VI – O Boyi

Os antigos atribuíam à montanha Ji (Jishan) propriedades distintas, consoante se referiam à encosta norte, onde proliferavam árvores consideradas estranhas e inclassificáveis; ou à encosta sul, onde o jade esporadicamente emergia emprestando à terra rochosa uma tonalidade esverdeada.

Esta insólita montanha, povoada por animais tão bizarros quanto as árvores voltadas a norte, ainda hoje é difícil de mapear e os geógrafos chineses não conseguem chegar a acordo sobre a sua exacta localização. Um destes cientistas, talvez alienado pelas dificuldades da tarefa, aventou a hipótese de se tratar de um acidente geológico lunar, detectado através de telescópios primitivos, também eles desaparecidos na voragem dos tempos e das eras. Mas, perante uma tão assombrosa teoria, nenhum dos seus pares lhe concedeu o menor crédito e, cruelmente, não só desprezaram como troçaram atrozmente dos seus artigos, o que o terá levado ao suicídio na tenra idade de 34 anos.

Ora nessa mesma montanha Ji existia uma besta, a que deram o nome de boyi, cujas características faziam abrir as bocas de espanto e medo, a quem com ela se cruzava. Possuía este animal a forma aproximada de um bode e como estes bichos ostentava uns cornos salientes. Contudo, o boyi era ainda composto de nove caudas e quatro orelhas. Como se não bastasse tanta bizarria, para aumentar a estranheza do seu aspecto, no farto lombo haviam-lhe nascido dois olhos.

Numerosos sábios tentaram explicar as razões para tamanha dissemelhança com as outras bestas e elaborado hipóteses que justificassem a existência de dois globos oculares nas costas do animal. Um deles, vindo do norte do país, carregado de arcaicos alfarrábios enrolados, escritos no alfabeto das tribos manchu, garantia que se tratava do cruzamento de um deus guerreiro, entretanto morto ou desaparecido, com uma cabra selvagem. Esta teoria foi, no entanto, rapidamente refutada pelo facto dos sábios chineses, ao contrário dos gregos, encararem com cepticismo a possibilidade destas anómalas uniões poderem de algum modo ser frutíferas.

Assim, mais depressa seguiram a teoria de índole evolucionista de um outro sábio, por acaso nascido perto de Jishan, segundo a qual os dois olhos haviam nascido nas costas do boyi porque, ao longo dos séculos, o animal fôra a presa favorita de ferozes e esfomeados tigres, que o atacavam pelas costas quando ele, distraído, sorvia água num qualquer lago ou ribeiro. A constante repetição deste triste evento teria então feito com que o boyi desenvolvesse aqueles dois olhos no lombo, de modo a dar pela aproximação dos tigres e, imediatamente, em lestos saltos, desaparecer montanha acima para lugares que nem a agilidade dos tigres lhes permitia alcançar.

Então, graças aos olhos lombares, quando chegava a hora de se dessedentar, o boyi passou a acercar-se sem temor de rios, ribeiros e lagos, e ainda hoje se acredita que quem usar um pedaço da sua pele no cinto, deixará de sentir medo, seja em que situação for, e alegremente se apresentará na linha da frente da mais estrepitosa batalha.

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