Rota das Letras | A pintura de Benjamin Hodges, entre a incompreensão e a contemplação

A exposição de pintura “Vou a Caminho do Meio Dia”, do artista e antropólogo Benjamin Hodges apresenta a visão de um estrangeiro a residir em Macau há 15 anos e as suas múltiplas tentativas de compreensão de um idioma e uma sociedade diferentes do seu lugar de origem. A mostra integra o cartaz do festival literário Rota das Letras

 

A primeira exposição individual de pintura do artista e antropólogo Benjamin Hodges é uma ode às múltiplas tentativas de compreensão de Macau. “Vou a Caminho do Meio Dia” [I’m Going to the Middle of The Day] integra o programa do festival literário Rota das Letras e está patente na Livraria Portuguesa até 6 de Novembro.

O título da exposição nasce da confusão das traduções automáticas nas redes sociais. “Quando os algoritmos de tradução automática nas redes sociais não conseguem identificar correctamente o significado de um texto em chinês, é adicionada a linha de espaço reservado predefinida ‘Vou a caminho do meio do dia'”. Benjamin Hodges partiu deste ponto de vista para tentar transmitir a sua própria incompreensão em relação ao espaço onde habita há 15 anos.

“Como americano a viver em Macau, um espaço multilinguístico, estou sempre dependente de várias formas de tradução para compreender as coisas. Então essa frase é uma espécie de metáfora para a minha própria condição, para tentar fazer sentido nos espaços onde estou”, contou ao HM.

Docente assistente da Universidade de Macau na área de Comunicação, Cinematografia, Media, e Estudos Culturais, Benjamin Hodges revela que a sua pintura inspira-se na sua própria história, vagueando entre diferentes géneros, como a paisagem ou o retrato.

Nesta mostra, “muitas das pinturas retratam espaços de Macau, espaços esses que estão agora transformados graças ao desenvolvimento radical [que o território tem tido nos últimos anos]. Podemos usar as mesmas técnicas antigas de pintura a óleo para pintar esses espaços, e fiz isso, mas claro que os espaços mudaram radicalmente”.

O autor diz ter usado, nos seus quadros, o género de ficção, mas com a classificação de ficção gráfica, “que é sobre os medos que temos em relação à paisagem”. “Aqui recorro um pouco à ideia dos espaços que são assombrados pelo passado”, acrescentou.

Desta forma, Benjamin Hodges acabou por retratar alguns lugares de Macau, mas com outros olhares e pontos de vista, não só relativamente aos espaços, mas também à incompreensão que muitas vezes existe sobre o território.

“‘Vou a caminho do meio-dia’ é uma expressão usada, de certa forma, face à perseverança [existente] em relação à incompreensão de ambientes diferentes. As cenas sobre a praia, ou as paisagens tropicais sem nome [que estão na exposição], são sobre locais onde nos podemos encontrar como turistas ou viajantes, que tentamos que façam sentido, mas onde há sempre uma espécie de incompreensão, uma falta de conexão. Estas pinturas não são apenas pinturas sobre Macau, mas sobre a condição de incompreensão, de procurar sentido em novos ambientes.”

Eterna mudança

No seu trabalho como artista, académico e antropólogo, Benjamin Hodges acaba por explorar relações humanas com diferentes realidades físicas e virtuais. Confessa que “Macau está sempre em mudança” e que é possível conhecer o território, faltando sempre algo mais para um conhecimento pleno. “Uma coisa é podermos interiorizar algumas verdades históricas, através da ficção de viagens ou da antropologia, para termos um sentido do espaço. Mas Macau tem um longo de historial de pessoas que chegam e tentam com que faça sentido. Cheguei em 2008 e tenho a minha própria história de Macau e as minhas próprias memórias.”

Assim, nas pinturas e escritos de Benjamin Hodges encontram-se sempre “coisas muito pessoais, mudanças que ocorreram devido à abertura do jogo, ao desenvolvimento do território e à transformação da paisagem”. Mas as reflexões sobre a mudança e as tentativas de compreender o que é diferente não se versam a Macau, pois todo o mundo enfrenta mudanças climáticas, exemplifica o artista. “Uma das coisas que tento fazer no meu trabalho como pintor e como antropólogo é pensar e interrogar não só essas histórias, mas considerar como elas formam as nossas ideias de como o futuro pode ser”, rematou.

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