Pintura | Anabela Canas expõe novas obras em Almada

“É a primeira vez que trabalho a partir da memória de Macau”

Pintora, ex-residente de Macau e habitual colaboradora do HM, Anabela Canas regressa às exposições, desta vez para participar num programa de eventos que celebra Fernão Mendes Pinto, o Oriente e Macau. “Da viagem que achasse, antes que chegasse a ela” vai estar patente, a partir de amanhã, no Centro Cultural Fernão Mendes Pinto, em Almada, Portugal

 

Como descreve estas obras que apresenta nesta mostra? São novos trabalhos ou faz uma retrospectiva do seu percurso artístico?

O conjunto de pinturas que vou expor é novo e feito especialmente para esta programação de eventos que tem como tema “Almada na Rota do Oriente – Macau”. Nunca faço retrospectivas do meu trabalho, pelo menos por agora. A minha mente não me dá descanso e pede sempre um percurso de passos em frente. Cada nova oportunidade alimenta esse meu desejo e serve-me de estímulo. Estes trabalhos foram feitos a partir de um certo conceito de viagem, com ligação às viagens de Fernão Mendes Pinto, de quem tinha precisamente, um pouco antes, adquirido [a obra] Peregrinação. E, também pelas diferenças que há na interpretação da obra, da veracidade ou fantasia com que as narrativas correspondem a uma vivência directa ou de ouvir contar, por parte de Mendes Pinto, foi-me surgindo a ideia de quanto na nossa memória é refeito e deformado pelo tempo, tornando os lugares por onde passamos ou que sonhámos conhecer, pouco objectivos e sintetizados em paradigmas isolados de um contexto. Esta é a primeira vez que trabalho a partir da memória de Macau e das pequenas viagens sem sair do lugar, e de algumas viagens pela China. Por outro lado, sendo este evento dedicado aos poetas de Macau, evocados num poema de Jorge Arrimar, integrei também a pintura: “Deste interior não sai ninguém”, pela feliz coincidência de ter chegado de Macau e posteriormente de Dakar. [Esta] é também uma outra viagem ao interior, do espaço do corpo, da casa e da poesia, dedicado a Camilo Pessanha, e que fiz para a celebração em Macau, dos 150 anos do poeta, numa iniciativa do Carlos Morais José e do jornal Hoje Macau.

Que grandes mensagens ou ideias pretende transmitir a quem vê os seus trabalhos?

Na verdade, não tenho a pretensão de transmitir grandes mensagens, ou grandes ideias. Centro-me muitas vezes em coisas pequeninas, mas que me parecem ter algum grau de empatia com as pequenas coisas que fazem a mundividência de outras pessoas. Sensações que o mundo visível provoca e que nos deixam, mesmo sem um discurso verbal sobre isso, situados num determinado modo de sentir a existência, por exemplo. Porque de fragmentos de tempo, muito circunscritos, no nosso dia, acontece-nos mergulhar numa ilusão de lucidez, da qual se pode extrapolar para uma dimensão filosófica, por exemplo. Por outro lado, gosto de encontrar nas coisas anódinas a vocação para a metáfora. Portanto todo este universo que me interessa, da luz, da permanência do rio, da impermanência, que é um outro lado das coisas, da finitude e do seu contrário, pode ser muito pequenino, ou muito cósmico, que são duas vertentes igualmente abismais para a contemplação.

Nos últimos meses tem-se debruçado sobre a escrita de crónicas, exercício que faz nas páginas do HM, juntamente com ilustrações da sua autoria. Trata-se de um exercício que complementa a sua prática como pintora?

Escrevo as crónicas semanais desde 2015. Nestes anos mais recentes não tenho conseguido manter essa regularidade dos primeiros anos, porque o tempo é sempre menos do que preciso para tudo o que me inunda. Escrevo desde criança e sem objectivos a mais do que a necessidade de diálogo interior, que as palavras, porque económicas e imediatas, sempre me trouxeram. Essa necessidade que também tenho de produzir imagens, e outras coisas como objectos, são parte de um todo, que eu sou, com uma certa dose de compulsão, em que é necessária a produção, e toda ela produz reflexão e mais palavras, e é uma espécie de válvula que é necessária. Ter sempre uma saída para o que me inunda a cabeça. E que é excessivo para ficar retido dentro dela.

Viveu em Macau. Que memórias guarda do seu percurso artístico no território e do panorama das artes na altura?

Vivi 11 anos em Macau e tenho a memória grata das oportunidades que tive, de ir desenvolvendo os primeiros passos no meu ofício, o que se devia a uma escala que permitia, mesmo a uma pessoa um pouco tímida e insegura, como eu era, uma maior proximidade com instituições e pessoas. Das quais este ofício depende para a normal visibilidade. Por outro lado, sempre tive que conciliar a pintura com o ensino e isso nunca foi fácil. Mas o panorama artístico não tinha o dinamismo que tem hoje.

De que forma é que a sua vivência em Macau lhe moldou, ou mudou, a prática da pintura e da criatividade em termos gerais?

Qualquer detalhe ínfimo, sabemos, pode alterar todo o curso de uma existência e nós não o conseguimos muitas vezes determinar. Por outro lado, também não sabemos quem seríamos se não fossemos este produto de tantas pequenas ou grandes escolhas. Macau foi a grande viagem que fiz, não só pela distância e pela diferença, mas também porque foi um relativo corte ao meio na minha existência de jovem adulta. Mudei-me para Macau, fantasiei muito, antes de ir, tal como me deixei impregnar de um paradigma de “oriente”, pela proximidade com a grande China enigmática e antiga. E esse paradigma, das viagens feitas e daquelas em maior quantidade, sem sair da minha janela em Macau, até hoje alimentam os meus devaneios “poéticos”, ao ponto de a eles ter voltado como temas a trabalhar para esta exposição. Por isso, tal como acredito que Macau me mudou e acrescentou, como a qualquer pessoa que tenha o privilégio de ver a vida por um ângulo diferente, também acredito que algumas das ideias estruturantes que passam no meu trabalho, não têm a ver com nenhum lugar em particular.

Programa preenchido

“Almada na Rota do Oriente” tem levado à cidade portuguesa, desde Outubro do ano passado, um conjunto de eventos e actividades que celebram as viagens de Fernão Mendes Pinto contadas na sua “Peregrinação”, onde Macau surge representado. Esta quinta-feira, além da inauguração da exposição de Anabela Canas, irá decorrer também a sessão de leituras “Tributo aos Poetas de Macau: doze (re)cantos do poema”, baseada num poema de Jorge Arrimar, também ele ex-residente em Macau, escritor e poeta. Nesta sessão participam ainda António Fragoso e Joaquim Ng Pereira, declamador de poesia em patuá, docente deste dialecto e responsável pela Oficina de Patuá Macaísta do Centro Científico e Cultural de Macau.

13 Mar 2024

China-Brasil | 50 anos de relações diplomáticas e uma pedra no sapato

Este ano celebram-se os 50 anos das relações diplomáticas entre a China e Brasil, mas persiste uma lacuna: a não adesão do Brasil à iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”. Daniel Cardoso, da Universidade Autónoma de Lisboa, justifica a posição com o potencial custo em termos de política externa, mas salienta a boa relação com Pequim independentemente da força política prevalente em Brasília

 

Há muito que China e Brasil mantêm uma forte ligação comercial e até partilham muito do espaço internacional por pertencerem ao chamado grupo dos BRICs, o conjunto das economias emergentes com maior potencial de desenvolvimento. Contudo, no ano em que se celebram 50 anos das relações diplomáticas entre as duas nações, há uma lacuna: o Brasil continua sem aderir à iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, tida como fundamental na política externa chinesa.

Na sessão de segunda-feira das conferências da Primavera do Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), o académico Daniel Cardoso, da Universidade Autónoma de Lisboa, deixou algumas pistas sobre o assunto: uma das razões para a não adesão poderá estar relacionada com factores políticos. As ideias foram abordadas na palestra “A iniciativa faixa e rota na América Latina: O caso do Brasil”.

“Por perceberem que este é um grande custo político em matéria de política externa, as autoridades brasileiras acabaram por não aderir. Parece-me que esta razão, aplicada ao Brasil, aplica-se também aos restantes países que não aderiram”, defendeu. “Assinar o memorando da iniciativa será, sobretudo, um acto político”, acrescentou.

“Como um memorando não tem um valor jurídico claro, pois não vincula países, por não ser um tratado, sendo meramente um gesto para as audiências internacionais, penso que as autoridades brasileiras não aderem à iniciativa porque não querem assumir o custo do alinhamento [com a China]. Quando há uma disputa hegemónica entre EUA e China, o Brasil, que se vê como grande potência, não quer dar o sinal de perda de autonomia, de flexibilidade”, frisou ainda o académico.

Uma certa pressão

Daniel Cardoso não deixou de denotar que, da parte das autoridades chinesas, parece existir “uma pressão” para que o Brasil adira à iniciativa que tem corrido o mundo. “Sendo um acto simbólico, para a China é algo importante. Parece ser algo incómodo nessa relação o facto de o Brasil não aderir.”

Colocando esta matéria como ponto de partida para uma futura investigação académica, pelo facto de a não adesão ter um lado “surpreendente”, o docente disse ainda que “é preciso perceber o que esse símbolo [a adesão à iniciativa] representa para a China”.

“Provavelmente, isso tem a ver com o facto de a adesão do Brasil, um país importante, trazer um novo fôlego. Passaram dez anos desde a sua implementação, já muitos países aderiram, alguns não o fizeram, e se isso não aconteceu pode haver uma nova vaga de adesões e um revigorar da iniciativa. Não sei se o Brasil está disposto a fazer isso, e duvido muito que tal aconteça.”

Daniel Cardoso destacou ainda que, depois de uma primeira fase de divulgação da política e de adesões de vários países, incluindo Portugal, a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” entrou agora numa fase de reflexão.

“Há que pensar a quem ‘Uma Faixa, Uma Rota’ se destina. Chegámos a um ponto de saturação da iniciativa, pois todos os países que poderiam aderir já o fizeram ou estão perto de o fazer. Esse factor poderá causar, junto das autoridades chinesas, algum tipo de apreensão. Estamos, assim, numa segunda fase, em que cabe à China a gestão de expectativas que foram iniciadas e que podem não ter sido cumpridas.”

Os sinais recentes

Muito recentemente, em Outubro de 2023, o Presidente chinês, Xi Jinping, deixou mais um sinal. O dirigente defendeu que a China e Brasil devem apoiar-se firmemente face à “situação turbulenta” que o mundo atravessa, durante um encontro em Pequim com o presidente da Câmara dos Deputados brasileira, Arthur Lira.

Xi Jinping garantiu ainda que “Uma Faixa, Uma Rota”, o gigantesco projecto internacional de investimento e construção de infraestruturas promovido por Pequim, é “altamente compatível com a reindustrialização e o programa de aceleração do crescimento do Brasil”, e propôs usar essa “sinergia” para facilitar o desenvolvimento brasileiro e o processo de modernização da China, segundo a agência noticiosa oficial Xinhua.

As autoridades brasileiras dizem ter um acordo de relações estratégicas com a China em vigor há 30 anos que já serve para todo o tipo de acordos bilaterais. De frisar que o Presidente brasileiro Lula da Silva defendeu o aprofundamento dos laços com o país “além do interesse comercial”, tendo aceitado o desafio de proteger o “verdadeiro multilateralismo” que a China apoia para apostar na ligação das economias e dos mercados brasileiros e chineses contra a dissociação defendida pelos Estados Unidos.

Esta ideia vem de encontro ao que Daniel Cardoso também afirmou na segunda-feira, em Lisboa: a ideia de que, independentemente dos partidos, todos os dirigentes brasileiros estão dispostos a dialogar com o seu homólogo chinês. “Poderemos apontar um factor ideológico [para que não haja adesão]. Mas vemos que, independentemente da cor política do Governo, todos estes líderes [brasileiros] têm uma característica comum: gostam de apertar a mão a Xi Jinping. Isso mostra que a questão ideológica não é a principal razão para o Brasil não ter ainda aderido formalmente à iniciativa.”

O académico destacou também alguns pontos que vão de encontro à posição oficial já assumida pelo Brasil. “Quando olhamos para dados concretos, percebemos que a relação do Brasil com a China, em termos comerciais, é muito significativa. A China é o principal parceiro comercial do Brasil desde 2009, mas o Brasil é cada vez mais um dos principais parceiros comerciais da China. Em 2022, o Brasil foi o quarto país do mundo com maior saldo comercial com a China.”

Por sua vez, “na relação económica e financeira vemos que se aprofunda cada vez mais, pois os investimentos chineses que, a partir de 2010, começaram a aumentar, muito concentrados na dimensão energética, têm-se vindo a diversificar nos últimos anos. Temos hoje as empresas chinesas a participar em vários sectores da economia brasileira. A China continua com uma forte presença na energia, mas temos também investimentos na indústria automóvel, no sector financeiro e área dos transportes”, rematou.

No contexto da América Latina, em que o Brasil é uma das principais economias, estranha-se esta não adesão. “A China ainda não é o principal parceiro comercial do continente, esse lugar está ainda reservado para os EUA, mas isso acontece pelo peso comercial que o México tem com este país. Tirando o México dessa equação, a China já é o principal parceiro comercial. Na sub-região da América do Sul, a China já aparece como a primeira parceira comercial. Fazia, assim, todo o sentido que a iniciativa se estendesse, também, à América Latina.”

Desta forma, o processo de adesões a “Uma Faixa, Uma Rota”, iniciado para todo o mundo em 2018, já chegou a 22 dos 33 países deste continente e também da região do Caribe. A “notória excepção” continua a ser o Brasil.

13 Mar 2024

Pátio da Claridade | Zona vai ser revitalizada com restaurantes

O grupo Lek Hang anunciou ontem, em comunicado, que vai apostar no projecto de revitalização do Pátio da Claridade, na Barra, conectando-se com outras ruas históricas da zona, nomeadamente a Rua do Almirante Sérgio, Rua da Praia do Manduco, Travessa da Assunção e Pátio de Hong Fat. Só o Pátio da Claridade, de matriz arquitectónica chinesa, tem 48 edifícios residenciais históricos já em fase de degradação.

Citado por um comunicado, Sio Chong Meng, fundador do grupo, disse que a empresa “não irá poupar esforços na promoção da revitalização e requalificação dos bairros antigos de Macau no futuro”, além de continuar a “prestar atenção ao desenvolvimento sustentável da indústria turística”. O projecto de revitalização destas zonas na Barra visa tornar-se num corredor com vários espaços ligados à gastronomia, tornando-se numa iniciativa de promoção do “turismo gourmet e de lazer”.

O grupo entende ainda que este projecto irá “injectar vitalidade nas zonas urbanas antigas, constituindo um exemplo para outros investidores e contribuindo para a diversificação da indústria turística de Macau”.

Relativamente à renovação do Hotel Central, também da responsabilidade do Lek Hang, está concluída, prevendo-se, para os próximos meses, a conclusão das burocracias relacionadas com o licenciamento e início de operações experimentais do empreendimento. De destacar que o histórico hotel, agora renovado, estará conectado com o projecto do Pátio da Claridade, que será “uma rua com dezenas de restaurantes especiais” e alojamento, a fim de se tornar “numa referência [de revitalização] dos bairros antigos do Porto Interior”.

