Sofia Margarida Mota Entrevista EventosSílvia Patrício, artista plástica: “Prefiro ir buscar as imagens às palavras” Está em Macau à procura de referências para o seu novo projecto. Sílvia Patrício criou as imagens oficiais da canonização de Jacinta e Francisco. A artista plástica falou ao HM do seu percurso, da sua independência e do que espera levar do território [dropcap]C[/dropcap]omo é que começou a carreira na pintura? Gostava de desenhar e fui estudar Artes Plásticas para as Caldas da Rainha. Naquela altura pensei no curso como uma forma de dar aulas de uma matéria de que gostava. De certa forma, era uma segurança. Quando terminei o curso já tinha uma loja de objectos produzidos por mim. Mas só comecei a pintar quando terminei o curso. A escola era mais virada para a produção de, por exemplo, instalações. Aliás, na altura até optei pela área da escultura, não tanto por ser das minhas favoritas, mas sim porque era uma oportunidade de ter acesso a máquinas de explorar técnicas que, de outra forma, seria mais difícil. Deu aulas numa fase inicial da carreira. Acha que é possível ensinar aquilo a que se chama ‘talento’? Sim. Acho que qualquer arte é primordial e deve ser ensinada desde muito cedo. Independentemente da forma de arte, é uma forma de desenvolver a criatividade. Há uma grande lacuna neste campo que se manifesta na desvalorização de um ensino real das artes desde criança. Infelizmente, as pessoas são educadas com a frase “não tem jeito para o desenho, não pode seguir uma carreira artística”. Mas, para mim, qualquer pessoa, desde que seja acompanhada, pode criar. Apesar de gostar de ter dado aulas, o que realmente gostava era de desenhar e de pintar. Acabei por deixar tudo, a loja e as aulas, e dedicar-me completamente à pintura. Foi quando produziu as obras que integraram o projecto “Essa Paixão Proibida”, inspirado em “O Crime do Padre Amaro”? Sim. O projecto ainda foi realizado a fazer outras coisas, mas com a sua venda percebi que a pintura podia ser sustentável. Como é que apareceu a ideia de pegar neste romance de Eça de Queirós? Estava a ler o livro e, como vivo em Leiria, ao passear pelas ruas, fui descobrindo que muitos dos edifícios por onde passava serviram de cenário ao romance. Fui-me vendo nos próprios espaços. Acabei por pedir autorização para visitar e fotografar. “Essa Paixão Proibida” passa pelo lado físico, que existe e que tem estes elementos reais do contexto do livro, e por um lado fantasioso em que está a minha visão do que leio e em que dou uma cara a personagens que existem de forma apenas escrita. Como é recriar um romance nas telas? Estamos a falar de um escritor que também é muito descritivo. Funcionou como uma ajuda, de alguma forma? Ajudou muito. É claro que temos de criar sobre o que lemos mas, por exemplo, um rosto se for descrito como sendo redondo, tendo lábios finos, etc., tento seguir esses traços. Mas usa modelos reais? Sim. Vou à procura de pessoas que façam parte da minha vida e que, de alguma forma, correspondam aos traços que idealizo. Também procuro pessoas desconhecidas, mas tento sempre ir ter com as que conheço porque gosto de as incluir no meu trabalho. Acho que é um processo interessante. A instalação é agora o formato que caracteriza grande parte do que faz. Porquê? Na altura de “Essa Paixão Proibida” fiz um quadro referente à tecedeira de anjos. Chamava-se assim à mulher que fazia desaparecer as crianças indesejadas. A personagem está a tecer num tear e do tapete saem crianças com asas. Acompanhei a tela com esculturas em que esses “anjos” são uma espécie de continuação tridimensional da própria pintura. Ao projecto juntei um trabalho de sonoplastia feito pelo António Cova. O público tinha desta forma um meio para ouvir um outro trabalho que continha os trechos que inspiraram cada tela. Acabei por conseguir ter algum sucesso e dar-me a conhecer. A colecção foi vendida na totalidade a um coleccionador privado, o que me permitiu continuar a trabalhar apenas na área da pintura e artes plásticas. Depois, acabei por perceber que a junção de vários meios e a sua conjugação completa os próprios trabalhos. Dá-lhes outras vidas. FOTO: Ricardo Graça / Jornal de Leiria É a autora das imagens oficiais da canonização dos pastorinhos que foram vistas no mundo inteiro. Como é que este trabalho apareceu e como está a ser encarado? O convite surgiu na sequência de outro convite. O Museu de Leiria tinha-me convidado para fazer um quadro para a sua colecção e, numa das reuniões, conheci o director do Santuário, Marco Daniel. Ele teve acesso ao meu trabalho, mostrou-se interessado e disse que gostaria de ver como seriam os pastorinhos através do meu olhar. Tratava-se de um trabalho iconográfico e o que fiz foi tentar dar vida àqueles seres que conhecia apenas de fotografias. O meu objectivo não era só chegar a um retrato dos pastorinhos, era conseguir captar o que eles tinham por dentro. Queria também que quem os visse sentisse que as obras eram mais do que um retrato. Os rostos são carregados, são de vidas que não foram fáceis. Juntei depois alguns símbolos que me foram pedidos e para o efeito criei uma auréola. Fazia sentido tratando-se de uma canonização. Acabou por ser uma forma de me dar a conhecer a uma população mais vasta, visto as imagens terem corrido o mundo. Não trabalha normalmente com galerias e muitas vezes são elas que projectam os artistas. Foi uma opção em que insiste. Porquê? Acho que é importante termos liberdade. É fundamental poder escolher os temas em que vou trabalhar. O que tenho sentido é que, sem estar a generalizar, muitas galerias vêm o artista como uma espécie de operário. Se antigamente as galerias podiam ter uma paixão pelos trabalhos ou pelos artistas que escolhiam e davam uma ajuda, sinto que na actualidade uma obra é um mero objecto comercial que valoriza e desvaloriza conforme, muitas vezes, a corrente do momento. Posso vender menos e não ser tão conhecida mas, até agora, esta independência foi a situação que me pareceu melhor para o que quero fazer. Não consigo ter o mesmo acesso e projecção que um artista de uma galeria. Em termos de projectos, os meus também são muito morosos. Antes deste projecto ligado à religião, produziu “Humanário”, em que também pegou na Bíblia. Alguma razão em particular? Já tinha pensado em fazer um projecto baseado nesse livro. Não o escolhi por motivos religiosos, mas por ser um livro, acima de tudo, sobre os Homens. Comecei a trabalhar e, na mesma altura, a minha mãe adoeceu subitamente e acabou por morrer. Pus em causa se deveria continuar com o projecto. Acabei por continuar e o próprio trabalho talvez tenha acabado por mudar um pouco. Quando se sabe que alguém vai desaparecer da nossa vida, penso que, mesmo inconscientemente, tentamos criar uma ponte com a parte que vai embora e que não se vê. Vai buscar inspiração aos livros, acabámos de falar de dois. Porquê? Apesar de gostar muito de cinema, por exemplo, prefiro sempre ir buscar as minhas imagens às palavras. Os filmes acabam por condicionar o nosso imaginário, já nos dão uma imagem. É muito mais complicado estar a criar uma coisa visível sobre outra também visível. É muito interessante agarrar nas palavras e delas ir para outra coisa, para uma coisa física, seja uma pintura ou um objecto. É a primeira vez na Ásia e está cá também para preparar novos trabalhos. Como está a correr este encontro? Macau é um sítio muito particular. Ainda é cedo para falar porque estou cá há pouco tempo. Uma coisa que pode ser banal, mas que me impressionou: se olharmos para os edifícios, cada varanda tem a sua decoração. São todas diferentes. A estrutura é a mesma, mas umas são de vidro, outras de pedra, outras de metal e madeira. Nunca tinha imaginado um prédio com as varandas todas diferentes. Isto faz-me pensar que aqui as pessoas têm um universo único que se transmite, por exemplo, nestas coisas. Sinto também que anda tudo a olhar muito para dentro de si e quando olham para fora é para o telemóvel. Entretanto, espero levar daqui elementos para um projecto futuro em que pretendo juntar os mundos que conheço. Neste momento estou a pesquisar, a absorver, por exemplo, padrões e estruturas. Gostava que o resultado do que ando a ver e sentir pudesse cá vir em forma de projecto. Sem cair no lugar-comum, gostava de desenvolver uma ligação entre Portugal e China no geral. O seu trabalho já foi várias vezes comparado com o de Paula Rego. Já ouvi isso muitas vezes. De certa forma entendo o paralelismo. Trabalhamos um pouco acerca dos mesmos universos em que existe a pessoa associada a elementos fantasiosos. Por outro lado, a dimensão também é idêntica, é em escala real. A Paula Rego também trabalhou “O Crime do Padre Amaro”, mas de uma forma muito diferente. Ela debruçou-se sobre a temática do aborto e eu fui pelo lado da paixão proibida. De alguma forma, até foi uma honra ter tido essa comparação. No entanto, actualmente penso que, quem conhecer o meu trabalho, já não fará essa afirmação. A mudança tem sido natural e inconsciente. Aos poucos vou entrando noutros universos e vou descobrindo outras coisas.
Hoje Macau EventosLisboa acolhe o primeiro Fórum Literário Portugal-China [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Fórum Literário Portugal-China, cujo programa inclui debates no Centro Científico e Cultural de Macau e uma passagem pela Feira do Livro de Lisboa, acontece no âmbito do memorando de entendimento assinado em 2015, entre Portugal e a China, de apoio mútuo à edição e promoção da literatura dos dois países. Em Lisboa estarão seis personalidades chinesas ligadas ao livro, entre as quais o escritor Su Tong, finalista do Man Booker International Prize em 2011, Tie Ning, romancista e presidente da Associação Chinesa de Escritores, e os autores Chi Zhijian e Zhang Wei. A eles juntam-se ainda três autores portugueses: José Luís Peixoto, Dulce Maria Cardoso e Gonçalo M. Tavares. De acordo com a Direcção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas, o memorando assinado em 2015 em Pequim prevê “o apoio à divulgação recíproca da literatura chinesa e portuguesa, seja através do apoio à tradução de obras literárias, seja através da participação de autores no outro país”. O fórum em Lisboa incluirá ainda um encontro dos autores chineses com editores portugueses.
Hoje Macau EventosTeatro | Companhia portuguesa colabora com escolas da RAEM a convite do IPOR [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]rranca na próxima segunda-feira uma série de apresentações do projecto “As Raposas”. O espectáculo nasceu da simbiose entre a companhia portuguesa “Cabeça no Ar e Pés na Terra” e escolas de Macau, a convite do IPOR. O projecto partiu da dramatização dos textos em português das “Fábulas de La Fontaine” e começou em Novembro do ano passado, quando se iniciou nas escolas e turmas participantes a leitura e exploração didáctica da obra do francês Jean de La Fontaine. Como a personagem central da narrativa é uma raposa, o nome do projecto estava mesmo à mão de semear, daí “As Raposas”. A elaboração dos figurinos que os actores da companhia de teatro vão usar na apresentação da peça teve um processo original. Primeiro, as crianças envolvidas no projecto desenharam as personagens da história e enviaram esses esboços para a companhia. A partir da imaginação das crianças os figurinos foram construídos. A peça terá como base uma selecção de textos de “O Corvo e a Raposa”, “A Raposa e as Uvas”, “A Raposa e a Cegonha”, “O Galo e a Raposa”, “O Gato e a Raposa” e “O Lobo e a Raposa”. O espectáculo une a cenografia em que os alunos participaram à representação em palco dos actores da “Cabeça no Ar e Pés na Terra”. As apresentações começam na Escola Portuguesa de Macau na segunda-feira, na Escola Luso-Chinesa da Flora na quarta-feira, no Jardim D. José da Costa Nunes na quinta-feira e na Escola Oficial Zheng Guanying na sexta-feira. Além disso, haverá ainda uma sessão aberta na quarta-feira, às 17h30, no Café Oriente do IPOR.
