Sexto relatório do IPCC – Alterações Climáticas 2022

Já não é novidade para ninguém que as alterações climáticas induzidas pelas atividades humanas têm vindo a causar danos a ecossistemas e afetado a vida das populações a nível global, apesar das muitas decisões e recomendações de organizações internacionais no sentido de serem tomadas medidas impeditivas dessa realidade. A ONU, através do seu órgão que monitoriza a evolução do clima, o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), reitera estas recomendações na segunda parte do Sexto Relatório de Avaliação sobre as alterações climáticas (Sixth Assessment Report – AR6).

Tomando em consideração que há certos conceitos importantes relacionados com as alterações climáticas, como “impactos”, “adaptação”, “vulnerabilidade” e “mitigação”, a estrutura do IPCC foi de tal maneira estabelecida que foram constituídos grupos de trabalho dedicados à sua avaliação e monitorização. Assim, e entrando em consideração que a Física é a ciência em que se fundamenta o estudo do clima, foram constituídos os seguintes Grupos de Trabalho: Grupo de Trabalho I (The Physical Science Basis) – trata da base física e científica das alterações climáticas; Grupo de Trabalho II (Impacts, Adaptation and Vulnerability) – debruça-se sobre impactos, adaptação e vulnerabilidade dos sistemas naturais e socioeconómicos às alterações climáticas; Grupo de Trabalho III (Mitigation of Climate Change)”- trata da mitigação das alterações climáticas, ou seja, sobre como atenuar essas alterações.

Desde que foi criado, em 1988, o IPCC já elaborou cinco Relatórios de Avaliação com uma periodicidade de cerca de seis anos, além de três relatórios intermédios específicos. São os seguintes os relatórios de avaliação periódicos e as respetivas datas: FAR (First Assessment Report – 1990), SAR (Second Assessment Report – 1995), TAR (Third Assessment Report – 2001), AR4 (2007) e AR5 (2013/2014). Devido à pandemia Covid-19, o AR6 sofreu atraso de cerca de um ano, pelo que as partes a cargo dos Grupos de Trabalho I e II só foram disponibilizadas ao público em agosto de 2021 e fevereiro de 2022, respetivamente. Além dos três Grupos de Trabalho, o IPCC tem ainda um quarto grupo, que se designa por Task Force, cujas funções consistem, entre outras, em supervisionar os inventários nacionais sobre as emissões e remoções de gases de efeito de estufa. As atividades dos três Grupos de Trabalho e da Task Force são apoiadas pelas Unidades de Apoio Técnico (Technical Support Units).

No Hoje Macau de 15 e 16 de setembro de 2021, tivemos a oportunidade de abordar a primeira parte do AR6 “Climate Change 2021 – The Physical Science Basis”, correspondente ao Grupo de Trabalho I, o que constituiu uma tentativa de dar a conhecer os principais aspetos do seu conteúdo. Cabe agora a vez de nos debruçarmos sobre a contribuição para o AR6 do Grupo de Trabalho II, intitulada “Climate Change 2022 – Impacts, Adaptation and Vulnerability”, um extenso documento de milhares de páginas. Como é prática habitual do IPCC, foi redigido um resumo, com 35 páginas, com o título “Resumo para os Decisores Políticos” (Summary for Policy Makers – SPM).

Tal como nos relatórios anteriores, é utilizada a linguagem habitual do IPCC, em que os níveis de confiança das principais projeções são expressos pelos seguintes qualificadores: nível de confiança muito baixo, baixo, médio, alto e muito alto. Assim, por exemplo, é atribuído o nível de confiança muito alto à projeção de que, no caso do aquecimento global atingir, a curto prazo, o valor de 1,5°C, implicaria o aumento inevitável da frequência de eventos meteorológicos perigosos. Por outro lado, é atribuído o nível de confiança alto à projeção, a médio e longo prazo, de que as alterações climáticas induzirão numerosos riscos aos sistemas naturais e humanos e que os impactos serão várias vezes maiores do que os observados atualmente, no que se refere aos 127 riscos significativos até agora identificados pelo IPCC. Estes riscos abrangem uma vasta gama de setores, nomeadamente saúde, economia, agricultura, infraestruturas e ecossistemas. Os riscos dependerão fortemente das ações de mitigação e adaptação que forem tomadas pelos decisores políticos a curto prazo, e os impactos adversos e as perdas e danos aumentarão a cada incremento do aquecimento global (nível de confiança muito alto).

São também usados os seguintes termos para avaliar a probabilidade de ocorrência das várias projeções das consequências das alterações climáticas: praticamente certo (99-100%), muito provável (90-100%), provável (66-100%), tão provável como improvável (33-66%), improvável (0-33%), muito improvável (0-10%), excecionalmente improvável (0-1%). Assim, por exemplo, quando no relatório se afirma que é muito provável que o aumento da temperatura no fim do corrente século, considerando o cenário de emissões intermédias, possa atingir valores entre 2,1 e 3,5°C, é o mesmo que afirmar que a probabilidade de que tal aconteça é de 90% a 100%.

Para efeitos de comparação dos valores da temperatura média global à superfície, adotou-se o período 1850-1900 como representativo da era pré-industrial, e os três períodos futuros de referência correspondem a curto prazo (2021-2040), médio prazo (2041-2060) e longo prazo (2081-2100).

Neste Relatório são definidos os conceitos que estão na base da designação do Grupo de Trabalho II: “Impactos”, “Adaptação” e “Vulnerabilidade”. O termo “Impactos” refere-se não só às consequências das alterações climáticas nas vidas, meios de subsistência, saúde, bem-estar, atividades sociais e culturais, mas também às consequências nos ecossistemas e espécies. “Adaptação” consiste no processo de ajuste ao clima atual ou futuro e suas consequências no sentido de moderar os danos ou aproveitar os efeitos benéficos. São exemplos de adaptação a barreira no rio Tamisa, construída com o propósito de evitar inundações em Londres causadas por marés cheias e marés de tempestade excecionalmente altas, e o plano para a cidade de Nova Iorque com o mesmo intuito.

Plano para proteger Nova Iorque de marés de tempestade

“Vulnerabilidade” define-se como a propensão ou predisposição de se ser adversamente afetado e abrange uma variedade de conceitos, incluindo sensibilidade ou suscetibilidade a danos e falta de capacidade de lidar com as alterações climáticas e de a elas se adaptar.

Nesta parte do relatório são também definidos outros termos, tais como “risco” (risk), “perigo” (hazard) e “resiliência” (resilience), com o intuito de evitar interpretações frequentemente usadas em linguagem corrente, mas que não correspondem exatamente ao seu significado técnico no AR6.

Entretanto, em 4 de abril de 2022, foi divulgada a terceira parte do AR6, pelo Grupo de Trabalho III. António Guterres, Secretário-Geral da ONU, no seu discurso a este propósito, enfatiza “O júri chegou a um veredicto, e é condenatório. Este relatório do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas é uma longa enumeração de promessas climáticas não cumpridas” e termina afirmando “As promessas e planos climáticos devem ser transformados em realidade e ação, agora. É hora de parar de queimar nosso planeta e começar a investir na abundante energia renovável ao nosso redor”.

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