12 Mar 2024

Funcionário da UM condenado a pena de prisão efectiva

Um antigo assistente administrativo da Universidade de Macau (UM), ligado a processos de obras, foi condenado pelo Tribunal de Segunda Instância (TSI) a cumprir uma pena de prisão efectiva de dois anos e seis meses após ter sido condenado, em primeira instância, a dois anos de prisão, com pena suspensa por um período de três anos.

Após a decisão do Tribunal Judicial de Base, decidiu o Ministério Público recorrer por não concordar com a sentença. Agora, e segundo o acórdão ontem divulgado, o TSI entende que a primeira pena decretada é “manifestamente leve” tendo em consideração “a personalidade do recorrido [o funcionário], a circunstância da prática dos crimes e o comportamento manifestado anterior e posteriormente aos crimes”.

Acrescenta-se no acórdão que “a suspensão da execução da pena de prisão imposta ao recorrido não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, além de que “não satisfaria as exigências da prevenção especial”.

Esquema desmontado

O caso remonta a Fevereiro de 2011, quando o arguido agora condenado foi contratado pela UM para trabalhar como assistente administrativo na “divisão de obras” do Departamento de Gestão e Desenvolvimento do Complexo Universitário da UM. Em Janeiro de 2019, o homem passou a administrativo da mesma divisão.

Em causa, estava a realização de duas obras, uma delas a construção de colégios residenciais, tendo o arguido “aproveitado as vantagens resultantes do seu cargo” para a prática dos crimes de violação de segredo, abuso de poder e falsificação de documentos.

O homem criou uma empresa de engenharia juntamente com mais dois sócios, tendo criado propostas para o concurso público ajustadas a essa empresa. O arguido, aproveitando-se da posição que tinha na UM, teve acesso privilegiado aos “critérios de avaliação das propostas”, tendo usado “o computador da UM para elaborar uma proposta compatível com os critérios de avaliação das propostas e mais vantajosa, o preço da proposta e os respectivos documentos”. A adjudicação foi feita a uma empresa associada a este esquema, tendo a empresa criada pelo funcionário ficado ligada ao projecto como subempreiteira.

O TSI entende que se violaram “as atribuições e os deveres de funcionário público”, o que causou “prejuízos aos interesses públicos ou a terceiro” e afectou gravemente o prestígio da Administração e a justiça do regime de concurso para obras públicas”.

12 Mar 2024

António Monteiro, presidente da Associação dos Jovens Macaenses: “É necessário dar lugar às novas caras”

Decorre hoje, na Fundação Rui Cunha, o debate que pretende ir além da questão comum do lugar da identidade macaense e antes olhar para o papel ou o contributo desta etnia no Macau dos nossos dias. “Creative Dialogues & Discovery with Macanese” é organizado pela Associação dos Jovens Macaenses. O seu presidente, António Monteiro, considera fundamental chamar as novas gerações e tentar fazer diferente para que a comunidade não se dilua

 

Que objectivos pretendem atingir com este evento?

Anteriormente foi promovida, por diversas vezes, a discussão sobre a identidade macaense, mas desta vez achámos mais pertinente mostrar novas caras, falar sobre os macaenses, e também falar da situação corrente de Macau, pois decorreram muitas alterações depois da pandemia e surgiram novas abordagens no território, com as ideias de [construção] de um centro mundial de turismo e lazer, a plataforma comercial que Macau é entre a China e os países de língua portuguesa, mas há agora novas vertentes como a cidade criativa de gastronomia, a integração de Macau em Hengqin, e a ligação de Macau como centro de espectáculos e de desporto, além de toda a riqueza patrimonial que já existe. Gostava que, através da sessão, promover novos diálogos e fazer um brainstorming que pode levar a novas abordagens e dúvidas sobre a forma de os macaenses contribuírem para a sociedade. É importante que o público participe para que haja uma maior interacção de ideias, incluindo as comunidades portuguesa e chinesa. Queremos abranger todo o tipo de público, para que se possa fomentar todo o tipo de ideias e medidas.

Uma das grandes questões é o lugar que a comunidade macaense terá face a todas estas alterações que Macau está a sofrer. Como é que esta se pode ir adaptando, sobretudo no que diz respeito às novas gerações?

É um grande desafio. Não posso obrigar as pessoas a fazerem parte do associativismo, mas é preciso que as pessoas compreendam que este pode levá-los a projectar não apenas a comunidade, através da gastronomia ou do teatro em patuá, que são reconhecidos pela República Popular da China e por Macau, mas existe um networking [rede de contactos] bastante abrangente dos macaenses, desde a música, às artes, a literatura. A comunidade mais jovem tem de perceber que esse contributo é muito relevante. Recorrendo a várias associações podem elevar a contribuição da comunidade macaense a um outro patamar, e têm de estar integrados e expor-se, devem propor-se ideias diferentes para esta Macau que está cada vez mais evoluída. A questão do macaense centrou-se sempre na adaptação à realidade, e, ao mesmo tempo, propor novas celebrações que não sejam apenas viradas para o passado. Convidámos o Giulio Acconci por ser uma figura presente na música, e depois temos o Fernando Lourenço, que é professor assistente do Instituto de Formação Turística. Procurámos ter um debate entre os dois que conseguem transmitir perspectivas sobre a actual situação de Macau, sem que se aborde muito a questão identitária. É necessário ter uma partilha mais objectiva e concreta do que eles querem ou desejam de Macau.

Quando a comunidade macaense organiza eventos para falar de si mesma, recorre sempre aos elementos do patuá ou gastronomia. É necessário inovar também na afirmação da comunidade?

Relativamente à parte linguista, fomos sempre os mediadores das culturas em Macau, sobretudo a chinesa e a portuguesa. Com o desenvolvimento de Hengqin e da Grande Baía, temos de ter em conta que não nos podemos apenas focar no lado de Macau, pensando também nas vertentes desse outro lado. Devemos usar a cultura para a diversificação económica que o Governo deseja. Temos de fazer parte, mas não podemos deixar de reflectir que a cultura é importante, que faz a diferença em Macau. A existência da diáspora macaense, e felizmente temos este ano o Encontro dos Macaenses, que vai voltar a trazer novas componentes e pessoas, para fomentar a existência de uma comunidade que não se fixa apenas nos avós e nos pais.

Que expectativas tem para a edição do Encontro este ano? Podem esperar-se ideias concretas?

O Encontro vai, certamente, dar um contributo importante, porque acho que vai marcar a retoma após os anos de pandemia, em que tudo ficou um pouco parado. Certamente este Encontro vai ser a prova da exigência do futuro e aquilo que o macaense pretende fazer daqui para a frente. Da minha parte, como presidente da Associação dos Jovens Macaenses, propus actividades para o programa, e de certa forma é uma interacção dos jovens com os mais séniores, e é importante procurar o passado, mas com palestras e convívios aparecerem novas perspectivas. O programa não está oficializado e não posso divulgar ainda [a versão final], mas levámos a nossa proposta ao doutor Sales Marques, e posso afirmar que vai continuar a haver sessões culturais que explicam o passado e o futuro.

Há uma falta de liderança cívica e associativa na comunidade macaense?

Não diria que há falta de liderança, mas creio que é preciso haver uma sensibilidade para começar a apostar em caras novas. Haverá o dia em que eu também vou começar a ficar velho, e é preciso haver a noção de que o associativismo é algo em constante mutação e que deve dar sempre lugar aos mais novos. Temos de preparar sempre essa geração nova para liderar. Estou convicto de que daqui a menos de uma dezena de anos me vou retirar [da liderança da AJM], e é preciso que os mais novos possam pegar nas associações e continuar a dar o contributo ao legado macaense. Existem já associações firmadas e estabelecidas ao nível da cultura e da gastronomia, por exemplo, e acho que é necessário começar a dar lugar às novas caras.

Considera que a identidade macaense estará devidamente protegida nos novos projectos de renovação dos bairros antigos desenvolvidos em parceria com as operadoras de jogo?

Vejo essa questão de uma maneira mais positiva. O Governo entende que tem de se estabelecer o encontro entre o oriente e o ocidente, que é, precisamente, o lado especial de Macau, incluindo a parte da cultura macaense. A parte essencial é como deve ser trabalhado tudo isto. Tem-se visto, aos poucos, que é necessário incluir a participação da sociedade civil, e temos o exemplo comum da interacção da tuna macaense, por exemplo, ou do grupo de folclore da Ana Manhão Sou, ou a presença da gastronomia macaense em muitos eventos. É, no entanto, muito cedo para falar sobre isto, porque só vimos os eventos na Rua da Felicidade e na Taipa. Teremos de ver o que vai acontecer, por exemplo, junto à Ponte 16. As concessionárias têm de contar sempre com as associações e a parte comunitária, porque eles é que conhecem a história de cada bairro, e podem depois introduzir-se novos elementos com a sua ajuda. Creio que o Instituto Cultural está bastante atento e deve manter esta identidade. Esperamos que continue a existir, para não que não se diluia a faceta histórica e identitária de Macau.


“Conversa entre macaenses”

Não é novo o debate sobre o lugar do macaense, mas da sessão que decorre hoje, a partir das 18h30, na Fundação Rui Cunha, esperam-se ideias diferentes quanto ao presente e futuro. Fernando Lourenço é professor do Instituto de Formação Turística, enquanto Giulio Acconci é um filho da terra e músico bem conhecido. Paula Carion, macaense, rosto presente no associativismo da comunidade e atleta, vai moderar a sessão. A nota de imprensa divulgada fala dos “desafios num futuro próximo” de uma Macau que quer afirmar-se como “Centro Mundial de Turismo e Lazer” ou “plataforma entre a China e os países de língua portuguesa”, e considerada Cidade Criativa de Gastronomia da UNESCO. Não se ignora a crescente integração do território na ilha de Hengqin e na Grande Baía, ou ainda a aposta em elementos como a “Cidade de Espectáculo” e “Cidade do Desporto”, com um “rico património material e imaterial”. “O que está por vir para Macau e para as gerações futuras?”, é a questão deixada pela organização.

12 Mar 2024

CCCM | Lançada obra “Olhar Macau pelos Livros”

Para descobrir um território basta, muitas vezes, abrir a página de um livro. Foi a pensar nisto que Jorge Tavares da Silva e Carmen Amado Mendes avançaram para a coordenação da obra “Olhar Macau pelos Livros”, convidando diversos autores, nomeadamente Celina Veiga de Oliveira ou o antigo Governador Garcia Leandro para escreverem sobre obras que nos revelam Macau. O livro foi lançado este sábado no Centro Científico e Cultural de Macau

 

Depois da experiência editorial de “Olhar a China pelos Livros”, eis que volta a ser lançada uma edição que permite conhecer melhor Macau através de diversas obras e autores, seja na poesia, romance ou história. “Olhar Macau pelos Livros” é coordenado pelo académico Jorge Tavares da Silva, professor auxiliar da Universidade da Beira Interior, e Carmen Amado Mendes, presidente do Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM). Esta entidade acolheu, no sábado, o lançamento da obra, que conta ainda com apoios na edição da Universidade de Macau e Fundação Casa de Macau, integrando-se na colecção “Língua e Cultura”.

Na apresentação, Jorge Tavares da Silva descreveu o projecto como sendo “um trabalho colectivo que nasce de uma ideia inicial”, que é convidar outros a escrever sobre livros que revelem pedaços de um território tão particular.

“Temos, desta vez, mais de 16 autores que enriqueceram [a obra] com os seus pontos de vista e o objectivo é o mesmo do início. Quando se entra no mundo da China e de Macau há muitas formas de se entrar nele: pode ser o acaso, alguém que encontra um trabalho, o entusiasmo de procurar, ou então de uma forma muito simples, através dos livros, que foi a forma como eu me iniciei na China. Tive curiosidade por esses livros que nos trazem mundos que vamos descobrindo, e foi assim que me entusiasmei pelos assuntos da China. Sou apaixonado por livros, e eles trazem-nos formas de olhar, interpretações, visões, experiências de outras épocas e tempos. Há um paralelismo entre aquilo que os livros nos dão e o que vamos descobrindo”, descreveu o co-coordenador.

Com autores como Celina Veiga de Oliveira, historiadora, o poeta e académico Yao Jingming, ou o advogado Miguel de Senna Fernandes, “Olhar Macau pelos Livros” tem “excelentes textos, diferenciados, enriquecedores”. Esta é, também, uma obra “que nos serve para incitar à leitura, porque muitos leitores provavelmente não conhecem alguns dos autores e, assim, passam a conhecer”, adiantou Jorge Tavares da Silva.

De Deolinda a Pessanha

Naquele que pretende ser um “exercício de observação, reflexão e análise” sobre a forma como se escreve ou conta o território, encontram-se textos do antigo Governador de Macau Garcia Leandro, que decidiu debruçar-se sobre o autor Rodrigo Leal de Carvalho e as obras “Ao Serviço de Sua Majestade” e “Requiem por Irina Ostrakoff”. Joaquim Ng Pereira, grande dinamizador do patuá em Portugal, e declamador de poesia neste dialecto macaense, optou por escrever sobre a análise feita por Roberto Carneiro, ex-dirigente da Fundação da Escola Portuguesa de Macau, e outros autores, que em 2019 lançaram a obra “O Macaense – Identidade, Cultura e Quotidiano”.

Mas em “Olhar Macau pelos Livros” existem também os romancistas e poetas mais ligados a Macau, como é o caso de Henrique de Senna Fernandes, cuja obra “Nam Van – Contos de Macau” é analisada por Ana Cristina Alves, coordenadora do programa educativo do CCCM. Não falta também a análise ao livro “Os Dores”, que tão bem descreve a Macau antiga, no conflito entre as zonas cristã e chinesa da cidade, da autoria de Senna Fernandes. Este texto é da autoria da também escritora Maria Helena do Carmo. Rita Assis Ferreira, advogada, escreve ainda sobre “Amor e Dedinhos de Pé”, outra obra bem conhecida do autor macaense.

Francisco José Leandro, académico da área da ciência política e relações internacionais, optou por olhar à lupa a obra “Cheong Sam – A Cabaia”, da reputada escritora macaense Deolinda da Conceição.

Finalmente, não falta o nome de Camilo Pessanha, nome maior da poesia simbolista portuguesa, que viveu em Macau grande parte da sua vida e que está sepultado no cemitério de S. Miguel Arcanjo. “Camilo Pessanha num Quarteto” é o título do contributo de Yao Feng, pseudónimo literário do académico Yao Jingming, ligado à UM.

Numa vertente mais académica, destaque ainda para a análise, da parte de Leonor Diaz de Seabra, da última obra de António Manuel Hespanha, “Filhos da Terra”, que olha, precisamente, para as comunidades de lusodescendentes espalhadas pela Ásia, fruto da expansão marítima portuguesa.

11 Mar 2024

Pedro Steenhagen, académico: “Há interesse em manter a identidade híbrida na RAEM”

Académico na Universidade de Fudan, Pedro Steenhagen analisou em “Convergindo com a Pátria – O papel da identidade nas crescentes interações políticas entre Macau e a China continental” a ideia de maior convergência de Macau em relação aos ideais da China e à vontade da preservação de uma identidade híbrida no território. O trabalho foi apresentado este sábado no Centro Científico e Cultural de Macau no âmbito do ciclo “Conferências da Primavera”

 

Porque decidiu estudar estas questões da identidade nas duas regiões administrativas especiais chinesas?

