O tuofei

Ana Jacinto Nunes

A belíssima Montanha da Ovelha Negra — cujo nome ignoramos a origem ou se, de algum modo, assume as características negativas da denominação ocidental —, além do xiao, alberga nas suas encostas esmeralda uma estranha ave, a que chamam tuofei. Tendo o corpo semelhante a uma grande coruja, o tuofei distingue-se por apresentar uma face humana e ser capaz de se equilibrar na sua única perna.

Além do seu fantástico aspecto, este bizarro pássaro parece apostado em tudo fazer ao contrário do que é apanágio na Natureza. Assim, mal os frutos começam a exalar o perfume da sua madurez, anunciando a chegada do Verão, os tuofeis recolhem-se nas grutas da parte mais alta da montanha e aí hibernam durante toda a estação quente. Só quando as temperaturas descem, as folhas se desprendem das árvores e os campos se preparam para vestir os mantos da geada invernal, é que os tuofeis se dignam abandonar as grutas e encher o ambiente com os seus alaridos.

Dizem as crónicas ser um espectáculo extraordinário observar os tuofeis quando estes resolvem, já depois das primeiras luzes outonais terem enrubescido os céus, voltar de novo à vida. Durante os primeiros dias, assiste-se a um certo caos no bando, pois as antigas relações são desfeitas ou esquecidas durante a hibernação e aquela sociedade de pássaros com face humana parte novamente da estaca zero. Formam-se novos casais e estabelecem-se novas solidariedades. Contudo, estes processos não são simples e implicam animadas, por vezes violentas, discussões entre as aves, o que propala nos ares um som obsessivo, parecido com os que emitem as cagarras.

Finalmente, quando de novo alguma ordem é restabelecida, o bando esboroa-se em grupos mais restritos, de dois ou três casais, e cada um segue a sua vida, aproveitando a abundância e segurança proporcionada por aquele magnífico ambiente.

Os machos que se quedam sem companheira, por alguma razão difícil de discernir, abandonam tristonhos a Montanha da Ovelha Negra e acabam vítimas de caçadores, que vendem as suas penas a altíssimo preço. É que, segundo os especialistas, quem as usar junto ao corpo, não terá receio de tempestades, de raios, de trovões e de outras calamidades. Já as fêmeas solitárias, geralmente mais velhas, erram pelos bosques, sozinhas ou em grupo, anunciando ao mundo em inexcedivelmente belos trinados a sua profunda desdita, o que parece comover os outros tuofeis. Como paga, o resto do bando vai-lhes deixando comida e oferecendo protecção.

Subscrever
Notifique-me de
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários