toda a pegada de carbono que está associada [à produção alimentar]. Apostamos em recursos educativos junto dos mais jovens, pois acreditamos que se conseguirmos dar poder à juventude teremos mais possibilidades de potenciar comportamentos sustentáveis no futuro. Espero que os mais jovens possam ganhar maior consciência sobre o que é, de facto, sustentável, quando chegar a altura de escolhorem os seus cursos ou projectos na Grande Baía ou em competições internacionais, por exemplo. Já poderão ter uma mentalidade que dá às questões da sustentabilidade a importância que merecem. De outra forma seremos como outras cidades e países. Até à data, a reacção [em relação ao nosso trabalho] tem sido bastante boa.

Observamos em Macau muitos comportamentos que são ainda ecologicamente pouco sustentáveis, como o facto de a fruta estar toda embalada em plástico nos supermercados, entre outras questões. Sente que há ainda um longo caminho a percorrer para mudar este panorama?

Isso não é inteiramente verdade. Nos últimos dois ou três anos temo-nos aproximado de diversos actores [na promoção de comportamentos sustentáveis]. Antes estava mais focada no meu trabalho ou nos meus amigos, mas esta plataforma permite uma conexão com pessoas e entidades com quem nunca tinha falado antes, e a percepção que recebo é que as pessoas de Macau se preocupam bastante com a protecção do meio ambiente e da sua comunidade. Sentimos alguma frustração quando vamos a Hong Kong ou mesmo a Hengqin e vemos coisas que não acontecem em Macau. Mas voltando à sua questão, a fim de que isso possa acontecer [uma mudança de paradigma], precisamos de uma sistematização do pensamento e cada actor deve ter um papel a desempenhar. Alguém tem de assumir essa iniciativa e em Macau penso que os resorts integrados estão a liderar esse processo, nomeadamente ao nível dos processos de reciclagem e da redução do desperdício alimentar, por exemplo. Assim que as grandes empresas ou organizações iniciarem esse processo, as coisas vão tornar-se mais acessíveis. Penso que é uma questão de tempo e definir quais são as prioridades a atingir e colocá-las na agenda da cidade.

Falou dos resorts integrados. Com os novos contratos de jogo, que reforçam a responsabilidade social corporativa, os casinos estão mais predispostos a apostar na área da sustentabilidade?

Penso que os operadores de jogo são de facto a força motriz neste campo. Falamos de empresas de grande dimensão que lidam com diversas jurisdições, que precisam de realizar relatórios de responsabilidade social e de sustentabilidade, que não se resumem a uma ou duas frases. Precisam de ter uma missão no seu interior, são avaliados por uma terceira parte em relação ao seu nível de sustentabilidade. O investimento é feito numa empresa sustentável, que respeita as pessoas, que é credível, que cresce em conjunto com a sociedade. Com essa ideia, todas as operadoras de jogo têm objectivos de sustentabilidades e metas de redução da pegada de carbono a atingir. O impacto climático [das suas operações] tem de ser reduzido. Todas estas questões se relacionam com as pequenas e médias empresas, numa partilha de valores. De outra forma não conseguem corresponder ao panorama internacional.

Acredita que o Governo deve alterar a estratégia e políticas relativamente às questões ambientais?

A Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental tem um plano a cinco anos de melhoria do ambiente da cidade, com ideias para a redução do consumo de energia, por exemplo, e programas educacionais. Sei que têm feito trabalho de consulta com diferentes associações. Penso que tudo depende dos recursos importantes, como, por exemplo, os custos associados a termos no território um centro de reciclagem ou a importarmos esse serviço. Macau tem um modelo de economia baseado no consumo, na medida em que importamos quase tudo para consumir, e geramos lixo. A estratégia está relacionada com a tal sistematização e mudança de pensamento. Isso pode ser uma responsabilidade do Governo, mas penso que é mais das pequenas e médias empresas e dos próprios consumidores e empresários. Penso que o consumidor tem muito poder nesse sentido: porque compramos tantas coisas online, por exemplo? Todos têm um papel a desempenhar, e todos apontam o dedo ao Governo, que não está a fazer isto ou aquilo. Mas devemos questionar-nos a nós próprios: sempre que sabemos que determinada embalagem não vai ser reciclada, ou que vai demorar muitos anos a sê-lo, porque a vamos comprar ou continuar a usar esse tipo de produto? Como cidade, devemos perguntar-nos a nós próprios o que podemos fazer? Reduzir a partir da fonte é de facto o mais importante e deve ser feito por cada indivíduo.

Relativamente ao despejo para o mar de água usada na refrigeração da central nuclear de Fukushima. O Instituto para os Assuntos Municipais pondera deixar de importar comida do Japão. Qual a sua posição?

Sim. Penso que, sem uma decisão, vamos todos sofrer passivamente. Esta questão é semelhante à da reciclagem: todos têm responsabilidade. O Governo assegura a transparência da importação e os requisitos de qualidade, mas as grandes empresas devem também testar os alimentos importados. Esta pode ser uma oportunidade para falarmos sobre a qualidade da alimentação e pensarmos na possibilidade de diversificar a nossa dieta, comendo alimentos orgânicos e locais, beneficiando o meio ambiente, sem gastarmos imenso dinheiro.

20 Jul 2023

Talim | Baleia deu à costa no sul da China. Vietname em alerta

Se em Macau o tufão Talim passou sem fazer grandes estragos, o mesmo não se pode dizer de outras regiões do sudeste asiático. Na província de Guangdong, na segunda-feira, vários veículos foram esmagados pela força das águas e até uma baleia deu à costa. No Vietname, milhares de pessoas tiveram de deixar as suas casas antes da chegada do tufão. Nas Filipinas, espera-se um ciclone tropical nos próximos dias

 

O tufão Talim deixou um rasto de destruição em algumas regiões da Ásia, apesar de, em Macau, a tempestade ter passado quase despercebida, tirando as habituais inundações nas zonas baixas da cidade, como é o caso do Porto Interior, que obrigaram a acções de prevenção da parte dos serviços de protecção civil.

No entanto, na província de Guangdong os sinais da passagem do Talim por estes dias foram bem mais evidentes, tendo-se registado, segundo a Reuters, árvores caídas sobre viaturas em circulação e pessoas a cair nas ruas movidas pela força do vento. Nas redes sociais foram divulgados vários vídeos de situações insólitas ocorridas esta segunda-feira, nomeadamente imagens de uma arca frigorífica cheia de gelados a flutuar e de uma baleia que deu à costa.

O Talim foi o primeiro tufão a atingir a China este ano. Chegou a Guangdong na segunda-feira à noite, tendo-se progressivamente tornado mais fraco e transformado em tempestade tropical. Durante a madrugada de ontem, foi-se deslocando para o Golfo de Beibu, tendo atingido novamente terra e feito depois uma movimentação para a região sul de Guangxi.

Segundo informações da Administração Meteorológica da China, o vento atingiu a velocidade de cerca de 138 quilómetros por hora perto das 10 horas da manhã de ontem. Ainda na província de Guangdong, os bombeiros resgataram passageiros presos em veículos por ramos de árvores caídos, tendo ajudado a desobstruir estradas com o intuito de assegurar a segurança dos condutores.

Uma vez que o Talim atingiu zonas costeiras, muitas delas destinos turísticos, como é o caso de Hainão, foram feitas alterações nos habituais percursos de barco e cancelados cerca de 160 voos nos Aeroportos Internacionais de Meilan e Qionghai Boao, ambos em Hainão. Por sua vez, foram canceladas na segunda-feira várias viagens de comboio que habitualmente operam entre a província de Guangdong e Hainão, sobretudo os comboios de alta velocidade entre Guangzhou e Shenzhen. Também na cidade vizinha de Zhuhai foram cancelados vários voos.

O perigo, no sul da China, parece já ter passado, mas a tempestade deixou ainda um rasto de mau tempo, com a ocorrência de chuvas e ventos fortes até às oito da manhã de ontem nas regiões de Guangdong, Guangxi, Fujian, Hunan, Guizhou and Yunnan.

Perigo a sul

O Talim deslocou-se, entretanto, para a zona noroeste do Vietname, devendo chegar a terra na manhã de hoje, o que já obrigou à evacuação de cerca de 30 mil pessoas das suas casas, situadas nas províncias de Quang Ninh, Thai Binh e Nam Dinh. Nestas regiões, as autoridades proibiram ontem a saída de barcos de pesca e suspenderam os serviços dos navios de passageiros, de acordo com o portal de notícias Vietnam+.

Os serviços de emergência disseram esperar que o Talim provoque grandes inundações em diferentes áreas da região norte devido à forte precipitação provocada pelo tufão, um dos mais fortes a atingir o norte do Vietname nos últimos anos. As fortes chuvas também acarretam o risco de aluimentos de terras, alertaram.

Segundo a Aljazeera, o comité de resposta a desastres do Vietname adiantou, num comunicado online divulgado na segunda-feira, que o Talim “pode ser um dos maiores [tufões] a atingir o Golfo de Tonkin nos anos mais recentes”. Vários turistas foram alertados para alterarem os seus percursos e deixarem as ilhas do país, enquanto as companhias aéreas se viram obrigadas a alterar alguns voos para dar resposta a esta situação. Por sua vez, o primeiro-ministro vietnamita, Minh Chinh, apelou às autoridades de protecção civil para se prepararem de imediato para “trabalhos de busca e salvamento”.

Segundo uma mensagem divulgada pela embaixada norte-americana em Hanói, o Talim deverá atingir terra vietnamita na manhã de hoje entre as regiões de Hai Phong e Quang Ninh, prevendo-se a ocorrência de ventos e chuvas fortes, com risco de inundações e deslizamentos de terras mais concretamente nas províncias da zona noroeste do país, nomeadamente Lang Son, Cao Bang, Ha Giang, Lao Cai e Yen Bai.

“Egay” ou não?

Nas Filipinas, a tempestade passou perto da região de Luzon, mas as autoridades esperam, desde ontem, a ocorrência de uma nova tempestade dentro de 24 a 48 horas devido à formação de uma zona de baixa pressão perto da zona de Mindanao, sobre os mares a leste do país.

Segundo um comunicado emitido ontem pelo Observatório de Hong Kong, esta área de baixa pressão “deverá transformar-se num ciclone tropical, entrando na parte norte do Mar da China Meridional no início da próxima semana, podendo intensificar-se para um ciclone tropical mais forte, aproximando-se da costa do sul da China”, sendo, no entanto, ainda incerto o movimento que esta zona de baixa pressão deverá tomar. Caso evolua para um ciclone tropical, este ganhará o nome de “Egay” que, a acontecer, será a quinta tempestade a atingir o país este ano, e a segunda só este mês. Dados divulgadas pela PEGASA referem que a possível tempestade não deverá atingir directamente o país, provocando apenas fortes chuvas em algumas regiões.

Dois canais de YouTube com milhares de seguidores nas Filipinas divulgaram falsas informações sobre a chegada de um novo super tufão de nome “Egay”, que deveria atingir directamente a região de Luzon, o que obrigou o portal de notícias Rappler a realizar uma verificação de factos. O Rappler cita informações divulgadas pela PAGASA às quatro da manhã desta segunda-feira, que referem apenas a monitorização de uma zona de baixa pressão a 810 quilómetros de Mindanau.

O primeiro do ano

O Talim foi o primeiro tufão a atingir Macau este ano, além de ter sido a primeira tempestade que obrigou as autoridades a içar o sinal 8 de tempestade tropical, panorama que se arrastou por 14 horas. Ontem, todos os sinais de tempestade foram cancelados às 10h30. Em jeito de balanço, os Serviços Meteorológicos e Geofísicos (SMG) apontam que, com o sinal 8 içado, o Talim foi-se movendo para noroeste “de forma estável”, mantendo uma distância que variou entre 200 e 250 quilómetros de Macau. Registaram-se ventos fortes e um período prolongado de chuva forte, tendo-se registado inundações onde a água atingiu o nível máximo de 0,33 metros na Estação Provisória de Monitorização do Nível da Água no Porto Interior.

 

SMG | Possível tufão severo ou superior nos próximos dias

Os Serviços Meteorológicos e Geofísicos (SMG) emitiram ontem uma nota onde dão conta da existência de uma “área de baixa pressão que se encontra no noroeste do Oceano Pacífico”, existindo uma “grande possibilidade de se transformar numa tempestade tropical nos próximos dias”, podendo elevar-se à categoria “de tufão severo ou superior”, embora a zona de baixa pressão continue “muito distante de Macau”. “Tendo em conta diversos modelos de previsões numéricas, ainda existem grandes divergências na trajectória potencial para o futuro”, acrescentam os serviços, que prometem “acompanhar de perto a evolução” da zona de baixa pressão. Também o Observatório de Hong Kong espera a chegada ao território de “um forte ciclone tropical” na próxima semana. Citado pelo South China Morning Post, David Lam Hok-yin, responsável científico sénior do Observatório, disse que “a área de baixa pressão que se encontra actualmente sobre os mares na zona leste das Filipinas deverá transformar-se num ciclone tropical”, sendo que “o potencial ciclone tropical poderá ser forte, atingindo a força de um tufão, ou [algo] superior. No entanto, David Lam adiantou que é ainda cedo para fazer mais previsões quanto ao percurso exacto que a tempestade vai tomar, esperando-se apenas que entre na parte norte do Mar do Sul da China “no início da próxima semana”, com a ocorrência de ventos e chuvas fortes na região.

18 Jul 2023