Ao longo dos meus estudos sobre a China comecei a prestar mais atenção nas questões de Macau e do relacionamento do Brasil com os países de língua portuguesa. Concluí que o Brasil não olhava para Macau, e que havia um “gap” muito grande de conhecimento no Brasil sobre a China em geral e Macau em específico. Isso me instigou a iniciar mais investigações sobre Macau. No âmbito do doutoramento de política internacional que faço na Universidade de Fudan, decidi ver porque é que há tantos atritos entre Hong Kong e a China e não tanto no relacionamento político entre Macau e a China. Um dos factores com que me deparei foi a questão da identidade, o papel e o impacto que tem. Usei dados de inquéritos realizados pela Universidade de Hong Kong (UHK) e um desses dados é, precisamente, o de confiança política e identidade nas duas regiões administrativas especiais. Comecei a escrever este artigo em 2022 e decidi esperar mais um ano por uma actualização de dados devido à covid, para não colocar dados de 2019.

Fala, neste trabalho, de uma “identidade local, flexível e não exclusiva, o que proporciona uma maior continentalização e uma maior estabilidade política” em Macau. Que factores contribuíram para esta identidade? A Administração portuguesa contribuiu para isso, por exemplo, com a sua filosofia política e modos de governar?

Sem dúvida. De maneira consciente ou não, e por conta do processo histórico diferenciado que aconteceu em Macau, não houve uma nova localização de administração política como aconteceu em Hong Kong. Até do ponto de vista linguístico vemos isso, porque o inglês é mais presente do que o português. Claro que em termos de gastronomia e arquitectura Portugal está ainda muito presente [em Macau]. Um ponto fundamental dessa diferença, e que resulta nesta identidade híbrida e flexível, é o facto de, ao longo do processo histórico, não ter havido conflitos directos de grande escala entre Portugal e China. O que aconteceu em Macau foi que, na prática, houve uma governação dupla entre os dois países, nunca houve uma dominância total, da parte de Portugal, em relação a Macau. Mesmo a partir do século XIX, quando Macau se torna oficialmente colónia portuguesa, Portugal sempre manteve boas relações com a China, e os chineses sempre mantiveram uma grande relevância na região. O processo foi diferente em Hong Kong, pois o Reino Unido dominou mais na região e houve atritos [com a China] ao longo do percurso histórico. Isso fez com que a identidade [local] de Hong Kong se tenha tornado mais forte. Essa identidade flexível que se criou em Macau é observada até do ponto de vista do Governo macaense. Há uma busca para que as pessoas de Hong Kong se identifiquem mais com a China, mas não vemos isso em Macau, porque segundo o inquérito da UHK, os dados da identificação como chinês e como local de Macau são muito parecidos, daí essa ideia de identidade híbrida. Vemos essa abertura da parte da China para que as pessoas em Macau possam valorizar essa história colonial. Isso parte tanto da China continental como do próprio Governo macaense, legitimando-se, assim, essa identidade híbrida.

Fala também da existência de crescentes afinidades com a China, e do facto de Macau aceitar mais essa convergência com a política do país. Que exemplos pode dar?

O primeiro em relação à legislação da segurança nacional. Vimos que em Hong Kong isso gerou um grande debate, até do ponto de vista internacional. Isso não aconteceu em Macau. Há também o ponto de vista histórico, porque o povo local é considerado politicamente mais apático e menos participativo. Essas questões com a China continental são menos promovidas e cultivadas no âmbito político. Em Hong Kong, sempre houve um maior incentivo à participação política. Em 1997, a população de Hong Kong, um território já com presença internacional e com uma economia forte, depara-se com uma problematização, porque já se viam como um território com capacidade política, e vê-se aí a possibilidade de perda dessa participação política. Em Macau, viveu-se um momento contrário, pois desenvolve-se mais a partir de 1999, torna-se num hub importante a nível internacional devido aos casinos e vê muitos ganhos com o regresso da administração à China. Não é à toa que surge a ideia, da parte do Governo chinês, da criação do Fórum Macau, pois é uma legitimação como as relações entre Macau e China, com a valorização da história, é válida aos olhos da China. A Lei Básica trouxe direitos fundamentais que antes não estavam tão previstos na legislação local. Macau acabou se tornando num exemplo da política “um país, dois sistemas”, o que é muito importante para a China, promover essa ideia de sucesso.

Há, portanto, uma “incorporação e uma não repressão dos elementos locais e internacionais de identidade”. Isso passa-se também com a comunidade macaense?

Essa incorporação das variadas identidades, locais, regionais e internacionais, é extremamente relevante. A ideia é que Macau continue a valorizar essa diversidade de identidades que possui. Mas isso é também uma ideia política que não é apenas encarada do ponto de vista da identidade. É interessante politicamente, para Macau, que o território se venda como um local onde diferentes culturas se encontram, onde há uma identidade híbrida. Mesmo que parte da identidade portuguesa se perca, não deixamos de falar da importância de Macau na lusofonia. A questão da identidade não tem tanto como controlar porque faz parte do processo histórico, então o que o Governo central tenta fazer é dar abertura para que essas identidades se expressem e que permaneçam ao longo do tempo. O Governo tem interesses económicos e políticos para que se mantenha esta identidade híbrida na RAEM.

Como prevê 2049, nesse contexto de identidade híbrida?

Do ponto de vista de Macau penso que não haverá grandes problemas. Isso foi demonstrado nesse movimento de continentalização em relação à China. Haverá petições ou algumas questões, algo natural desse processo que já é esperado, pois haverá mudanças mais definitivas, mas não vejo problemas graves como aconteceu em Hong Kong. As pessoas em Macau mantiveram a estabilidade, não houve mudanças bruscas ao longo desse período. Estas continuam a identificar-se como chineses ou macaenses e são identidades que continuam a conviver em harmonia. A esperança é que a China continue a promover uma assimilação contínua para que se chegue a 2049 e não haja conflitos tão grandes. [Em relação ao futuro], a região da Grande Baía pode ser um ponto interessante para promover uma maior interacção nas relações entre o Brasil e Portugal com a China, nesse triângulo. Em 2024 celebram-se os 50 anos da relação entre o Brasil e a China e está mais do que na hora de Portugal e o Brasil começarem a falar mais sobre o país, e do Brasil dar mais atenção ao Fórum Macau. Macau passa muito por essa relação e tem um potencial ainda intocado nesse triângulo.

11 Mar 2024

População aumenta 1,6 por cento devido a TNR

A população total de Macau foi, no ano passado, de 683.700 pessoas, um aumento de 1,6 por cento, ou seja, mais 10.900 pessoas, devido ao aumento do número de trabalhadores não residentes (TNR) no território, que aumentaram em 7.500.

Os dados foram ontem divulgados pela Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC) e revelam ainda que as mulheres representam 53,4 por cento da população total, sendo que, pela primeira vez, “a população idosa ultrapassou a população jovem, tendo o índice de envelhecimento aumentado significativamente para 106,1 por cento”. Ainda no que diz respeito à população idosa, os dados da DSEC revelam que a dependência destes foi de 24,8 por cento, um aumento de 1,7 por cento, o que faz com que, na prática, quatro adultos sustentem um idoso.

Olhando apenas para a população local, ou seja, sem os TNR, foi de 571.200 pessoas em 2023, um aumento ligeiro de 0,1 por cento em termos anuais. Além disso, o número de agregados familiares de Macau totalizou 204.400, mais 700 em termos anuais. No ano passado nasceram menos 632 crianças, com o registo de 3.712 novos nascimentos, verificando-se uma quebra da taxa de natalidade em 5,5 por cento, o que dá uma média de cinco nascimentos por cada mil habitantes.

Cancros e mortalidade

Os números oficiais falam também da manutenção da taxa de mortalidade, na ordem dos 4,4 por cento, sendo que os tumores malignos dominam a lista das causas de morte, com 873 óbitos, correspondentes a 29,3 por cento do total. Seguiram-se, em 2023, casos de pneumonia, que originaram 356 mortes, 11,9 por cento do total, e 333 casos de origem cardíaca, que geraram 11,2 por cento de mortes no seio da população.

Quanto aos movimentos da população, no ano de referência existiam 3.416 indivíduos do Interior da China recém-chegados a Macau titulares do chamado “salvo conduto singular”, um aumento de 1.113 em termos anuais, tendo ainda sido concedida a residência a 878 pessoas, mais 321 face a 2022. A grande maioria dos novos residentes da RAEM, 362 pessoas, é oriunda de Hong Kong.

Além disso, o número de casamentos registados no ano 2023 foi de 3.168, mais 441 em relação a 2022. A mediana da idade do primeiro casamento dos homens foi de 31,2 anos, enquanto das mulheres foi de 29,5 anos, ambas com um aumento de 0,3 anos. Os divórcios foram, no ano passado, 1.299, mais 193 face ao ano anterior, tendo a taxa de divórcio sido de 1,9 por cento.

8 Mar 2024

Eleições em Portugal | Quem é quem no Círculo Fora da Europa

Depois do voto antecipado para as eleições legislativas portuguesas nos últimos dias de Fevereiro, os portugueses preparam-se para regressar às urnas este domingo. No Círculo Fora da Europa, existem 16 opções na lista de candidatos. Em Macau, a votação está marcada para o Consulado-Geral de Portugal em Macau e Hong Kong no sábado e domingo

 

Portugal vai a votos este domingo para eleger o novo elenco da Assembleia da República (AR) e um novo Governo. Os emigrantes votam pelo Círculo da Europa e Fora da Europa para escolherem apenas quatro deputados de um total de 230 que compõem a AR, dois por cada círculo eleitoral, existindo ainda 20 círculos eleitorais respeitantes aos 18 distritos de Portugal e dos Açores e Madeira, as duas regiões autónomas.

Recorde-se que as autoridades portuguesas permitiram votar antecipadamente entre os dias 25 e 29 de Fevereiro, tendo cada embaixada e consulado enviado o voto dos cidadãos emigrados por correio para Lisboa. Este fim-de-semana, tanto nos círculos da Europa como Fora da Europa, a votação decorre entre as 8h e as 19h locais de sábado, e no domingo entre as 8h locais e as 20h de Lisboa, sem que se ultrapassem as 19h locais de votação.

Em Macau, como é habitual, a votação será no Consulado-Geral de Portugal em Macau e Hong Kong, no sábado e domingo, entre as 08h e as 19h.

Um total de 16 partidos concorrem nestas eleições, apresentando por cada círculo da emigração dois candidatos efectivos e dois suplentes. Recorde-se que o círculo eleitoral Fora da Europa ficou recentemente marcado pela polémica após o então deputado Maló de Abreu, eleito pelo Partido Social Democrata (PSD), ter anunciado a saída do partido e possível candidatura, pelo mesmo círculo eleitoral, para ingressar no Chega. Contudo, uma investigação jornalística que revelou irregularidades na sua declaração de residência e rendimentos levou este partido a retirar o convite ao médico de Coimbra. O HM apresenta a lista completa dos cabeças de lista por todos os partidos, consoante a ordem que consta nos boletins de voto.

 

Alternativa 21 MPT.A – Coligação Partido Aliança – MPT (Movimento Partido da Terra)

Nuno Durval, de 48 anos e técnico superior de educação, é o candidato pelo Círculo Fora da Europa, na lista liderada por José João Correia Nóbrega Ascenso. Esta coligação defende a criação de uma rede de Balcões do Cidadão, que funcione em território nacional e “junto das representações diplomáticas portuguesas acreditadas no estrangeiro, utilizando os recursos públicos já existentes”. O objectivo é proporcionar “serviços mais expeditos aos emigrantes que tenham assuntos a tratar em Portugal, mas que, por falta de tempo ou por dificuldades económicas, não se possam deslocar [ao país] para tratar de assuntos relacionados com questões fiscais, patrimoniais, serviços bancários e seguros, serviços postais, de luz, água e outros relativos às suas habitações”.

ADN – Alternativa Democrática Nacional

Paulo Nunes, cabeça de lista, saiu de Portugal há mais de 33 anos, vivendo actualmente no Brasil. O ADN descreve-o como “um reconhecido comunicador internacional e pastor evangélico”, falando ainda da “necessidade de proteger os direitos dos nossos emigrantes”, algo “vital” para que “a diáspora portuguesa não se sinta abandonada como tem sido nas últimas décadas”. O ADN acrescenta que “tem recebido o apoio de uma grande parte dos emigrantes que defendem os nossos valores, costumes e tradições”. Na lista de suplentes consta o nome de Fernando Caldeira da Silva, que actualmente reside na África do Sul, onde é professor universitário.

PCP – PEV – CDU – Coligação Democrática Unitária

Ana Frias de Oliveira é cabeça de lista por este círculo. Tem 34 anos e é economista, professora e investigadora. Segue-se Pedro Teixeira, de 42 anos e consultor em políticas públicas e de desenvolvimento, bem como, na lista de suplentes, Carla Silva educadora social, e Ildefonso Garcia, engenheiro civil de 81 anos. Todos os nomes foram propostos pelo PCP – Partido Comunista Português. No programa eleitoral, a coligação defende para os emigrantes “medidas que garantam o respeito dos direitos sociais e laborais em vigor nos países de acolhimento”, bem como a “promoção da cultura portuguesa”, o apoio “ao movimento associativo português” e ainda a aposta na “política de língua que promova a preservação e expansão do português enquanto língua materna aos lusodescendentes”.

Nós! Cidadãos!

Mikael Fernandes e Maria Alina Carvalho lideram a lista pelo círculo Fora da Europa, seguindo-se, como candidatos suplentes, Cláudia Silva e Vítor Manuel Saraiva. Para a área da emigração, o partido acredita que “o papel do Instituto Camões deve ser reforçado”, além de que, através da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, “devem ser implementadas políticas de reforço do ensino da nossa língua, nalguns países ainda muito deficitária, bem como as trocas de produtos culturais no espaço lusófono, ainda muito condicionadas por excessivas barreiras alfandegárias”.

PPD/PSD.CDS-PP.PPM – Aliança Democrática

O regresso da AD (Aliança Democrática) faz-se com três partidos da Direita portuguesa e apresenta, para o Círculo de Fora da Europa o social-democrata José Cesário que regressa, assim, a um círculo eleitoral que tão bem conhece. Cesário, natural de Viseu e com 65 anos de idade, foi, além de deputado pela emigração, secretário de Estado das Comunidades Portuguesas. Além de José Cesário, constam na lista da AD Flávio Martins, Paula Medeiros e Carolina Araújo.

R.I.R. – Reagir, Incluir, Reciclar

Maria Alexandra Grilo Belo Amaro, Wilmer Cecil Miller, Octávio Manuel da Silva Moita e Sofia Catraia Pinto são os nomes escolhidos por este partido para o círculo Fora da Europa. Partido que tem na figura de Tino de Rans, candidato a deputado e ex-candidato à Presidência da República, o rosto mais conhecido. Entre as propostas do partido destaque para a “facilitação do voto, especialmente dos portugueses emigrados, nomeadamente com a testagem do voto electrónico”.

BE – Bloco de Esquerda

Pelo BE concorrem, neste círculo, Miguel Luís Delgado Heleno, Juliana Couras Fernandes Silva, Pedro Vaz Felizes e Maria do Sameiro da Silva Mendes. Com um capítulo inteiramente dedicado às comunidades portuguesas no estrangeiro, o BE defende que “a relação do Estado com a comunidade portuguesa no estrangeiro tem sido desastrosa”, devido aos “tempos de espera enormes nos consulados”. O BE destaca ainda a saída dos cidadãos emigrados do Serviço Nacional de Saúde, medida que demonstra que o Governo “considera as e os portugueses no estrangeiro como cidadãos de segunda”. Assim, o BE quer “estreitar a relação com as e os portugueses no estrangeiro, reforçando o número de consulados, garantindo a gratuidade do ensino do português e revogando as infames alterações ao registo nacional de utentes”.