Andreia Sofia Silva EventosProjecto @NossaLíngua | Documentário sobre português filmado em Macau O projecto online “@Nossa Língua” já vai na segunda edição e tem como objectivo a gravação de um documentário sobre o idioma de Camões em Macau. Já foi iniciada uma campanha de recolha de fundos, bem como contactos com entidades locais. [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]rimeiro foram as imagens no Instagram, agora as imagens reais, em formato documentário. O projecto online “@Nossa Língua” visa abordar a forma como a língua portuguesa é falada e transmitida em vários países. Em Macau, o documentário que será gravado não esquecerá o patuá. Ao HM, os directores do projecto “@Nossa Língua”, Luciane Araújo e Júlio Silveira, falam da iniciativa que requer, para já, apoio financeiro para que possa ser realidade. “Estamos em contacto com autoridades, fundações, institutos e outras organizações [de Macau]”, disseram. “A Direcção dos Serviços de Turismo de Macau sinalizou um apoio para o alojamento, mas ainda estamos a aguardar resposta”, acrescentaram. A Fundação Oriente foi outra das entidades que já foi contactada, embora ainda não haja uma resposta em concreto. Foi também contactado o Instituto Camões ou a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), entre outras instituições. “Acreditamos que o projecto @NossaLíngua seja a concretização da missão dessas organizações: o estreitamento da cooperação entre os povos lusófonos”, apontaram os mentores da iniciativa. Há dois anos, o “@NossaLíngua” dava os primeiros passos através da publicação de fotografias na rede social Instagram. Estas deveriam mostrar a forma como a língua portuguesa é manifestada nos vários países ou regiões onde é língua oficial. Em cada um desses lugares, existia um representante a coordenar a iniciativa, que foi transformada em livro. A próxima etapa é a gravação de um documentário, sendo que esse projecto já foi feito em Cabo Verde, Portugal e Brasil. “O filme foi seleccionado e exibido no Festival de Cannes 2016, na Mostra Short Film Corner, e teve exibições em Cabo Verde e Brasil”, explicaram Luciane e Júlio. Vamos conversar Para pensar o documentário que será realizado em Macau, Luciane Araújo e Júlio Silveira partiram de duas perguntas. “Nós efectivamente falamos a mesma língua? Se falamos a mesma língua, por que não conversamos?”, revelaram. “Na tentativa de responder a essas perguntas, mostramos como o idioma português é visto ou vivido em cada lugar; falamos sobre as línguas que derivam do idioma, como o patuá de Macau e o crioulo de Cabo Verde, além de investigarmos as influências culturais e políticas entre os países lusófonos. Mostramos ainda como cada país vê o outro e como entende a lusofonia”, referiram. Nos documentários já realizados, participam escritores como Mia Couto, José Luís Peixoto, Germano Almeida e Ondjaki. Há também “professores e gente da rua”. “Também tentamos mostrar o que nos faz parecidos e o que cada lugar tem de único.” Os mentores do “@NossaLíngua” afirmam já ter conseguido obter um terço do orçamento necessário. “Esperamos que o público de Macau possa ter conhecimento desse projecto através desse material. Todos podem participar e ainda ganhar brindes.” Os interessados podem fazer a sua contribuição através de uma plataforma de crowdfunding. Para Luciane Araújo e Júlio Silveira, esta iniciativa está apenas no começo. “@NossaLíngua é na verdade um movimento: viemos descobrindo e estreitando amizades em nove países diferentes. O primeiro episódio nos uniu mais ainda (especialmente Cabo Verde e Brasil) e a continuação se impõe. Não podemos deixar as amizades para trás: é muito rico o potencial de intercâmbio cultural, económico e de afecto entre os povos”, concluíram.
Isabel Castro EventosLivro “Olhares Amendoados”, de Óscar Gomes da Silva: Da memória que não foge Encontrou na escrita a forma de dar a volta ao texto dos anos. Para não esquecer, para que outros também não esqueçam, Óscar Gomes da Silva, antigo residente de Macau, escreveu um livro que transporta o leitor para outros dias do território [dropcap style≠’circle’]“U[/dropcap]m mar de juncos oprime as águas do rio, que sofre com a sua pequenez. De vários feitios e tamanhos, as embarcações amarram-se umas às outras. Mulheres cozinham arroz ou lavam roupa. Homens arrumam o convés, secam peixe e armazenam mercadorias. Crianças choram e brincam.” Quando Óscar Gomes da Silva chegou a Macau, em 1978, o território ainda era um sítio de barcos, pescadores, mulheres e crianças no rio. Da sua segunda vida na cidade, as recordações são outras, mais próximas do “império que chegou ao fim”. As memórias das passagens por esta Ásia estão agora reunidas em livro, um conjunto de apontamentos a que deu o nome “Olhares Amendoados – Reminiscências do Extremo Oriente”. “Não me considero escritor, mas gosto de escrever”, conta Óscar Gomes da Silva. “É uma forma de ocupar o tempo e de exercitar a mente. Depois de ter publicado em 1993 ‘Civilizações e Especiarias’, um trabalho sobre o antigo Estado Português da Índia, iniciei um conjunto de crónicas sobre Macau e o Extremo Oriente com base nas minhas observações e vivências.” O autor diz que hesitou em avançar para a publicação, mas acabou por considerar que “deveria dá-las a conhecer aos eventuais leitores”. Os anos da diferença Gomes da Silva nasceu em Goa, onde viveu até ir para Portugal estudar na então Escola do Exército. Licenciado em Ciências Militares, esteve na Índia, em Moçambique, Angola e em Macau. Aqui viveu, pela primeira vez, de Janeiro de 1978 a Setembro de 1980. Com o posto de Major, tinha o cargo de Chefe do Estado-Maior das Forças de Segurança de Macau. Voltou em 1993, já coronel na Reserva. Foi director executivo de uma empresa de segurança durante um ano. Entre 1994 e 1997, foi secretário-geral do Gabinete Coordenador de Segurança. Poucos anos depois do regresso a Portugal, foi viver para o Brasil. “Conheci diversos países ao longo da minha vida. Mas os anos que vivi em Macau foram de um enorme enriquecimento cultural, de uma experiência notável e aprendizagem singular, quer em termos profissionais, quer do ponto de vista sociológico, bem como de relações com as comunidades macaense e chinesa”, afirma. Depois de 1997, Óscar Gomes da Silva não voltou a Macau, por questões de saúde que o têm impedido de fazer viagens longas. “Olhares Amendoados” é, também por isso, um livro que parte de recordações. “É como um álbum de memórias, reflexões e ensinamentos, onde a ficção se funde com a realidade e a história”, resume. “Olhares Amendoados – Reminiscências do Extremo Oriente” é uma publicação da Chiado Editora.
João Luz EventosEdição do InspirARTE com mais de 350 eventos [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om o Verão à porta chega mais um InspirARTE, que começa no final de Junho e decorre até Agosto. O evento organizado pelo Centro Cultural de Macau (CCM), sob a égide do Instituto Cultural, tem este ano mais de 350 eventos para incutir o gosto pelas artes em bebés, miúdos e adultos. O festival, pensado para toda a família, oferece um cartaz com espectáculos, projecções e workshops, estando nas previsões do CCM uma afluência superior a 15 mil espectadores. O InspirARTE tem uma programação com artistas vindos dos quatro cantos do mundo, com o propósito de estimular a criatividade de pequenos e graúdos. Haverá cinema de animação, marionetas, palhaços, pintura facial, expressão corporal, aulas de canto, sessões de fotografia teatral. Os workshops são outro lado forte da programação, com particular realce para as aulas técnicas de artes performativas, fotografia teatral e construção de adereços. Um dos destaques do cartaz é o espectáculo “Chuva”, da companhia australiana Drop Bear Theatre, concebido para bebés. O espectáculo tem como objectivo introduzir uma atmosfera calma e hipnótica através da performance de dois actores acompanhados por uma violoncelista. Além da parte de actuação, os espectadores são imersos numa instalação que cria um mundo mágico para bebés. “Chuva” estará em cena entre 28 de Junho e 2 de Julho. Outro dos destaques do cartaz é a performance da companhia Bunk Puppets, que leva ao palco do CCM “Galáxia Veloz”. O espectáculo gira em torno de um artista a solo que pega em objectos como velhas caixas, palhinhas, bolas de ténis ou raquetes de ping pong e lhes dá outra vida. A performance segue as aventuras dos irmãos Sam e Junior numa viagem interestelar através do teatro de sombras. O espectáculo estará em cena entre 28 e 31 de Julho. Também vai haver lugar para a sétima arte no cartaz do InspirArte deste ano, com particular destaque para uma série de oito filmes internacionais escolhidos a dedo para o público mais jovem. Os bilhetes para todos os espectáculos do “InspirARTE no Verão” vão ser postos à venda a partir de amanhã nas bilheteiras do CCM e nos balcões da Rede Bilheteira de Macau.
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteCultura | Programa de “Junho, Mês de Portugal” está completo São mais de 20 as actividades que marcam a segunda edição de “Junho, mês de Portugal”. O programa composto por teatro, música, exposições, cinema e gastronomia foi ontem apresentado. Pretende-se solidificar a iniciativa que arrancou no ano passado Alexandre “Vhils” Farto [dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi ontem apresentado o programa completo de “Junho, Mês de Portugal”, que decorre entre o próximo dia 31 de Maio e 2 de Julho. A iniciativa, que teve início no ano passado, parece ter vindo para ficar. O cônsul-geral de Portugal, Vítor Sereno, foi claro: “Se no ano passado foi uma tentativa, uma espécie de experimentação, este ano é a afirmação”. De acordo com o diplomata, o evento que dedica um mês a Portugal vai muito além das celebrações do 10 de Junho, sendo que a ideia é “reforçar os contributos de matriz portuguesa para a afirmação de Macau como um centro irradiador de cultura em plena consonância com os objectivos locais”, referiu. Além da presença dos nomes já anteriormente divulgados – a exposição do português Alexandre Farto nos Estaleiros Navais, que abre as hostes deste ano, o músico local João Caetano e a conversa com o jornalista e escritor Joaquim Furtado –, a presidente da Casa de Portugal, Amélia António, salientou o lançamento do CD infantil, “Castelos no Ar”. O evento, que tem lugar no dia 9 do próximo mês no Centro Cultural de Macau, “é um trabalho colectivo feito com os colaboradores da Casa de Portugal”, começou por explicar Amélia António. Trata-se de um CD que inclui textos de poetas portugueses consagrados que se mostraram adequados para uma população mais nova. “Os poemas foram tratados e musicados, e é mais um passo para se levar às gerações mais novas o português e a sua poesia de uma maneira mais fácil e aliciante”, explicou a presidente da Casa de Portugal. A apresentação do disco vai contar com a participação de várias crianças. O teatro também aparece em destaque nesta segunda edição de “Junho, Mês de Portugal”. No entanto, não se tratará de uma peça convencional. O Teatro D. Pedro V vai ter em palco, a 4 de Junho, “No Precipício Era o Verbo”. São quatro pessoas: um actor (André Gago), um músico (Carlos Barreto), um filósofo (António Caeiro) e um poeta (José Anjos). A ideia é apresentar uma troca de pensamentos em público. “Da sua poesia e dos seus pensamentos vai surgir um espectáculo muito particular”, explicou Ana Paula Cleto, da Fundação Oriente. Exposições para todos As artes plásticas também estão em destaque. A iniciativa abre com uma exposição individual de Vhils, nome artístico de Alexandre Farto, mas durante o mês serão inauguradas mais quatro mostras. O cartoonista que também trabalha em Macau, Rodrigo de Matos, vai ter as suas críticas desenhadas no Consulado Geral. As aguarelas de Filipe Miguel das Dores formam “Nocturno” e vão estar expostas no Albergue SCM. A galeria principal da Casa Garden acolhe “O Mar”, de Ana Pessanha, e a residência oficial do cônsul-geral de Portugal vai acolher uma exposição colectiva de gravura. No Clube Militar, as paredes vão ser dedicadas aos artistas portugueses Alfredo Luz, Cruzeiro Seixas e João Paulo. A iniciativa integra ainda um programa paralelo do Clube Militar, o “Pontos de Encontro”. “É um projecto cultural constituído por três exposições que se realizam ao longo do ano. Esta, coincidente com o 10 de Junho, é dedicada aos artistas portugueses”, explicou Manuel Geraldes. Também no Clube Militar, o mês de Junho é o tempo dedicado a mais uma semana gastronómica. Este ano, a iniciativa conta com a presença do chef José Júlio Vintém e de Catarina Álvares, considerados referências da gastronomia alentejana. Ao “Junho, Mês de Portugal” também se junta, mais uma vez, a Livraria Portuguesa. “A ideia, este ano, é a de, em vez de termos alguns livros na cave com descontos especiais, fazermos a festa do livro que vai abranger toda a livraria, ou seja, todos os produtos vão ter um desconto de 20 por cento”, explicou o responsável pelo espaço, Ricardo Pinto. O cinema não foi esquecido e a Cinemateca Paixão vai, com o apoio do Festival Indie Lisboa, acolher uma série de projecções dedicadas ao cinema português. “O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu” de João Botelho, “Macabre” de Jerónimo Rocha e João Miguel Real, e “Pedro” de André Santos e Marco Leão foram alguns dos nomes avançados ontem para o cartaz. Todas as actividades são gratuitas e os bilhetes podem ser levantados a partir de hoje na Casa de Portugal. O BNU é o patrocinador oficial e, de acordo com Vítor Sereno, contribuiu com cerca de 70 mil patacas para a segunda edição de “Junho, Mês de Portugal”. O orçamento desta segunda edição, tendo em conta o que foi gasto no ano passado, deverá seguir os mesmos valores: um milhão de patacas. Vítor Sereno espera a participação de um total de cinco mil pessoas, incluindo as que se deslocam à recepção oficial que se realiza todos os anos na residência consular.
