Primeira visita à Falésia Vermelha, de Su Dongpo

Tradução de António Graça de Abreu

赤壁赋

壬戌之秋,七月既望,苏子与客泛舟游于赤壁之下。清风徐来,水波不兴。举酒属客,诵明月之诗,歌窈窕之章。
少焉,月出于东山之上,徘徊于斗牛之间。白露横江,水光接天。纵一苇之所如,凌万顷之茫然。浩浩乎如冯虚御风,而不知其所止;飘飘乎如遗世独立,羽化而登仙。于是饮酒乐甚,扣舷而歌之。歌曰:
“桂棹兮兰桨,击空明兮溯流光。渺渺兮予怀,望美人兮天一方”
客有吹洞箫者,倚歌而和之。其声呜呜然,如怨如慕,如泣如诉,余音袅袅,不绝如缕。舞幽壑之潜蛟,泣孤舟之嫠妇。苏子愀然,正襟危坐而问客曰:“何为其然也?
”客曰:“月明星稀,乌鹊南飞,此非曹孟德之诗乎?西望夏口,东望武昌,山川相缪,郁乎苍苍,此非孟德之困于周郎者乎?方其破荆州,下江陵,顺流而东也,舳舻千里,旌旗蔽空,酾酒临江,横槊赋诗,固一世之雄也,而今安在哉?
况吾与子渔樵于江渚之上,侣鱼虾而友麋鹿,驾一叶之扁舟,举匏樽以相属。寄蜉蝣于天地,渺沧海之一粟。哀吾生之须臾,羡长江之无穷。挟飞仙以遨游,抱明月而长终。知不可乎骤得,托遗响于悲风。”
苏子曰:“客亦知夫水与月乎?逝者如斯,而未尝往也;盈虚者如彼,而卒莫消长也。盖将自其变者而观之,则天地曾不能以一瞬;自其不变者而观之,则物与我皆无尽也,而又何羡乎!
且夫天地之间,物各有主,苟非吾之所有,虽一毫而莫取。惟江上之清风,与山间之明月,耳得之而为声,目遇之而成色,取之无禁,用之不竭,是造物者之无尽藏也,而吾与子之所共适。”
客喜而笑,洗盏更酌。肴核既尽,杯盘狼籍。相与枕藉乎舟中,不知东方之既白。

No Outono de 1081, a 16 do sétimo mês, fui de barco com alguns amigos até à Falésia Vermelha. Soprava uma brisa doce, serenas as águas do rio. Ofereci vinho aos meus amigos, recitámos poemas em louvor da lua, entoámos canções da minha autoria.
Depois, a lua apareceu sobre as montanhas do leste e começou a sua viagem entre as constelações. Uma leve névoa branca estendia-se sobre o rio, o brilho das águas confundia-se com o resplandecer do céu. Demos liberdade à frágil barca e vogámos para águas distantes, como se flutuássemos no vazio, cavalgando brisas, despreocupados quanto a parar, como se tivéssemos abandonado o mundo suspensos nas asas do vento e fôssemos uma espécie de génios imortais.
Bebíamos, satisfeitos, cantávamos marcando a cadência na madeira da barca. Foi esta a canção:

Os remos traseiros são de pau de canela,
os remos da frente são caules de orquídeas.
Batem na luminosidade do céu,
subindo no cintilar da corrente.
No espaço ilimitado
abre-se o sentir de um coração.
Ao longe, um homem sábio,
caminha pelos confins do mundo.

Um dos convidados da jornada sabia tocar flauta e acompanhou a nossa canção. A música suspirava, como um queixume, um soluço, um gemido, o som prolongava-se, ondulante, estendendo-se como fios de seda. O dragão das águas dançava na sua caverna escondida, lágrimas encharcavam a barca de uma viúva solitária.
Emocionado, apertei os panos da minha cabaia e perguntei ao meu amigo o porquê da tristeza e da melancolia. Respondeu:

“O príncipe guerreiro Cao Cao já tudo explicou.
Clara a lua, raras as estrelas,
os corvos sombrios voam para sul.”

Ora a oeste de onde nós estávamos, situa-se Xiakou, do outro lado, a leste, fica Wuchang. Misturam-se as montanhas e os cursos de água, imensos, sombrios, azuis. Aqui foi Cao Cao derrotado pelo jovem Zhou Yu. Depois de ter tomado de assalto a cidade de Jingzhou e submetido Jiangling, o príncipe Cao avançou para leste, seguindo o leito do rio. As suas barcaças de guerra estendiam-se por cem léguas, os seus pendões e bandeiras escondiam o céu. Sentado nas margens do rio, tendo guardado a sua alabarda, bebia vinho e recitava poemas. Cao Cao foi um dos grandes heróis da nossa História, mas onde está hoje?
Como falar então de mim ou de vós, lenhadores, pescadores nas ilhotas do rio, camaradas de peixes e amigos de veados… Viajamos numa barca minúscula como uma casca de árvore, em vez de termos taças de vinho, bebemos em humildes calabaças, esvoaçamos entre céu e terra como gente efémera, somos simples grãos de cereal no meio de infindáveis mares. Lamentamos a passagem de uma vida tão breve e rápida, temos inveja do grande rio Yangtsé que jamais se cansa de correr. Gostávamos de nos juntar aos imortais no seu vôo, de partir para longe, de existir para sempre, arrastados pelo brilho do luar. Sabemos que tudo isso é impossível de alcançar e deixamos cair na placidez do vento o eco lúgubre das nossas queixas.
Eu pergunto: “Conhecem a água e a lua? Desaparecem, mas jamais se separam de nós. A lua cresce, decresce, mas não aumenta nem diminui.”
Se considerarmos o todo do ponto de vista do que muda, então o céu e a terra não deviam durar mais do que um piscar de olhos. Se considerarmos o todo do ponto de vista do que não muda, então a natureza e nós próprios, mudamos mas pouco.
Vale a pena invejar o que quer que seja?
Para tudo o que existe na natureza, entre céu e terra, surge sempre um mestre. É algo que não podemos escolher e decidir. Mas podemos contar com a brisa serena por cima do rio e uma lua clara entre montanhas. A primeira traz o som aos nossos ouvidos, a segunda, as cores aos nossos olhos. Estas podem ser nossas, para fruir sem gastar, o que mostra que o criador não escondeu tudo, há prazeres à solta ao alcance do coração dos homens.
Feliz, o meu amigo sorriu. Enxaguámos então as calabaças que enchemos outra vez de vinho. Comemos fruta e umas tantas iguarias. Os pratos e os copos espalhavam-se em desordem. Deitámo-nos nas tábuas da barca, encostados uns aos outros, sem nos apercebermos que, a leste, o dia já nascia.

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