IL – Iniciativa Liberal

Pelo partido liberal concorrem na emigração Teresa Vaz Antunes, Pavel Elizarov, Maria da Graça Simões e Flávio Kawakami. O programa eleitoral, “Por um Portugal com Futuro”, defende um menor peso do Estado em várias áreas que passam pelos impostos, saúde ou habitação, defendendo a “descentralização político-administrativa do país” e uma reforma do sistema eleitoral, através da introdução de um “círculo nacional de compensação”.

JPP – Juntos Pelo Povo

Os candidatos deste partido são José de Caires da Mata, Catarina Lambaz, Paulino Spínola e Anita de Sousa Nunes. Criado na ilha da Madeira em 2009, este partido diz orientar-se por uma “matriz social, basista e plural”, pretendendo ser “um instrumento de diálogo político para o eleitorado português, cujo descontentamento perante a situação actual do país tem sido sistematicamente sub-representado pelo modelo de actuação dos partidos políticos tradicionais”. O JPP diz querer “representar todos os cidadãos portugueses no território nacional e na diáspora”.

E – Ergue-te!

Por este partido concorrem, para o círculo da emigração, Jorge Cameirão de Almeida, Isabel Matos Correia, Valdemar Cardoso Couto e Ana Maria Oliveira. Conotado com a extrema-direita, o Ergue-te! fala de uma “solução nacionalista” que é “indispensável e cada vez mais urgente para devolver o Estado ao serviço da Nação e à defesa dos seus interesses”.

PS – Partido Socialista

Da lista dos quatro candidatos ao círculo Fora da Europa destaca-se o de Augusto Santos Silva, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, da Defesa e dos Assuntos Parlamentares, actual deputado por este círculo e presidente da AR. O PS, que tem uma representação de cariz associativo em Macau, tal como o PSD, tem actualmente como secretário-geral Pedro Nuno Santos e pretende, de entre várias medidas propostas, “reformar os procedimentos eleitorais de forma a assegurar a qualidade e condições de igualdade da participação dos cidadãos residentes no estrangeiro nos actos eleitorais, com maior conforto, segurança e proximidade dos locais de voto”.

Chega

Por este partido, liderado por André Ventura, concorrem pelo círculo Fora da Europa Manuel Magno Alves, João Baptista da Silva, Ana Viegas Mendes e Paula Lima Teixeira. Também com um capítulo unicamente destinado às comunidades portuguesas, este partido, também conotado com a extrema-direita, quer “defender os interesses das comunidades portuguesas promovendo a sua plena integração no todo nacional” além de criar e gerir “a rede de lojas do cidadão adequadas às comunidades”. Pretende-se também “criar os mecanismos necessários para uma plena participação das comunidades nos diversos processos eleitorais”.

Nova Direita

Liderado por Ossanda Líber, este partido recentemente instituído em Portugal tem como candidatos pelo círculo Fora da Europa Mário João Bolacha Guterres, Nzinga das Dores da Costa Bento Pires, Helena Cristina Monteiro Gonçalves e José Augusto dos Santos Dias. Mário Guterres, com 43 anos, é gestor de empresas privadas ligadas à construção e manutenção no sector petrolífero, com operações em Portugal e nos PALOP.

VP – Volt Portugal

Leandro Damasceno, Ana Rita Carvalho, Frederico Coelho e Kátia Sofia Fernandes Silva são os candidatos por Fora da Europa deste partido que tem como lema eleitoral “Paixão pelo Bom Senso”. Na área dos “direitos da diáspora portuguesa” pede-se o “alargamento da rede de ensino da língua portuguesa, presencial e online, de inscrição tendencialmente gratuita”, bem como a “promoção de um bom funcionamento dos consulados, com equipas funcionais conhecedoras do sistema legal português e do país em que estão inseridos”.

Livre

O Livre, liderado por Rui Tavares, ex-deputado europeu, tem no círculo Fora da Europa Nurin Mirzan Mansurally, Marco Craveiro, Sofia Oliveira Santos e Tiago Villa de Brito. “Contrato com o Futuro”, o slogan do programa eleitoral, fala na “defesa e empoderamento” da diáspora portuguesa, com a reforma “do Conselho das Comunidades Portuguesas de forma mais ambiciosa do que até agora, ao nível das suas competências, organização e funcionamento”. As propostas do Livre incluem “tornar vinculativa a consulta deste conselho em qualquer matéria que diga respeito às Comunidades Portuguesas no estrangeiro e torná-lo afecto à Presidência do Conselho de Ministros em matéria especializada”. O Livre quer também reforçar “o serviço do Consulado Virtual e a rede consular, facilitando o contacto e o apoio da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas às associações portuguesas da diáspora”.

PAN – Pessoas, Animais, Natureza

Nelson Correia Abreu, Carla Porfírio, André Oliveira e Maria Figueiredo Malhão concorrem por este partido ligado à defesa dos direitos dos animais e do ambiente pelo círculo Fora da Europa. Liderado por Inês Sousa Real, neste momento a única representante dopartido na AR, o PAN pretende “introduzir melhorias ao processo eleitoral nos círculos da emigração no âmbito das eleições para a AR, designadamente modernizando o voto postal dos eleitores residentes no estrangeiro e adequando-o às especificidades de cada país”.

8 Mar 2024

Gastronomia | Nova temporada de programa de Joana Barrios gravada em Macau

Joana Barrios, chef portuguesa que apresenta em Portugal o programa de culinária “O da Joana” ou “À la Barrios”, no canal 24 Kitchen, encontra-se em Macau a fazer gravações para a nova temporada do programa. Joana já passou pelo restaurante de sopas de fitas Cheong Kei, na Rua da Felicidade, ou nos espaços de restauração do Grand Lisboa Palace, no Cotai

 

A diversidade gastronómica e cultural de Macau terá levado a chef portuguesa e actriz Joana Barrios a enveredar-se nos meandros dos restaurantes do território, onde está desde a semana passada em gravações para a nova temporada do programa “À la Barrios”, que será transmitida no canal de televisão por cabo 24 Kitchen.

A novidade foi anunciada na conta de Instagram de Joana Barrios, bem como na conta oficial do 24 Kitchen. “Em breve vai ser tudo mais divertido e colorido na nova temporada do À La Barrios! A Joana Barrios foi até Macau para se inspirar. Curiosos? Acompanhem todas as novidades aqui”, podia ler-se há uns dias.

Na sua conta, Joana, natural do Alentejo e que, nos últimos tempos, tem-se tornado mais conhecida do grande público devido à sua presença na televisão a cozinhar, tem levantado a ponta do véu relativamente ao lado da gastronomia local que poderá aparecer nos ecrãs portugueses.

Joana Barrios já esteve nos espaços de restauração do Grand Lisboa Palace a experimentar iguarias mais sofisticadas, mas não ignorou a típica comida chinesa local, tendo passado pelo restaurante de sopa de fitas Cheong Kei, situado na Rua da Felicidade, uma das mais tradicionais e turísticas de Macau.

“Estou a tentar não fazer overposting nem dar cabo de tudo com spoilers.
Acabámos de gravar aqui, na casa da tradicional sopa de fita Cheong Kei, na Rua da Felicidade, e tenho muitas coisas para dizer, especialmente numa altura em que em Lisboa se sucedem aberturas de restaurantes de caldos com massa (porque noodles e ramen são coisas diferentes), é extraordinário enfiar na boca um ninho de longas fitas irregulares de uma massa que não está escrita”, descreveu a apresentadora.

No Instagram, Joana Barrios acrescentou que, nesse estabelecimento, “os noodles são ainda feitos de modo artesanal seguindo a receita familiar e utilizando os mesmos utensílios desde a abertura”. “Da massa dos noodles também se fazem outras delícias como os ‘Won Ton’ de camarão que podem ser fritos acompanhados com molho ‘doçura’ ou cozidos servidos num caldo”, escreveu ainda.

O pombo e as memórias

Joana Barrios considerou “tokenizada e formal” a experiência com a comida servida no Cotai, pois um prato de pombo levou-a às memórias de infância ou adolescência, enquanto “a visita ao pequeno restaurante da família Lao, na Rua da Felicidade, deu cabo de mim”.

A equipa de filmagens está a ser acompanhada por um tradutor, embora, no que diz respeito à cozinha, Joana Barrios descreva que, para sensações e gostos proporcionados pela comida, “não foi necessária tradução”, pois “a comoção é um sentimento universal”.

O HM contactou a apresentadora do programa no sentido de saber mais detalhes a propósito deste projecto e da nova temporada do “À la Barrios”, mas até ao fecho desta edição não foi obtida resposta.

“À la Barrios” já deu origem a um livro de receitas lançado em Portugal em Novembro de 2022, mas Joana Barrios já conhece os meandros do mundo editorial em livros de cozinha, tendo lançado “Sopeira”, “O da Joana” ou “Palato Rico, Palato Pobre”. Antes de ter o seu próprio programa de televisão, começou a cozinhar no “Programa da Cristina”, anteriormente transmitido na SIC.

Joana Barrios é actriz formada pela Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, tendo ainda uma pós-graduação em Crítica de Cinema e Música Pop. Começou a trabalhar com a companhia Teatro Praga em 2008, mas depois passou para o mundo da televisão com o programa “Armário”, uma série de documentários sobre moda transmitida na RTP2.

Em 2021, começou a ser uma das apresentadoras do 24 Kitchen, a par de nomes como Jamie Oliver, Henrique Sá Pessoa ou Filipa Gomes, com o programa “O da Joana”.

31 Jan 2024

História | Académicos detalham apoios a Portugal depois de ciclone em 1941

Três académicos da Universidade Politécnica de Macau debruçaram-se sobre a operação de solidariedade promovida pela comunidade chinesa de Macau para apoiar vítimas de um ciclone que fustigou Portugal em 1941. O apoio partiu de instituições como a Associação de Beneficência Tung Sin Tong ou do Hospital Kiang Wu, em parceria com o Governo

 

Em Fevereiro de 1941, um poderoso ciclone afectou Portugal e deixou um rasto de destruição em todo o país, numa altura em que todas as atenções estavam viradas para as várias frentes de batalha da Segunda Guerra Mundial. Macau, à luz da neutralidade assumida no conflito pelo Governo de António de Oliveira Salazar, não estava directamente envolvida na guerra, mas acabou por se tornar num território de acolhimento para milhares de refugiados chineses que tentavam escapar à ocupação japonesa de Xangai e Cantão. O êxodo levou a população local a triplicar, atingindo-se a fasquia de meio milhão de habitantes.

Mesmo enfrentando uma grave crise social, Macau não deixou de enviar dinheiro para as vítimas portuguesas do ciclone, como prova a investigação intitulada “Angariação de Fundos pelos Chineses de Macau para a Reconstrução do Ciclone de 1941 em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial: Perspectiva da Escolha Pública”, da autoria dos académicos Baoxin Chen, Xi Wang e Kan Chen, da Universidade Politécnica de Macau (UPM).

A elite chinesa de Macau da época, em conjunto com o Governador de Macau, Gabriel Maurício Teixeira, enviou um total de 31.075.23 dólares de Hong Kong, o equivalente a 310.752,3 dólares de Hong Kong tendo em conta o câmbio actual, após uma campanha de angariação de fundos. Entidades como a Associação de Beneficência Tung Sin Tong e Associação de Beneficência do Hospital Kiang Wu participaram nestas iniciativas.

Segundo os autores da investigação, a concessão de donativos por Macau “ilustra a vontade da elite chinesa e do Governo de Macau de procurar capital político e poder em resposta à crise [gerada pela] guerra”. Trata-se ainda de um “evento de caridade diplomática internacional pouco conhecido e que é relevante para as relações luso-chinesas”, lê-se no artigo.

“Apesar deste ter sido o momento mais difícil da Segunda Guerra Sino-Japonesa, a elite chinesa de Macau mobilizou forças sociais e angariou fundos para ajudar na reconstrução” após a passagem do ciclone, algo que foi “amplamente apoiado e mereceu a cooperação da população chinesa de Macau”.

Tratou-se de “uma actividade política civil” que mostra “o comportamento e o processo de escolha do público no fornecimento e distribuição de bens públicos e na elaboração de regulamentos adequados a fim de influenciar a escolha da população e maximizar a utilidade social”. Para os académicos, a campanha de recolha de donativos constitui um “extraordinário acontecimento histórico da diplomacia internacional das relações luso-chinesas em tempo de guerra” que “foi inadvertidamente esquecido”, consideram os autores.

Cartas guardadas

O estudo foi desenvolvido graças a uma bolsa atribuída pela própria instituição de ensino e só foi possível devido ao acesso que os investigadores tiveram às chamadas “Cartas de Crédito”, provas documentais em português e chinês dos donativos atribuídos, e que estavam à guarda de Luo Jing Xin, coleccionador ligado à Sociedade de Colecção de Nostalgia de Macau.

Segundo o artigo científico sobre esta investigação, a primeira parte das “Cartas de Crédito” está em chinês e conta com 52 páginas, enquanto a segunda parte contém 36 páginas em português. Os autores fizeram ainda uma pesquisa intensiva entre jornais chineses da época, que relataram este episódio e publicitaram a campanha de recolha de fundos. Uma cópia destas “Cartas de Crédito” está hoje à guarda do Centro de Estudos Culturais Sino-Ocidentais da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UPM.

Os investigadores descrevem que os representantes da elite chinesa dirigiram-se ao Governador assim que souberam da tempestade, apresentando “condolências às vítimas a fim de mostrarem simpatia em nome do povo chinês”, tendo dito que “os chineses de Macau estavam dispostos a ajudar as pessoas que tinham ficado sem casa devido ao ciclone, para que pudessem sentir o calor e a preocupação por parte da sociedade chinesa do outro lado do mundo”.

Foi ainda referido por estes representantes da comunidade chinesa que “a angariação de fundos iria beneficiar os compatriotas portugueses em sofrimento”, além de proporcionar “às autoridades de Macau uma oportunidade para demostrar a sua lealdade e capacidade de governação do Governo português”.

Dois meses de recolha

Foi então criada uma comissão de angariação de fundos depois da aprovação do Governador Gabriel Teixeira, e publicado no jornal Va Kio, dia 27 de Março de 1941, um artigo onde se descreviam “os enormes prejuízos causados pelo ciclone em Portugal e a situação de vida das pessoas”. Lia-se, na peça, o seguinte: “O ciclone varreu todo o território de Portugal. Por onde se passava havia telhas, árvores e casas destruídas até à ruína, tendo depois seguido [o ciclone] directamente para a vizinha Espanha”.

Apelava-se ao ressurgimento do “Grande Espírito Tradicional Chinês, ‘仁義’ (Ren Yi)”, relativo aos sentimentos de benevolência e rectidão. No artigo apelava-se ainda à ajuda da população, para que a comissão pudesse “reunir os donativos suficientes para prestar ajuda e apoio necessários aos que sofrem”.

A 22 de Março de 1941 o comité reuniu pela primeira vez para discutir o formato da recolha de donativos. O encontro foi presidido pelo presidente da Associação Comercial de Macau, Ko Ho Ning, com representantes das associações do Hospital Kiang Wu e da Tung Sin Tong. Foi então criado o “Comité de Ajuda dos Chineses para a Catástrofe do Ciclone Português”, presidido por Ko Ho Ning.