Andreia Sofia Silva EventosFotografia | Tang Kuok Hou e as paisagens artificiais A obra de Tang Kuok Hou não é novidade nos meandros artísticos de Macau, onde já participou em diversas exposições. O fotógrafo trabalha essencialmente com paisagens artificiais, que visam revelar um significado que a realidade não mostra. Em Setembro, vai expor no café do Instituto de Formação Turística, junto ao lago Nam Van [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]rtificialismo, imaginação, sentimentos. Todas estas palavras cabem nas fotografias de Tang Kuok Hou. O fotógrafo tem neste momento algumas imagens expostas no café Terra, mas já está a preparar uma nova exposição para Setembro, que estará patente no café do Instituto de Formação Turística, localizado junto ao lago Nam Van. Ao HM, o fotógrafo levanta a ponta do véu daquilo que o público poderá ver. “Será uma exposição que varia entre a arquitectura e a fotografia a preto e branco”, apontou. Não sendo um fotógrafo que retrata a crueza do dia-a-dia, o trabalho de Tang Kuok Hou não deixa de mostrar a realidade que nos rodeia, mas de uma outra forma. “O trabalho que faço em fotografia é difícil de descrever”, assume. “Sou licenciado em Sociologia e o meu trabalho tem em conta o que sinto em relação às circunstâncias sociais. O meu projecto principal é acerca das paisagens artificiais.” O artista entende que as suas fotografias capturam, essencialmente, “a relação entre objectos e a paisagem”, embora considere que o que realmente fazem é “a procura da relação entre a sociedade e o ser humano”. “Como é que as pessoas criam os edifícios, os espaços. Como é que isto é feito de forma artificial e não de uma forma natural. Ou seja, a conexão entre os humanos e a natureza”, acrescenta. Artificialismo local Questionado sobre as paisagens artificiais que povoam territórios como Macau ou Hong Kong, Tang Kuok Hou fala da forma como esse artificialismo afecta as populações. “Os espaços artificiais são um dos principais indicadores de como vivemos na nossa sociedade e de como orientamos o desenvolvimento de uma geração futura. A questão dos espaços artificiais levanta também o problema de como preparamos as próximas gerações.” Em Macau, o fotógrafo considera que “existe um padrão entre paisagens artificiais e naturais”. “Não podemos estabelecer estas duas áreas como se fossem a preto e branco ou estanques e separadas, nem podemos pensar nesta dicotomia como uma divisão entre o que é bom e o que não é. Num espaço natural, por exemplo, não vamos encontrar forma de desenvolver uma sociedade”, considerou. “No entanto, quando falamos de espaços artificiais, podemos ter mais elementos para dar à sociedade e que alimentam o seu desenvolvimento. Acabam por ser ligar à nossa vida. O equilíbrio entre elementos naturais e artificiais tem sido o foco de muitos dos meus projectos”, referiu o artista. Se até agora Tang Kuok Hou tem focado o seu trabalho em Macau, o artista começa a sentir que está na hora de sair. “No passado estava mais concentrado na sociedade local, mas agora estou virado para um contexto mais asiático, especialmente para Hong Kong e Taiwan. Estou também interessado no Japão. Penso que neste país há cidades com formas interessantes de se protegerem. Conseguem o seu desenvolvimento de uma forma original. Macau é muito pequeno e por isso penso que devo ir para outros lados para desenvolver os meus projectos”, diz. De Taiwan para Macau Tang Kuok Hou chegou a estudar Design de Arquitectura em Taiwan durante dois anos, mas não foi esse o caminho que seguiu. De regresso à sua terra natal, o fotógrafo optou por se licenciar em Sociologia. A escolha do curso acabou por influenciar a obra que tem hoje. “Consegui juntar diferentes pontos de vista e formular diferentes opiniões que aparecem agora no meu trabalho.” Apesar das várias exposições que já teve, Tang Kuok Hou fala das dificuldades de fazer fotografia a tempo inteiro. “Actualmente, o Governo não tem uma política de apoio aos jovens artistas para poderem desenvolver os seus projectos. Acabamos por ter de encontrar outros empregos e fontes de rendimento para podermos fazer os nossos projectos pessoais. Não acontece só na fotografia, mas sim um pouco em todas as áreas artísticas. Aqui é muito difícil tornarmo-nos artistas profissionais”, remata.
Sofia Margarida Mota EventosManuel Molarinho, músico: “Queria um projecto em que pudesse crescer” Manuel Molarinho também é “O Manipulador”. O “one man band” português está em Macau para um concerto no próximo sábado na Live Music Association. O artista falou ao HM do seu percurso e das motivações que o levaram a criar o “Um ao Molhe”, festival itinerante de Inverno, dedicado aos colegas que tocam sozinhos em palco Como é que começou o seu trajecto na música? O início foi por gosto. Comecei por aprender umas coisas básicas de guitarra com um amigo e depois tive conhecimento de uma banda que estava à procura de um baixista. Nunca tinha pegado naquele instrumento, mas avancei. Acabei por ganhar um gosto muito especial por tocar. Foi no início dos anos 90 e desde aí que nunca mais parei. O formato “one man band” acabou por ser a sua opção? Porquê? Até 2010, fui tendo uma série de bandas dedicadas, principalmente, ao rock alternativo. No entanto, com o tempo, as bandas iam acabando. Quando achava que estávamos numa fase interessante, num momento em que já tínhamos alcançado um processo de maturação e em que podíamos continuar a evoluir para coisas engraçadas, chegávamos ao fim. Até que me fartei dessa situação. Continuo a criar bandas novas e gosto de começar novos projectos, mas desinteressa-me ter só isso. Queria ter um projecto em que pudesse crescer e maturar. Com um projecto a solo, poderia fazê-lo. A partir daí, fui explorando sons que me interessavam para esta ideia. O único instrumento que realmente toco continua a ser o baixo e utilizo a voz com uma série de pedais e uma loop station. Tenho utilizado o baixo como o instrumento total, ou seja, simultaneamente um instrumento de percussão, mas também um meio que me permite criar ambientes e texturas. Por outro lado, o baixo permite fazer sons parecidos ao da guitarra. Com isso faço as minhas composições. É “O Manipulador” e está pela primeira vez na Ásia. Como é que está a sentir este lado do mundo? A experiência está a ser óptima. No entanto, ainda está a meio e normalmente gosto de tirar conclusões e fazer reflexões no final das viagens. Mas já tenho algumas referências. Tenho estado em duas cidades muito movimentadas, Macau e Hong Kong. Uma coisa que me surpreende é a forma como se lida com o caos que, aparentemente, é muito mais tranquila do que aquilo a que estou habituado. Se calhar é por não conhecer, por não falar a língua e não perceber o que se diz. Mas aqui há uma relação mais casual com o caos. O facto de serem duas cidades com arquitectura em altura também me impressionou muito. Acabei por gostar mais do que inicialmente acharia. É muito imponente. Em Macau, por exemplo, o que mais me impressiona nem é a parte espampanante associada aos casinos, apesar de não ser indiferente ao fenómeno. Por outro lado, há a língua que não entendo mas que, foneticamente, é muito diferente da nossa e muito inspiradora. Acabo por ir buscar inspiração a este ritmo, às melodias das conversas, à forma como as pessoas falam e que acaba por ser estranhamente melodiosa. Muitas vezes apanho autocarros aleatoriamente para ver a paisagem, para tentar conhecer uma realidade mais comum e também para ouvir as pessoas a falar. Vai levar daqui material para trabalhar? Com certeza. Mesmo que não quisesse, isso acabaria por acontecer. Quando estou a fazer música tento despir-me o mais que posso, e trazer aquilo que acaba por ser o fruto da minha vida e das minhas experiências. Esta passagem pelo Oriente vai entrar, com certeza. Como é que correu o concerto em Hong Kong na semana passada? Que diferenças encontrou neste público? Foi um concerto muito diferente daquele que vou fazer aqui em Macau. À Live Music Association vou trazer uma coisa minha e que está muito preparada. É um concerto de “O Manipulador”. Em Hong Kong integrei uma tarde em que participavam várias bandas. Ia ter apenas meia hora para tocar e o concerto não foi tão preparado. No fundo, já que cá estou, queria também tocar na região vizinha e arrisquei mesmo sem preparação. Foi bom. Não estava muita gente, até porque era um domingo à tarde, mas senti que as pessoas gostaram. Era também uma experiência que queria muito ter e gostei, mas não se pode dizer que tenha tirado uma conclusão muito absoluta do que terá sido uma reacção. Foi interessante estar num bar em que não percebia quase nada do que o público estava a dizer e para quem eu era totalmente desconhecido. Permitiu-me também conhecer aquela zona de Hong Kong que não é tão rica, mas em que se vê um pouco mais da vida das pessoas. O que vamos ver em Macau? Não defino listas de temas para os concertos. Sei sempre que vou tocar coisas do meu segundo e terceiro álbuns. Vou também trazer músicas do disco que ainda está para vir. Não tem nome, mas poderá sair no início do próximo ano e, quem sabe, trago um pouco de improviso. Gosto de sentir o público e a forma como isso acontece acaba por determinar para que lado tendo a tocar, se vou para uma coisa mais ritmada, mais introspectiva ou mais experimental. Será sempre dentro daquilo que toco, ou seja, entre o alternativo e o experimental. Quero mostrar um pouco do que está para trás, um pouco do que está para a frente, e improvisar um pouco. O seu último álbum é em cassete. Porquê este formato? A primeira banda em que toquei era uma banda punk. Ia muito a concertos e usava-se muito este formato. Depois tem a questão analógica da fita, do seu som e das interferências. Claro que o vinil é melhor nesse aspecto, mas também é muito mais caro de se fazer e, quando se pretendem produzir cerca de 100 cópias, acaba por fazer mais sentido a cassete. A cassete tem ainda uma particularidade de que gosto muito: penso num disco como um todo, e não música a música. De certa forma, este formato obriga o ouvinte a ouvir do início ao fim ou, pelo menos, dá mais trabalho se quiser andar à procura de temas. Do ponto de vista estético, e tal como o vinil, é um objecto que fica sempre bem na prateleira. Fica sempre melhor do que o CD. Claro que a qualidade de som da cassete não é tão boa como a dos outros suportes, mas penso que em certas coisas funciona bastante bem. Está à frente do projecto “Um ao Molhe”, um festival de Inverno que tem um cartaz composto unicamente por “one man band”. Como é que apareceu esta ideia? Foi bastante simples. Na altura, fundei o festival com o também músico Pedro Pestana. Percebemos que já tínhamos os dois a mesma ideia, ou seja, gostamos muito de tocar e também gostamos muito de tocar sozinhos em palco, mas só em palco. A parte das viagens, dos “sound checks”, de estarmos sozinhos fora do concerto entediava-nos um bocadinho. Gostávamos de partilhar. Foi assim que surgiu a ideia de criar um festival itinerante de “one man bands”, com a ideia romântica de ter cinco músicos num carro que vão para um sítio, saem dois, entram outros dois e seguem para outro destino e por aí fora. É uma espécie de festival ambulante que anda a saltar de cidade em cidade, em que o lema é “sozinhos só em palco”. Tem corrido muito bem. Acabámos agora a terceira edição. No primeiro ano decorreu durante quatro meses, mas agora estamos nos três meses de duração e que ocupam o Inverno. Por outro lado, também coincide com as datas em que temos menos concertos agendados. Já organizámos mais de 500 concertos e trabalhámos com mais de 100 músicos. Fomos a Espanha, França e à Madeira. Tem corrido muito melhor do que estávamos à espera. É ainda bom para mim porque me abre portas para os meus concertos. Mas o mais importante é o “Um ao Molhe” ser a minha contribuição para os outros músicos. Vejo projectos que são menos conhecidos do grande público que têm uma qualidade incrível, e que quero dar a conhecer e promover. A cena musical portuguesa neste momento está com uma qualidade muito boa.
