Centro cultural é na Feira do Livro

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Em Lisboa e no Porto regressou a feira. Chamam-lhe a Feira do Livro. O livro é um património universal que merecia mais respeito. Em Lisboa estão patentes na 92ª edição, mais uma vez no Parque Eduardo VII, 340 pavilhões distribuídos por 140 participantes. Nunca fui simpatizante de feiras porque cheiram-me a sobras.

No entanto, nestas feiras do livro no Porto e em Lisboa, lá estão algumas obras novas de autores conhecidos e desconhecidos, os editores, os livreiros e algumas palhaçadas para distrair as criancinhas. As pessoas correm para a feira como se fossem comprar churros ou lâmpadas. Na maior parte dos casos os livros que são vendidos ou oferecidos, mesmo com o autógrafo do autor, não são lidos. Há gente que anda com o livro que comprou na mão para o trabalho, para o café, para o barbeiro ou para a pedicura. É gente que pensa ser intelectual tendo um livro.

Alguns autores aparecem na feira, autografam as suas obras e até tiram uma selfie com o comprador. Os editores pensam que a feira do livro é a salvação económica do ano. Não creio que assim seja, porque na volta que dei pela feira vi muitas sobras e a propósito permitam que vos saliente o que escreveu António Guerreiro numa das suas crónicas: “Quem visite a actual Feira do Livro e não sinta repulsa pelo populismo editorial dominante, ou tem um enorme poder de atravessar, imune, uma paisagem de destroços, ou perdeu a capacidade de reconhecer a violência que sobre ele é exercida. Aquele é um pasmado e gritante espaço onde os livros são atirados a uma simpática e contente fossa. E, depois de tanta farra, tanto barulho e tanta luz, todo esse espectáculo que parece ter-se tornado necessário para que um livro nos chegue às mãos, a sensação que dá, quando chega a hora de ler, é que se tornou já escuro demais”.

Os interessados por livros visitam a feira e a escolha é variada: ficção, romance, poesia, biografia, infantil e uma vasta gama de obras literárias onde, por vezes, os autores não estudaram literatura, mas a vontade de serem famosos fala mais alto.

Nas descrições que por estes dias vão aparecendo na imprensa, não parece gerar qualquer desconcerto este regime de enfartamento que a cada ano nos é tão pomposamente servido. E isto talvez se deva à eficácia desse efeito de colonização que a cultura popular gerou, neutralizando todos os antagonismos a essa nova mitologia que, segundo a escritora Dubravka Ugrešić, ajuda os consumidores a digerir a indigesta realidade, e, deste modo, a fazerem as pazes com ela.

É isto o que faz de qualquer denúncia do azucrinante ambiente de festa que tomou conta do comércio dos livros algo que é encarado como uma mera afectação de gente snob. Não consigo compreender estas feiras de livros quando me habituei a investigar as mais diferentes matérias onde estão os mais diversos livros que nos fornecem o conhecimento: as bibliotecas. Ou quando posso financeiramente adquirir um livro e me dirijo aos locais onde os livros novos e velhos me dão qualquer preferência de leitura: as livrarias.

Na feira de Lisboa vi autores angolanos, moçambicanos, cabo-verdianos mas, sabendo que Macau tem excelentes autores de literatura como Carlos Morais José ou de poesia como a obra do saudoso António Correia, não consigo compreender por que razão não existe um expositor exclusivamente dedicado aos muitos autores que escreveram a história de 500 anos de Macau e romances apelativos como os de Henrique Senna Fernandes.

Já esqueceram Macau? Talvez, porque nem fazem ideia que naquela região hoje administrada por chineses vivem artistas e literatos de alto nível cultural. Resta dizer-vos que nesta edição de 2022 fiz uma escolha. Não procurei os nomes sonantes. Como eu, muita gente deste povo que passa dificuldades vivenciais, levaram para casa algumas obras de cujo preço era o mais barato. Uma feira do livro pode ser considerada por uns dias o nosso centro cultural, já que em Portugal os vários ministros da Cultura nunca souberam edificar um Centro Cultural que não fosse uma feira…

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