A 25 de Março organiza-se uma segunda reunião na Associação Comercial, onde se chegou a um “consenso sobre a estrutura organizacional, o funcionamento e as questões de implementação da angariação de fundos”. Nesta reunião, determinou-se que o Banco de Cantão, localizado na Rua Cinco de Outubro, e o Banco Tung Tak, na avenida Almeida Ribeiro, seriam as principais agências a guardar os donativos, recolhidos em Outubro e angariados entre 22 de Março e 23 de Maio. Neste processo “os chineses de Macau demonstraram um enorme fervor filantrópico”, destacam os académicos.

Para angariar dinheiro, organizaram-se bazares de beneficência, competições desportivas ou espectáculos de teatro de ópera cantonense, nomeadamente por parte do Teatro Tai Ping, à época bastante conhecido tanto em Macau como em Hong Kong.

O estudo revela que a comunidade chinesa de Macau, “de todos os estratos sociais” foi “a principal fonte de donativos”, contribuindo com 14.156,94 dólares de Hong Kong [câmbio da época], o que constituiu cerca de metade do dinheiro recolhido. Além das associações já referidas, participaram nesta recolha de fundos “celebridades e comerciantes conhecidos que se refugiaram em Macau durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa, bem como o Governador de Macau e funcionários do Governo”. São destacados no estudo donativos de Zhou Yong Neng, que chefiava a delegação do Kuomitang em Macau, ou Sir Robert Ho Tung.

Esta campanha de recolha de fundos não tinha apenas objectivos de apoio social, mas também uma forte mensagem política, “não se tratando de uma mera actividade de auxílio e de caridade, mas de um acto deliberado com requisitos políticos específicos”, com diversas implicações.

“Naquela época eram inseparáveis as relações sociais entre Portugal e Macau e havia o objectivo comum de proteger Macau”, apesar das diferenças socioculturais entre portugueses e chineses e o grande distanciamento geográfico.

A elite chinesa acreditava que “China e Portugal tinham um destino comum ligado ao desenvolvimento histórico” e, numa altura em que Macau e a comunidade chinesa enfrentavam os dissabores da guerra, “os dois lados não eram apenas parceiros a enfrentar uma crise, mas também uma força vital na protecção de uma pátria comum – Macau”.

Os investigadores acreditam que esta ideia “permitiu que o evento de angariação de fundos corresse bem e reunisse mais contributos sociais”, apesar de constituir “um desafio”.

Segundo uma reportagem do jornal Público de 12 de Fevereiro do ano passado, que cita o meteorologista Paulo Pinto, “nunca houve tamanha destruição” em Portugal como a tempestade registada nesse ano de 1941. Não se sabe ao certo quantas vítimas o ciclone deixou, mas terão sido mais de uma centena de mortos e centenas de feridos.

Adélia Nunes, geógrafa portuguesa e autora de um dos poucos estudos sobre o incidente, relatou ao jornal que “foi uma situação catastrófica para o país”, tendo o ciclone atingido também Espanha.

31 Jan 2024

Exposição de Adam McEwen inaugurada esta sexta-feira em Hong Kong

Esta sexta-feira, 2 de Fevereiro, é inaugurada na galeria Gagosian, em Hong Kong, a exposição que marca a estreia na Ásia do artista Adam McEwen. Segundo um comunicado oficial sobre a mostra, trata-se de uma exposição que inclui “uma secção transversal do seu trabalho”, incluindo também novas pinturas e esculturas feitas em grafitti, um material bastante utilizado pelo artista.

Segundo a mesma nota, o artista “tende a colocar em primeiro plano, isolando-os, objectos banais, como um tapete de yoga, um bebedouro ou copos de plástico, até ao ponto de os tornar tão banais que se tornam mais fáceis de usar, desprendendo-os dos seus significados já familiares e [também] tranquilizadores”.

As esculturas de McEwen são “simples e exactas”, sugerindo “um sentido do que é estranho e uma sensação de ligeira deslocação”. Além disso, as suas pinturas “apresentam coisas do quotidiano numa linguagem gráfica simplificada que as que as descontextualiza, libertando-as das suas conotações habituais”.

O que importa

As temáticas trabalhadas por McEwen são escolhidas por terem “alguma importância”, sendo exemplo disso “um arco de comboio perto do seu estúdio, um desenho de um leão que simboliza o poder e a força, um par de candeeiros de rua perto da Grand Central de Nova Iorque que formam uma espécie de entrada ou uma espada encontrada escondida atrás de um radiador quando o artista renovou o seu apartamento”.

Ao simplificar a representação destes elementos nas obras de arte, estes temas “tornam-se acessíveis e a relação entre o sujeito e o espectador torna-se mais forte face ao tema e o significado que existe no quotidiano” dentro da realidade de cada um.

Adam McEwen nasceu em 1965 em Londres e actualmente vive e trabalha em Nova Iorque. As suas peças estão presentes em colecções no Arts Council, em Londres; na Aberdeen Art Gallery and Museums, Escócia; no Museu Guggenheim de Nova Iorque ou, nesta mesma cidade, no Metropolitan Museum of Art. A mostra em Hong Kong pode ser visitada na Pedder Street, na zona de Central, até ao dia 9 de Março.

31 Jan 2024

Psicologia | Factores socioculturais na China podem “ocultar” traumas

Um estudo psicológico realizado por três investigadores de Macau, Hong Kong e Estados Unidos concluiu que factores socioculturais podem dificultar diagnósticos de perturbação dissociativa da identidade em pacientes chineses. O trabalho refere que as perturbações dissociativas são muitas vezes confundidas com depressões ou estados de ansiedade

 

Diagnosticar casos de perturbação dissociativa da identidade (DID) em pacientes chineses pode tornar-se num desafio para psicólogos e psiquiatras, mas não é impossível. No entanto, cabe aos terapeutas “navegar as nuances culturais, desafiando simultaneamente as inconsistências culturais” da comunidade chinesa para analisar estes casos, tendo em conta que muitos pacientes chineses “tendem a reprimir emoções e consideram inapropriado mergulhar na própria psique e nos próprios sentimentos”.

Esta é uma das ideias principais do estudo “Working with Chinese trauma survivors with dissociation: Lessons from two cases in Macao” [Trabalhando com sobreviventes chineses de trauma com dissociação: Lições de dois casos em Macau], da autoria de Im Wai Lao, que tem mais de dez anos de experiência em Macau, Robert Grant e Hong Wang Fung. O artigo científico foi publicado em Novembro no European Journal of Trauma & Dissociation. O trabalho foi feito com base em casos clínicos com pacientes chineses que apresentaram sintomas como ansiedade ou depressão, sendo que alguns tentaram mesmo o suicídio. Em todos, os terapeutas perceberam que a resposta estava nas vivências familiares e da infância, embora tenha sido um processo demorado, pois era difícil aos pacientes verbalizar o que sentiam e buscar a origem dos sentimentos.

Segundo o estudo, a dissociação “refere-se a falhas no processo de integração das próprias experiências psicofisiológicas, tais como memórias, emoções e identidades”, sendo que quando resulta de trauma está “intimamente relacionada com experiências interpessoais adversas, especialmente durante a infância”. Contudo, até à data, não era muito explorada “a forma como as normas e valores socioculturais tradicionais podem estar associados à dissociação”.

O estudo conclui que a “dissociação relacionada com o trauma existe na comunidade chinesa, embora possa estar escondida por detrás de outros problemas”. Os académicos consideram que “os factores culturais chineses podem reforçar a utilização da dissociação como forma desadaptativa de lidar com a situação, porque a expressão emocional não é valorizada e porque a harmonia interpessoal é enfatizada, mesmo quando existem relações tóxicas e/ou abusivas”.

Segundo os autores, tal deve-se às diferenças entre a cultura chinesa e a ocidental. “Na cultura ocidental moderna defende-se a individualidade”, enquanto a cultura chinesa “enfatiza não só os papéis sociais e a harmonia nas relações interpessoais, mas também os sintomas físicos e os comportamentos externos”. Tal faz com que, na hora de se sentar na cadeira do psiquiatra, o paciente chinês tenha mais dificuldade em verbalizar o que sente e procurar a verdadeira origem do sofrimento mental.

Tempestade de emoções

Um dos casos citados pelo estudo é o de ‘CL’, designação atribuída a uma mulher chinesa de 32 anos, administrativa, da classe média, que há quatro anos vive e trabalha em Macau. A mulher sofreu “um colapso emocional súbito, sem qualquer razão óbvia que pudesse ser identificada” depois da passagem do tufão Hato por Macau, em 2017, que gerou uma vaga de destruição e dez mortos. Depois da tempestade, a mulher começou “a sentir insónias intermitentes e tornou-se excessivamente sensível a trovoadas, acordando durante a noite, aterrorizada, tendo dificuldade em voltar a adormecer”.

Depois do colapso seguiu-se o registo de “sintomas depressivos, incluindo pensamentos suicidas, e sintomas somáticos como fadiga extrema, dores musculares, falta de ar e agravamento da insónia”. Os sintomas agravaram-se aquando da passagem por Macau do tufão Mangkhut. Em plena pandemia, em 2020, “CL” passou a ter ataques de pânico, pesadelos e fortes dores de estômago.

Os autores descrevem que “CL” foi “criada no seio de uma família com graves carências emocionais e o seu contexto cultural acentuou os graves problemas de identidade causados pela forma como os pais se relacionavam com ela”. O terapeuta percebeu que, da parte da mãe, “faltaram cuidados, aliada a uma enorme crítica”, enquanto do pai houve “ausência e o distanciamento afetivo”, com impactos na auto-estima da paciente, cenário que “provavelmente contribuiu para a sua patologia dissociativa”.

Contudo, “a tendência para a somatização entre os chineses dificultou a exploração do interior de ‘CL’ pelo terapeuta para fazer um diagnóstico”. De frisar que só três meses depois do início da terapia se começou a verificar “uma abertura significativa na amnésia de ‘CL'”. Foram precisas 14 sessões de terapia para que a paciente reconhecer a fúria com a sua a mãe a tratava, momento que virou a página na terapia levando ‘CL’ a falar mais abertamente das memórias com a progenitora.

Metas físicas

Tendo em conta este caso clínico, os autores do estudo referem que “muitos chineses não têm consciência emocional e tendem a expressar os seus sentimentos através de sintomas físicos, como dores de cabeça e de estômago”. Este panorama explica-se pelo facto de, na cultural tradicional chinesa, as emoções serem consideradas “culturalmente irrelevantes”, pelo que “o reconhecimento das dificuldades emocionais é muitas vezes visto como um sinal de fraqueza ou inutilidade”.

Na relação entre pais e filhos, “as filhas são desencorajadas a fazer quaisquer comentários negativos sobre as mães, independentemente da verdade, uma vez que é considerado pouco filial, o que tem um peso significativo para muitos chineses”.

O estudo relata ainda o caso de ‘K’, uma mulher que nasceu numa família com dificuldades, em que só o pai trabalhava como operário, o que a obrigava a cuidar dos irmãos e a ter, desde cedo, vários trabalhos a tempo parcial. A busca pela terapia fez-se quando o seu casamento começou a ruir, originando pensamentos suicidas logo após o nascimento do primeiro filho. O casamento não melhorou depois do nascimento da segunda filha, com o marido a não se responsabilizar pelas contas da família, o que levou ‘K’ a sentir-se “perplexa, exausta e desamparada”.

Neste caso, o terapeuta revela não ter tido sequer “um pequeno espaço para entrar” no ambiente emotivo da paciente, pois ‘K’ não conseguiu verbalizar o que sentia. Segundo o estudo, tal explica-se pelo facto de, “na cultura chinesa, as crianças serem normalmente impedidas de falar ou perguntar, sendo-lhes exigido silêncio e submissão, especialmente as raparigas, uma vez que são consideradas inferiores ou mesmo sem valor aos olhos de muitos pais chineses”.

Descreve-se ainda que, na comunidade chinesa, dá-se uma “ênfase significativa a certos marcos em idades específicas, como o casamento e ter filhos, particularmente para as mulheres”. ‘K’ procurou ajuda psicológica “devido ao seu casamento conturbado”, sendo que, “durante anos, foi ela que teve de pagar a maior parte das contas e de tratar de todas as tarefas domésticas”.

Os autores apontam ainda que estas experiências “estão profundamente ligadas aos valores e abordagens chinesas para lidar com questões emocionais e psicológicas”. Nestes casos, dá-se “prioridade à resistência em detrimento dos sentimentos pessoais”, para “tentar melhorar situações difíceis e evitar quebrar, apesar da dor, do sofrimento e dos sintomas associados”. O divórcio, por exemplo, “é considerado um fracasso cultural para as mulheres na sociedade chinesa, onde uma mulher divorciada é vista como uma ‘esposa abandonada'”.

Assim, os autores do estudo concluem que “algumas normas socioculturais podem contribuir para o desenvolvimento e manutenção de sintomas dissociativos”, embora assumam a necessidade de realizar “mais estudos empíricos”. No trabalho do terapeuta, recomenda-se que este, para detectar casos de DID, deve “ter em consideração os factores culturais” do paciente e “ser culturalmente sensível”, além de “colectar informações do paciente sobre as experiências da primeira infância, incluindo antecedentes familiares e interacção com os pais”.

Lê-se ainda que o respeito pela hierarquia, na sociedade chinesa, é mais importante do que um olhar sobre si mesmo e a individualidade, além de que “a cultura chinesa coloca frequentemente uma maior ênfase na adaptação a papéis ligados ao contexto”.

Descrevem os autores que, nas famílias chinesas, “a hierarquia implica que se espera que os indivíduos ouçam e se submetam aos mais velhos, ao mesmo tempo que compreendem como interagir com cada membro da família de uma forma distinta, a fim de manter a harmonia externa”.

Com base nos casos descritos, refere-se que ‘CL’ e ‘K’ sofreram “traumas de vinculação e apresentaram sintomas de perturbação dissociativa”, pois ‘CL’ não se recordava “de ter sido amarrada e expulsa de casa pela mãe”, enquanto ‘K’ não tinha memória “de ter sido abusada sexualmente pelo avô”.

Ambas as mulheres “sofreram confusão de identidade, lutando constantemente para se definirem e sentindo a dor de não terem crenças e valores morais consistentes”. Além disso, “ambas revelaram despersonalizações, sentindo-se emocional e fisicamente desligadas”.

Os autores defendem ainda que seja feita “mais investigação sobre a forma como factores ou valores socioculturais específicos, por exemplo, a piedade filial ou preferência pelos rapazes em detrimento das raparigas, possam estar associados a problemas de saúde mental, incluindo a dissociação”.

31 Jan 2024

Cinemateca Paixão | As películas escolhidas para “Encantos de Fevereiro”

O mês de Fevereiro é o mais curto do ano e é também o momento de celebrar o Ano Novo Chinês. Os amantes de cinema podem passar esta quadra festiva de olhos postos no ecrã da Travessa da Paixão: o cartaz escolhido pela Cinemateca traz, a partir desta sexta-feira, “Old Fox” e “Stonewalling”. Destaque ainda para os filmes da secção “Nova Força Chinesa” para ver nos próximos dias

 

A Cinemateca Paixão prepara-se para apresentar um cartaz em Fevereiro com duas películas asiáticas. Com a secção “Encantos de Fevereiro” a chegar à sala da Travessa da Paixão já a partir desta sexta-feira, os amantes do cinema mais independente podem ver “Old Fox”, uma produção de Taiwan, do realizador Hou Hsiao-Hsien, e ainda “Stonewalling”, um filme sino-japonês.

