Economia | China tenta pôr termo a “crescimento fictício” por via da construção

Segundo o economista da Universidade de Pequim, Michael Pettis, a covid-19 veio acelerar o processo de desinvestimento do país em activos não produtivos. Pequim tenta afastar-se do modelo de crescimento assente no sector imobiliário

 

O abrandamento económico suscitado pela covid-19 vai obrigar a China a alocar capital de forma mais eficiente, pondo termo a décadas de “crescimento fictício”, alimentado pelo sector da construção, explica à Lusa o economista Michael Pettis.

O professor de teoria financeira na Faculdade de Gestão Guanghua, da Universidade de Pequim, vê no colapso de algumas das maiores construtoras do país um sinal de que a China se está a afastar do modelo de crescimento assente no investimento em activos não produtivos.

“Há muito crescimento fictício na China”, nota Pettis. “O excesso de investimento em todo o tipo de projectos de construção inflacciona o crescimento há vários anos”, descreve.

O termo “crescimento fictício” foi usado pela primeira vez pelo Presidente chinês, Xi Jinping, num ensaio publicado em 2021, que frisou a importância de o país alcançar um crescimento “genuíno”.

Em entrevista à agência Lusa, Michael Pettis, que vive no país asiático há duas décadas, considera que a campanha para desalavancar o sector imobiliário faz parte dos esforços de Pequim para pôr termo a esse modelo.

No ano passado, os reguladores chineses passaram a exigir às construtoras um tecto de 70 por cento na relação entre passivo e activos e um limite de 100 por cento da dívida líquida sobre o património, suscitando uma crise de liquidez no sector, que foi agravada pelas medidas de combate à covid-19.

Este mês, a Sunac tornou-se a mais recente construtora chinesa a entrar em incumprimento. O caso mais emblemático envolve a Evergrande Group, cuja dívida, que supera o Produto Interno Bruto (PIB) de Portugal, vai ser reestruturada.

“A maioria das estimativas coloca a contribuição do sector imobiliário para o PIB [Produtos Interno Bruto] da China entre 25 por cento e 30 por cento. Isto é duas a três vezes superior ao de outros países. O investimento em imobiliário por si só representa cerca entre 13 por cento e 14 por cento do PIB”, observa Pettis.

O rácio entre o preço dos imóveis e o valor das rendas no país asiático está entre os mais altos do mundo, sugerindo um retorno negativo sobre o capital investido. Em Pequim ou Xangai, o valor médio dos imóveis ascende a cerca de 23 vezes o vencimento médio anual dos residentes.

Para o economista, a alocação de capital para investimentos não produtivos na China ascende a uma “escala sem precedentes” na História.

“Normalmente, quando os economistas querem falar sobre um caso proeminente de grande quantidade de investimento não produtivo, eles apontam para o Japão na década de 1980”, indica. “O meu palpite é que em 10 ou 20 anos vão estar a falar da China”, acrescenta.

Exemplo espanhol

Diferentes analistas estimam existir na China propriedades vazias suficientes para abrigar mais de 90 milhões de pessoas – cerca de nove vezes a população portuguesa.

Em muitos casos, as casas são mantidas vazias pelos proprietários, por serem assim mais fáceis de vender a um próximo especulador. A estrutura assemelha-se a um esquema pirâmide, onde o activo não gera por si fluxo de capital, mas depende antes de um próximo investidor estar disposto a pagar mais pelo bem imóvel.

A crise no imobiliário tem fortes implicações para a classe média do país. Face a um mercado de capitais exíguo, o sector concentra uma enorme parcela da riqueza das famílias chinesas – cerca de 70 por cento, segundo diferentes estimativas.

Michael Pettis aponta para o exemplo de Espanha antes da crise financeira internacional de 2008.

“O período de rápido crescimento da economia espanhola foi impulsionado pelos fundamentos errados: a construção de imóveis nos quais ainda hoje ninguém mora, e uma enorme quantidade de infraestrutura, que foi além daquilo que o país necessitava”, descreve.

“Enquanto isto dura é óptimo”, nota. Mas, quando o aumento da dívida é incapaz de gerar retorno, o modelo torna-se insustentável, suscitando uma “desaceleração económica e potencial aumento do desemprego”.
Pettis prevê agora o fim de décadas de trepidante crescimento económico do país asiático.

“A China poderia ter continuado com o modelo actual por mais três ou quatro anos”, observa. “Mas, com o impacto económico da covid-19, estão a ficar sem tempo”.

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