Sofia Margarida Mota Entrevista Eventos MancheteAlexandre Farto aka Vhils, artista: “Gosto de trabalhar com as forças do caos” “Destroços” é a primeira exposição individual em Macau do artista português Alexandre Farto, conhecido como Vhils. A inauguração tem lugar no próximo dia 31 nas Oficinas Navais N.º1. Ao HM, Alexandre Farto falou do seu percurso entre artista marginal e referência internacional, e do que o move no seu trabalho [dropcap]A[/dropcap] intervenção urbana passou de arte marginal a arte com reconhecimento internacional. Concorda? Na sua opinião, como é que foi feito este trajecto, e o que motivou o crescente interesse e reconhecimento? Em certa medida, sim. Parte daquilo que começou como um movimento marginal, ilegal, evoluiu nos últimos anos para uma nova forma de arte pública, com reconhecimento institucional. Mas este é um fenómeno complexo e é preciso não desligar a coisa inteiramente do meio onde surgiu. Se, por um lado, temos esse crescente reconhecimento, ainda há muita gente a criar ilegalmente no espaço urbano, e essa vitalidade, que não podemos desligar da sua natureza marginal, é importante. Como qualquer outro fenómeno que nasceu das subculturas, seja em que área for, esta forma de arte surgiu das margens e, depois, a sua crescente popularidade fê-la ser absorvida pelo mainstream. O sistema sabe bem absorver aquilo que acha aproveitável, mesmo quando tem origem em movimentos anti-sistémicos. Este trajecto tem muito que ver com, por um lado, o amadurecimento desta geração dos últimos 20 ou 30 anos que cresceu com esta forma de arte, que gosta e segue o trabalho destes artistas e que, agora, começa a ter a oportunidade de os apoiar. Por outro lado, tem havido um reconhecimento institucional, sobretudo da parte das autarquias e governos locais que começam a vê-la como parte de uma solução, e não apenas como parte de um problema ligado à cidade e o modo como se vive a cidade. Há depois também todo um trabalho por parte de investigadores, curadores, galeristas e outros agentes ligados à dimensão institucional das artes que tem contribuído positivamente para este reconhecimento e valorização. No seu caso, como é que o Vhils saiu da marginalidade? Como foi a evolução estética e técnica no seu trabalho? Bom, o Vhils tem origem precisamente nesses tempos de marginalidade. Surgiu nesse meio, como produto desse mesmo meio. Primeiro no graffiti ilegal, uma prática que me permitiu expressar a rebeldia própria da adolescência e a liberdade de explorar a cidade e ocupar o meu lugar no espaço público, de mostrar que não era invisível como tantos outros. Teve muito que ver com a minha própria emancipação. No entanto, o graffiti funciona dentro de uma lógica de circulo fechado, sendo feito apenas para quem está dentro da comunidade. Apesar de não ter deixado de pintar, cheguei a uma certa altura em que comecei a reflectir sobre o que estava a fazer, o que queria fazer, e a consciencializar-me sobre o potencial de usar o mesmo espaço para comunicar com um público muito mais vasto. Comecei a explorar outras técnicas e a trabalhar com a cidade de outra forma. À medida que fui crescendo, comecei a desenvolver esta reflexão sobre a natureza da cidade contemporânea, o modo como vivemos neste espaço, o sistema que a sustém. A certa altura, entendi que as paredes que eu andava a pintar já tinham as suas histórias contidas nas suas camadas. Em Lisboa isto era visível, havia restos de murais da revolução que nos falavam dessa utopia, depois cartazes publicitários que nos falavam do boom do desenvolvimento e da integração no sistema capitalista, por cima disso veio o graffiti e depois as paredes foram sendo pintadas de novo pelas autarquias até levarem com mais graffiti, mais cartazes, e por aí adiante. O que entendi foi que as paredes vão ganhando camadas que captam todos esses registos, e que hoje em dia estas mudanças são tão velozes que parece difícil conseguirmos absorver tudo. Foi com base nessas observações que procurei começar a trabalhar com estas camadas que já lá estavam, em vez de estar a adicionar mais. Ao mesmo tempo fui-me juntando com outras pessoas com as quais partilhava o interesse de expor trabalho noutros ambientes, e começámos a organizar as nossas próprias exposições. A mais importante foi a Visual Street Performance (VSP) que teve uma edição anual entre 2005 e 2010. Comecei também a tentar mostrar trabalho em galerias. Da junção desses dois contextos conheci a galerista Vera Cortês que se interessou pelo meu trabalho e decidiu apoiar-me. Em 2006 tive a primeira exposição na sua galeria em Lisboa. Foi nessa altura que comecei a trabalhar com aglomerados de cartazes que retirava da rua e a explorar um processo de subtracção dos materiais. A ideia é anular parte destas camadas e expor a entranha, tornar visível aquilo que é invisível, expor a sua história através de processos destrutivos. Pouco depois comecei a fazer o mesmo com as paredes, e o trabalho que faço hoje partiu daí. Em 2007, mudei-me para Londres para estudar na universidade, o que acabou por ser uma fase muito importante para a internacionalização do meu trabalho. Em Londres fui convidado a trabalhar com a Lazarides Gallery e, depois disso, os convites foram-se sucedendo para desenvolver projectos em vários pontos do mundo. No entanto, não deixei de fazer coisas em Portugal, e depois de alguns anos senti que já não fazia sentido ver o país como periférico e podia perfeitamente trabalhar a partir de Lisboa para o mundo. Em 2012 voltei a Portugal, onde abri o meu estúdio. Entretanto tive um convite para fazer uma residência artística em Hong Kong e mudei-me para aqui em 2015. De forma a poder aproveitar o potencial da região abri um segundo estúdio e, desde então, tenho trabalhado entre Lisboa e Hong Kong. FOTO: Paulo Spranger/Global Imagens Em que é que o Vhils intervém e o que comunica com o público? A ideia é criar um diálogo com alguns elementos da realidade material, mas também imaterial, da cidade, desenvolvendo uma reflexão sobre a natureza das sociedades urbanas contemporâneas através da fricção e justaposição. Gosto de trabalhar com as forças do caos presentes na cidade, de as incorporar na obra, de revelar a essência das coisas que, simbolicamente, se encontra soterrada nas camadas que as compõem. Daí o recurso a processo destrutivos que, por um lado, têm origem na noção de vandalismo estético presente no graffiti, e, por outro, também espelham os ciclos de destruição e criação através dos quais a cidade opera o seu crescimento. O meu trabalho deve muito ao espaço urbano, bebe muito daquilo que ele oferece e produz, procurando desenvolver uma reflexão sobre a sua natureza e as suas características, assim como a relação que tem com aqueles que nele habitam. Depois estabelece uma ligação com aquilo que lhe dá forma no presente, questionando o modelo de desenvolvimento globalizante e o modo como este afecta a identidade de indivíduos, comunidades e culturas a um nível local. Tenta, acima de tudo, tornar visível o invisível, seja ao nível de materiais ou ao nível de pessoas e comunidades. Faz uma leitura de contrastes entre estes temas, assim como o impacto das mudanças em curso, sobre a destruição que cria e a criação que destrói. Para mim a arte só faz sentido quando faz uso da capacidade de sensibilizar e ajudar a promover a discussão. Mas eu prefiro ver o meu trabalho mais como uma reflexão crítica sobre vários tópicos que considero importantes do que propriamente uma forma de acção política. Que aspectos da actualidade merecem um alerta maior? Acho que há vários aspectos que estão relacionados. Têm origem na mesma questão, num processo desencadeado por este modelo de desenvolvimento que seguimos de forma irreflectida. Um modelo que tem trazido coisas positivas e negativas mas que, em última instância, é absolutamente insustentável a longo prazo. Preocupa-me sobretudo a assimetria entre mundos (entre aqueles que têm cada vez mais e aqueles que têm cada vez menos), assim como a erosão das identidades locais através da imposição de padrões uniformizantes. Creio que a arte serve para levantar questões, para ajudar a reflectir, para ajudar a chamar a atenção para situações importantes e inquietantes. Não tenho a presunção de achar que tenho todas as respostas ou soluções para estas questões. Acho que é importante reflectirmos em conjunto, trabalharmos em conjunto. A questão é haver vontade para tal. Num futuro, o que prevê que possam vir a ser os motes para o seu trabalho? Quais os “perigos” que devem ser reflectidos? É difícil projectar no futuro, mas creio que, entre outros, a cidade, o modo como opera, a crescente uniformização que o presente modelo de desenvolvimento global impõe, a erosão das especificidades culturais e identitárias locais, a crescente tensão entre o espaço urbano e o espaço rural, são temas que irei continuar a explorar nos próximos tempos. Porquê Vhils? Há alguma história por detrás do nome? O nome Vhils vem da altura em que pintava graffiti ilegal. É um nome que segue a mesma lógica de um pseudónimo, mas escolhido para ser escrito, difundido e desenvolvido esteticamente. Não tem significado nenhum, a sua escolha deve-se apenas à sequência de letras que me agradava, e permitia escrevê-lo e pintá-lo de forma rápida e segura. Quando comecei a apresentar trabalho em exposições já era conhecido como Vhils e decidi manter o seu uso junto com o meu nome verdadeiro. Disse em entrevista que antes de ser convidado pela Fundação de Arte de Hong Kong já era sua intenção passar uns tempos no Oriente. Porquê? O que via deste lado do mundo para querer vir até cá? Em 2012, fiz uma residência artística em Xangai e gostei muito da China. No ano seguinte vim a Hong Kong pela primeira vez trabalhar numa peça e numa exposição e também me senti bem aqui. Como disse, a natureza do meu trabalho é a realidade urbana. A escala da transformação, desenvolvimento e mudança que aqui está a acontecer não tem paralelo no presente, mesmo se a observarmos à volta do mundo. Por este motivo, é terreno fértil para me inspirar e reflectir. Depois do mural de Camilo Pessanha para o Consulado, tem agora a primeira exposição individual em Macau. Tem um significado especial? Sim, certamente. Macau é um entreposto de culturas, um território rico em encontros e desencontros com tudo o que isso trouxe de positivo e negativo ao longo dos séculos. É exactamente o tipo de sítio que eu gosto de explorar e trabalhar, com uma enorme riqueza de camadas que foi acumulando ao longo do tempo, e encontra-se também num processo de grande transformação e desenvolvimento. Tudo isto me fascina por vários e diferentes motivos. Obviamente que tem o acréscimo da ligação portuguesa que, caindo num lugar-comum, é aquele misto de familiaridade e exotismo que toca a quem vem do outro lado do mundo. Projectos na calha? Há muitos em curso. Entre aqueles que posso divulgar encontra-se outra exposição individual no CAFA Art Museum, em Pequim, que abre no final do mês de Junho.
Hoje Macau EventosUrbanismo | Arquivo de Macau mostra crescimento da cidade [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] partir do dia 9 de Junho, quem for ao Arquivo de Macau poderá ficar a saber mais sobre a evolução do território, com a exposição “Macau Ilustrado – Exposição de Plantas Urbano-Arquitectónicas”. A mostra é constituída por uma selecção de cerca de 60 plantas urbanas e desenhos arquitectónicos conservados no Arquivo de Macau que, organizados tematicamente, permitem aos visitantes compreender a evolução do padrão urbano da cidade, através das mudanças concretas desenvolvidas dos finais do século XIX até meados do século XX. Em nota à imprensa, explica-se ainda que a exposição revela as características de design dos edifícios de Macau, em que se nota a linguagem de variados estilos adoptada por diferentes desenhadores, que “exploraram possibilidades da fusão entre elementos ocidentais e orientais, enquanto captaram as tendências internacionais”. Durante o período da exposição serão realizadas diversas palestras abertas ao público. A primeira está agendada para o dia 17 de Junho e é da responsabilidade do arquitecto Lui Chak Keong, que vai fazer uma retrospectiva sobre o desenvolvimento urbano e arquitectónico de Macau. A palestra será conduzida em cantonense. Desconhece-se se há tradução.
Andreia Sofia Silva EventosJoão Mascarenhas, músico: “Não acredito numa jam session séria” Um acaso levou-o ao evento Jazz Sunday Sessions que acontece no espaço Live Music Association todos os domingos. A partir daí, o músico brasileiro, que vive entre Macau e Hong Kong, começou a pensar em novos projectos para o território. João Mascarenhas acredita que o público local precisa de educação para ouvir outros sons que não os da música clássica, para compreender o sabor do improviso Foi o João que descobriu as Sunday Jazz Sessions no Live Music Association (LMA). Como surgiu o interesse pelo evento? Foi uma coincidência. Tive um trabalho aqui, de último minuto, em que umas pessoas de Hong Kong me pediram para arranjar músicos em Macau. Comecei a contactar músicos que conhecia, e aí comentaram comigo que havia essas sessões no LMA. Já tinha planos para começar a passar mais tempo em Macau, e foi uma coincidência muito boa. Está a pensar desenvolver alguns projectos em Macau. Que tipo de projectos são esses? Estou querendo começar a ensinar. Quero começar alguma coisa no LMA. Há músicos bons em Macau, mas estão estagnados. Queremos mudar a educação musical aqui. Tenho vindo a ser contactado por dirigentes associativos e quero trazer músicos de Hong Kong também. Basicamente quero trabalhar com a educação, porque é algo fundamental para criarmos uma plateia. Se tivermos os estudantes daqui, que começam a chamar os amigos, cria-se um fomento da cena da música jazz. Estou a pensar também criar uma associação aqui em Macau, para também fomentar esse lado educacional. Como foi a sua vinda para a Ásia e a entrada na cena musical de Hong Kong, onde existe mais diversidade? Hong Kong tem de facto mais lugares para se trabalhar. Estive em Macau em 2005. Antes estive nos Estados Unidos a fazer um mestrado em Composição, mas estava um pouco aborrecido e não aguentava mais ficar lá. Apareceu então um trabalho no Vietname, onde gravei dois discos, e depois arranjei emprego em Macau. Aqui tocava com uma banda num hotel e conheci a minha esposa. Isso me fez ficar aqui por aqui. Decidi também voltar para a universidade e ganhei uma bolsa da Universidade de Hong Kong para trabalhar em composição. Comecei a fazer trabalhos como compositor, produtor e também como educador, porque fiz bastantes workshops. Entre a primeira experiência em Macau como músico e esta fase agora, que análise faz da evolução da cena musical aqui? Macau tem uma coisa que lembra muito a minha cidade natal, Belém [no Brasil]. Não se tem referências do que acontece no resto do planeta se não se for lá fora ver o que está acontecendo. Costumava fazer comentários sobre um slogan que havia em 2005, que dizia “No mundo de diferenças, a diferença é Macau”. Tem uma conotação negativa. Naquela altura havia as escolas do Conservatório, que vão estar sempre ligadas à cena da universidade. Então se não tiver musica clássica, não é uma coisa séria, não é uma coisa para ser ouvida. Cria-se uma barreira entre o que é música popular e o que é música clássica. Naquela época só havia dois bares com música ao vivo. Com esse boom dos casinos, passaram a existir os lugares, os bares que deveriam ter música. Mas Macau ainda não tem uma produção de músicos não clássicos, com nível profissional suficiente para gerir entretenimento de alta qualidade. Os músicos de conservatório mais puritanos e conservadores chamam música popular ao jazz, mas o jazz não é isso. O jazz teve um grande boom no início do século XX, quando apareceu em Nova Orleães o crioulo tocando. Depois houve o boom das bandas brancas, com Glenn Miller, o swing, a década de 30. Depois chegou Bebop. Era uma outra maneira de pensar completamente diferente. O artista de jazz é um performer e, ao mesmo tempo, um compositor. Ele improvisa. Em Macau ainda não tem essa coisa, não produz ainda músicos que tenham esse nível para serem entertainers de música popular, e está começando no jazz. O caminho para mudar isso é a educação musical, e gostaria muito que, pelo menos, os clássicos pensassem na flexibilidade. A coisa do jazz exige uma pequena prescrição, depois há uma improvisação e interacção. O jazz é, na verdade, uma música interactiva. O meu coração está na hora do improviso. Também é preciso educar o público? Exacto. Em Hong Kong faço workshops sobre apreciação de jazz para pessoas que não são músicos, de uma maneira informal. E quero começar a fazer isso aqui também. Macau é muito feita de comunidades. É possível treinar os diferentes ouvidos que existem aqui? É possível. Tudo depende da maneira como se entrega esse tipo de música e de informação, como se apresenta uma música para as pessoas. Tem de haver entretenimento também. A música clássica está morrendo e em decadência, e o que mantém a música clássica ao vivo é a parte da música de filme. Há uma orquestra em Hong Kong que vai executar as músicas do filme do Harry Potter, por exemplo. A música clássica está querendo pegar nessa coisa do visual, para conseguir alguma sobrevivência. É um tipo de música para se ouvir sentado. É um pouco isso. Acho que o jazz está entre isso e a música popular, direccionada para um total entretenimento. Não acredito numa jam session séria, num ambiente de teatro. O jazz é improvisação, depois interacção. Há também uma coisa que o artista de jazz tem, que é a individualidade. O músico tem um jeito de tocar. Gosta mais de ser educador ou músico? Ser músico envolve a composição, que é uma coisa solitária. Passo horas e horas no meu computador. Adoro compor e produzir, adoro ensinar, performances também é uma coisa forte. Não consigo separar essas coisas. A música clássica está em declínio. E o jazz? Hoje em dia, a indústria está cheia de géneros de música. As fronteiras estão misturadas. A música clássica, de concerto, ainda tem o suporte das instituições académicas e do Governo. Isso acontece aqui em Macau também e em Hong Kong. O jazz é visto como uma música de bar, de cabaret, inferior, mas na verdade é bem mais difícil do que música clássica. Tenho alunos de Macau para quem é difícil pensar fora da caixa, porque sempre lhes deram uma partitura para seguir.