“Old Fox”, de 2023, conta a história de Liao Jie que, com 11 anos, e no ano de 1989, participa num esquema de poupança com o pai para que juntos possam comprar uma casa dentro de três anos. Mas com o mundo em constante mudança, e com os preços dos imóveis a disparar, rapidamente percebem que as poupanças conseguidas nos últimos anos não são suficientes.

Percebendo pertencer a uma família pobre, Liao Jie começa a olhar para o seu senhorio, um homem a quem chamam “Velha Raposa”, com outros olhos, encarando-o como um modelo a seguir ao invés do próprio pai que nada consegue fazer para melhorar a sua vida.

Este filme integrou, no ano passado, o cartaz do Festival Internacional de Cinema de Tóquio, tendo obtido quatro prémios na 60.ª edição dos Golden Horse Awards [Prémios Cavalo de Ouro], de Taiwan. Este é o quarto filme de Hou Hsiao-Hsien.

Múltiplas personalidades

“Stonewalling”, uma produção sino-japonesa de 2022, será exibida nos dias 18 e 27 de Fevereiro e é outra das produções que também se destacou na última edição dos prémios de cinema de Taiwan, além de ter sido seleccionado nesse ano para a secção “Dias de Veneza” do Festival Internacional de Cinema de Veneza.

Com realização de Ryuki Otsuka e Huang Ji, este filme explora a vida de uma rapariga que, com 20 anos, assume várias vidas e personalidades. Com o seu nome verdadeiro, Lynn, é uma estudante universitária que subitamente descobre estar grávida. Já com o falso nome de “Rainy”, trabalha como promotora a tempo parcial para ajudar a mãe com as despesas, que se vê obrigada a indemnizar um paciente por negligência médica. Após dar à luz o bebé, com o nome de “Sílvia”, decide vender a criança para saldar essa dívida. O problema é que o parto acontece durante a pandemia de covid-19 e o namorado decide aparecer de repente, levando esta mulher com múltiplas personalidades a deparar-se com um novo problema.

Entretanto, nos próximos haverá ainda oportunidade de ver alguns filmes na secção “Nova Força Chinesa”, nomeadamente “Trouble Girl”, que, tendo a sessão de hoje já esgotada, regressa aos ecrãs a partir de sexta-feira e até ao dia 15. Este filme também se destacou na 60.ª edição dos Golden Horse Awards, uma vez que a actriz Audrey Lin obteve o prémio para a melhor actriz principal.

De Chin Chia-Hua, este filme relata a história de Xiao Xiao, que sofre de transtorno do défice de atenção com hiperactividade, de quem se afastam familiares e amigos. Só com o professor Paul é que Xiao Xiao parece encontrar compreensão, mas subitamente esta testemunha um segredo deste com a sua mãe, o que transforma o seu percurso emocional.

Por sua vez, “Love is a Gun” será exibido entre os dias 10 e 25 de Fevereiro. Há ainda a possibilidade de ver amanhã, 31, “Inside the Yellow Cocoon Shell”, exibido novamente dia 7 de Fevereiro, e “Anatomy of a Fall”, exibido pela última vez este sábado às 17h, e que venceu a “Palma de Ouro” no Festival de Cinema de Cannes de 2023.

Da secção “Clássicos Chineses” há ainda o filme, recentemente restaurado, “Yi Yi: A One and A Two”, do ano 2000, a ser exibido dia 10. Com este filme, Edward Yang, de Taiwan, venceu o prémio de Melhor Realizador no Festival de Cinema de Cannes desse ano. Ainda da secção “Encantos de Janeiro” revela-se este sábado, às 20h, numa última sessão, “Evil Does Not Exist”.

30 Jan 2024

Festival Fringe | Estará Macau afectado pela cultura do cancelamento?

O cancelamento de um espectáculo do Festival Fringe será uma manifestação da chamada cultura do cancelamento em Macau? Duas personalidades ligadas ao mundo das artes locais acreditam que sim. Ao HM, a porta-voz do grupo responsável pela performance cancelada não escondeu a profunda tristeza com decisão do Instituto Cultural

 

 

“Feito pela Beleza”, da companhia Utopia da Miss Bondy, estava agendado para subir ao palco do Festival Fringe entre 23 a 25 de Janeiro, mas acabou cancelado com a presidente do Instituto Cultural (IC), Deland Leong Wai Man, a explicar que o conteúdo do espectáculo era “divergente” face ao que foi apresentado na fase de candidatura ao festival.

O espectáculo burlesco preparado pela Utopia da Miss Bondy foi cancelado depois de ter sido exibido um vídeo com “drag queens” nas redes sociais. Importa frisar que o espectáculo sempre teve classificação para maiores de 18 anos e, na sua apresentação, lia-se que continha “linguagem obscena e nudez que poderia ofender a sensibilidade de alguns espectadores”. Além disso, a mesma peça entrou no cartaz do Festival de Teatro de Shekou, que se realizou entre Outubro e Novembro do ano passado na cidade vizinha de Shenzhen.

Perante este caso, importa perguntar se Macau está a enfrentar a chamada cultura do cancelamento sempre que ocorre um evento ou espectáculo susceptível de incomodar os espectadores mais sugestionáveis ou que aborde temas sensíveis não necessariamente políticos, mas que roçam os limites da moralidade. Sarah Sun, porta-voz do grupo Utopia da Miss Bondy, acredita que sim. “Para mim, é muito triste concordar com este ponto de vista”, começou por dizer ao HM.

“Depois do nosso cancelamento, muitas pessoas descobriram que houve um espectáculo com drag queens no Fringe de 2001. O espírito do Fringe é ser lúdico, ousado e experimental, e o IC continuou a pedir para mudarmos as roupas e exigiu contenção para encaixarmos no que eles queriam, no que pensam que a arte deve ser. E depois simplesmente cancelaram o nosso espectáculo porque não obedecemos”, frisou.

Segundo Sarah Sun, o IC exigiu mudança dos vestidos ou a cor dos collants, para disfarçar as pernas dos actores. “Muitas das coisas que nos pedem para mudar não são realmente importantes. Ou talvez o IC ache que as drag queens não são adequadas para se vestir?”, questionou.

A responsável acredita que o cancelamento do “Feito pela Beleza” deve constituir “um ponto de partida para as pessoas terem consciência de que a nossa liberdade de expressão criativa está a ser reduzida”. “Devido ao sistema de financiamento, o IC parece pensar que tem o poder absoluto de decidir que espectáculos, que formas de arte, que artistas podem ser vistos”, disse ainda.

O realizador Vincent Hoi também defende que o mundo artístico está a enfrentar limitações à liberdade de expressão. “O objectivo da arte deve ser estimular as pessoas a pensar com diferentes ângulos e encorajá-las a ter um pensamento independente. O cancelamento do evento significa que o Governo não quer que as pessoas tenham um pensamento independente e apenas diz às pessoas que tudo o que está relacionado com o [universo] dos drag queens é errado e que é algo que não pode ser visto pelos habitantes de Macau, mesmo para um público com mais de 18 anos. Mas será que os drag queens são algo feio e errado? Se são bons ou maus, bonitos ou feios, cabe às pessoas decidir”, defendeu ao HM.

Um futuro sombrio

Vincent Hoi não tem dúvidas de que “o futuro das artes vai piorar cada vez mais”, tendo em conta que os funcionários públicos, bem como “o Chefe do Executivo e a secretária para os Assuntos Sociais e Cultura não compreendem as artes e também não se preocupam com elas”.

As críticas do realizador incidem também sobre a percepção do que deve ser a oferta cultural do território e o tipo de espectáculos que se enquadram na ideia de uma “cidade mundial de turismo e lazer” e cidade multicultural. “Mesmo que o Governo queria que Macau se torne numa ‘Cidade das Artes do Espectáculo’, os seus conceitos quanto a isso talvez se limitem a convidar artistas como Jacky Cheung, Eason Chan ou a banda Seventeen para virem a Macau. Isso faz com que, nas suas cabeças, Macau seja uma cidade das artes do espectáculo. O Governo parece entender que o objectivo das artes é apenas promover o território como uma cidade turística.”

Para Vincent Hoi, este cenário “é mau para as associações culturais locais”, considerando “difícil fazer com que os [dirigentes] tenham uma mente mais aberta”. O HM contactou ainda o deputado José Pereira Coutinho para obter uma reacção, que disse “não dominar este assunto”.

Kevin Chio, da companhia teatral Rolling Puppet, declarou tratar-se de uma “abordagem muito conservadora” por parte do IC tendo em conta a ideia “de uma cena artística mais aberta e diversificada” associada ao festival Fringe. “O IC alegou ter descoberto discrepâncias entre o plano do espectáculo e a produção real, mas pelas declarações que li da produção, não creio que fosse possível existirem discrepâncias porque o espectáculo já tinha sido apresentado em Shenzhen. O IC podia ter solicitado um vídeo de todo o espectáculo. Que tipo de drag queens estavam à espera?”, questionou.

O artista recorda que a decisão do IC foi tornada pública depois de ter sido transmitido um vídeo num autocarro. “Quando o IC se sente pressionado tende a empurrar os artistas para um canto ao invés de permanecer parado ou neutro. Esta acção do IC só prova que há uma linha vermelha para as artes, mas não sabemos onde está. Seleccionaram o espectáculo, conheciam o seu conteúdo, mas quando se gerou algum ruído por parte do público, suspenderam-no. Ironicamente, e mesmo com todo o ‘ruído’ e queixas que gerou, o concerto de K-Pop no Estádio de Macau [da banda Seventeen], decorreu como planeado. Por isso digam-nos onde está essa linha vermelha”, frisou.

Ao jornal Ponto Final, Sarah Sun esclareceu que aquando da apresentação da candidatura do “Feito pela Beleza” foi referido que o conteúdo se relacionava com “drag queens”, tendo sido sempre apresentadas fotografias dos figurinos e detalhes do guião.

Exemplos anteriores

Não foi a primeira vez que o mundo das artes se vê assombrado pelo posicionamento que o Governo adopta em relação ao conteúdo dos espectáculos. Recorde-se que, no passado mês de Outubro, o IC enviou emails às associações sobre alegadas críticas feitas a um espectáculo destinado ao público infantil. O IC alertava para o dever de “evitar incluir nas criações [artísticas] elementos impróprios [considerados] indecentes, [como] a violência, pornografia, obscenidade, jogos de azar, insinuações ou violação dos direitos de outras pessoas”, “a fim de evitar o cancelamento do subsídio”.

Várias associações assinaram uma carta de contestação como resposta, mostrando-se “muito preocupadas com este aviso” feito com base em queixas anónimas. Na carta, mencionaram ainda a existência da Comissão de Classificação Etária de Espectáculos e Exibições Públicas de Filmes Realizados em Macau, “que visa proteger o público de conteúdos impróprios e distinguir se uma obra é ou não adequada para ser vista [por pessoas de determinadas faixas etárias]”. “Será ainda necessário impor uma restrição generalizada às obras que não contenham nenhum dos elementos inadequados acima referidos? Sugerimos que se respeite a existência das comissões para que o público possa escolher, por si, quais as obras adequadas para assistir”.

Os signatários da carta afirmaram ainda temer uma “aplicação demasiado rigorosa” das restrições, com potencial “impacto negativo” no sector das artes e espectáculos, bem como no cinema e meio audiovisual.

Também em Maio, aquando da entrada em vigor da nova lei relativa à defesa da segurança do Estado, o IC anunciou novas regras para a submissão de projectos cinematográficos e televisivos a financiamento do Fundo de Desenvolvimento da Cultura, que passam pela apresentação de conteúdos a concurso que respeitem a segurança nacional e as crenças locais.

Na altura, Tracy Choi desvalorizou o risco de controlo dos conteúdos. “O Governo disse que não vai controlar os conteúdos [submetidos], mas claro que alguns dos projectos podem não estar de acordo [com as regras]. Mais do que a questão da lei [da segurança nacional] em si, penso que não haverá um grande controlo, especialmente porque o fundo permite que empresas de fora concorram ao financiamento e teremos uma maior de conteúdos sobre a área do entretenimento.”

Nota de edição: Artigo corrigido face à versão impressa com a inclusão da opinião de Kevin Chio.

30 Jan 2024

Concerto | Tom Jones chega à região vizinha em Março

O cantor galês com uma longa carreira musical, pautada por sucessos como “Sex Bomb” ou “What’s New, Pussycat?” traz a Hong Kong a sua digressão mundial “Ages & Stages Tour” que passa por várias salas de espectáculo na Ásia, Europa e América Latina. Na região vizinha, actua na sala do AsiaWorld Expo dia 16 de Março

 

“Ages & Stages Tour” é o nome da digressão que o músico galês Tom Jones, nome artístico de Thomas Jones Woodward, traz a vários países da Ásia e também a Hong Kong. No dia 16 de Março, no recinto da AsiaWorld Expo, os fãs de um dos mais aclamados músicos pop e dono de uma voz poderosa poderão ouvir os seus maiores êxitos, nomeadamente “Sex Bomb”, “It’s Not Unusual”, “She’s a Lady” ou “What’s New, Pussycat?”, mas também novas músicas do seu mais recente álbum, “Surronded by Time”, lançado em 2021.

A digressão, anunciada em finais do ano passado, faz um périplo por várias cidades asiáticas, nomeadamente Kuala Lumpur, na Malásia, Singapura, Taipei e Tailândia, partindo depois para a Austrália onde uma série de concertos decorrem nas principais salas de espectáculo do país entre Março e Abril, sem esquecer a Nova Zelândia. Segue-se depois a América Latina, com concertos em países como o Chile, com regresso às principais cidades europeias até Agosto.

Esta é a oportunidade para o público ouvir e ver ao vivo o cantor de 83 anos de idade que já conta com uma carreira de 60 anos. “Ages & Stages Tour” marca também o regresso de Tom Jones à Austrália, onde esteve a última vez em 2016.

Tom Jones irá partilhar o palco em algumas datas com a banda pop Germein. O seu último álbum foi produzido por outro ícone da música, Elton John, que colaborou com Tom em músicas mais recentes, nomeadamente “Long Lost Suitcase”, de 2015, “Spirit in the Room”, de 2012, ou “Praise & Blame”, de 2010. Ao longo da sua carreira Tom Jones já vendeu mais de 100 milhões de discos e venceu vários prémios Grammy.

Voz de tenor

Considerado por muitos críticos como tendo uma voz de tenor, Tom Jones começou a sua carreira nos anos 60 e não mais deixou os palcos. A primeira experiência aconteceu em 1963 com um grupo galês de Beat “Tommy Scott and the Senators”, que chegou a gravar alguns álbuns, sem grande sucesso.

Foi então que se deu o contacto de Tom Jones com Gordon Mills, que lhe atribuiu o nome artístico, e levou-o para Londres após se tornar seu empresário.

A partir desse momento a carreira de Tom não mais deixou de escalar até atingir a fama: o primeiro single, lançado em 1964, “Chills and Fever”, não teve um grande sucesso, mas “It’s Not Unusual” bateu recordes de vendas, atingindo o primeiro lugar no Reino Unido e chegado ao top dos dez singles mais vendidos nos EUA naquele ano.

Ainda em 1965 Tom Jones gravou um tema para um filme de James Bond, “Thunderball”, além de ter lançado “What’s New, Pussycat?”. O primeiro Grammy da sua carreira, obtido na categoria de “Melhor Novo Artista” foi obtido logo em 1966.

