Nasceu um novo tabu

Eram cinco da tarde da passada quarta-feira. No Palácio da Ajuda, em Lisboa, chegava um número incontável de veículos topo de gama. Mercedes, BMW, Lexus, Audi e todos os tipos de carros de topo de gama faziam fila para deixar os novos ministros e secretários de Estado que iriam tomar posse perante o Presidente da República. Um país tão pequeno com tanto narcisismo.

A dado momento, chegou o novo presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, e qual não foi o espanto de todos os jornalistas quando saiu do seu carro uma loira vistosa, de movimentos rápidos e seguros que abriu a porta da nova entidade sob uma postura de protecção total, era a guarda-costas de Santos Silva, uma mulher-polícia que vai dar que falar. Os novos governantes entraram apressadamente para o interior do palácio e a cerimónia teve lugar com o Presidente da República a discursar após a posse do novo governo chefiado por António Costa. Mas, o inesperado estava para acontecer.

Marcelo Rebelo de Sousa tem uma experiência política que o leva a escrever discursos, por vezes, estonteantes. E foi o que aconteceu. Quando menos se esperava o Presidente Marcelo virou-se para os presentes e salientou que uma maioria absoluta não é o mesmo que “poder absoluto” ou “ditadura da maioria”, termos que Mário Soares já tinha usado dirigindo-se a Cavaco Silva. Um discurso que ia deixando a plateia cada vez mais perplexa.

Um discurso que se iniciou com uma longa reflexão sobre a guerra que acontece na Ucrânia (“sabemos que ninguém gosta de passar de potência mundial a potência regional”), o Presidente exigiu, quanto à agenda interna, “passos mais vigorosos” na reforma do sistema de justiça, “reformar com brevidade e bem” o Serviço Nacional de Saúde, mudanças no sistema eleitoral que o tornem “mais eficaz cá dentro e lá fora”, que os fundos europeus “avancem depressa” para “remendar o que há a remendar e construir o que houver para construir”.

Um discurso como nunca tínhamos ouvido a Marcelo Rebelo de Sousa e o pior ainda estava para vir. Uma posição presidencial que deve ter deixado o próprio primeiro-ministro de boca aberta, o que não se viu por estar de máscara na cara. O aviso do Presidente dificilmente poderia ter sido mais claro: agora que tem maioria absoluta, Costa tem de governar “sem desculpas nem álibis”. E que nem pense em, a “meio caminho” zarpar para a Europa. Acabava de nascer um novo tabu.

Um novo tabu porque há muito que se fala na ambição de António Costa pretender ocupar em 2024 o lugar do belga Charles Michel na presidência do Conselho Europeu. Não é por acaso, que Costa colocou no Governo os delfins que têm sido apontados como seus possíveis sucessores à frente do Partido Socialista, Pedro Nuno Santos, Mariana Vieira da Silva, Fernando Medina e Ana Catarina Mendes. Por mais que os jornais porta-vozes do Governo digam que o primeiro-ministro cumprirá a legislatura, o tabu manter-se-á até 2024. Costa sempre foi ambicioso e a maioria absoluta dá-lhe, feliz ou infelizmente, o direito de fazer o que quer.

No entanto, o Presidente Marcelo já avisou que se António Costa resolver imitar Durão Barroso promoverá eleições antecipadas. Estamos perante um tabu de certo modo triste. Quando se esperava que o novo Governo pudesse durante os próximos quatro anos e meio tudo fazer para mudar Portugal, já só se sabe comentar que a meio do trajecto o primeiro-ministro vai para a Europa a fim de se tornar em uma personalidade de cariz internacional. Uma coisa é certa, o povo confiou em António Costa e concedeu-lhe uma maioria absoluta.

Porque gostou do seu trabalho, porque soube escolher a pessoa ideal para coordenar a vacinação nacional que já matava milhares de portugueses. O povo pensou que oferecendo-lhe a maioria absoluta tudo passaria a ser diferente com uma governação preocupada, em primeiro lugar, nas pessoas que sobrevivem com dificuldades imensas.

A ideia de António Costa de ir para o Conselho Europeu é de tal forma quase que vinculativa, que até no seio de os socialistas não se fala em outra coisa. O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, chegou a afirmar numa entrevista da semana passada que António Costa “faria bem qualquer cargo a nível europeu. Não tenho nenhuma dificuldade em perceber, que de facto, a função de presidente do Conselho Europeu possa pela primeira vez ser ocupada por um português”. Para nós, estas entrevistas não são por acaso na mesma semana em que o novo Governo tomou posse e em cuja cerimónia o próprio Chefe de Estado veio dar um recado de tão grande importância que nos leva a afirmar que nasceu um novo tabu.

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