Hoje Macau EventosFAM | Teatro da Cidade de Reiquejavique apresenta obra de Tchekhov [dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] uma abordagem “moderna e surpreendente”, diz o Instituto Cultural (IC) acerca do modo como o Teatro da Cidade de Reiquejavique, da Islândia, apresenta “A Gaivota” de Tchekhov. O espectáculo encerra a edição do XVIII Festival de Artes de Macau e, de acordo com a organização, ainda existem alguns bilhetes disponíveis. Em comunicado, o IC recorda que o clássico “A Gaivota” já foi levado ao palco um sem-número de vezes. A encenação da produção apresentada em Macau é da autoria da encenadora lituana Yana Ross. Galardoada com o prémio para a Melhor Encenação no Festival Internacional Kontakt de Torun 2016, na Polónia, Yana Ross é conhecida pelo seu estilo único nos círculos de teatro dos países nórdicos. A adaptação de “A Gaivota” desloca o enredo da tradicional propriedade rústica russa, tal como descrito por Tchekhov, para uma luxuosa casa de Verão islandesa, “explorando a natureza humana a partir de uma perspectiva única”. O espectáculo sobe ao palco do Grande Auditório do Centro Cultural de Macau nos dias 27 e 28. Também ainda há lugares vagos para “Double Bill”, por Hiroaki Umeda, agendado para os dias 26 e 27. “O renomado coreógrafo apresenta não só a sua peça a solo ‘Holistic Strata’, como também um novo trabalho desenvolvido em conjunto com bailarinos locais, usando o corpo humano para quebrar as limitações existentes.” Fim-de-semana cheio Já hoje e amanhã, é apresentado “O Inferior”, que explora as fronteiras entre o mundo real e virtual, e ainda a peça em patuá “Sórti na Téra di Tufám” (ver texto nas páginas 2 e 3). Entre hoje e domingo, “Miss Revolutionary Idol Berserker” traz, escreve o IC, “uma onda de juventude e leva o público a um frenético mundo japonês”. Neste fim-de-semana, há ainda espaço para ópera cantonense, com Chu Chan Wa e “um grupo de excelentes actores locais”, que apresentam o clássico “The Butterfly Lovers”. No dia 23, a Companhia da Ópera Nacional de Pequim leva ao palco uma adaptação concisa do clássico de ópera de Pequim “Senhora Anguo”, enquanto a Orquestra de Macau apresenta o concerto “Ressonância Através do Espaço-Tempo”. De 26 e 28 deste mês, há teatro para crianças: “À Mão” é criado com bonecos de barro.
Sofia Margarida Mota EventosErik Kuok, director do festival Bok: “O teatro não é só um espaço de apresentações” A quinta edição do Festival Bok está a ser preparada e, de 28 de Junho a 9 de Julho, o edifício do antigo tribunal vai ser ocupado por teatro e artes performativas. Ao HM, o director executivo do evento avançou alguns detalhes da programação e explicou por que é esta iniciativa diferente de tudo o que se faz em Macau O Bok nasceu em 2013. Como é que apareceu a ideia de criar um festival de teatro? Na altura, a companhia Horizonte queria alargar as funções do teatro. Estavam num espaço, num edifício industrial, e pensavam no que podiam fazer com ele, além dos ensaios e das apresentações. Começaram a pensar em formas de fazer com que o teatro não fosse só para eles e se dirigisse aos outros. Foi assim que deram início a este projecto. Ainda não se chamava Bok, mas o conceito já era o indicado pela palavra que, em cantonês, que dizer ‘luta’. A ideia era uma espécie de ‘fightclub’ dentro do teatro. Bok também tem que ver com jogo, quando se joga usa-se a mesma expressão. Por seu lado, quando se fala de jogo, fala-se de correr riscos e, nesse sentido, o Bok também é um termo apropriado. A Horizonte resolveu então pegar neste conceito. Convidaram companhias de teatro locais, mas também de Hong Kong e do Continente, e durante quatro semanas fizeram a primeira edição do festival. Cada semana era dedicada a uma companhia. A intenção era fazer com que cada espectáculo pudesse ser apresentado o maior número de vezes possível, porque normalmente as companhias acabam por, depois de produzir uma peça, apenas a mostrar em uma ou duas ocasiões. Na terceira edição fui convidado a juntar-me à equipa. Propus à organização que o festival fosse feito em mais do que um teatro porque, com o aumento das rendas, os espaços dos teatros vão desaparecendo. As companhias não conseguem suportar os custos. Pensei então pegar no próprio conceito de Bok que, em chinês, também é associado a ligação, com a mesma pronúncia. Foi quando se pensou em fazer o festival em vários espaços. Havia, naquela altura, quatro teatros na Avenida Venceslau de Morais. Mudámos o conceito e fizemos o festival não em quatro semanas, mas em quatro espaços durante uma semana, sendo que, na mesma rua, o público tinha sempre quatro opções de espectáculos. No ano passado, expandimos esta ideia e não a resumimos a uma avenida. Saímos para a rua, e associámo-nos a vários espaços e organizações. O festival criou entretanto várias valências, uma delas o Bok Club. O que é? O Bok Club apareceu da minha experiência noutros países. Em Portugal, reparei que as pessoas, depois de assistirem a um espectáculo, ficavam a conversar até bastante tarde. Mesmo quando o teatro estava prestes a fechar, as pessoas continuavam a conversar e a beber. Achei que era uma coisa boa. O teatro não é só um espaço de apresentações. É também um espaço para as pessoas partilharem ideias, para conversarem. Não tínhamos este tipo de atmosfera em Macau e achei que seria importante promover uma coisa do género. Por exemplo, aqui as pessoas vão a um espectáculo no Centro Cultural e, quando acaba, saem e vão às suas vidas. O Bok Club está aberto para que, depois das apresentações, artistas e público se encontrem de uma forma informal. Nos últimos dois anos, depois dos espectáculos, criámos um bar onde as pessoas podiam estar. É também uma ocasião social em o público se conhece. Este ano vamos implementar o Bok Club de uma forma diferente. Este ano estaremos apenas em dois lugares: vamos trabalhar com um bar na zona da Praia Grande em que vamos preparar pequenas coisas todas as noites durante o festival, de modo a que o público se possa encontrar ali. Ao mesmo tempo, estamos a pensar em ter algumas pop up performances. Estas apresentações serão sempre uma surpresa porque o público nunca sabe o que vai acontecer. Tem de ir para se surpreender e para ver. Este ano voltam a estar em espaços fechados. Saíram da cidade e foram para o teatro. Porquê a mudança de estratégia? O tema deste ano do festival tem que ver com a dinâmica do público. A questão que se coloca é o que fazer com o público que vai aos espectáculos. Neste sentido, as pessoas podem não ser meros espectadores e podem tornar-se parte das próprias peças. Se por um lado, nesta edição, temos uma concepção mais formal de teatro – os espectáculos voltam a ser feitos neste tipo de espaços, ao contrário do ano passado em que andámos em espaços alternativos –, por outro, podemos jogar com isso e dinamizar o interior do próprio teatro e usar o público para isso. Há alguma apresentação que destaque desde já? Vamos ter um espectáculo que vem da Coreia que se chama “Bodies in the Dark”. No entanto, ninguém saberá do conteúdo até ir vê-lo. O mesmo se passa com o local onde vai acontecer. Quem comprar o bilhete para este espectáculo será contactado pelos artistas e eles darão indicações. O espectáculo acontece e, ainda assim, o público continuará sem saber onde está, nem com quem está. Em termos de programação, tentamos trazer teatro diferente e alternativo. Queremos encontrar coisas que o público de Macau, de outra forma, não teria oportunidade de experienciar. É o segundo ano que o festival avança sem apoios do Governo. Como é que conseguem fazer esta gestão, tratando-se de um festival internacional? Trabalhamos com muitos parceiros, tanto locais, como de fora. Por outro lado, temos tido a colaboração de voluntários. No ano passado tivemos 15 e, este ano, resolvemos fazer uma chamada aberta. Recebemos 50 inscrições e neste momento estamos a dar formação. Penso que estas acções são muito importantes para os próprios voluntários. Não é só uma força de trabalho, é a participação numa actividade que lhes pode mudar a vida. Foi o que se passou comigo. Comecei como voluntário e agora trabalho enquanto profissional. É uma oportunidade de descobrirem uma actividade que gostam e de conviverem com pessoas que, no futuro, podem ser úteis caso optem por uma carreira na produção. Outra característica que se destaca com o nosso programa de voluntariado é que são elementos que contribuem activamente para o festival, podem dar opiniões e trocar impressões. Também promovem o desenvolvimento do teatro local, nomeadamente com a rubrica “Give it a shot” onde incentivam à prática do teatro experimental. Que mais-valias traz esta secção aos artistas de Macau? É uma secção que trata do próprio processo de trabalho. Apareceu porque percebemos que, em Macau, as companhias estão sempre a produzir. A razão é terem de criar novos conteúdos calendarizados para que possam continuar a receber os fundos que as apoiam. Sentimos que não há tempo de fazer a parte da pesquisa e do desenvolvimento de um trabalho em profundidade. O que fazemos é convidar artistas locais, com um ano de antecedência, dizemos que vão trabalhar juntos e que têm de fazer um trabalho que não necessita de ser finalizado. Nós tratamos de dar o devido acompanhamento com dramaturgos, com espaço e algum dinheiro para apoiar o projecto, bem como recursos humanos. Por outro lado, fornecemos também uma rede de contactos que vai ter acesso a estes trabalhos e a estes artistas. Depois de apresentarem a ideia, durante o festival vão desenvolvê-la, vão pesquisar e ter tempo para investigar, aprender e evoluir. Também fazemos intercâmbio internacional mas não da forma usual. Em vez de convidarmos artistas internacionais sem saber o que os locais precisam, primeiro sondamos as necessidades que mais se fazem sentir e depois vamos ao encontro dos profissionais mais adequados. Estamos a falar de um festival de teatro que implica a utilização, muitas vezes, de uma linguagem verbal. A língua é um obstáculo neste género de eventos? A linguagem não é problema. Da minha experiência, trata-se somente do que se sente com o trabalho que se vê. Quando vamos ao teatro, as palavras não são a única forma de transmitir uma mensagem. Há dois anos, por exemplo, tivemos uma peça coreana que não estava legendada e que foi inteiramente falada em coreano. O que fizemos foi dar ao público alguma informação básica acerca da peça, de forma a dar contexto. O resultado foi uma grande satisfação por parte do público. Apesar de não entender cada uma das palavras, através da forma como foi encenada a audiência percebeu os conteúdos. Um bom espectáculo consegue fazer isto. Qual é o balanço que faz, nesta quinta edição? Posso dizer que ainda estamos numa escala pequena no que respeita a público. Dentro do nosso e daquele a que queremos chegar, digamos que nos dirigimos a dois extremos. Um deles constituído por pessoas que são amantes do teatro e que vão ver peças frequentemente, e outro que nunca frequenta o teatro. Para chegar a este segundo alvo, tentamos ter actividades que não têm nada que ver com teatro e com elas levamos as pessoas a ter uma experiência diferente em que, de alguma forma, entram em contacto com esta arte. Por exemplo, este ano vamos ter uma corrida com sessões de leitura. Os interessados juntam-se a um atleta que contratámos e vão com ele, a correr, conhecer a cidade. O percurso tem várias paragens e em cada uma delas é dada a conhecer a sua história. No final, juntam-se, descansam e partilham uma sessão de leitura em que o tema está relacionado com a cidade e o silêncio. Claro que estamos abertos a todo o tipo de público, mas estes dois lados, que de alguma forma são opostos, são os nossos maiores alvos. Talvez um dia possamos fazer mais mas, este ano, já temos muitos eventos livres de forma a chamar a participação das pessoas.
