Pasolini

No ano do centenário de Pasolini lembremos a força do destino – do seu- que foi brilhante e trágico, sempre olhando do cimo de uma paisagem vulcânica num fim de tarde quase opuscular, interpelando-nos com dureza, fixo como uma estátua num manto inolvidável de secura. – É ele! O homem da máscara de ferro, senhor dos anéis do fogo profundo. Abeiramo-nos de uma lenda que se parece precipitar para o abismo e ficamos hipnotizados.

Sabemos que o risível com ele morreu, começando nós aí uma outra vida colada àquela imagem que paradoxalmente nos segura, nunca mais nos deixa, e não nos desfazemos dela colando-se-nos até ao sangue.

Esta inquietação soberana é apanágio humano, mas de Humanidade todos temos pouco, embora nos revisamos na nomenclatura da espécie, mas naturalmente nunca lembramos ninguém passados que são os primeiros instantes, ou somente nos fixamos por sujeição com que a espécie nos domina, mas isso são outros protocolos.

Se um filme seu fosse um livro de poemas – Poesia in forma de rosa- estaríamos mergulhados na imagem de Maria no Evangelho segundo S. Mateus, a mais bela imagem cinematográfica do mundo, verdadeira Rosa de Jericó. Jamais veremos tamanho gigantismo de perfeição! O poema carnal que constrói é a manifestação de um dom que ao feminino comum transcende e o masculino não merece conhecer, e isto porque ele viu a parte integrante de qualquer coisa que a outros parece ter falhado. Apenas escutando, sabemos como se projecta na nossa visão interior (tudo ao contrário de Medeia, força inalcançável e suspensa da altura dos vulcões que o emblemam) ele deixou bem claro que foi como poeta e não como cineasta que realizou tamanhos filmes, creio que nem seria preciso mencioná-lo, pois que fica clara a diferença sobeja entre uma e outra coisa.

Pasolini era comunista. Um braçado de coisas magníficas em progresso num mundo virulento, que hoje continua tanto ou mais que no seu tempo, e foi levado a esse ideal por respeito aos trabalhadores na luta contra os latifundiários, a seguir à guerra. O seu génio não estava amordaçado pois que na saga das causas mais dignas ele não ripostou e adentrou-se na marcha daqueles excluídos. Está tudo certo com a densidade humana que nos apresenta, e não tenhamos ilusões acerca dos inúmeros esquecimentos estratégicos que desejam separar a condição da sua causa.

Vivemos barricados de vilania mediática, lasciva e lacrimosa, com funcionalidades morais que teriam feito corar de vergonha uma personalidade assim. Vem isto à guisa das inúmeras demonstrações pacifistas que nos vêm atolando de reservas (de vez em quando devemos ausentar-nos dos lugares dos Deveres, para o Mundo Ocidental – e regressar com a coroa de louros da Integração……in- Carta (Suja)
Talvez lembrar o que mais nos amortalha hoje pela voz de Pasolini:

« Quanto ao futuro, escute:
os vossos filhos fascistas
vogarão
rumo aos mundos da Nova Pré- história.
Eu ficarei aqui,
como quem sonha com a perdição
à beira do mar
onde a vida recomeça.

Não ficaria! Pasolini foi assassinado. A investigação à sua morte é até hoje um mistério, e nós não poderemos brindar com a batuta de meros usufrutuários o nome de código de um deus mediterrânico neste beiral de uma consciência bárbara.

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