Ao longo dos anos o artista soube manter-se nas tabelas e nas pistas de dança. Já nos anos 90, saiu mais um êxito, “Sex Bomb”, que ganhou versões remixadas e que marca presença em qualquer festa. Em Março, poderá ser a vez de ouvir esta e outras canções na pista e no palco do AsiaWorld Expo.

29 Jan 2024

Hong Zhang, académica: “Não há uma crise chinesa iminente”

Hong Zhang, bolseira de pós-doutoramento em política pública da China no Ash Center da Harvard Kennedy School, defende que a economia chinesa poderá abrandar a curto prazo, embora uma possível crise económica não seja algo “iminente” nem comparável à crise do subprime de 2008. Sobre os investimentos no sector das infra-estruturas, Hong Zhang fala de um novo posicionamento das empresas chinesas como principais investidoras

 

 

O seu trabalho foca-se no estudo da política económica chinesa em torno dos investimentos em infra-estruturas e na relação com a diplomacia do país. Que análise faz à evolução desta relação nos últimos anos?

Na era maoísta, entre os anos 50 a 70, a China começou a recorrer a diversos projectos estrangeiros para construir ligações com países desenvolvidos ou com as nações que tinham obtido a sua independência recentemente. Depois da transição económica da China nas décadas de 70 e 80, alguns destes apoios concedidos no estrangeiro tornaram-se práticas comerciais, sendo que as entidades que concederam estes apoios tornaram-se nas primeiras a terem permissão para fazer negócios a nível mundial. Tal significa que foram as primeiras a terem presença noutros países e a desenvolverem projectos de construção de infra-estruturas, o que levou experiência estrangeira para a China, muito necessária na altura. De um ponto de vista histórico, esses projectos com ajuda [da China] tornaram-se próximas daquilo que temos hoje em dia. Nos últimos anos a China concedeu vários empréstimos para países em desenvolvimento, pretendendo promover a sua indústria nesses países. Traço também um olhar sobre a estrutura desta indústria [de infra-estruturas] porque é muito dominada por empresas do Estado que competem bastante entre si e que não estão muito coordenadas. Por isso é que, em muitos mercados estrangeiros, vemos empresas que, a fim de competir pela obtenção de contratos, se anulam mutuamente. Claro que os empréstimos concedidos pela China desempenharam um importante papel para que as grandes empresas chinesas pudessem ganhar projectos de infra-estruturas de larga escala, nomeadamente a construção de auto-estradas ou centrais de energia hidroeléctrica. São projectos que acarretam elevados riscos e, por norma, não são financiados por outras fontes, tal como o Banco Mundial ou outros apoios bilaterais. Isso tornou-se num nicho de mercado para as empresas chinesas, daí que tenhamos visto, nos últimos anos, tantos projectos de larga-escala apoiados pela China. Contudo, devemos ter em atenção que este modelo se baseia em empréstimos governamentais, muitos deles concedidos [directamente] entre Governos. Este modelo vai, provavelmente, chegar ao fim dado o elevado número de empréstimos concedidos nos últimos dez anos, pois muitos países em desenvolvimento terão atingido o seu limite de endividamento.

Pode assistir-se cada vez mais a processos de reestruturação de dívida?

A grande preocupação reside no facto de muitos países se terem endividado tanto que terão de reestruturar as suas dívidas. Vamos começar a ver cada vez mais modelos alternativos [de financiamento] da parte de algumas empresas líderes da China, com estas a irem directamente para os países investir o seu capital. Penso que o Governo chinês está interessado em trabalhar com empresas europeias ou instituições financeiras para promover [o know-how chinês em matéria de infra-estruturas] e para fazer esta indústria crescer em todo o mundo. Ter a fonte de financiamento é uma coisa, mas ter empresas com capacidade para construir estes projectos é outra coisa.

Este modelo alternativo de financiamento também existe na estratégia “Uma Faixa, Uma Rota”?

Esta estratégia depende de muita mobilização, e não funciona apenas se Pequim tiver uma ideia concreta, programas e linhas de financiamento para a promover. Só funciona se forem mobilizadas numerosas empresas e actores nacionais para trabalharem em conjunto nesta direcção. Claro que funciona porque há muitos interesses envolvidos e estas empresas têm interesse em ir para mercados estrangeiros, obter novos contratos e ganhar determinados projectos. Há uma espécie de modelo de negócio em torno da estratégia “Uma Faixa, Uma Rota”. Além disso, o novo modelo [de financiamento] que referi é relativamente novo neste sector [das infra-estruturas]. Hoje em dia só as grandes empresas chinesas podem passar para a posição de investidores em projectos de infra-estruturas e não apenas partes contratantes.

Porquê?

Porque, por definição, os projectos de infra-estruturas acarretam elevados riscos. Qualquer investidor mostra–se reticente em investir neste tipo de projectos e espera, primeiro, que funcionem a longo prazo. Normalmente esse papel [de investimento] é do Governo, certo? Nas últimas duas décadas verificou-se, sobretudo nos países em desenvolvimento, a tendência global de apostar nas parcerias público-privadas. Tal implica que o Governo trabalha juntamente com investidores no financiamento e planeamento de projectos, existindo ajustes para que os privados se sintam mais seguros para investir e possam esperar um retorno a longo prazo. Isso está a acontecer com as empresas chinesas, que procuram aderir a esta tendência, mas é algo novo, não tendo ainda conhecimento suficiente ou ferramentas para operar como investidores. Isto é algo novo para quem estuda políticas económicas, como eu, porque vemos as empresas chinesas a desempenharem um papel diferente quando envolvidas em projectos de longo curso, podendo ter uma relação diferente com os accionistas locais, comparada com a que tinham sendo apenas partes contratadas de um projecto. Mas a percentagem de empresas chinesas que tem este novo papel a nível mundial é ainda muito baixa.

A China sofre o risco de uma crise económica com impacto mundial, tendo em conta o panorama verificado no sector imobiliário?

Se pensarmos numa crise como a que tivemos em 2008 na Europa e nos EUA, a situação na China é muito diferente. Provavelmente não iremos ver este tipo de crise, em que há uma grande instituição financeira a colapsar, com impactos a nível mundial. Na China há muitas questões económicas que são estruturais, ao contrário do que se passa nos EUA e Europa, em que algumas crises se relacionam especificamente com o sistema financeiro. O mais preocupante é que as empresas imobiliárias têm sido, nas últimas três décadas, um importante sector na economia chinesa, e isso está relacionado com inúmeras questões.

Quais?

Uma delas é que a urbanização da China tem estado muito ligada com o desenvolvimento do imobiliário de duas formas: uma delas é, claro, o facto de as pessoas irem para as cidades e comprarem e construírem casas. Outra, deve-se ao facto de grande parte da receita fiscal dos Governos locais ser oriunda da venda de terrenos, pois todos são do Estado. Para que os construtores consigam desenvolver algum tipo de projecto têm de adquirir terra às autarquias locais, sendo que no sistema fiscal chinês o Governo central fica com uma grande percentagem dessas vendas, deixando os Governos locais com uma pequena percentagem de receitas. As autarquias locais são responsáveis por disponibilizar uma série de serviços à população, como é o caso da educação, existindo um desfasamento entre as receitas obtidas e as suas necessidades de despesa. Por isso é que essas autarquias têm estado cada vez mais dependentes das receitas provenientes da venda de terrenos. Daí que os Governos locais promovam o desenvolvimento do sector imobiliário, o que explica a existência de muitas cidades-fantasma. É um problema estrutural, receando-se que, com o abrandamento do imobiliário, as autarquias locais não tenham receitas suficientes para salários ou outras necessidades sociais da população. Daí o sector imobiliário ser tão importante e gerador de tantas preocupações.

Não há também uma ligação à banca?

Claro que há um grande apoio dos bancos em relação ao imobiliário, pois os Governos locais apoiam-se em empréstimos. O abrandamento do imobiliário afectaria, sem dúvida, outras áreas da economia chinesa, mas como o sistema financeiro chinês não está tão interligado como o da Europa ou EUA, provavelmente não assistiremos a uma crise como a que se registou em 2008, do subprime, com a falência do Lehman Brothers, que levou ao colapso de outras instituições. Contudo, esta crise será um processo lento, pois as dívidas das autarquias locais vão sempre existir, mantendo-se o modelo da conexão estrutural entre o sector do imobiliário, as receitas dos Governos locais e o desenvolvimento económico em geral.

É necessário um novo modelo económico?

Sem dúvida que a China precisa de transitar para um modelo diferente do anterior, que é altamente insustentável e a origem de muitos problemas. Mas não vai aparecer uma solução rápida num ano ou dois. Sempre houve este apelo e o Governo sempre teve políticas de reestruturação económica em prol de uma menor dependência das exportações, que era o principal modelo de crescimento antes da crise financeira, ou de um menor afastamento dos investimentos em infra-estruturas ou desenvolvimento urbanístico. Daí que grande parte do que está em causa [a nível económico] se relaciona com o imobiliário. A grande preocupação reside no facto de, como este sector tem sido tão importante na economia, as autoridades não se dariam ao luxo de o deixar abrandar demasiado. Nos últimos anos, devido ao aumento dos preços da habitação, as autoridades adoptaram uma série de medidas para limitar a compra de novas casas, para tentar abrandar o sector. Mas agora que todos falam desta situação [o caso da Evergrande], existe a preocupação de que o Governo possa adoptar medidas de curto prazo que façam com que a economia regresse aos problemas estruturais que sempre enfrentou, e aí não haverá medidas suficientes para reestruturar a economia a longo prazo. A implementação de melhores políticas de reestruturação económica, com, por exemplo, a promoção do consumo interno, para que a economia não se baseie tanto num modelo de exportações e investimento, tem existido. Mas agora há restrições no consumo porque há falta de crescimento salarial e isso relaciona-se com o mercado de trabalho, sobretudo para os jovens que, hoje em dia, têm muita dificuldade em encontrar emprego. Daí que, provavelmente, possamos ver um abrandamento da economia chinesa nos próximos dois anos. Não é uma crise iminente, mas temos de nos preparar para esse abrandamento.

Como explica o elevado desemprego jovem no país? É consequência da pandemia ou é um cenário mais estrutural?

Penso que é mais estrutural. Claro que a pandemia atingiu as pessoas de forma muito dura, sobretudo as empresas, tendo em conta que as pequenas e médias empresas são principais criadoras de emprego. O nível salarial está a aumentar o que faz com que muitas destas empresas não possam contratar mais, e há um desajustamento, pois muitos jovens têm hoje formação universitária, mas esta pode não ser a qualificação certa para eles. São questões de longo prazo que foram aceleradas pela pandemia.

29 Jan 2024

China | Condenada passagem de contratorpedeiro norte-americano pelo Estreito de Taiwan

A China condenou ontem a passagem de um contratorpedeiro norte-americano pelo Estreito de Taiwan como uma provocação que “prejudica a paz e a estabilidade” na região, afirmando que as suas forças militares monitorizaram o navio e responderam aos movimentos.

“O [contratorpedeiro] Arleigh Burke USS John Finn navegou pelas águas do Estreito de Taiwan a 24 de Janeiro com o objectivo de provocar problemas e procurar notoriedade”, disse ontem o porta-voz Shi Yi, numa declaração publicada na conta oficial do Teatro de Operações Oriental do exército chinês na rede social Weibo.

Shi disse que o Exército de Libertação Popular da China organizou tropas para seguir e avistar o navio norte-americano e actuou “de acordo com a lei e os regulamentos”.

O porta-voz acusou os EUA de “frequentes actos de provocação” que “minam maliciosamente a paz e a estabilidade regionais”. Assegurou ainda que as forças do Comando do Teatro Oriental da China estão “sempre em alerta” e “defenderão resolutamente a soberania e a segurança nacionais e a paz e a estabilidade regionais”.

Rotinas e exercícios

O porta-voz do ministério da Defesa chinês, Wu Qian, afirmou ontem que as Forças Armadas chinesas efectuaram recentemente patrulhas conjuntas de rotina no espaço aéreo e marítimo em torno de Taiwan. O porta-voz afirmou que os exercícios militares têm como objectivo “elevar o nível de treino realista das tropas e reforçar a capacidade de defender a soberania e a integridade territorial do país”.

Wu sublinhou que a situação real no Estreito de Taiwan é que “a soberania e o território da China nunca foram divididos, e o estatuto legal e o facto de Taiwan fazer parte da China nunca mudaram”. A passagem do USS John Finn pelo Estreito de Taiwan marca o primeiro movimento de um navio de guerra norte-americano na zona desde 13 de Janeiro, data em que se realizaram eleições na ilha.

26 Jan 2024

IAM | Licenciamento de bares e restaurantes simplificado

O Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) criou uma nova plataforma para o licenciamento de bares, cafés e restaurantes com o objectivo de “elevar a eficácia do regime de agência única para o licenciamento de estabelecimentos de comidas e bebidas, respondendo às solicitações do sector”.

Assim, através da nova secção “Plataforma de apreciação conjunta”, integrada na já existente “Plataforma para Empresas e Associações”, poderão ser feitos todos os procedimentos para o licenciamento destes espaços de restauração, nomeadamente para a obtenção da licença prévia de obra ou da realização da inspecção contra incêndios, a fim de “resolver os problemas enfrentados pelo sector”, esclarece o IAM em comunicado.

De frisar que estas mudanças surgem no contexto da entrada em vigor, ontem, do novo regulamento administrativo relativo ao “Procedimento de licenciamento de estabelecimentos de comidas e bebidas segundo o regime de agência única”, originalmente de 2003. Este diploma determina que os empresários que abrem novos negócios nesta área podem tratar online de todos os requerimentos para a obtenção de licenças numa só plataforma. Os documentos submetidos na plataforma única serão transferidos para todos os serviços públicos envolvidos no licenciamento destes espaços. Desta forma promete-se uma gestão sincronizada dos processos, reduzindo o tempo gasto com burocracias.

Esta medida inclui ainda a criação do regime de licenciamento prévio de obra, em que os requerentes, mediante a entrega da apólice de seguro, a lista de verificação técnica e declaração na plataforma, recebem um recibo válido com a licença de obra, podendo iniciar os trabalhos no dia seguinte ao da emissão do papel. A nova plataforma promete ainda simplificar os processos de vistoria.

26 Jan 2024

IC | Cancelado espectáculo com nudez e “linguagem obscena”

O Instituto Cultural (IC) cancelou o espectáculo “Made by Beauty” [Feito pela Beleza] que integrava o cartaz deste ano do festival Fringe, e que teve a sua primeira sessão esta terça-feira. Segundo a TDM Rádio Macau, a presidente do IC, Leong Wai Man, o conteúdo do espectáculo não estava de acordo com o que foi apresentado inicialmente pela companhia de teatro Miss Bondy’s Utopia na fase de candidatura ao Fringe, tendo sido sugeridas alterações ao conteúdo da peça. Contudo, a companhia não terá aceite fazer mudanças e o IC avançou para a suspensão do espectáculo.

Citada pelo jornal Ou Mun, a presidente do IC lamentou o cancelamento, mas destacou que está em causa o princípio de justiça e que não pode haver situações injustas em relação a outras companhias.