Andreia Sofia Silva EventosFAM | Peça de teatro “O Inferior” apresentada este fim-de-semana [dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]ual a relação entre o ser humano e a Internet? Até que ponto é que o mundo virtual influencia a nossa vida diária? A Associação de Arte Teatral Dirks pegou nestas questões para criar a peça “O Inferior”, que sobe este fim-de-semana ao palco do Centro Cultural de Macau (CCM) no âmbito do Festival de Artes de Macau. A peça foi escrita pela dramaturga Jennifer Haley e é a primeira vez que é representada na Ásia. A Associação de Arte Teatral Dirks criou algo de raiz, misturando projecções de vídeo e representação multimédia. No espectáculo é retratado uma espécie de jogo, intitulado “O Refúgio”, uma realidade virtual que vai ganhando cada vez mais utilizadores. Subitamente, um detective vindo do mundo real começa a investigar crimes que acontecem em “O Refúgio”, iniciando-se então um período de dúvidas que envolve a vida real e a imaginação. Para Wu May Bo, directora do espectáculo, “este guião é-nos familiar”. “Hoje em dia usamos o Facebook frequentemente e, ao fim de dez minutos, já estamos de volta à vida real. As pessoas já misturam todos esses elementos na sua cabeça. É isso que queremos mostrar ao público, em termos estéticos”, disse em conferência de imprensa. Por norma, a Associação de Arte Teatral Dirks faz adaptações de textos ou romances, mas desta vez tudo foi feito de raiz, pensado e preparado durante um período de sete meses. “Recorremos a designers gráficos e visuais para mostrar essa diferença entre a realidade e o mundo virtual”, adiantou Ip Kam Man, também director do espectáculo. Em palco foi utilizada “mobília simples e luzes para expressar um espaço mais real”, explicou ainda. Wu May Bo disse que a ideia, desde o início, foi mostrar em palco um equilíbrio entre o real e o virtual, daí a cooperação com designers. “Como o guião descreve dois espaços distintos, o espaço da realidade e outro mais escondido, então pensámos em como poderíamos criar uma flutuação de espaços. Pensámos em como poderíamos criar a história na mente do público, em vez de contar essa história”, referiu. Um debate actual Os directores do espectáculo consideram que Jennifer Haley é uma autora “inteligente” pela forma como conseguiu impor um debate sobre algo tão actual. “Precisamos desta virtualidade para sobreviver ou precisamos de algo em que possamos tocar?”, questionou Ip Ka Man. Wu May Bo garantiu que esta perspectiva está presente em todas as personagens, sob diferentes perspectivas. “Jennifer Harney é de Los Angeles e o seu trabalho está muito relacionado com o desenvolvimento de tecnologia, ou realidade virtual, e ainda a ligação que isso tem com valores morais nos dias de hoje”, concluiu.
Isabel Castro EventosFestivais | TIMC representa Macau em eventos em Portugal A experiência de organização do This is My City vai ser abordada em dois eventos diferentes que acontecem nas próximas semanas em Portugal. Manuel Correia da Silva, principal responsável pela organização do festival de Macau, vai falar sobre o que se faz no território e não só. A ideia é construir redes entre cidades e pessoas [dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] o maior seminário internacional para profissionais das artes de rua e realiza-se anualmente numa cidade europeia diferente. Este ano, o FRESH STREET#2 faz-se em Portugal, fora dos principais centros urbanos: em Santa Maria da Feira, cidade onde, desde 2001, é organizado um festival de rua. Ao contrário do que é hábito, o certame tem este ano um painel com uma forte componente lusófona. Ao lado de Cabo Verde e do Brasil vai estar Macau, através do festival This is My City (TIMC) e do seu principal organizador, o designer Manuel Correia da Silva. “A moderadora é Cristina Farinha, que está ligada às cidades criativas da União Europeia. Foi ela que desenhou este painel e lançou a ideia da importância de saber o que é que se anda a passar na China, através de Macau, e em Macau”, conta Correia da Silva ao HM. Além da experiência pessoal e no TIMC, as conversas que tem mantido com a organização dizem-lhe que vai com uma missão que não se resume aos dez anos de festival na RAEM. “Vou também divulgar o que se passa para lá de Macau. Quando hoje se fala em Macau é importante, para quem não conhece, falar da região do Delta, o que se passa em Shenzhen, em Hong Kong e também em Zhuhai”, cidade pequena para a dimensão das urbes chinesas mas que tem o festival de Beishan, com duas edições anuais, uma dedicada à música do mundo e outra ao jazz. Para Correia da Silva, importa passar a mensagem do que aqui se faz, mas a participação neste tipo de iniciativas, destinadas sobretudo a profissionais, permite perceber como é que os festivais acontecem lá fora. “É bom estudarmos estes modelos noutras cidades para que o TIMC também aprenda relativamente à organização e à produção destes eventos”, sublinha. Diversidade maior O certame de Santa Maria da Feira tem ainda a vantagem de decorrer numa cidade que não está no centro, mas sim na periferia. “Pode fazer sentido, através deste festival, ligar Macau a Santa Maria da Feira, mais do que falarmos das grandes cidades, onde tudo já está muito ocupado e falado”, observa o responsável pelo TIMC. “Se calhar, podem aparecer uns casamentos inesperados porque somos todos mais periféricos. Macau é periférico em relação à China, no Delta não é a cidade com mais pessoas e com uma economia mais sólida, por ser monocromática”, acrescenta. A periferia não significa que se esteja em desvantagem, antes pelo contrário, e Manuel Correia de Silva entende que é preciso começar a trabalhar o conceito “centro da periferia”. Macau tem a mais-valia de não ter uma cultura massificada e as cidades mais pequenas propiciam a diversidade. “As pessoas estão fartas dos centros, porque o Primavera Sound é igual em Lisboa, no Porto ou em Barcelona, como são iguais todos os franchisings que acontecem em todas as grandes cidades, como se vê com o Sónar”, exemplifica. “Nas periferias, apesar de serem mais pequenas, aparecem coisas diferentes. Por isso, olhar para a periferia é hoje importante.” Em simultâneo com a discussão e com os diferentes painéis do FRESH STREET#2, Santa Maria da Feira organiza o seu festival de rua. “Os diferentes países europeus participam com performances, teatro e circo, e por isso o festival acontece a estes dois níveis”, diz. Lusofonia do futuro Apesar de ser na capital portuguesa, também o MIL – Lisbon International Music Network é um evento independente. Realiza-se nos dias 1 e 2 de Junho e é o segundo destino de Manuel Correia da Silva. Trata-se de um novo festival que inclui uma vertente exclusivamente destinada a profissionais. Tem por missão a valorização e a divulgação da música popular moderna de origem lusófona, tendo em vista a sua internacionalização. “Há um conjunto de palestras e de conferências que vão acontecer com pessoas da indústria da música: programadores, produtores, pessoas que fazem agenciamento, editoras”, contextualiza o organizador do TIMC. “Fui convidado para um painel que tem como tema a lusofonia em 2030.” Para Macau, onde a lusofonia é hoje um tema tão presente, “será interessante perceber para onde é que ela caminha, que tipo de rede é esta e no que se vai transformar”. No ano em que o This is My City, uma iniciativa da associação +853, assinala uma década de existência, Manuel Correia da Silva salienta o facto de as duas organizações portuguesas virem ao encontro de Macau. “Querem o mesmo de nós aqui em Macau, aqui na China, e querem-nos como intermediários desta ligação”, afirma. “Isso é importante, é interessante, e acho que é algo a que o TIMC também tem de se dedicar a partir de agora. Está na altura de Macau e do TIMC também se exportarem. Temos uma história, já temos qualquer coisa para mostrar lá fora.”
João Luz EventosCartoon | Joan Cornellà tem exposição patente em Hong Kong até domingo O humor violento do catalão Joan Cornellà tem angariado fãs um pouco por todo o mundo. Quem quiser ver os seus trabalhos ao vivo tem até domingo, dia 21, oportunidade para o fazer. A exposição estará em exibição na Gallery 27 em Quarry Bay, em Hong Kong [dropcap style≠’circle’]“A[/dropcap] Hong Kong Themed Solo Exhibition” é o nome da exposição que traz um dos cartoonistas do momento à região vizinha. Depois da estreia bem-sucedida do ano passado, Cornellà passou o mês de Janeiro em Hong Kong a absorver o que se passa na cidade. De acordo com a organização do evento, o catalão tem investigado a metrópole vizinha, “a festejar muito e a trabalhar pouco”, numa tentativa de absorver e digerir a essência. O resultado são os 38 novos trabalhos que se encontram patentes na Gallery 27, na Quarry Bay, até domingo. Como é costume nos seus trabalhos, esta exposição vive da tensão entre a ingenuidade dos sorrisos dos personagens retratados e o grotesco, violento, resultado de situações sociais que levam a amputações e mortes violentíssimas. Não existem assuntos tabus nas tiras do cartoonista que frequentemente se foca no suicídio, no aborto, no homicídio por razões banais. No evento de Facebook criado pela galeria que acolhe a exposição, pode-se ler que “a natureza satírica dos trabalhos de Cornellà levanta o tapete que cobre a cidade, permitindo que se olhe para a porcaria que se esconde por baixo”. A luz que ilumina esse lado negro de Hong Kong é o sentido de humor desconcertante da obra do cartoonista. Sorriso amarelo Joan Cornellà tornou-se um fenómeno viral nas redes sociais, tendo mais de 4,5 milhões de seguidores no Facebook. Apesar de ser considerado por alguns como um artista perturbante, e por vezes ofensivo, o catalão usa uma linguagem simplista e infantil, apesar de abertamente sinistra, focada nas falhas da natureza humana. Nesta exposição, o sarcasmo da obra do espanhol incide sobre vários aspectos da vida em Hong Kong. Com particular destaque para um cartoon de um homem a tirar uma selfie dentro de uma jaula onde vive. O cartoonista retrata as pobres condições de habitabilidade e os minúsculos apartamentos onde os hongkongers vivem, acompanhado pela crítica à cultura da obsessão da partilha instantânea e de auto-retratos nas redes sociais. Outra das obras em destaque na exposição é a tira que retrata uma rapariga triste por ter o cabo desconectado do gira-discos. Um homem vem ao seu auxílio, sorridente, e coloca os dedos na tomada da electricidade usando o seu corpo como extensão para dar energia à aparelhagem. A música começa a soar, para alegria da rapariga que dança feliz, enquanto o homem é electrocutado, com sangue a jorrar dos olhos, nariz e ouvidos. Numa expressão que parece ultrapassar todos os limites do altruísmo, o homem continua a sorrir, apesar de trespassado de voltagem eléctrica. Esta é uma das assinaturas dos cartoons de Cornellà, os sorrisos doentios das personagens, enquanto cometem atrocidades diluídas no estilo minimalista e inocente dos desenhos. Apesar de ser considerado por muitos sectores como um artista da Internet, de profundo mau gosto, Joan Cornellà tem publicado as suas tiras em publicações como El Periódico, o diário catalão Ara e o New York Times. Numa entrevista ao South China Morning Post, o cartoonista explicava a relação entre comédia negra e a tragédia. “Temos de começar com a ideia de que quando rimos, rimos de algo ou alguém. Com empatia, ou não, há sempre um grau de crueldade”, dizia Cornellà.
João Luz EventosDança e música clássica no Le French May [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]ong Kong continua com uma profusão de eventos culturais para todos os gostos. No próximo dia 2 de Junho pode ser visto o espectáculo de teatro-dança “Simon Says”, que terá exibições também nos dois dias seguintes. O evento parte do jogo infantil com o mesmo nome, em que os participantes têm de obedecer às ordens de quem interpreta o papel de “Simon”. Os jogadores são eliminados sempre que desobedecerem aos comandos, ou não corresponderem à vontade de quem dá as directrizes. O jogo vive da tensão entre obediência e rebelião às ordens dadas, com a fronteira entre o verdadeiro e o falso a confundirem-se em palco. O espectáculo é uma co-produção da Unlock Dancing Plaza & Le Phare, e do Centre Chorégraphique National du Havre-Normandie, onde quatro bailarinos dão movimento a vários estados da natureza humana. Subserviência e rebeldia, autenticidade e extravagância, e a tensão entre o absurdo e a determinação inabalável. “Simon Says” transmite a explosão resultante destas contradições. Os quatro bailarinos do grupo viajaram para Le Havre, em França, onde trabalharam com a coreógrafa Emmanuelle Vo-Dinh. Após um processo de um ano e meio, a coreografia foi sendo apurada até chegar aos palcos de Hong Kong, nos próximos dias 2, 3 e 4 de Junho, no Studio Theatre do Centro Cultural de Hong Kong. Cordas vivas Outro dos destaques do cartaz do Le French May para o início do próximo mês é o concerto “New Rising Star Quartet in Beethoven and Mozart”, no dia 3 de Junho, interpretado pelo grupo Quartet Van Kuijk. O grupo que faz a sua estreia na edição deste ano do Le French May em Hong Kong foi formado em 2012 e em 2015 venceu a competição Wigmore Hall String Quartet Competition, em Londres. O Quartet Van Kuijk é considerado um dos mais promissores “ensembles”, deslumbrando os espectadores com concertos cheios de vida. Têm recebido rasgados elogios da crítica, um pouco por todo o mundo. O grupo francês sobe ao palco da Hong Kong City Hall para um concerto único, no dia 3 de Junho, às 18h, para um espectáculo a não perder.
Sofia Margarida Mota EventosUSJ | Bambu nas margens de Sai Van [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]lapse é a estrutura de bambu que vai estar exposta no Lago Sai Van de 22 a 27 deste mês. A iniciativa materializa em escala real um projecto dos alunos do terceiro ano do curso de arquitectura da Universidade de S. José (USJ). Ao longo do ano lectivo, os estudantes desenvolvem uma ideia para a construção de um pavilhão em bambu e, no final, um júri constituído por professores da instituição e convidados de Hong Kong elege o melhor trabalho que se materializa nas margens do lago Sai Van. O pavilhão Elapse partiu de uma ideia de movimento inspirada no filme “American Beauty”. “Este pavilhão nasceu de uma relação poética que o grupo de alunos arranjou e que tem como mote uma imagem do filme “American Beauty” em que há uma cena de um saco a voar dirigido pelo vento”, explica ao HM João Ó, o professor responsável pela edição de 2017 da iniciativa. “Os alunos pegaram na imagem e a própria modelação deste pavilhão sugere esse movimento que é fluido no ar, mas que se encontra geometricamente ligado. Há uma sensação de animação por imagem”. O resultado é que cada momento do movimento está, de alguma forma, expresso na construção. De modo a criar um momento único que marque a inauguração da instalação, a iniciativa conta com a vida dada por uma projecção de vídeo mapping e pela interatividade de uma performance de dança. “O video mapping e a dança são os elementos que lhe vão dar movimento”, diz João Ó. A ideia tem como objectivo, não só dar dinâmica ao objecto que por si é estático, mas também “atrair o público e fazer um pouco a interacção no que respeita ao design de eventos”, conta o professor. De acordo com João Ó, não basta colocar uma escultura num espaço, é também necessário uma visão mais alargada dos media contemporâneos e do que se pode fazer para intensificar o próprio evento. O vídeo está a cargo do Neba studio e a Soda-City Experimental Workshop Arts Association vão executar a performance. Desta forma, o público pode também assistir a dois modos diferentes de criar interactividade com um objecto estático, sendo que uma tem por base a luz e a outra, a expressão corporal. “É uma forma de dar vida, animar e criar um momento singular”, aponta o responsável. Por outro lado, “ao aplicar técnicas avançadas de design digital aos materiais de construção vernaculares, o pavilhão pretende ressoar com a cultura de construção histórica de Macau e a sua paisagem urbana contemporânea.” Do estudo ao real A iniciativa já se realiza há seis anos e faz parte de um módulo do terceiro ano da disciplina de arquitectura da universidade de S. José. O objectivo do módulo em que é ministrada é a produção final de um pavilhão feito com o material vernacular que é o bambu. A importância do bambu é clara para João Ó. “O bambu é um material autêntico da região do sul da Ásia que se utiliza principalmente na industria da construção”, diz. Com a sua utilização académica, o também arquitecto João Ó considera que é também uma forma de prolongar e propagar este método tradicional que tende cada vez mais a ficar extinto, nomeadamente em Macau e Hong Kong onde era muito utilizado tanto na construção dos andaimes da construção civil como dos pavilhões temporários das óperas chinesas. “Do que tenho visto, a utilização do bambu nesta iniciativa foi a forma que a USJ encontrou para prolongar este conhecimento associado ao bambu e continuar a sua divulgação junto da população e para os alunos”, refere. No que respeita ao empenho dos alunos, a motivação é clara até porque “permite que tenham um lado mais prático do curso que estão a finalizar.” Para João Ó, este é o momento em os projectos saem do papel. “O que acontece na disciplina de arquitectura é que temos muitas vezes a maqueta e o desenho técnico, mas, neste caso, temos a construção e uma ideia formulada pelos próprios alunos à escala de um para um, ou seja, um modelo real”, explica. A concretização de uma ideia é, considera, além de útil, muito motivadora para os alunos porque há uma exposição do trabalho dos estudantes junto da comunidade local. O segundo lugar do concurso efectuado no mesmo módulo vai estar exposto na galeria da Creative Macau. A mostra integra a exposição geral “On the Waterfront”. A ideia, à semelhança das edições anteriores, é mostrar o trabalho feito pelos alunos do terceiro ano. O nome nasce da relação que Macau tem com a água.
Hoje Macau EventosFestival Eurovisão da Canção | Salvador Sobral faz história O português Salvador Sobral conseguiu a primeira vitória portuguesa no Festival Eurovisão da Canção com recordes de pontuação. O cantor interpretou “Amar pelos dois” e conquistou a Europa com uma postura real e música sentida [dropcap style≠’circle’]“E[/dropcap]u quero que o Salvador Sobral ganhe o festival da Eurovisão. Ele é bom demais”, foram as palavras de Caetano Veloso num vídeo que publicou no Twitter enquanto via, no passado sábado, o Festival Eurovisão da Canção. Salvador Sobral ganhou, e conseguiu a primeira vitória de Portugal no festival europeu. Mais tarde, dizia, que estas palavras foram mais importantes do que galardão. Salvador Sobral cantou em português, “Amar pelos dois”, com letra e música de Luísa Sobral, sua irmã, e obteve 758 pontos na votação combinada dos júris nacionais e do público, na final do festival disputada por 26 países em Kiev, na Ucrânia. Após a vitória, Sobral sublinhou que a “música não é fogo-de-artifício, é sentimento” e que “vivemos num mundo de música descartável”, apelando para uma mudança. “Vivemos num mundo de música descartável, de música ‘fast-food’ sem qualquer conteúdo. Isto pode ser uma vitória da música, das pessoas que fazem música que de facto significa alguma coisa. A música não é fogo-de-artifício, é sentimento. Vamos tentar mudar isto. É altura de trazer a música de volta, que é o que verdadeiramente interessa”, disse nas primeiras declarações após a vitória. Mais tarde, em declarações à RTP, Salvador Sobral sublinhou tratar-se de “uma boa vitória também para a música no geral”, apesar de saber “que estas coisas são muito efémeras, estes concursos, amanhã já ninguém se lembra”. “O importante é continuar a fazer música, mas sinto que é um bom passo que as pessoas tenham gostado desta música, que tem tanto conteúdo, emocional, lírico, melódico, acho que isto pode ajudar de alguma maneira, se calhar até nos anos próximos a Europa a trazer músicas com um bocadinho mais de significado a todos os níveis”, afirmou o cantor. Questionado pelo apresentador José Carlos Malato sobre se esta vitória significa a entrada do cantor na história, Sobral disse não querer pensar nisso, recordando a digressão que tem agendada para os próximos meses, com concertos a partir do próximo sábado em Marco de Canavezes, seguindo-se o Cartaxo (26 de Maio) e Ovar (27 de Maio), antes de prosseguir a 10 de Junho em Ílhavo com datas que continuam até Agosto. Politicamente incorrecto Salvador Sobral, face a uma pergunta sobre o apelo que fez de apoio aos refugiados na conferência de imprensa que se seguiu à primeira meia-final, disse não pretender acrescentar nada ao que já havia afirmado, mas realçou que transmitiu uma mensagem sobre os refugiados por acreditar ser o maior problema com que a Europa se confronta actualmente, sem querer ser político. “Recebemos um e-mail da organização a dizer que não podia continuar a usar aquela camisola [que dizia ‘SOS Refugiados’]”, explicou, por não serem permitidas mensagens políticas ou comerciais: “Pensei que era estranho. E se vestir uma camisola da Adidas, é uma mensagem comercial? Era apenas humanitária. Já disse tudo o que tinha a dizer, não penso que deva apertar o mesmo botão outra vez”. Sobral, que disse nunca ter escrito uma canção com o propósito de passar na rádio, frisou que a sua vida não vai mudar em nada e que vai prosseguir com a digressão prevista para este Verão. “Nunca quis saber dos votos, só quis cantar uma canção bonita como ela é”, declarou. Durante a conferência de imprensa, o supervisor executivo da União Europeia de Radiodifusão, Jon Ola Sand, enalteceu o trabalho da organização local em Kiev e disse que a preparação para 2018, em Portugal, começa “já na segunda-feira”. O inquieto Salvador Sobral publicou “Excuse me”, o seu disco de estreia, há um ano, cruzando referências de uma vida, que provam o seu modo inquieto de viver a música, do jazz de Chet Baker aos clássicos brasileiros de Dorival Caymmi. Tinha 26 anos, era um desconhecido, não mais do que o irmão de Luísa Sobral, e um rosto perdido na memória de edições de concursos de talentos vocais, há muito desaparecidas. O cantor nasceu em Lisboa, em 1989, ouvia música desde criança e, numa entrevista recente ao El País, recordou as viagens em família, as canções partilhadas com os pais, dos Beatles, dos Genesis, de Simon & Garfunkel e John Lennon, sobretudo clássicos dos anos dos anos 1960/70, e as harmonias feitas com a irmã. Dedicou-se a um curso de Psicologia e a um Erasmus em Maiorca. Para ganhar dinheiro, começou a cantar em bares. E foi aí que tudo mudou. Descobriu Chet Baker, através de um guitarrista argentino com quem cantava: “Deslumbrou-me. Parecia uma angústia misturada com esperança, com melancolia, tudo numa só pessoa. Identifiquei-me totalmente com ele e com o seu estilo”, disse na entrevista ao jornal espanhol El País, publicada no passado dia 16 Abril. O curso de Psicologia deu lugar ao de Música, e Maiorca a Barcelona, onde, em 2014, começou a actuar com a banda Noko Woi, com quem participou no festival Sonar. Um ano mais tarde seria uma voz na programação dos festivais Mexefest e, no seguinte, entraria no Cool Jazz. Entre a vitória em Lisboa e a vitória em Kiev, a actuação de Salvador Sobral teve impacto nos meios internacionais de comunicação. Surgiu na TVE a cantar com o concorrente espanhol, foi entrevistado pelo El País, chegou às páginas do El Mundo, do Daily Express, do The Sun. A agência France Presse definiu-o como “o ‘crooner’ português de coração demasiado grande”. “Sou um inquieto musical, preciso de ter muitos projectos em simultâneo. Estou a preparar um disco de boleros em jazz. É uma dor de cabeça ter tantas facetas. Acabarei por ter tantos heterónimos como Fernando Pessoa”, garantiu ao El País. • REVEJA A PARTICIPAÇÃO DE SALVADOR SOBRAL NO FESTIVAL EUROVISÃO DA CANÇÃO
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteTeté Alhinho, cantora: “Nós nascemos com a música” A cantora de Cabo Verde Teté Alhinho sobe hoje ao palco do Teatro D. Pedro V para dar a conhecer o seu último disco, “Mornas ao Piano”. Pela primeira vez no território, a convite da Associação de Divulgação da Cultura Cabo-verdiana, fala ao HM da sua relação com a música e com a terra que lhe deu o ritmo e o sentir [dropcap]O[/dropcap] seu site de apresentação começa com “Nasci ao som das ilhas e delas herdei o ritmo e o sentir”. O que é nascer ao som das ilhas, como são o seu ritmo e o seu sentir? O ritmo das ilhas não é o mesmo do continente. Temos mar por todos os lados. Os sons são muito diferentes, até porque só esta presença de mar também o é. O vento também vem com diferentes sons. Vem, ora de um lado, ora do outro. Claro que é uma forma também metafórica para situar o lugar onde nasci e, talvez, porque é que sou como sou. Os ilhéus também têm um ritmo especial de vida, e dão uma forma diferente de ser a Cabo Verde, que tem uma forma de sentir muito peculiar. De sentir a música, por exemplo, porque é um país muito musical. Que particularidade é essa? Porque somo ilhéus, temos sempre uma necessidade de partida, de procurar o mar. Temos esse instinto, o de ir e depois voltar. É o mar que nos leva e é o mar que nos traz. Também somos, penso, mais abertos e receptivos a muita coisa. O mar também nos traz muita gente de diferentes latitudes. Sou da Ilha de S. Vicente, cujo Porto Grande trouxe sempre muitas pessoas de várias nacionalidades. Uns ficam, outros não, e isso cria uma certa abertura de mente que acho que o cabo-verdiano tem. Não é uma mentalidade local, fechada, é aberta ao novo, mas também muito ciente do que é seu. Por outro lado, e falando da musicalidade local, nós nascemos com a música. É a mãe que canta, é a empregada que canta, é a dança que aparece desde o colo da mãe. Eu cresci assim: com uma mãe que gostava de cantar. O meu pai também gostava muito de música e tínhamos uma aparelhagem em casa. No Mindelo sempre houve a presença constante da música. Não tinha por onde fugir. Tivemos também um piano em casa e era a nossa diversão lá em casa. Ao falar de Cabo Verde é quase impossível não nos remetermos para a morna. Vamos ter um concerto de mornas ao piano. O que é para si a morna de Cabo Verde? É a expressão geral e comum de todo o cabo-verdiano. O barlavento tem os seus ritmos e o sotavento tem outros. A morna fez-se sempre mais em S. Vicente e Boa Vista. A morna, penso, foi a forma que encontrámos para traduzir a nossa nostalgia provocada pela distância. O cabo-verdiano sempre emigrou e com isso nasce a saudade: com as partidas, as tristezas, as perdas e o amor, claro. Já dizia o Baltazar Lopes que acelerando a morna chegava-se à coladeira. A coladeira acabou por ser um ritmo que veio tirar um pouco da melancolia associada à morna. É um ritmo que começa já a tratar de outras coisas, como o quotidiano, a crítica social e um pouco de sátira. Costumo dizer que a morna é um sentir comum cabo-verdiano. Como é que aparece o piano associado à morna? Normalmente a morna é associada à guitarra porque se trata de um instrumento barato. Mas a morna também se tocava ao piano em Cabo Verde. Se recuarmos no tempo, encontramos grupos que usavam o piano. Em S. Vicente, em particular na Rua de Lisboa, havia o Café Royal que tinha um piano. Todos os que tocavam piano paravam ali e era um instrumento que se ouvia sempre, até porque Mindelo era muito pequenino. Este disco acabou por ser uma coisa natural. O piano para mim sempre existiu na música de Cabo Verde. Não com a mesma expressão da viola, a que chamamos violão, mas sempre existiu. Daí este projecto “Mornas ao Piano”. A sua carreira também passou por um projecto dedicado a crianças com o disco “O Menino das Ilhas”. Como é que apareceu esta