No website do Fringe lê-se que a peça foi cancelada devido a “circunstâncias imprevistas”. Ligada ao teatro físico, “Feito pela Beleza” era uma peça com algumas cenas de nudez, que questionava certos valores estéticos da actualidade, como os “lábios vermelhos, costas profundamente decotadas, minissaia, meias de vidro pretas, saltos altos”, num “mundo disparatado, em que é preciso ser-se atraente”. O espectáculo explorava, assim, “os conceitos universais da atracção fisica”, deixando de lado “a moralidade e a racionalidade”, numa fuga “de todos os problemas do mundo através do sarcasmo”. A ideia era “votar na beleza definida por nós e inspirar o mundo em redor com uma atitude astuciosa”.

O espectáculo estava classificado como sendo para maiores de 18 anos, tendo a nota “contém linguagem obscena e nudez que poderão ofender a sensibilidade de alguns espectadores”.

26 Jan 2024

Jockey Club | Leong Hong Sai questiona aproveitamento do terreno

Várias vozes da sociedade têm questionado o futuro aproveitamento do terreno onde se situa o Macau Jockey Club. Desta vez, é o deputado Leong Hong Sai que pede explicações ao Governo e alerta para que se evitem os erros cometidos na gestão do terreno do Canídromo

 

O fim do Macau Jockey Club deixou várias incertezas quanto ao uso que se dará ao enorme terreno situado no centro da Taipa. O deputado Leong Hong Sai, ligado à União Geral das Associações de Moradores de Macau (UGAMM) pede, em interpelação escrita, que o Governo anuncie o mais cedo possível como será aproveitado o terreno, defendendo o seu uso para a realização de espectáculos de teatro e índole artística. O deputado sugeriu também que poderia ser criado um museu para contar a história das corridas de cavalos em Macau.

Leong Hong Sai recorda que, segundo o Plano Director, o terreno fica numa zona destina a habitação, turismo e diversões, pelo que existem limitações quanto ao seu aproveitamento.

“Caso se faça o planeamento segundo o Plano Director, o uso do terreno será limitado, mas caso o Governo queira outras condições para a utilização do solo, será inevitável alterar o Plano Director. Qual é então a posição do Governo quanto ao uso do terreno do Jockey Club?”, questionou.

Evitar repetições

O deputado ligado à UGAMM lembrou ainda a situação do terreno do Canídromo, onde existiram, durante décadas, apostas em corridas de galgos e que fechou portas em 2018, estando ainda sem qualquer utilização definitiva.

Nesse sentido, Leong Hong Sai defende um uso provisório para o terreno do Jockey Club. “Sugiro que o Governo alugue parte dos terrenos para fins comerciais para facilitar a gestão, a fim de não se repetir a história do Canídromo, evitando perder-se claros benefícios económicos”, acrescentou.

O deputado entende que, uma vez que o terreno do Jockey Club tem uma boa localização na Taipa, numa zona com muita densidade populacional, pelo que, se o aproveitamento do espaço correr bem, pode “trazer benefícios sociais e económicos consideráveis”.

Leong Hong Sai revela ainda preocupação com a situação dos cavalos usados nas corridas, um total de 290, lembrando que o Governo colocou a possibilidade de os animais serem enviados para o interior da China para serem utilizados por clubes de hipismo.

Contudo, o deputado lembrou que, em Macau, também há uma escola de equitação, ligada ao Jockey Club, questionando se as autoridades podem comunicar com a concessionária para que parte dos cavalos fiquem no território. Recorde-se que a empresa gestora do Jockey Club e o Governo acordaram a cessão do contrato de concessão, que termina em Abril.

26 Jan 2024

Orquestra | Secretária ignora decisão do tribunal e extingue concurso

A secretária para os Assuntos Sociais e Cultura extinguiu o concurso público para o preenchimento de uma vaga na Orquestra Chinesa de Macau depois do tribunal ter dado razão a uma candidata que contestou os resultados. Tribunal de Segunda Instância obriga agora Elsie Ao Ieong U a republicar lista final com nova classificação de candidatos

 

Elsie Ao Ieong U, secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, extinguiu um concurso público para o preenchimento de uma vaga na Orquestra Chinesa de Macau (OCM) a 15 de Junho de 2022 ignorando a decisão, de 12 de Maio do mesmo ano, do Tribunal de Segunda Instância (TSI), que deu razão a uma das candidatas que contestou a classificação final obtida nesse mesmo concurso.

A decisão do TSI, que à data da extinção do concurso já transitava em julgado, obrigava a secretária a publicar nova lista de classificações em que seria atribuída à candidata recorrente “uma classificação final mais elevada do que a da contra-interessada”.

Um novo acórdão do TSI, ontem divulgado, vem agora obrigar a secretária a publicar uma nova lista de candidatos seleccionados com as novas classificações.

O caso remonta a 17 de Março de 2021, quando o IC publicou, em Boletim Oficial, a lista classificativa final dos candidatos ao concurso para o preenchimento de uma vaga na categoria de técnico superior de segunda classe, primeiro escalão, na área da música chinesa da OCM.

Uma das candidatas recorreu da nota obtida, um recurso que foi rejeitado pela secretária. A mulher em questão recorreu depois da decisão de Elsie Ao Ieong U junto do TSI, tendo este tribunal entendido que, ao analisar os currículos dos candidatos ao trabalho, “a Administração não ponderou que, entre 2012 e 2017, [a candidata] tinha prestado serviços ao IC em regime de contrato de prestação de serviços”.

Desta forma, o tribunal entendeu que o IC fez “um erro manifesto no exercício de poderes discricionários”, algo que constituiu “o vício de violação de lei”. O facto de a secretária ter decidido extinguir o concurso sem cumprir a decisão do tribunal levou a candidata a interpôr, em Outubro, novamente junto do TSI, uma acção execução para que a secretária para os Assuntos Sociais e Cultura cumprisse a ordem do tribunal.

O caminho certo

Na altura em que a secretária declarou extinto o concurso já a decisão do TSI tinha transitado em julgado, pelo que os procedimentos de avaliação dos currículos teriam de ser revistos pelo Governo, publicando-se uma nova lista de candidatos.

A segunda decisão do TSI cita um parecer emitido pelo Ministério Público que, baseando-se no Código de Processo Administrativo Contencioso, declara que “as decisões dos tribunais em processos do contencioso administrativo, quando transitadas em julgado, devem ser espontaneamente cumpridas pelos órgãos administrativos no prazo máximo de 30 dias”.

Além disso, no caso em questão “não se verificou a causa legítima para o incumprimento da decisão judicial” por parte do Executivo. O cumprimento da decisão implicava, portanto, “a retoma do procedimento concursal no momento imediatamente anterior ao do acto que foi anulado”, ou seja, a publicação da lista de classificação final.

O TSI esclarece que mesmo com as mudanças na gestão da OCM, que desde 2021 é gerida pela empresa Sociedade Orquestra de Macau, Limitada, “o procedimento concursal é o mesmo”, pelo que “o correcto caminho” a adoptar pelo Governo seria “continuar com a conclusão do procedimento em causa e, depois, o melhor classificado [do concurso] ser contratado pela nova entidade que passara a gerir a Orquestra Chinesa de Macau”. Cabe agora à secretária publicar a nova lista com classificações dos candidatos no prazo de 20 dias.

25 Jan 2024

CAM | Previsto aumento de passageiros superior a 20%

Simon Chan, presidente da comissão executiva da CAM – Sociedade do Aeroporto Internacional de Macau, disse ontem esperar que o número de passageiros este ano seja superior em 20 por cento face ao tráfego registado no ano passado. Quanto às receitas de 2023, registou-se uma recuperação de 65 por cento em relação aos valores de 2019

 

O turismo tem vindo a recuperar desde Janeiro do ano passado e a prova disso mesmo é que a CAM – Sociedade do Aeroporto Internacional de Macau espera números ainda mais positivos no tráfego de passageiros para este ano.

Num almoço de Primavera com órgãos de comunicação social, Simon Chan, presidente da comissão executiva da CAM, disse que este ano pode registar-se um aumento anual no número de passageiros e tráfego aéreo em 20 por cento face ao ano passado, ainda que a situação internacional em matéria de segurança seja complicada.

“A situação da segurança internacional e do desenvolvimento económico global é complexa, mas estimamos que o movimento de passageiros e do tráfego aéreo do aeroporto aumentem em mais de 20 por cento”, disse o responsável.

Há cerca de duas semanas, o responsável pelo departamento de marketing da CAM, Eric Fong Hio Kin, estimou um aumento do número de passageiros entre 10 e 15 por cento para 2024. Tal significa, com base nesses números, que o número anual de passageiros pode aproximar-se dos seis milhões, acima dos 5,15 milhões de passageiros registados em 2023. Contudo, com os números apontados por Simon Chan, o Aeroporto Internacional de Macau poderá receber este ano 6,3 milhões de visitantes.

No que diz respeito às aeronaves executivas, o presidente da comissão executiva da CAM falou de uma subida de 40 por cento, com o volume da carga transportada a poder aumentar nove por cento.

Mais voos em vista

Tendo em conta a chegada do período de férias associado ao Ano Novo Chinês, Simon Chan referiu também que haverá 13 voos fretados adicionais, incluindo sete para o interior da China, três para Taipei, Taiwan, e mais três para as cidades de Banguecoque, Cam Ranh e Phnom Penh, no sudeste asiático.

Estão também previstas várias obras preparatórias do aterro de ampliação do aeroporto. “Vamos lançar muitos concursos públicos para obras de optimização da zona de estacionamento de aviões antes [da construção] do aterro e [respectiva] ampliação do aeroporto. Já começamos a monitorização ambiental e dos recursos hídricos, pelo que prevemos arrancar com as obras do aterro na segunda metade deste ano”, disse.

Recorde-se que o pedido do aterro para a ampliação do aeroporto feito pelas autoridades locais obteve aprovação do Conselho de Estado da China em Outubro de 2022.

No encontro de ontem com os media, houve ainda tempo para falar da previsão das contas da CAM no ano passado. Estima-se que a receita total seja de 1,18 mil milhões de patacas, um aumento anual de 178 por cento, com Simon Chan a prever que as receitas atinjam 65 por cento dos valores registados em 2019.

Tendo em conta que, no ano passado, o aeroporto registou 5,15 milhões de passageiros, o responsável fala numa recuperação de 54 por cento face a 2019. O número global do tráfego aéreo foi de 42,5 mil voos, uma recuperação de 55 por cento face ao ano anterior à pandemia.

25 Jan 2024

Literatura | Sara F. Costa lança o seu primeiro livro de ficção em Fevereiro

Conhecida pela sua poesia e proximidade com a língua chinesa, Sara F. Costa decidiu aventurar-se num novo género literário e o resultado está aí: “Cidade Cinza” é o seu primeiro romance, apresentado como “experimental”, e será lançado na edição deste ano do Festival Correntes d’Escritas que acontece na Póvoa do Varzim

 

Maddy vive na cidade de Cinza, da qual pouco ou nada sabe. Para ela, este território é uma novidade. Segue-se uma busca pela urbanidade do lugar, os seus mistérios e complexidades, “num trilho de descobertas e reencontros”, tratando-se também de “um desafio aos limites na busca de laços familiares perdidos no tempo”.

“Cidade Cinza”, novo livro da autora portuguesa Sara F. Costa, prestes a ser lançado em Portugal, vagueia pelas categorias de fantasia, fantástico ou ficção científica, sendo a estreia da escritora, habitualmente poetisa e tradutora, no género literário da ficção. Com a chancela da editora Labirinto, “Cidade Cinza” será lançado em Fevereiro e também na próxima edição do festival literário Correntes d’Escritas, que decorre na cidade portuguesa Póvoa do Varzim.

A história interliga-se com as próprias vivências da autora, que residiu em Pequim, onde estudou mandarim. Segundo um comunicado, este é um “romance experimental”, onde os elementos da história não são colocados ao acaso e todos “são, de alguma forma, autobiográficos, embora dificilmente o leitor conseguisse decifrar tais elementos porque a história parece passar-se num sítio sem tempo nem espaço”.

Descreve-se ainda que o estilo narrativo é inspirado “na própria prosa contemporânea chinesa e em escritoras um tanto desconhecidas para a maior parte do público português como Can Xue ou Shen Dacheng”. Mas há espaço também para as influências de nomes como Jorge Luís Borges, Samuel Beckett ou Italo Calvino.

No primeiro capítulo de “Cidade Cinza”, descreve-se um condomínio como “uma espécie de criança impossível, atravessada entre os dentes”, onde “nenhum rosto humano [está] ao abrigo da dialéctica”. Foi para este condomínio que se mudaram os pais de Maddy, a personagem principal que tenta descobrir os meandros desta cidade de cor cinza.

Uma certa “essência”

O enredo de “Cidade Cinza” apresenta ainda uma “intrínseca interconexão entre o destino dos seus habitantes e a própria essência da cidade”, sendo que a narrativa de Sara F. Costa se caracteriza “por uma dissolução das fronteiras entre o real e o fantástico, onde a atmosfera é impregnada por um aroma que mescla elementos urbanos com vislumbres de uma fauna surreal”.

É nesta “metrópole” que se apresenta o percurso de Madddy, em que a cidade se apresenta como “fusão de tradições ancestrais e avanços tecnológicos”, manifestando-se como “um labirinto de experiências alucinatórias, confundindo e cativando os seus moradores com a incerteza sobre as suas identidades”.

Assim, “Maddy empreende uma jornada para desvendar os mistérios da sua origem e reconectar-se com uma família distante, ultrapassando os limites desta cidade enigmática, enfrentando desafios inesperados”. Na cidade, a melancolia “assume a forma de um cão depressivo e os ambientes de trabalho convertem-se em espaços que remetem a jardins tropicais”, pelo que Maddy “atravessa um universo repleto de simbolismos”.

Desta forma, “cada elemento [do livro] apresenta um convite à reflexão, espelhando a complexidade da condição humana”. Maddy procura sempre, “através de uma jornada repleta de realidade e ficção, atenuar a sua ansiedade existencial, procurando uma compreensão mais profunda no meio do caos que a circunda”. Esta cidade cinza é reflexo da “contínua procura do ser humano por entendimento e serenidade num mundo fracturado e misterioso”.

Percurso premiado

Nascida em 1987, Sara F. Costa já marcou presença em Macau por diversas vezes, tendo sido uma das convidadas da última edição do festival literário Rota das Letras, dada a sua proximidade à literatura e cultura chinesas. A obra da autora tem sido galardoada com diversos prémios literários. O seu último livro, “A Transfiguração da Fome”, obteve o Prémio Literário Internacional Glória de Sant’Anna para melhor obra de poesia publicada em países de língua portuguesa em 2018.

Como poeta europeia emergente, Sara F. Costa participou no Festival Internacional de Poesia e Literatura de Istambul 2017 e, no ano seguinte, fez parte da organização do Festival Literário de Macau e do Festival Internacional de Literatura entre a China e a União Europeia em Shanghai e Suzhou, China.

Em 2019, foi autora convidada da segunda edição do “Chair Poetry Evenings” em Calcutá, India. Para além da poesia, escreve também ficção e traduz literatura chinesa para português e inglês.

Em 2020, Sara F. Costa lançou ainda uma antologia de poesia contemporânea chinesa por si seleccionada e traduzida, intitulada “Poética Não Oficial“ e também editada pela Labirinto. Publicou várias crónicas no HM e foi membro da direcção da associação APWT – Asian-Pacific Writers and Translators). Obteve em 2021 uma bolsa de criação literária do Governo português. Dessa bolsa surgiu o livro “Ser-Rio, Deus-Corpo”, traduzido também para castelhano e inglês.

24 Jan 2024