vertente? Eu adormecia os meus filhos a cantar. Ao cantar ia compondo alguns temas para crianças e ia guardando essas canções. Quando regresso a Cabo Verde em 1991, não havia nada para crianças. Temos um cancioneiro que é herdado e não é, realmente, nacional. Há algumas canções, mas dirigidas mais para a dança infantil. Pensei que fazia falta um trabalho para os mais novos e eu tinha três filhos pequenos. Foi assim que um dia me levantei e disse: vou gravar um disco para crianças. A partir desse dia, o disco nasceu. É um trabalho de que gosto muito também porque está muito ligado aos meus filhos. Também trabalhou com a sua filha Sara. Neste disco a Sara trabalhou comigo em três temas. Depois continuámos a colaborar. Sempre a vi como uma miúda muito entoada desde pequena e sempre tentei estimulá-la para a música. Fizemos um disco depois que se chama “Gerações” por ter esse sonho, o da filha que seguisse a música e que pudesse fazer aquilo que eu não tinha conseguido. Nascemos em épocas diferentes. Ela podia ter feito, por exemplo, uma carreira para crianças. Mas acabou por ir estudar para as Canárias e escolheu outras prioridades. Que música é que ouve e a inspira? Ouço música quando tenho tempo. Gosto de ouvir de tudo um pouco. Gosto muito de ouvir Bana e da Cesária. Gosto dos artistas mais modernos, mais jovens. Gosto da música instrumental cabo-verdiana. Quando tenho tempo levanto-me e ponho música, alguma que também possa dançar um bocadinho. Gosto especialmente da Cátia Guerreiro e do Jorge Palma. Ofereceram-me uns CDs do Sérgio Godinho que oiço para o descobrir. O Sérgio tem de ser descoberto. Depois também gosto muito da Ella Fitzgerald. Gosto de música. O que é cantar para si? Tem sido diferentes coisas em diferentes momentos. Em pequenina comecei a dançar. Depois o cantar começou a estar associado à minha casa, aos meus irmãos, ao piano que tínhamos, à alegria. Aliás, cantar é sempre uma alegria e canto mais quando me sinto bem. Depois foi o despertar, a partir dos oito anos. Foi um descobrir-me para a música, para o facto de conseguir e saber cantar. Era sempre uma coisa muito boa. Com o 25 de Abril, o cantar foi uma forma de eu também participar no movimento pró-independência. Tinha cerca de 17 anos nessa altura e era o cantar de músicas de protesto e luta. Foi a minha contribuição para o processo de independência e de reivindicação dos direitos do nosso país. Depois fui para Cuba e cantar era já um processo e manifestação cultural daquilo que era Cabo Verde. Passei pelo México e vou para Portugal já com três filhos. Cantar foi então para mim um escape muito grande. Tive três filhos em três anos e meio, o que fez com que tivesse vivido muitos anos seguidos entre casa, fraldas e comida. Sou também licenciada em Educação Física e ia trabalhar, aliás precisava de o fazer. Mas começava a precisar de mim porque, no meio disto tudo, eu tinha desaparecido. Essa necessidade de mim acordou-me. Tinha de fazer alguma coisa e decidi gravar um disco. Vesti-me, nunca me vou esquecer, com uma saia azul, uma blusa branca e uns sapatos azuis da tia Alice, meti-me a caminho e fui aos Olivais ver o Péricles Duarte. Ele aceitou, foi ver as músicas que tinha, falou com o Paulino Vieira, começámos a ensaiar e foi assim que nasceu o “Mares do Sul”, nos estúdios da Valentim de Carvalho. É um disco pelo qual eu tenho um grande apreço porque representa um marco. Foi tornar a ganhar um pouco o meu espaço que estava todo tomado pela família, que era a minha prioridade. Nunca deixei de fazer música a partir desse momento. Agora, a música é essencialmente comunicação. É o resultado de tudo o que vivi. É o poder expressar o que sinto. É a consolidação de todo este crescer. É o partilhar as minhas composições, o meu sentir e aquilo que a própria música representa. A música consegue o que nada mais consegue, consegue ser universal. Acho que cria uma confluência de sentimentos e uma união. Muita gente diz-me que não entende as palavras, mas que sente o que ouve. Acho que a música é capaz de ir muito longe. A música limpa. Acredito que a arte em geral – e a música em particular – é a grande esperança da Humanidade. Por outro lado, é um retorno de tudo o que tenho feito na vida. Não digo que seja tardia, mas é antes o resultado das minhas escolhas e é também o que me resta para preencher o que ainda tenho para viver. Também me provoca encontros com outras pessoas e com outros lugares. A música permite-me ter boas memórias.
Hoje Macau EventosFilme “The Great Wall” é pouco interessante, diz realizador [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] realizador chinês Zhang Yimou disse que o fracasso da maior produção cinematográfica conjunta entre a China e os Estados Unidos, o “The Great Wall”, terá ficado a dever-se ao pouco interesse da história retratada. “Os atores são todos muito bons. [O protagonista] Matt Damon e todos os outros foram esplêndidos”, afirmou Zhang à agência The Associated Press. “Provavelmente, a história é um pouco fraca, ou o momento não foi o melhor, ou então fomos nós que não fizemos um bom trabalho. Pode ser por muitas razões”, acrescentou. O “The Great Wall” remete para uma China imaginária, onde a Grande Muralha, o monumento mais conhecido do país, foi edificada para deter a invasão por monstros que comem carne humana. O guião demorou sete anos para Hollywood concluir. Zhang acrescentou elementos da cultura chinesa e o seu estilo visual, patente no drama de Kung fu, “House of Flying Daggers”, ou na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos Pequim 2008. Os produtores esperavam que o filme, com um orçamento de 150 milhões de dólares, pudesse inverter a tendência das produções conjuntas entre a China e os EUA falharem em ambos os mercados. O “The Great Wall” arrecadou apenas 45 milhões de dólares em receitas de bilheteira, desde que estreou em fevereiro passado, mas ganhou 332 milhões globalmente. Na China, onde foi exibido em dezembro, alcançou 171 milhões de dólares, tornando-se o oitavo filme com maiores receitas no país, em 2016. O filme foi produzido pela Legendary East, subsidiária chinesa da produtora de Hollywood Legendary Entertainment, adquirida no ano passado por Wang Jianlin, o homem mais rico da China e presidente do grupo Wanda Group, que tem a maior rede de distribuição cinematográfica do mundo. Zhang considerou que o “The Great Wall” é um marco na colaboração entre produtores chineses e de Hollywood. “Como os chineses dizem, ‘tudo é difícil no início’. Penso que foi importante começar. Espero que haja mais cooperações do género, que as pessoas não parem só porque o resultado não foi bom”, afirmou Zhang. Questionado se participaria de outra produção conjunta entre a China e Hollywood, Zhang respondeu: não tenho que ser eu a fazer. Espero que mais pessoas colaborem nisto”.
Sofia Margarida Mota EventosDistância Zero com três workshops a cargo de Larry Ng [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão 12 horas de trabalho em cada um dos três dias em que decorre o workshop “A exploração dos segredos da vida através de uma rotunda poética”. A proposta é da Cooperativa Distância Zero, que traz ao território Larry Ng, de Hong Kong, para dar um conjunto de três workshops ligados à arte da representação entre os dias 15 e 17. A promessa é uma viagem formativa que passa pela combinação de técnicas de ópera, de máscara e do teatro físico de Jacques Lecoq e Etienne Decroux. A ideia é a exploração da manipulação básica de bonecos e máscaras, e dos seus princípios estéticos. Em simultâneo, “queremos explorar a expressão física do actor e as suas possibilidades dentro do teatro físico”, explica Larry Ng ao HM. O conceito da oficina desdobra-se assim na interacção entre três aspectos: a representação, o rosto e o corpo. O tema, “A exploração dos segredos da vida através de uma rotunda poética”, pretende metaforizar todo o processo de aprendizagem. Durante os três dias, a iniciativa vai dar o palco a “um espaço nublado e mágico em que há lugar para o humano e para o não-humano, e em que um expressa o outro”. A vacilação entre a mentira da representação e a realidade da vida representa também um aspecto a ser explorado. “O uso da máscara está directamente associado à mentira ou à farsa, em suma, à própria encenação teatral enquanto representação da vida através de algo que não o é”, diz Larry Ng. O objectivo é possibilitar a criação de um espaço poético em que as pessoas possam andar entre o visível e o invisível, entre o interno e o externo. “É uma rotunda poética”, afirma, em que os participantes vão abordar as expressões da complexidade da natureza humana. Máscaras vivas Por outro lado, a técnica da máscara aborda uma estrutura viva. “As máscaras são vivas, ganham vida com a manipulação dos actores”, refere o formador. São objectos que pedem o domínio do movimento para que possam assumir expressões que levem o público a dar-lhes uma personalidade, um estado de espírito. “O movimento dá-lhes vida”, sublinha. Desta forma, o workshop terá como base o desenvolvimento de técnicas de movimento, através de exercícios ligados ao teatro físico trazidos das escolas que fazem parte da formação de Larry Ng: a de Jacques Lecoq e a de Etienne Decroux, em que máscara e mímica se aliam. Pela formação que vai abordar as leis básicas do movimento e a relação entre estrutura e movimento, é intenção do formador colocar os participantes num processo exploratório não só das possibilidades do próprio corpo, como da sua associação estética e representativa aquando do uso da máscara e mesmo da sua aplicação à ópera, por exemplo. Os conteúdos principais da oficina estão divididos em vários módulos entre eles: os princípios básicos do exercício, do corpo e do espaço; o movimento com textura e forma; o movimento do corpo com diferentes materiais e estruturas; os princípios e técnicas da utilização de marionetas; os princípios e técnicas da utilização de máscaras básicas e técnicas estéticas como a imagem, a imaginação e a poesia. Larry Ng tem a carreira marcada por formação e participações entre a Europa e Hong Kong, sendo doutorando do Departamento de Sociologia da Universidade Chinesa de Hong Kong. A iniciativa é dirigida a todos os interessados por representação e pelas suas técnicas.
João Luz EventosPerformance | Teatro Areia Preta apresenta “Moon Light” no Iao Hon O movimento e a música vão inundar, este fim-de-semana, o espaço público na Praça Iao Hon com um espectáculo de autoria do Teatro Areia Preta. A peça tem como pano de fundo o drama vivido pelos refugiados sírios e as guerras que empurram as pessoas para a estrada [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]exta-feira, sábado e domingo, pelas 18h30, a Praça Iao Hon será palco de uma performance intitulada “Moon’s Light”, que traz para a rua o movimento e a acrobacia do Teatro Areia Preta. A companhia tem como público habitual as crianças, mas este fim-de-semana apresenta uma performance inspirada nas migrações. “É uma peça de teatro físico com muito conteúdo de acrobacia aérea”, desvenda António Martinez, director artístico da companhia e um dos performers que vai pisar o palco. Sendo mais específico, acrescenta que é “um espectáculo com muito impacto em termos visual, colorido, com muitos elementos de acrobacia, música e sem texto”. Não é de estranhar, uma vez que esta é a linha de trabalho normalmente trilhada pela companhia. A estética que lhes é mais familiar. Com a música e o movimento como panorama, a peça conta histórias de viagens constantes das nossas vidas, assim como as consequências e sentimentos que essas deambulações trazem às pessoas. “Moon’s Light” pretende reflectir o drama provocado pelo conflito sírio, as condições desumanas que os refugiados enfrentam. Através dos meios que caracterizam as actuações do Teatro Areia Preta – andas, acrobacias e multimédia – a peça apresenta ao público a fatalidade e as consequências da guerra, oferece catarse para os horrores dos conflitos e perspectiva um cenário de esperança. Este é um contexto importante para António Martinez. “O teatro não pode deixar de ser uma plataforma para empurrar o público a pensar na situação que estamos a viver”, explica. Para o director do Teatro Areia Preta, o activismo e a lucidez perante a actualidade é algo que naturalmente impregna a inspiração artística e a impele a transmitir uma mensagem ao público. “Mesmo que não estejamos directamente envolvidos, a crise dos refugiados é um problema global que afecta todos, e temos de nos posicionar. É por isso que é importante o teatro agitar a consciência crítica das pessoas”, revela António. Ao luar A performance “Moon’s Light” não se baseia unicamente na situação da Síria. O director da companhia explica que também os fluxos migratórios “dos países da América do Sul para o Norte, de África para a Europa. No fundo, as viagens de quem foge do conflito e da miséria em busca de um recomeço, de uma vida nova, “é o nexo de união da peça toda”, revela António Martinez. Outro dos elementos em destaque na apresentação será o próprio meio, a rua, assim como o público, bem diferente do convencional espectador de teatro. “Não é a mesma coisa apresentar uma peça no Centro Cultural, ou na praça Iao Hon”, explica o director da companhia. Esta não é a primeira vez que o Teatro Areia Preta toma as ruas como palco, aliás, há quatro anos apresentaram um espectáculo no mesmo local deste fim-de-semana. “Conhecemos os nossos públicos, temos alguns anos de experiência. O público da Praça Iao Hon é muito especial, são as pessoas que moram naquele bairro e que não frequentam salas de teatro”, conta António Martinez. O director e performer salienta que os espectadores da zona norte de Macau são, em regra, generosos, com grande entrega. Este tipo de espectáculo cria um tipo de feedback diferente entre quem o vê e quem o executa. “No palco de rua há um diálogo muito especial, porque o público tem uma frescura quase infantil, está a ver algo que não esperava, que agradece muito qualquer gesto”, explica. Normalmente, as peças do Teatro Areia Preta têm como as crianças como principais espectadores. Desta feita, o espectáculo, que decorre no âmbito do Festival de Artes de Macau, promete entreter e despertar consciências.